Cem Perguntas a Von Balthasar

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  • 8/23/2019 Cem Perguntas a Von Balthasar

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    Cem perguntas a von Balthasar

    Traduo Ptmore by Daniel Afonso

    Cem perguntas a von Balthasarentrevistador Erwin KollerPadre Hans Urs von Balthasar, voc nasceu poucos anos depois do

    1900. No prximo sculo no lhe esperam portanto muitos anos. Osacontecimentos principais deste perodo so, para um contemporneo, asduas guerras mundiais, o enorme progresso da civilizao e hoje, um pouco

    por todo lado, a percepo dos limites do desenvolvimento. Voc comotelogo tem a viso daquilo sem tempo, para o eterno. Com que medidamediria esta poca?

    um tempo muito longo. Mas da minha juventude, aquilo quesobressai j de h muitos anos, partindo de um tpico: primeiro de tudocresci num catolicismo convencional. Nos colgios que frequentei tive aexperincia de um mundo mais ou menos so. De resto a guerra mundial passada durante a minha juventude. Eu ainda andava na escola quantolevava para casa os boletins sobre aquilo que acontecia em Marna. Os anos

    do ps-guerra foram duros e amargos; no colgio, e sobretudo a Viena,percebia-se fortemente. Viena era uma cidade pobre que contudo a mim meimpressionou bastante. O perodo final da Segunda Guerra Mundialpercorri em parte na Frana.

    Depois trabalhei no Mnaco na revista Stimmen der Zeit e videsfilar Hitler ; senti as SS a marcharem durante a noite. De 40 a 50 estivena Sua. A partir do terrao sobre o Reno onde eu morava senti as bombase as granadas que voavam. Depois, veio com o Conclio, um novocatolicismo. Eu tinha pensado que deveria vir qualquer coisa do gnero. Jo tinha previsto e predito no livro Schleifung der Bastionen (Abater osbasties).

    E alguma coisa do gnero veio de facto. Depois, contudo, abateramum pouco de mais, tanto que o meu velho amigo Karl Rahner disse:Primeiro ramos de esquerda, agora com um salto encontramo-nos direita; contudo no mudamos absolutamente nada. E isto verdade. Pelomenos para mim. Mantive sempre a mesma atitude de fundo: coloca emevidncia o essencial da revelao crist.

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    Se portanto lhe est no corao o essencial da revelao crist, osacontecimentos so para si como que o encrespar-se do mar sobre os seusabismos?

    So qualquer coisa mais. So a histria da revelao no mundo. Defacto a histria que pode ser muito agitada.

    Para o homem contemporneo, que acredita contudo no acivilizao e no progresso, a histria o resultado do prprio fazer, de ummundo construdo por si mesmo. Para o telogo a questo coloca-se deoutra forma? Aceita que o destino seja guiado a partir do alto?

    Naturalmente. Mas Deus deu ao homem a liberdade e colocou-lheeste mundo disposio; ele deve plasm-lo. Deus por assim dizersupervisiona e garante que as coisas no vo completamente para o torto.

    Mas ns permanecemos amplamente responsveis por aquilo que acontece.Nem sequer um poltico cristo pode por isso valer-se do facto deque Deus a guiar a histria?

    No, em nenhum caso. Ele pode estar ciente disso. Por isso existeuma orao cristo de modo que a fora de Deus se torne tangvel e eficazna histria. Mas s com a orao no se conclui nada.

    Mas como faz um poltico para Conciliar as duas coisas: que se bemque o homem proponha um outro que dispe?

    No um outro, mas aquele que Tudo; aquele que no pode ser

    definito, segundo uma definio de Deus. Mas Ele no algum ao lado.Portanto a responsabilidade do homem e a vontade de Deus no

    esto em contradio?Jamais, jamais! E no tem sentido especular sobre o modo no qual a

    sua unidade se divide e depois se recompe.Tornemos ao perodo da sua juventude. Quanto explodiu a Primeira

    guerra mundial voc tinha nove anos; quando acabou tinha catorze.Naquela altura explodiu na Sua a greve geral. Foi um evento sentido porsi, na sua Lucerna catlico-burguesa?

    Nessa altura eu estava em Engelberg . De tudo aquilo ns no nosapercebemos de nada.

    Estvamos num mundo conventual fechado. Tnhamos, muitoacentuados os nossos interesses: a msica e tantas outras coisas. Mas paraaquele que olhava para os acontecimentos externos No n tnhamosnenhum jornal.

    No haviam jornais?Haviam, mas para os Padres, no para ns.E quanto explodiu a guerra?

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    Nessa altura estava na mostra regional de Berna. Era uma pequenacriana. O meu Pai disse-me: Mir mend hei , que em suo que dizerdevemos ir para casa. O meu Pai queria dizer: explodiu a guerra. Mas euno tinha uma ideia precisa daquilo que fosse a guerra.

    Da famlia von Balthasar so sadas muitas figuras polticas.Tambm o seu pai, como engenheiro de construo do canto , tinha umacarga poltica. Por sua vez nestas famlias por norma tornam-se polticos,oficiais, ou sacerdotes. Para si no foi mais prevista uma carreira poltica?

    No, absolutamente. Desde o incio interessei-me pelas cinciashumanas e diziam-me que devia ver bem antes de abrir a boca sobreargumentos polticos. Que no percebia nada disso. E era verdade.

    E os seus ateneus? Voc foi baptizado tendo em conta Franz Urs, um

    grande iluminista do sculo XVII; como do outro lado o foram, ainda quemais veementemente, o seu filho Josef Anton Feliz no tempo da RevoluoFrancesa e o seu sobrinho Josef Anton. Ele fundaram bibliotecas eempenharam- se na educao do povo. Influenciaram a sua formao?

    No. No soube nada destas figuras. Certo, que tnhamos um livrode famlia, mas desde criana que nunca mais o vi. Nem era que coisa queme interessasse grandemente. Porque no colgio entrava- 3 se assim jovem,e durante oito ou nove anos seguidos, o mundo no fundo eracompletamente outro. E aquelas coisas no mais interessavam.

    Mas naquele perodo havia j quem interpretasse a histria doesprito como histria social; por exemplo Max Weber, ou ainda antes KarlMarx. Para si aquela no foi mais uma soluo? No entan to, as questessociais naqueles anos afligiam muitos homens

    No, para mim no foi um problema, tirando o facto de que por umcerto perodo em Viena sofre literalmente fome, tinha de facto pouqussimodinheiro e era obrigado a comer em locais miserveis.

    Ali se viam os efeitos da guerra. Mas para chegar a Max Weber no preciso isto. Em Viena estudei germanstica, matria na qual consegui o

    doutoramento. De facto, no possuo nenhum doutoramento em teologia.Mais tarde li um pouco de sociologia, mas nunca fui notavelmenteinfluenciado.

    Contudo voc escreveu muitas histrias de santos, submergiu-se navida destes homens.

    Porque, tanto quando se pode ver da sua pessoa o elementobiogrfico, nesse sentido da experincia espiritual do enredo, a histria decada dia permanece-lhe intocvel?

    Existiriam sempre homens singulares sobre os quais tive a intuio:este um homem importante, devo-o conhecer, devo seguir o seu itinerrio.

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    E eram sempre pessoas que tinham o elemento religioso no seu centro.Aquele que me fascinou particularmente foi Bernanos que agora est a serpolitizado no Brasil foi a sua concepo da Igreja na sua concretizao.Em Reinhold Schneider foi uma outra coisa: nele me interessou o conflito,que emerge de todos os seus livros, entre a potncia mundana e a espiritualda histria do mundo.

    E existia uma razo precisa: a parti do meu perodo nos jesutas, dotempo da comunidade dos consagrados no mundo, dos institutos seculareseste conflito com o homem da sociedade ocidental perenemente actual.

    Voc dedicou a sua dissertao sua me, que morreu no ano noqual voc entrou nos jesutas.

    Que coisa lhe deu a sua me no decurso da sua vida?

    Um grandioso exemplo de pacincia e de dor. E ela todas as manhs,partia da nossa casa, que estava sobre o monte, para descer abaixo at Igreja. Uma imagem incomparvel. Como lhe posso explicar, no haviauma grande intimidade e no dizamos muitas coisas, mas a veneraosempre foi grande. Para com os meus pais.

    Voc encontra-se regularmente ainda hoje com os membros da suafamlia, se bem que se tenha tornado um cidado do mundo. As obras sotraduzidas em vrias lnguas, recebeu honras de todos os pases econtinentes. Que coisa significou para si a famlia?

    Da nossa famlia no resta quase ningum. O meu primo, teminteresses completamente diversos, director de uma fbrica. Vejo-o muitoraramente. O meu irmo foi oficial da Guarda Sua e agora, depois demuitas operaes e de um longo sofrimento um feliz pater familias emVailese.

    Encontro-me regularmente com ele. Somos muito ligados mas emdiferentes caminhos. O meu mundo fora da Sua.

    Que coisa significou para si a sua ptria lucerna, ou tambmBasileia, onde vive h j quarenta anos? Existe qualquer coisa na sua opera

    que poderia nascer apenas aqui?Duvido. As minhas coisas nasceram em Viena, na Frana, grande

    parte na Alemanha. Com a Sua tenho pouco a fazer. E por outro lado aquiningum quer saber de mim. Assim sou feliz de poder viver em paz nesteangulo a partir de onde posso chegar em pouco tempo a Paris, Colnia ouMunique.

    Voc depois foi convidado pela sua famlia para a Academia, emEngelber pelos beneditinos e em Feldkirch pelos jesutas. Do catolicismodaquele perodo j nos falou. Mais tarde encontrou naqueles anos naAcademia e na Universidade o jovem Josef Rast. Depois da sua morte

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    prematura publicou as suas cartas. Encontrei um prefcio onde escreve. Ele Josef Rast fez uma escolha superando ao longo da sua estrada tantasptridas, ridas e hipcritas aguas estagnadas do catolicismo. umaimagem do catolicismo que tambm voc viveu?

    uma expresso um pouco forte. Mas ele tinha uma visopenetrante. Era tudo orientado para existencial e cultural ltima. Queriarenovar o catolicismo na Sua.

    O catolicismo nos tempos da academia parecia-lhe j necessitado deser renovado? Porque que, por exemplo, mudou dos beneditinos para os

    jesutas?Fomos trs, trs grandes amigos que pensamos: agora basta deste

    convento. Queramos mudar um pouco de ares. Eramos independentes, e

    no dissemos nada aos nossos pais, mudamos directamente e fomos paraFeldkirch . No lhes dissemos nada nem quando fomos a Zurique para fazeros exames finais. Muito antes do tempo. Quase no os superei e em casa foiuma grande surpresa quando apareci.

    Pensaram que eu tinha sido expulso. Mas tinha comigo o diplomados exames finais. Com um ano e meio de antecedncia.

    Voc frequentou a escola dos Jesutas a Feldkirch, uma escola derenome. Porque que depois no entrou directamente nos jesutas?

    Nunca tinha pensado nisso. Mesmo nunca. Interessava-me muito

    mais, naturalmente depois da msica, os poetas e um pouco de filosofia.Que coisa podia ser a filosfica ficou bastante claro para mim depois daminha primeira vez em Viena.

    Porque que foi para l, no fim da guerra mundial, na capital damonarquia danubiana que foi derrotada?

    No me lembrou bem. Mas diria que foi pela msica.Que coisa o fascinava?Fazamos verdadeiras saturnais de msica de concertos, de missas,

    de peras. De tudo. Aos domingos em Viena podamos ouvir msica de

    manha noite.Voc chegou a fazer msica?At ao fim da minha juventude. Tinha naquele tempo um caro

    amigo, um homem muito importante Rudolf Aller . Era mdico, psiclogo,dirigia um instituto de psicologia. Era filsofo. Era tambm um telogocristo. Tinha traduzido So Toms de Aquino e Santo Anselmo.Hospedou-me em sua casa e ali vivi um belo perodo. Todas as noitestocvamos uma sonata de Mahler a quatro mos. Era o nosso modo paranos relaxarmos

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    E apesar de tudo isto, voc depois foi para Berlim. Com quemovimentos intelectuais e polticos entrou em contacto l?

    Pensei que devia mudar. Apenas Viena era, talvez, pouco. MasBerlim foi horrendo. Aquela cidade repugna-me. Apenas houve uma pessoaque me trouxe conforto: Romano Guardini . Tinha chegada h pouco tempode Breslvia a Berlim; tinha uma ctedra especial fora da faculdade. Osseus ouvintes eram poucos. Eramos seis ou sete num num seminrio elemos juntos Kierkegaard. Foi muito belo.

    Durante estesa nos deve ter iniciado a escrever a sua dissertao.Escreveu um livro, concludo em 1982, a partir do qual resultouApokalypse der deutschen Seele (O Apocalipse da alma alem).

    Este trabalho tem a ver com experincias, entre as quais polticas e

    intelectuais, que voc fez em Berlim?Terei de reflectir sobre a forma como cheguei a este tema. Queriaestudar a fundo as posies humanas fundamentais dos grandes pensadorese poetas alemes Apocalipse significa revelar e colher assim as razes daalma alem. Fi-lo de Kant a Bloch, do qual estavam naquela altura a sair osprimeiros livros. Scheler era j difundido, tinha-o ouvido em Berlim, e KarlBarth tambm o era no incio.

    Mais tarde conheci-o completamente mudado. Por isso aquele livroest totalmente superado: as pessoas mudaram.

    Voc no pensa que o Apocalipse, esta revelao do Esprito, tenhaqualquer coisa haver com a terrvel daqueles anos?

    Claro que tem haver. O segundo volume centralizado sobreDostojewski e Nietzsche .

    Trata-se das decises fundamentais, a favor e contra; a deciso deser de Cristo ou de Dionsio. E este o fio que atravessa a minha obra.Tambm em Fichte , por exemplo como faz este homem para retornar porfim ao Evangelho de Joo? Porque Hegel parte do Evangelho de Joo e oseculariza depois na dialctica infinita? Que outra coisa o marxismo se

    no um messianismo secularizado, isto hebrasmo?Porque que no meio destes espritos explodiu uma guerra?Porque o homem livre. Deus no constringe ningum a aceitar este

    misterioso cristianismo.Existem sempre as razes contrrias. Se olhar para a histria da

    Igreja teria muito de ver, mas no, por cortesia. A coisa torna-se plausvelquando nos confrontamos directamente com o dado originrio.

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