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Cemitérios teutos em terras catarinas: o inventário de cemitérios de imigrantes alemães da Grande Florianópolis. Elisiana Trilha Castro 1 O objetivo deste artigo é apresentar o projeto “Inventário de cemitérios imigrantes alemães da Grande Florianópolis” realizado em 2007. O inventário localizou e registrou os cemitérios que continham elementos funerários característicos das comunidades teuto-brasileiras presentes nas áreas de colonização alemã na Grande Florianópolis (SC), formada por 13 municípios. Este artigo apresenta os objetivos, metodologia e parte dos resultados deste inventário e destaca a importância da realização de trabalhos de preservação voltados a preservação dos cemitérios. Palavras chaves: Cemitério, imigração alemã e patrimônio cultural. 1. Apresentação do inventário e seus objetivos Os cemitérios são locais que abrigam os corpos sem vida e possibilitam a prática de rituais voltados a atualização da memória do morto e das crenças relacionadas à morte. Estes locais, por sua função, são plenos de significados e guardam importantes registros da comunidade ou da sociedade que representam. Portanto, são parte importante destes grupos e podem por meio de um olhar atento, fornecer informações acerca daqueles que o produziram. Em Santa Catarina encontramos muitos cemitérios contemporâneos e os mais antigos, em uso ou abandonados. Alguns destes participaram do “Inventário de cemitérios de imigrantes alemães da Grande Florianópolis” 2 que será aqui apresentado. O “Inventário de cemitérios de imigrantes alemães da Grande Florianópolis” teve por propósito localizar e destacar os cemitérios relacionados com a participação dos imigrantes alemães na formação de nosso Estado, mais especificadamente na região da Grande Florianópolis. O inventário também teve por objetivo, contribuir para a preservação destes lugares evidenciando o valor destes como bens culturais, já que por meio das construções funerárias, é possível contribuir, de diferentes formas, para a história das localidades formadas por comunidades teuto-brasileiras na Grande Florianópolis. 1Graduada em Historia (UDESC), Mestre em Arquitetura (UFSC), doutoranda em História (UFSC) e membro da ABEC – Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais, fundada em 2004. 2Projeto aprovado pelo Conselho Estadual de Cultura, na forma prevista nos Artigos 20, 22 e 23 do Decreto nº 3.115, 29 de abril de 2005 e homologado pelo Comitê Gestor, de acordo com o Artigo 11, item II, do mencionado Decreto, sob PTEC - 1261/053.

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Cemitérios teutos em terras catarinas: o inventário de cemitérios de imigrantes

alemães da Grande Florianópolis.

Elisiana Trilha Castro1

O objetivo deste artigo é apresentar o projeto “Inventário de cemitérios imigrantes alemães da Grande Florianópolis” realizado em 2007. O inventário localizou e registrou os cemitérios que continham elementos funerários característicos das comunidades teuto-brasileiras presentes nas áreas de colonização alemã na Grande Florianópolis (SC), formada por 13 municípios. Este artigo apresenta os objetivos, metodologia e parte dos resultados deste inventário e destaca a importância da realização de trabalhos de preservação voltados a preservação dos cemitérios. Palavras chaves: Cemitério, imigração alemã e patrimônio cultural.

1. Apresentação do inventário e seus objetivos

Os cemitérios são locais que abrigam os corpos sem vida e possibilitam a prática

de rituais voltados a atualização da memória do morto e das crenças relacionadas à

morte. Estes locais, por sua função, são plenos de significados e guardam importantes

registros da comunidade ou da sociedade que representam. Portanto, são parte

importante destes grupos e podem por meio de um olhar atento, fornecer informações

acerca daqueles que o produziram. Em Santa Catarina encontramos muitos cemitérios

contemporâneos e os mais antigos, em uso ou abandonados. Alguns destes participaram

do “Inventário de cemitérios de imigrantes alemães da Grande Florianópolis” 2 que será

aqui apresentado.

O “Inventário de cemitérios de imigrantes alemães da Grande Florianópolis”

teve por propósito localizar e destacar os cemitérios relacionados com a participação

dos imigrantes alemães na formação de nosso Estado, mais especificadamente na região

da Grande Florianópolis. O inventário também teve por objetivo, contribuir para a

preservação destes lugares evidenciando o valor destes como bens culturais, já que por

meio das construções funerárias, é possível contribuir, de diferentes formas, para a

história das localidades formadas por comunidades teuto-brasileiras na Grande

Florianópolis.

1Graduada em Historia (UDESC), Mestre em Arquitetura (UFSC), doutoranda em História (UFSC) e membro da ABEC – Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais, fundada em 2004. 2Projeto aprovado pelo Conselho Estadual de Cultura, na forma prevista nos Artigos 20, 22 e 23 do Decreto nº 3.115, 29 de abril de 2005 e homologado pelo Comitê Gestor, de acordo com o Artigo 11, item II, do mencionado Decreto, sob PTEC - 1261/053.

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Para muitos, por questões culturais ou religiosas, o cemitério é somente o local

no qual são sepultados os mortos, mas a proposta deste inventário foi apontar como os

cemitérios guardam em suas lápides, em seus túmulos e em sua disposição espacial,

importantes elementos culturais. Por meio da coleta de imagens e da descrição de suas

características, procurou principalmente destacar o estado preocupante em que se

encontram. A maioria apresenta problemas como erosão, túmulos quebrados com

muitos fragmentos tumulares amontoados e são vítimas de ações de vandalismo que

impactaram de forma significativa tais lugares ao longo dos anos, fazendo desaparecer

muitos de seus registros.

Figura 1 – Detalhes da arquitetura funerária dos cemitérios inventariados

Sendo um dos primeiros lugares a serem instalados na formação das cidades, os

cemitérios guardam, de forma significativa, os registros mais pretéritos. No caso da

instalação das colônias, formadas por imigrantes em Santa Catarina não foi diferente.

Estes grupos, assim que chegavam em solo catarinense, também tiveram que criar seus

espaços para sepultamentos, já que no início da formação das recém-criadas colônias,

gerlamente o “[...] primeiro passo era a instalação dos equipamentos urbanos, iniciada

com a construção de uma igreja, um cemitério, uma escola” (ALENCASTRO;

RENAUX, 1997, p. 322).

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A vinda de imigrantes para o Brasil, decorrente, dentre outros motivos, das

crises econômicas e sociais que atingiram a Europa no século XIX, permitiu que

alemães, italianos e espanhóis, por exemplo, participassem da composição da história

catarinense como de outros estados brasileiros (ALENCASTRO e RENAUX, 1997).

Hoje Santa Catarina se destaca pela presença de diferentes etnias que deixaram suas

marcas culturais em várias cidades e, dentre as mesmas, está a etnia alemã3 que foi foco

desta pesquisa.

A primeira colônia alemã em Santa Catarina foi São Pedro de Alcântara,

instalada em 1829 e parte destes imigrantes instalados em São Pedro de Alcântara ainda

nos primeiros anos, estabeleceram-se em outras regiões, formando núcleos como

Vargem Grande, no atual município de Águas Mornas e, entre 1847-1860, outros

núcleos populacionais foram criados como Piedade e Santa Isabel, Leopoldina e

Teresópolis (KLUG, 1994).

A formação destes núcleos deu origem à maioria dos municípios que fizeram

parte deste inventário e que formam a região da Grande Florianópolis4 que foi a área

escolhida para a pesquisa, atualmente composta por 13 municípios. Os municípios

pesquisados foram Antônio Carlos, Angelina, Anitápolis, Águas Mornas, Santo Amaro

da Imperatriz, São Bonifácio, São Pedro de Alcântara e Rancho Queimado.

Além destes, também participaram os municípios de São José, Palhoça, Biguaçu,

Governador Celso Ramos e Florianópolis, que diferente dos demais supracitados, estes

cinco últimos destacam em sua formação outras etnias, principalmente a açoriana. Estas

particularidades foram comprovadas durante o levantamento realizado em seus

cemitérios que apresentaram dentre outros grupos étnicos, poucas ou nenhuma

referência dos imigrantes germânicos e outros. No caso da capital Florianópolis, a

presença dos alemães na formação cultural da cidade - destacada em obra do historiador

João Klug (1998) - pôde ser vista de forma significativa no cemitério da Comunidade

luterana, localizado dentro do cemitério São Francisco de Assis, no bairro do Itacorubi,

cemitério mantido pela ACCAF (Associação do Cemitério da Comunidade Alemã de

Florianópolis) e que preserva um importante conjunto tumular.

3A opção por esta etnia é decorrente dos estudos desenvolvidos pela coordenadora do inventário sobre os cemitérios ligados aos imigrantes de origem germânica. No contexto desta análise, o termo germânica (o) é utilizado de forma correlata ao termo alemã (o) e teuto-brasileiro. 4Oficializada pela Lei Estadual Complementar nº 162/98 do Estado de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 12 out. 2007.

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2. O inventário e suas características

O objetivo do inventário foi destacar o valor dos cemitérios na expressão de

rituais, costumes e de referenciais identitários das comunidades teuto-brasileiras que

ficam guardados em sua apresentação. Foi priorizada a busca pelos cemitérios mais

pretéritos instalados nos municípios desta região com sepultamentos até a década de

1950, os quais possuem maior proximidade temporal com os imigrantes ali

estabelecidos desde as primeiras décadas do século XIX.

Importante destacar que com relação a estes locais de sepultamento, os

cemitérios que participaram deste inventário são cemitérios conhecidos como a “céu

aberto” ou secularizados, em sua maioria, surgidos no Brasil no século XIX. Estes

cemitérios são caracterizados pela presença de sepultamentos realizados em construções

funerárias, como túmulos5 ou mausoléus6, podendo também aparecer na forma de cova

simples7, fora do espaço interno das igrejas, já que até por volta de 1850, os

sepultamentos no Brasil ocorriam muitas vezes dentro das igrejas em suas paredes e

chão (PAGOTO, 2004).

O cemitério, ao contrário de muitos lugares, costumes e construções é raramente

lembrado como um referencial patrimonial ou como parte de um conjunto de bens que

permite conhecer as práticas culturais de um determinado grupo. Possivelmente, o não

reconhecimento dos cemitérios como parte da história das cidades seja o motivo pelo

qual, os mesmos estejam em estado precário de conservação, algo que foi percebido

principalmente na situação dos túmulos mais antigos encontrados durante este

levantamento.

Para contribuir para a preservação dos cemitérios em nosso Estado, foi feita a

opção pela realização de um inventário, por ser uma etapa fundamental para o

desenvolvimento de políticas de preservação e um importante instrumento

metodológico para recolher informações, que permitem identificar bens culturais,

informar sobre o estado de conservação e fornecer dados para a sua preservação e

5Entende-se por túmulo, a construção erguida em memória de alguém no lugar onde se acha sepultado, que pode abrigar um ou mais sepultamentos. Obra cemiterial composta por uma construção tumular que pode cobrir o espaço da sepultura ou delimitá-la podendo contar lápide vertical ou cabeceira localizada, geralmente na parte superior da mesma. 6Trata-se de um túmulo de grande porte, que ultrapassa as dimensões do túmulo por meio de formas que remetem a casas, capelas e que podem agregar diferentes referenciais, como esculturas e outros ornamentos, podendo abrigar um ou mais sepultamentos. 7 É o local de sepultamento que não possui construção tumular, composto somente por uma cruz ou outro tipo de sinalização da sepultura.

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pesquisa. De acordo com o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional), “[...] o inventário é a primeira forma para o reconhecimento da importância

dos bens culturais e ambientais, por meio do registro de suas características principais

(IPHAN, 2007)”.

Figura 2 – Ornamentos e formatos tumulares dos cemitérios inventariados

Tal como o Cemitério de Joinville (SC), tombado pelo IPHAN em 1962 e que

hoje é preservado por seu valor cultural, busca-se por meio deste inventário e das

informações coletadas em cada cemitério, contribuir para a valorização destes lugares

como integrantes do patrimônio cultural brasileiro.

O inventário localizou e destacou os principais elementos funerários de

cemitérios de imigrantes alemães presentes na região da Grande Florianópolis. Foram

mapeados no inventário 104 cemitérios em 13 municípios. Diante da proposta de

inventariar cemitérios que poderiam ser considerados como representativos dos

imigrantes alemães na grande Florianópolis, foram destacados em forma de fichas

inventariais, aqueles que apresentavam de forma significativa elementos funerários

característicos das comunidades teuto-brasileiras, em um total de 60 deles.

Os demais 44 cemitérios que apresentavam pouca ou nenhuma referência das

práticas funerárias relacionadas com os cemitérios das comunidades teuto-brasileiras,

foram listados no inventário em tabelas presentes em seus respectivos municípios,

sendo que cada um deles recebeu um texto com características gerais, além imagem

com vista panorâmica do mesmo.

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Os cemitérios foram localizados a partir de uma pesquisa que englobou os

mapas municipais do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, as

prefeituras, listas de genealogistas, bibliografias e também através da colaboração de

moradores das localidades visitadas. Apesar de tais medidas, não se descarta a

possibilidade de algum cemitério não ter sido localizado, dado que mesmo aqueles que

constavam de mapas e outras fontes, eram muitas vezes localizados com dificuldade.

Os 60 cemitérios que possuem elementos das práticas funerárias teuto-brasileiras

possuem suas especificidades: são espaços de sepultamento utilizados por imigrantes

alemães chegados a partir de 1829, data da fundação da primeira colônia São Pedro de

Alcântara e ocorridos até as primeiras décadas do século XX, que apresentam

características identitárias destes imigrantes, dentre elas, sobrenomes e epitáfios em

alemão. A datação foi definida considerando como o período da grande imigração

alemã o ano de 1829 até as primeiras décadas do século XX, como destaca a autora

Giralda Seyferth (1993): “O contingente imigratório de origem alemã não foi o mais

significativo, apesar da sua continuidade: entre 1850 e 1938 não houve interrupção do

fluxo [...]” (p. 02).

A ficha foi definida a partir de uma metodologia de registro que buscou

incorporar as informações mais significativas, contendo dados gerais do cemitério,

sendo na parte das informações complementares, apresentadas informações e

características do cemitério, destacando sua relevância no conjunto de bens que são

referência cultural para a imigração.

Foi realizada uma coleta de dados dos materiais, tipos de túmulos, ornamentos,

além de outras informações como acesso, tipo de pavimentação localização e

conservação, presença de conjunto de sepultamentos de inocentes destacado,

localização dos sepultamentos mais antigos e sua datação, os ornamentos mais

recorrentes, presença de epitáfios em alemão, formatos tumulares singulares,

observações acerca da conservação, espaço para novas sepulturas e outros.

3. Resultados e considerações finais

Das diferentes situações encontradas ao longo do projeto “Inventário de

cemitérios de imigrantes alemães da Grande Florianópolis” primeiramente é importante

destacar a necessidade de projetos de preservação, principalmente atividades de

educação patrimonial. Apesar de muitos moradores valorarem os cemitérios pelo fato

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dos mesmos guardarem seus antepassados, por ser um solo repleto de sua história,

muitos registros importantes, como as lápides, onde estão as informações acerca do

sepultado, são as partes que estão mais impactadas e muitos nomes, datas e frases estão

quase apagadas. Atividades de educação patrimonial podem contribuir para amenizar

ações que destruam tal patrimônio e incentivar a preservação destes registros.

A partir das pesquisas em cidades como: Antônio Carlos, Santo Amaro da

Imperatriz, Angelina, Anitápolis, Águas Mornas, São Bonifácio, São Pedro de

Alcântara e Rancho Queimado foi possível perceber que seus cemitérios apresentam

determinados elementos comuns que apontam a contribuição de imigrantes de origem

germânica em sua formação. São elementos que se repetiam em outros sepultamentos

do mesmo período e também, em outros cemitérios, geralmente associados a

características que reforçavam a sua relação com a imigração germânica, como epitáfios

em alemão e sobrenomes dessa origem, características como:

� cruzes de madeira que geralmente apresentam detalhamento artístico utilizadas

como lápides e muitas com epitáfio,

� certos formatos tumulares padronizados que se repetem em vários cemitérios de

diferentes municípios,

� utilização de poucas imagens de anjos, santos e de alegorias como ornamentos,

adoção de tons de azul em lápides e cabeceira,

� localização em morros ou pequenos aclives, dentre outros.

� cruzes de madeira, que geralmente apresentam detalhamento artístico utilizadas

como lápides e muitas com epitáfio;

� cruzes de ferro em sua maioria com trabalho de serralheria artística

� adoção de tons de azul em lápides e cabeceira;

� lápides com epitáfio ou não, em cerâmica;

Estas características, juntamente com geb. que provém de geboren, que significa

nascido, e ges. que vem de gestoren - que significa falecido, compõem a maioria dos

epitáfios em alemão encontrados. Importante destacar também, que foram encontrados

epitáfios em alemão em sepultamentos recentes.

Outro elemento encontrado em alguns sepultamentos femininos foi a adição do

sobrenome de solteira na lápide, junto ao nome da sepultada. Esta prática foi observada

em quase todos os municípios pesquisados, sendo encontrados em maior quantidade nos

cemitérios de Águas Mornas, mas também, aparecem em cemitérios de Angelina,

Anitápolis, Antonio Carlos, Rancho Queimado e São Bonifácio. Foi observado que a

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prática era comum desde as últimas décadas do século XIX e se estendeu até a década

de 1940 nestes cemitérios, sendo também, encontrada em um sepultamento na década

de 1960. Característica encontrada pelo pesquisador Thiago Nicolau de Araújo (2006),

no cemitério Luterano Evangélico em Porto Alegre, como umas das formas de

preservação da identidade cultural dos alemães a partir de seus cemitérios.

Boa parte dessas características relacionadas à imigração alemã foram também

encontradas no cemitério São Francisco de Assis, em Florianópolis e em menor

quantidade em alguns cemitérios de São José. Em Palhoça foram encontrados em alguns

sepultamentos, em Biguaçu e em Governador Celso Ramos praticamente não foram

encontradas tais características. A ocorrência ou não destes elementos foi o indicativo

da relação dos municípios da Grande Florianópolis com a imigração germânica, o que

ratificou esses lugares, pouco valorados pelas ações de patrimonialização, dentre os

demais bens de valor reconhecidamente cultural.

A localização desses cemitérios também revela uma singularidade: eles são

geralmente encontrados em morros ou em pequenos aclives, ao lado de igrejas católicas

e luteranas ou próximas a estas. Algumas vezes, esta situação dificultava o acesso ao

local, agravado muitas vezes pela presença de vegetação que cobria o trajeto a ser

percorrido e muitos dos túmulos, já que boa parte dos cemitérios não possui

pavimentação.

Dentre as diferentes características que podem ser apontadas nestes cemitérios

estão os materiais utilizados na construção destes espaços. Percebeu-se que nos

sepultamentos antigos os materiais mais utilizados foram a madeira, o ferro e o cimento.

Nestes sepultamentos, ocorridos até as primeiras décadas do século XX, também são

freqüentes as lápides de basalto, de ferro e de cerâmica, essas últimas em diferentes

formatos e muitas dessas com epitáfio em alemão.

Também são comuns nesses sepultamentos determinados símbolos decorativos

como: palmas, corações, flores e as mãos juntas. Outra característica desses cemitérios é

a utilização de poucas imagens de anjos, santos e de alegorias como ornamentos. Outro

ornamento encontrado em alguns cemitérios foram as flores de ferro compondo coroas e

arranjos. Cabe destacar, que em muitos foram encontrados ornamentos, tais como

cruzes e partes de túmulos retirados de seus locais originais e abandonados dentro e fora

dos cemitérios, o que reforça a necessidade de ações para a preservação destes locais.

Os ritos funerários mais encontrados foram as flores artificiais em vasos ou em

formas de coroas e ramos. Também foram encontradas, uma composição de flores

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artificiais aplicadas sobre um suporte, geralmente, de isopor e em menor quantidade,

foram encontraram-se as velas e flores naturais plantadas em alguns túmulos. Esta

prática parece remeter ao costume do cultivo do jardim comum dentre os imigrantes

germânicos e raramente, foram encontradas visitas aos sepultados durante as pesquisas.

Dentre os cemitérios e municípios visitados, cabe destacar algumas situações

encontradas em virtude da sua importância para a história da imigração alemã em Santa

Catarina. Em São Pedro de Alcântara, no cemitério localizado próximo à prefeitura, ao

lado do caminho conhecido como “Caminho Imperial”, foi avistada apenas uma

estrutura coberta por vegetação alta. Esse cemitério datado do século XIX é um dos

mais antigos deste município, que foi a primeira colônia de alemães em Santa Catarina.

Mas, mesmo com projetos elaborados por parte de órgãos do município com o objetivo

de preservá-lo, a falta de apoio a estas ações vêm contribuindo para que o mesmo se

perca em meio à mata, destruindo assim, seus últimos referenciais materiais.

No mesmo município, o cemitério da localidade de Santa Bárbara, primeiro

núcleo de colonização alemã no Estado (REITZ,1992), foi visitado durante a pesquisa,

porém nesse local já não existem túmulos, mas um oratório construído com uma placa,

que rememora os primeiros imigrantes que chegaram ao município e ali se

estabeleceram, construção essa mantida pelos atuais donos do terreno.

A placa apresenta a seguinte inscrição:

“Wanderer, wo dir stehst ist beiliger Boden. Hier stand von 1838 bis 1915 die Kapelle

der heil Barbara von den ersten Kolo- nistén im Staate Santa Catharina

errichtet. Ehre den Toten, die hier ruher. = 1924 = Karl Trierweiler”

“Romeiro, onde você está é o solo no qual aqui esteve de 1838 até 1915 a Capela de Santa Bárbara

erguida pelos Primeiros Colonizadores no Estado de Santa Catarina.

Honre os mortos, aqui eles descansam. = 1924 = Karl Trierweiler”

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Por fim, o projeto “Inventário de Cemitérios dos Imigrantes Alemães da Grande

Florianópolis” reuniu e disponibilizou imagens, dados e análises sobre 104 cemitérios

de treze municípios catarinenses, destacando 60 como importantes para as comunidades

teuto-brasileiras. O inventário também comprovou a importância destes locais, hoje

8 Tradução feita por Ana Lúcia Herberts.

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relegados ao distanciamento, como parte da história destas localidades, algo reforçado

por muitos moradores e também por representantes dos órgãos públicos dos municípios

visitados que ajudaram e acompanharam o levantamento de campo. Apesar do estado de

abandono e da má conservação, é importante destacar que ainda é possível, encontrar

nestes cemitérios, valorosos elementos culturais destes imigrantes. São cemitérios, ou

seja, locais de sepultamento, mas este inventário mostrou que são mais do que isso: são

depositários de uma história que começou em um navio que partiu para terras distantes,

em busca de uma nova vida.

Referências

ALENCASTRO, Luiz Felipe de; RENAUX, Maria Luiza. Caras e modos dos migrantes e imigrantes, In: NOVAIS, Fernando. A (coord.); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Org.). História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ARAÚJO, Thiago Nicolau de. Túmulos celebrativos de Porto Alegre: múltiplos olhares sobre o espaço cemiterial (1889 - 1930). Porto Alegre: Dissertação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2006. KLUG, João. Confessionalidade e etnicidade em Santa Catarina : tensões entre luteranos e católicos. In: Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 16, n. 24, p. 111-127, out. 1998. ________________. Imigração e luteranismo em Santa Catarina: a comunidade alemã de Desterro-Florianópolis. Florianópolis: Papa-Livro, 1994. PAGOTO, Amanda Aparecida. Do âmbito sagrado da igreja ao cemitério público: transformações fúnebres em São Paulo (1850-1860) São Paulo: Arquivo do Estado ; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. REITZ, Raulino; BESEN, Jose Artulino. Santa Bárbara: primeiro núcleo da colonização alemã em Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1992. SEYFERTH, Giralda. Identidade étnica, assimilação e cidadania: a imigração alemã e o estado brasileiro. In: Anais XVII Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu, Minas Gerais: outubro de 1993. Disponível em: < http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_08.htm>. Acesso em: 05 out. 2007. IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal>. Acesso 23 maio 2007.