Centenário de Roland Barthes
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Centenário de Roland Barthes
Em sua famosa aula proferida no Collège de France, em 7 de janeiro de 1977, o ensaísta e escritor
francês Roland Barthes dizia, a certa altura, “que a escritura se encontra em toda parte onde as
palavras têm sabor (saber e sabor têm, em latim, a mesma etimologia)”. Seria com estes termos que
ele arremataria sua aula, vista por seus estudiosos como uma súmula de sua trajetória intelectual. Ao
falar sobre a nova etapa de sua trajetória, a “idade de outra experiência, a de desaprender”, Barthes
escreveu: “Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui
sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia: nenhum poder, um pouco de
saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível”.
Nos textos reunidos neste dossiê, em comemoração ao centenário de nascimento de Barthes, o leitor
encontrará o saber e o sabor que perpassam sua obra, que foi, no passado, objeto de grande
polêmica, e hoje é uma referência talvez inescapável para qualquer estudioso que lide com a língua,
na sua relação de “mestre e escravo”, com tudo que ela arrasta de servidão e poder, para ficar em
termos utilizados por ele na aula de 1977. Nascido em Cherbourg, na França, em 12 de novembro
de 1915, não é tarefa fácil definir quem foi Roland Barthes – talvez nem seja desejável, pois seria
metê-lo numa camisa de força que sua atividade plural não permitiria. Como lembra a crítica e
professora Leyla Perrone-Moisés, num artigo publicado na Revista CULT em 2006, e reeditado
neste dossiê, foram múltiplas as faces de Barthes – de crítico e teórico da literatura, semiólogo,
estruturalista a conselheiro sentimental. Mas, como diz essa que é uma das maiores especialistas em
sua obra, ele foi, acima de tudo, “um notável escritor” que continua a “fascinar os mais variados
leitores, por sua inteligência e seu poder de sedução”.
Com uma trajetória atípica, ou como ele mesmo dizia, de “um sujeito impuro”, Perrone-Moisés
refaz as principais fases de sua carreira, mostrando que embora sempre em transformação, sua
teoria conservou as lições de cada momento por que passou. “A teoria barthesiana é, portanto, uma
teoria mutante, que evolui e se transforma ao longo dos anos”, escreve ela.
Esses momentos de viragens internas são analisados de perto pela professora Leda Tenório da
Motta, autora de Roland Barthes, uma biografia intelectual. Numa reviravolta crítica, quase trinta
anos após a morte do escritor, ela procura restituir a congruência interna dessa obra mais conhecida
por suas transformações. Como ela diz, esses momentos, ou reviravoltas, apresentam, vistas em
conjunto, “a tese talvez mais desnorteante e produtiva de Barthes, num século iconoclasta: não são
as imagens mas as palavras que são enganosas. Dela decorre um ceticismo barthesiano, já que o
cético, em sua fonte filosófica, é aquele a quem a palavra excessiva oprime e fatiga”. Leda Tenório
também adianta aqui, neste dossiê, um trecho de seu livro Barthes em Godard, a ser publicado em
breve.
Já os ensaios de Rodrigo Fontanari e Claudia Amigo Pino se detêm na última fase da trajetória do
ensaísta, a de A câmara clara, que saiu no ano da morte de Barthes, em 1980, e A preparação do
romance, obra publicada postumamente. Fontanari, autor de Roland Barthes: a revelação profana da
fotografia (no prelo), faz uma leitura dessa inquietante obra sobre a fotografia e que se encontra,
como ele diz, a meio caminho entre o ensaio e o romance. Já Claudia Amigo Pino, professora de
Literatura Francesa na USP e autora de Roland Barthes: a aventura do romance (no prelo), debruça-
se em notas de cursos e nos manuscritos do projeto de romance Vita Nova, que não chegou a ser
realizado. Refazendo a trajetória de Barthes, ela destaca seu embate com o realismo burguês e o
desejo de reproduzir os efeitos de verdade que ele encontrara na leitura das obras de Proust e
Tolstoi. Como ela mesma diz, Barthes começou uma aventura, “ou melhor, ele preparou essa
aventura, talvez agora caiba aos seus leitores continuá-la.”