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UFJF/FACC Departamento de Ciências Administrativas Administração de recursos humanos I Prof. Angelo Brigato Ésther Centralidade e significados do trabalho 1 Henrique Caproni O Trabalho e suas Concepções O trabalho é um aspecto relevante na vida das pessoas, visto que afeta diretamente as pessoas e seu modo de encarar a sociedade. O trabalho possui um forte caráter estruturante nos níveis pessoal e social, é utilizado como definidor da estrutura de tempo (dias, meses e anos), divisor entre atividades pessoais (autodeterminadas) e impessoais (heterodeterminadas), legitimador de diferentes fases da vida (estudo, trabalho e aposentadoria) (QUINTANILLA E WILPERT 2 , 1988, apud BASTOS, COSTA E PINHO, 1995). O ser humano tem o trabalho como base de sua sobrevivência desde os primórdios das civilizações. Além disso, “conhecer o que o ser humano pensa sobre o trabalho e que significado ele tem para os indivíduos implica entender mais da natureza humana” (SILVA E ANDRADE, 2001, p.1). Etimologicamente, a palavra trabalho tem sua origem do latim tripalium, que era um instrumento utilizado por agricultores feito de três paus aguçados, às vezes ainda munido de uma ponta de ferro. Porém, é da utilização deste instrumento como meio de tortura que a palavra trabalho significou por muito tempo e ainda hoje conota algo como padecimento e cativeiro. Ao conteúdo semântico de sofrer acrescentou-se o de obrar, esforçar-se e laborar. Em Inglês e Alemão, tanto a palavra work como werk se relacionam com a ativa criação da obra. Já as palavras labour e arbeit se referem aos aspectos de cansaço e de esforço (ALBORNOZ, 1992). Bastos, Costa e Pinho (1995) ressaltam que há dois eixos (histórico-filosófico-religiosos) antagônicos que refletem as grandes tradições de avaliação do trabalho na atualidade. O primeiro eixo está relacionado a aspectos negativos 3 como o de sacrifício, de carga, de fardo para quem o realiza. Este eixo associa o trabalho à noção de punição do Antigo Testamento relacionada ao pecado original. Porém, o segundo eixo possui uma avaliação positiva do trabalho que se relaciona com a aplicação das capacidades humanas para dominar a natureza, sendo responsável pela própria condição humana. Esta visão positiva está relacionada com a reforma protestante que vê o trabalho como instrumento de salvação e forma de realizar a vontade divina. Também se relaciona com o enfoque da tradição oriental, na qual as religiões consideram o trabalho uma atividade que harmoniza o homem com a natureza e que desenvolve seu caráter. Borges (1999) ressalta que as principais concepções do trabalho são: a clássica, a capitalista tradicional, a marxista, a gerencialista, a da centralidade expressiva e a da centralidade externa. Essas concepções possuem origem em um processo histórico, no qual o desenvolvimento e a disseminação de cada uma está relacionada com a evolução dos modos e relações de produção, da organização da sociedade como um todo e das formas de conhecimento humano. A concepção clássica tem sua origem na filosofia clássica e no trabalho escravo. Considerava-se o trabalho um fator de baixa centralidade na vida do indivíduo, assim como degradante, inferior, desgastante e duro. Há uma relação de senhor e de escravo sendo estes dominados pela força e pela coerção. O principal valor era o ócio (BORGES, 1999). Desta forma, na Grécia Antiga, a prática material ocupava um lugar secundário, os homens livres viviam no ócio exercendo a política ou a filosofia. O trabalho intelectual (tido como propriamente humano e ausente de contato com a matéria) era destinado apenas para os homens livres, o trabalho braçal estava destinado aos escravos e às mulheres. Essa relação afirmava a posição social dos intelectuais ou ociosos e o desprezo aos trabalhadores manuais ou braçais (ALBORNOZ, 1992). O trabalho estava relacionado com a ausência de autonomia e com aspectos de fardo, de obrigação e raramente vinculado ao prazer. Considerava-se o trabalho como oposto de lazer sendo este uma atividade que proporciona liberdade e autonomia sobre o tempo. Já o trabalho “restringe a autonomia e significa conformidade com necessidades primárias de sobrevivência e luta contra o ambiente no qual o homem vive” (MOTTA, 1998, p. 187). O fim da escravidão, bem como a influência da Igreja Católica, no período da Idade Média, foram fatores que originaram a concepção capitalista tradicional do trabalho. Assim, com o regime de trabalho 1 Versão ligeiramente modificada do relatório de estágio de Henrique Caproni (CAPRONI, 2008), orientado pelo Professor Angelo Brigato Ésther. 2 QUINTANILLA, S. A. R., WILPERT, B. The meaning of work scientific status of a concept. IN: KEYSER, V., QVALE, T., WILPERT, B., QUINTANILLA, S. A. R.(eds). The meaning of work and techonological options. Chischester, New York: John Wiley & Sons, 1988. 3 Como exemplo extremo desse eixo negativo de avaliação do trabalho, pode-se citar o grupo alemão Krisis (2003) que defende a perda do papel central do trabalho na sociedade atual, considerando-o até mesmo um cadáver, devido à revolução microeletrônica e sua intensa racionalização.

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Centralidade e significados do trabalho1 Henrique Caproni

O Trabalho e suas Concepções

O trabalho é um aspecto relevante na vida das pessoas, visto que afeta diretamente as pessoas e seu modo de encarar a sociedade. O trabalho possui um forte caráter estruturante nos níveis pessoal e social, é utilizado como definidor da estrutura de tempo (dias, meses e anos), divisor entre atividades pessoais (autodeterminadas) e impessoais (heterodeterminadas), legitimador de diferentes fases da vida (estudo, trabalho e aposentadoria) (QUINTANILLA E WILPERT2, 1988, apud BASTOS, COSTA E PINHO, 1995). O ser humano tem o trabalho como base de sua sobrevivência desde os primórdios das civilizações. Além disso, “conhecer o que o ser humano pensa sobre o trabalho e que significado ele tem para os indivíduos implica entender mais da natureza humana” (SILVA E ANDRADE, 2001, p.1). Etimologicamente, a palavra trabalho tem sua origem do latim tripalium, que era um instrumento utilizado por agricultores feito de três paus aguçados, às vezes ainda munido de uma ponta de ferro. Porém, é da utilização deste instrumento como meio de tortura que a palavra trabalho significou por muito tempo e ainda hoje conota algo como padecimento e cativeiro. Ao conteúdo semântico de sofrer acrescentou-se o de obrar, esforçar-se e laborar. Em Inglês e Alemão, tanto a palavra work como werk se relacionam com a ativa criação da obra. Já as palavras labour e arbeit se referem aos aspectos de cansaço e de esforço (ALBORNOZ, 1992).

Bastos, Costa e Pinho (1995) ressaltam que há dois eixos (histórico-filosófico-religiosos) antagônicos que refletem as grandes tradições de avaliação do trabalho na atualidade. O primeiro eixo está relacionado a aspectos negativos3 como o de sacrifício, de carga, de fardo para quem o realiza. Este eixo associa o trabalho à noção de punição do Antigo Testamento relacionada ao pecado original. Porém, o segundo eixo possui uma avaliação positiva do trabalho que se relaciona com a aplicação das capacidades humanas para dominar a natureza, sendo responsável pela própria condição humana. Esta visão positiva está relacionada com a reforma protestante que vê o trabalho como instrumento de salvação e forma de realizar a vontade divina. Também se relaciona com o enfoque da tradição oriental, na qual as religiões consideram o trabalho uma atividade que harmoniza o homem com a natureza e que desenvolve seu caráter. Borges (1999) ressalta que as principais concepções do trabalho são: a clássica, a capitalista tradicional, a marxista, a gerencialista, a da centralidade expressiva e a da centralidade externa. Essas concepções possuem origem em um processo histórico, no qual o desenvolvimento e a disseminação de cada uma está relacionada com a evolução dos modos e relações de produção, da organização da sociedade como um todo e das formas de conhecimento humano. A concepção clássica tem sua origem na filosofia clássica e no trabalho escravo. Considerava-se o trabalho um fator de baixa centralidade na vida do indivíduo, assim como degradante, inferior, desgastante e duro. Há uma relação de senhor e de escravo sendo estes dominados pela força e pela coerção. O principal valor era o ócio (BORGES, 1999). Desta forma, na Grécia Antiga, a prática material ocupava um lugar secundário, os homens livres viviam no ócio exercendo a política ou a filosofia. O trabalho intelectual (tido como propriamente humano e ausente de contato com a matéria) era destinado apenas para os homens livres, o trabalho braçal estava destinado aos escravos e às mulheres. Essa relação afirmava a posição social dos intelectuais ou ociosos e o desprezo aos trabalhadores manuais ou braçais (ALBORNOZ, 1992). O trabalho estava relacionado com a ausência de autonomia e com aspectos de fardo, de obrigação e raramente vinculado ao prazer. Considerava-se o trabalho como oposto de lazer sendo este uma atividade que proporciona liberdade e autonomia sobre o tempo. Já o trabalho “restringe a autonomia e significa conformidade com necessidades primárias de sobrevivência e luta contra o ambiente no qual o homem vive” (MOTTA, 1998, p. 187). O fim da escravidão, bem como a influência da Igreja Católica, no período da Idade Média, foram fatores que originaram a concepção capitalista tradicional do trabalho. Assim, com o regime de trabalho

1 Versão ligeiramente modificada do relatório de estágio de Henrique Caproni (CAPRONI, 2008), orientado pelo Professor Angelo Brigato Ésther. 2 QUINTANILLA, S. A. R., WILPERT, B. The meaning of work – scientific status of a concept. IN: KEYSER, V., QVALE, T., WILPERT, B., QUINTANILLA, S. A. R.(eds). The meaning of work and techonological options. Chischester, New York: John Wiley & Sons, 1988. 3 Como exemplo extremo desse eixo negativo de avaliação do trabalho, pode-se citar o grupo alemão Krisis (2003) que defende a perda do papel central do trabalho na sociedade atual, considerando-o até mesmo um cadáver, devido à revolução microeletrônica e sua intensa racionalização.

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assalariado, houve a necessidade de persuadir o empregado a trabalhar. Exaltou-se o trabalho sendo caracterizado por alta centralidade. Dessa forma, houve uma oposição à concepção clássica do trabalho (ANTHONY4 apud BORGES, 1999). Em direção à concepção capitalista do trabalho, cabe ressaltar a influência de aspectos religiosos. A visão cristã ressalta os aspectos virtuosos do trabalho sendo visto como um dever mas também como fonte de crescimento e de mérito. Assim, “o trabalho, como virtude, é uma dimensão importante na ética protestante, da mesma forma que também transparece na visão social católica, como nas encíclicas recentes, em que o trabalho é concebido como vocação e missão” (MOTTA, 1998, p. 188). Com a reforma protestante, o trabalho foi de tal modo reavaliado, que é considerado o caminho religioso para a salvação ou, pelo menos, livraria o homem do medo da condenação. Os seus frutos devem ser reinvestidos visando mais trabalho. O ócio, o luxo e a vaidade são severamente condenados. Weber relaciona a ética protestante ao espírito do capitalismo, visto que tal modo de encarar o trabalho está diretamente relacionado aos interesses da burguesia. Assim, “a psicologia do homem religioso e do homem econômico coincidiram no empresário burguês dos tempos da austeridade, quando, para afirmar-se, a classe burguesa necessita da religião do trabalho” (ALBORNOZ, 1992, pg 54). Além da influência da reforma protestante, a concepção capitalista, que atribui alta centralidade ao trabalho, baseou-se em conceitos da economia clássica, da administração clássica e da psicologia industrial. Essa concepção caracteriza o trabalho como mercadoria e defende sua instrumentalidade para o sucesso econômico. Objetiva-se um trabalho disciplinado, padronizado, parcelado, supervisionado, sem necessidade de qualificação dos trabalhadores e com a separação entre os que pensam e os que executam. O poder é exercido por meio da propriedade, pelo controle das recompensas financeiras, pela coerção e pelo domínio do saber (BORGES, 1999). Em crítica à concepção anterior, surge a concepção marxista do trabalho que caracteriza a elevada centralidade do trabalho, visto que este representa a própria auto-construção do ser humano. É a visão do trabalho como formador da própria condição humana, expressivo, fonte de recompensas de acordo com as necessidades do indivíduo, de caráter criativo e desafiante, dignificante, de controle coletivo e protegido pelo estado. A glorificação do trabalho está fundamentada na crença de que a produção em massa apresenta avanço qualitativo para a sociedade. Porém, o trabalho capitalista também é considerado mercadoria, alienante, explorador, humilhante, monótono e repetitivo, discriminante, embrutecedor e submisso (BORGES, 1999). Objetivando amenizar os pontos negativos do capitalismo tradicional, surge a concepção gerencialista do trabalho que teve como embasamento a corrente keynesiano-fordista na economia, a escola de relações humanas na administração e os estudos que deram origem à psicologia organizacional. Busca reagir às críticas da concepção marxista e conter as insatisfações de massa institucionalizadas pelo sindicalismo. É caracterizada por uma centralidade mais baixa ao trabalho, comparativamente às concepções do capitalismo tradicional e marxista. Ressalta o trabalho como mercadoria vinculado ao consumo, assim sendo provedor de salários, assistência, benefícios, e ampla rede de proteção institucional, que inclui a estabilidade no emprego. É visto como fonte de contatos interpessoais, pobre de conteúdo, parcelado, monótono, mecanizado e repetitivo para a maioria dos trabalhadores. Possui ainda uma supervisão mais polida e supõe que a baixa qualidade de conteúdo do trabalho possa ser compensada por recompensas financeiras e interpessoais (BORGES, 1999). Ressalta-se que atualmente o mundo do trabalho vem passando por diversas e profundas mudanças como o aumento da intelectualização em alguns setores, a terceirização, a precarização, o desaparecimento de trabalhos estáveis, o trabalho informal, o teletrabalho, as inovações tecnológicas, novas formas de organização do trabalho, necessidade de flexibilidade e de agilidade, modismos administrativos etc. Assim, Harman e Hormann (1990) ressaltam que a sociedade moderna está confusa em relação ao papel do trabalho tanto no nível individual quanto no social, sendo um dos motivos básicos as mudanças tecnológicas que afetam a natureza do trabalho. Ressaltam que, atualmente, os empregos estão cada vez menos efetivos em desenvolver suas funções ancestrais legítimas: o aprendizado e o desenvolvimento do cidadão; o desenvolvimento e os papéis sociais dos indivíduos; a produção de bens e serviços relevantes e desejados pela sociedade; e a distribuição de renda de modo eqüitativo. Para Sennet (2007), atualmente o mundo do trabalho é influenciado pelo conceito de “capitalismo flexível”. Logo, o ponto fundamental é a flexibilidade que ataca a rigidez da burocracia e a rotina, bem como influencia o sentido e o significado do trabalho. Busca-se trabalhadores ágeis, que sempre assumam riscos e que estejam dispostos a mudar no curto prazo. Mesmo sendo caracterizado pelas mudanças tecnológicas e pelo mercado global, esse capitalismo flexível também influencia as novas maneiras de organizar o tempo,

4 ANTHONY, P. D. The ideology of work. London: Tavistock Publications, 1977.

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principalmente o tempo de trabalho. Hoje, não se pode falar em “longo prazo” ou em uma narrativa linear de vida, privilegia-se a visão de curto prazo. Relações que dependem de confiança, lealdade e compromisso mútuo são afetadas, visto que não há tempo suficiente para construí-las. Nesse contexto, a vida emocional, interior, pode ficar à deriva, afinal “como se pode buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo?... Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos?” (SENNETT, 2007, p. 27). Em face das contradições da sociedade atual, Borges (1999) enfatiza duas concepções emergentes relacionadas à centralidade do trabalho: a centralidade expressiva e a centralidade externa. A centralidade expressiva atribui alta centralidade ao trabalho, relaciona-se com os valores do trabalho do marxismo, com o aspecto da horizontalização das estruturas organizacionais, da participação e com a pluralidade de embasamento do poder. Assim, destaca um trabalho multiprocessual, rico em conteúdo para alguns, e empobrecido para a maioria, sistematizado, instável, de elevada tecnologia em setores avançados e convivendo com vários estilos de estrutura e de gestão organizacional. Já a centralidade externa é caracterizada pela baixa centralidade atribuída ao trabalho, porém tem aspectos semelhantes à anterior. Diferencia-se ao estabelecer um trabalho instrumental, um igualitarismo relacionado com a socialização de aspectos negativos e positivos do trabalho, horizontalização, instabilidade, e um trabalho leve em decorrência do fator tecnológico e da diminuição do tempo de trabalho. Destaca o prazer fora do trabalho como principal valor obtido por meio do lazer ou pelo consumo. Através de sua pesquisa, por meio da utilização da técnica de análise de conteúdo com dois periódicos de circulação nacional, Revista Exame e Folha de São Paulo, em que a seleção dos artigos buscava os quais tiveram o trabalho como tema principal, Borges (1999) ressalta que ambos os periódicos enfatizam a alta centralidade conferida ao trabalho gerencial, revelando um elitismo, e apresentam divergência quanto às concepções emergentes do trabalho, as concepções de centralidade expressiva e externa. A análise da revista Exame demonstrou alguns poucos aspectos relacionados a concepção clássica, a persistência de um compromisso com a concepção gerencialista em um grupo de observações e o desenvolvimento e fortalecimento da centralidade externa em outro grupo. Já a análise da Folha de São Paulo destacou que os valores organizacionais mais freqüentes (emprego, recompensas econômicas, progresso, proteção trabalhista, assistência e benefícios) enfatizam a concepção gerencialista do trabalho, porém surge com freqüência no conjunto de valores individuais o tema da qualificação, o que está relacionado com a concepção da centralidade expressiva. É relevante destacar que na Folha de São Paulo, a concepção gerencialista do trabalho possui maior visibilidade que na Revista Exame. Logo, cabe ressaltar que ambos os periódicos ainda destacam a fortaleza da concepção gerencialista do trabalho na nossa sociedade.

Pode-se notar que há vários modos de se conceber o trabalho. Assim, Morin (2001) baseada em Brief e Nord5 ressalta que o único elemento que reúne os múltiplos significados do trabalho é que este é uma atividade

que tem um objetivo. Nessa mesma linha, Albornoz (1992, p. 12) enfatiza que “trabalho é o esforço e também o seu resultado: a construção enquanto processo e ação, e o edifício pronto”. 1.2 O Trabalho nas Organizações e seus significados A administração científica de Taylor emergiu em decorrência de uma redefinição do trabalho, que tinha por objetivo suprir a necessidade de um novo ritmo de produção e de velocidade das fábricas, onde se introduziam novos instrumentos de trabalho. Ainda hoje, os princípios do taylorismo são fortes em vários setores da sociedade principalmente naqueles que se busca a maximização de recursos no tempo, como cadeias de fast-food, excursões, robôs em linhas de montagem etc. O sistema de Taylor foi influenciado por idéias positivistas nas quais o progresso é obtido mediante a ordem e esta decorre da subordinação da prática à teoria. Dessa forma, há uma valorização da hierarquia, da disciplina, e do controle por parte dos que sabem, afinal o saber é poder (HELOANI, 1981). Morgan (1996) ressalta que, em decorrência da Revolução Industrial, as organizações começam a ser vistas como máquinas ou burocracias e o pensamento mecanicista baseou conceitos fundamentais do pensamento organizacional. É a metáfora da máquina aplicada às organizações, nesse aspecto, pensa-se a organização caracterizada como um conjunto de relações ordenadas em partes objetivamente definidas que possuem uma seqüência ou ordem definida. Nota-se uma forte tendência de burocratização e rotinização da vida

5 BRIEF, A. P.; NORD, W. R. Meaning of Occupational Work. Toronto: Lexington Books, 1990.

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em geral, as pessoas freqüentemente tratam a si mesmas como se fossem máquinas. Desse modo, as organizações são “planejadas à imagem das máquinas, sendo esperado que os seus empregados se comportem essencialmente como se fossem partes de máquinas” (MORGAN, 1996, p. 22). Para Aktouf (1996), na visão da administração clássica, os empregados são sempre vistos como instrumentos passivos, fatores de produção que devem dar o seu “máximo”. Assim, ao empregado só cabe executar o que lhe foi indicado dentro do ritmo de trabalho imposto. Assim, surgiram diversas críticas ressaltando o automatismo do operário, naquele período, principalmente devido à minuciosidade na descrição das tarefas na administração científica. Aktouf (1996) destaca que mesmo tendo alcançado uma forte elevação na capacidade produtiva, essa visão clássica da administração é encarada muito mais como obstáculo do que como fator de eficácia nos dias atuais. Morgan (1996) enfatiza que a busca pelo aumento da produtividade foi bem sucedida, mas somente ao custo do automatismo do homem. Entretanto, Taylor (1970) responde às críticas referentes ao automatismo do homem feitas pela sociedade naquele período, destacando que, através da tarefa, o trabalhador pode se aperfeiçoar pelo menos ao se comparar ao modo anterior no qual executava tudo sozinho. Dessa forma, o trabalhador pode assumir postos superiores na hierarquia, executando “serviços mais elevados, mais interessantes e, finalmente mais aproveitáveis do que antes era capaz de fazer” (TAYLOR, 1970, p. 116). Contudo o fator humano ainda é significativo. Ford, ao estabelecer sua primeira linha de montagem, enfrentou um giro de mão de obra de quase 380% em um ano, conseguindo estabilidade somente com o famoso “$ 5 por dia”. Ainda assim, muitos evitam a linha de montagem, os ciclos de trabalho podem envolver sete ou oito operações separadas, a cada 40 ou 50 segundos, sete ou oito horas por dia, 50 semanas por ano (MORGAN, 1996). Heloani (2007) ressalta que, por meio da distribuição das tarefas, Taylor estabelece um conjunto de mecanismos de poder que privilegia o individual. Desse modo, o instrutor pode conhecer a personalidade do trabalhador e descobrir em quais tarefas ele possui aptidão. O ponto essencial é que o trabalhador pode ter sua personalidade conhecida, entretanto o capital não, visto que sua estrutura de exploração está a salvo da percepção do trabalhador. Surge uma falha no discurso de cooperação entre capital e trabalhadores. Assim, é necessário que esse discurso seja introjetado e consolidado pela subjetividade dos trabalhadores, para que a ambição seja uma necessidade de suas personalidades. Ao analisar vários aspectos da organização científica de Taylor, Heloani (2007, p. 40) enfatiza que “Taylor procura captar a “boa-vontade” do trabalhador modelizando sua subjetividade com o estudo de tempos e movimentos. Tendo como incentivo o aumento de salário, o trabalhador internaliza o “desejo” de aumentar a produção e passa a reorientar sua percepção para esse aumento.” Morgan (1996) diz que Taylor combinou a visão de um engenheiro com uma forte obsessão por controle. Braverman (1981) destaca que a noção de controle foi um conceito relevante em Taylor, o qual revelou dimensões sem precedentes. Assim, Taylor “foi o pioneiro de uma revolução muito maior na divisão do trabalho que qualquer outra havida” (BRAVERMAN, 1981, p. 86). Antes de Taylor, o controle era exercido principalmente pela reunião dos trabalhadores e pela fixação da jornada de trabalho. Com Taylor, o controle se apresentava no fato de que nenhuma decisão cabia aos trabalhadores. A gerência deveria controlar desde as mais simples até as mais complexas atividades, o controle e a fixação de cada etapa do processo de produção, inclusive o controle do modo como os trabalhadores executavam seu trabalho. Nesse contexto, a gerência científica ou administração científica não possui as características de uma verdadeira ciência, contudo “suas pressuposições refletem nada mais que a perspectiva do capitalismo com respeito às condições de produção” (BRAVERMAN, 1981, p. 83). O que foi realmente distinto no Taylorismo não foi o fato de que este tentou mecanizar a organização das pessoas e do trabalho, mas sim o grau em que ele conseguiu mecanizar tudo isso. O objetivo era que os trabalhadores fossem tão eficientes e previsíveis como os robôs dos dias atuais (MORGAN, 1996). Com a separação entre os que pensam e os que executam e o rigor que se atribui a essa separação, é necessário que as atividades de produção tenham paralelamente as atividades gerenciais visando esse tipo de controle. Desse modo, a organização do trabalho com tamanha divisão do trabalho implica em um efeito degradador sobre a capacidade técnica do trabalhador. Nesse contexto, ocorreu uma perda de conhecimento da classe trabalhadora, visto que grande parte da ciência naquele período era desenvolvida pela prática diária da população trabalhadora (BRAVERMAN, 1981). Contudo, o trabalhador comum também deveria ser estimulado a “pensar”, desde que estivesse de acordo com a gerência. Além disso, esse pensar puramente operacional deveria beneficiar o capital e ocorrer de modo fragmentado de acordo com a hierarquia da organização do trabalho (HELOANI, 2007).

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Nas organizações vistas pela ótica mecanicista, os indivíduos podem revelar uma falta de vínculo com seu trabalho, pode-se admitir uma perda de sentido ao trabalho executado de acordo com as condições da Organização Científica do Trabalho (O.C.T.), conforme será explicitado na próxima seção. Morgan (1996) diz que nesse tipo de organização, a lógica é a da racionalidade funcional ou instrumental que se relaciona com a forma em que as pessoas se encaixam em um planejamento rígido, em que são afetadas pela alta especialização das tarefas bem como pelas normas rígidas e controles. A lógica instrumental também é desfavorável para as organizações que se encontram em um ambiente de mudança, visto que tudo é planejado para se alcançar objetivos já determinados, não incentivando mudanças ou inovações. Assim, não há espaço para a racionalidade substancial dos sistemas, nesta as pessoas são estimuladas a determinar se o que fazem é adequado e então corrigir apropriadamente as várias ações. A racionalidade substancial também se relaciona com a percepção da organização como um todo, as pessoas buscam tomar ações inteligentes considerando a situação como um todo, com uma visão holística. Nesse contraste, a racionalidade burocrática é mecânica e a racionalidade substancial é reflexiva e auto-organizadora. A organização mecanicista, caracterizada pela ótica instrumental, não dá primazia à iniciativa, as pessoas são encorajadas a seguirem ordens e a manter o status quo em detrimento de refletir, desafiar, questionar e mudar o que fazem. Aktouf (1996) ressalta que essa concepção de seres humanos e de relações de trabalhos, relacionada à visão clássica que busca por obediência e disciplina, trazem conseqüências negativas tanto para o desempenho empresarial quanto para a produtividade dos trabalhadores. Assim, Morgan (1996, p. 41), destaca:

Ambos, empregados e organizações, perdem a partir desse estado de coisas. Os empregados perdem oportunidades de crescimento pessoal, despendendo frequentemente muitas horas por dia em um trabalho que nem valorizam nem apreciam, enquanto as organizações perdem contribuições criativas e inteligentes que a maioria dos empregados é capaz de fazer, dadas as corretas oportunidades.

Aktouf (1996) ressalta que as pessoas são tratadas como ferramentas, “recursos” ou “objetos”, pois perderam seus status de “sujeito” que pode tratar do complexo, se dedicar a um trabalho criativo, coletivo e evolutivo. Desse modo, são tratadas como pessoas coisificadas, alienadas, para melhor se adequar à organização de um trabalho que se tornou um “trabalho morto”. Essa constatação também se relaciona ao fato de que o pensamento administrativo foi calcado pela busca do maximalismo, ou seja, pela busca de ser o mais rico, o mais rentável, visto que havia a convicção de que este era o melhor modo para se atingir o progresso e a prosperidade. Até mesmo práticas modernas como a gestão da excelência, da qualidade total na vida organizacional e de cooperação são influenciadas por essa constatação de que as pessoas são tratadas como recursos. Na verdade, tais práticas não conseguem resolver as contradições das relações de poder ou das relações do tipo desprezadores-desprezados. Estas relações estão expressas desde os organogramas tradicionais até na literatura da gestão tradicional que tratam os dirigente como deuses, mitos, seres levados às nuvens enquanto aos empregados resta um vazio existencial, um não ser ou meramente um fator de produção. A importância que a gestão da excelência confere ao ritual e ao simbólico busca, na verdade, esconder o fosso material entre empregados e dirigidos, não enxergando o real problema de produtividade (AKTOUF, 1996). O trabalho nas organizações sofreu diversas transformações, há vários movimentos que buscam organizá-lo sob enfoques diferentes. Contudo, pode-se notar que princípios tayloristas ainda estão presentes em diversos tipos de organização. Assim, ressalta-se o contraste entre a visão da administração na perspectiva clássica e na perspectiva renovada de Aktouf (1996). A visão do taylorismo exalta o controle e demonstra o trabalho reduzido principalmente ao nível da tarefa e como meio econômico. Já a administração renovada busca mudanças de pensamento ao exaltar os aspectos humanos do trabalho bem como mudanças de longo prazo que beneficiem tanto as organizações quanto o trabalho dos empregados. Em face do que foi exposto, pode-se notar que tanto no nível macro-social quanto no nível organizacional, o trabalho é alvo de diversas discussões e visões. Sendo afetado por fatores sociais, políticos, religiosos, históricos, econômicos bem como por fatores organizacionais que abrangem desde os modelos de gestão, métodos de organização do trabalho, concepções sobre as pessoas e até os ideais de administração. Todos esses fatores também impactam na vida das pessoas, assim como em suas percepções sobre o trabalho. Sendo que o trabalho é sempre considerado um tema atual. Além disso, já que se passa cerca de dois terço da vida no ambiente no trabalho. É relevante estudar o significado do trabalho para os indivíduos.

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Na seção seguinte, pretende-se discutir o significado do trabalho apresentando sua importância e uma perspectiva crítica com relação ao tema. Abordar-se-á as visões sobre os conceito de significado e sentido, ressalta-se que, neste estudo, são considerados sinônimos. Além, disso pretende-se discutir o impacto da organização do trabalho na busca pela saúde e por um trabalho como fator de equilíbrio, bem como por um trabalho significativo. E finalmente, apresentar as pesquisas e os modelos que visam compreender o significado do trabalho. 2.2. O Significado e os Sentidos do Trabalho Ao longo da história, o trabalho vem sendo alvo de diversas transformações que implicam mudanças tanto no nível individual, organizacional quanto no nível social que afetam o significado do trabalho, bem como seus impactos para a sociedade. Sachuk e Araújo (2007) ressaltam que as mudanças no mundo do trabalho alteram as relações de trabalho bem como as relações socioculturais-econômicas. Além disso, alteram-se os sentidos conferidos ao trabalho, bem como, impõem-se aos indivíduos novas percepções, novos modos de agir, pensar e sentir o que fazem. Em face disso:

Acredita-se que discutir os sentidos do trabalho presentes nas organizações contemporâneas e suas implicações na constituição do homem enquanto sujeito parece ser uma oportunidade não apenas de se evidenciar os aspectos de empobrecimento e ausência de significados que o trabalho tem gerado na atualidade, mas também, e sobretudo, de repensar a importância do trabalho na constituição do homem e o papel das organizações na humanização do trabalho (SACHUK E ARAÚJO, 2007, p. 65)

Dessa forma, pode-se considerar o impacto do trabalho em nosso dia-a-dia bem como sua posição estruturante na vida da maioria das pessoas. Há aqueles que sofrem por não ter um espaço no mercado de trabalho, porém também há aqueles que sentem-se frustrados, que não vêem significado no que fazem, que até mesmo diriam: “se eu pudesse, largaria tudo”. Assim, também cabe às organizações refletir sobre como oferecer um trabalho significativo que estabeleça uma fonte de comprometimento e possibilite melhor produtividade por parte dos seus colaboradores. É relevante ressaltar que etimologicamente as palavras sentido e significado podem ser consideradas sinônimas e possuem sua origem na palavra sensus relacionada com processos psicológicos básicos. No meio acadêmico, os conceitos relacionados aos trabalhos sobre significado e sentidos do trabalho também são comumente tratados como sinônimos. O grupo MOW6, tido como referência nos estudos sobre o significado do trabalho, trata os dois conceitos como sinônimos em seu modelo (apresentado posteriormente). Assim na visão do grupo MOW, o significado do trabalho é visto como a representação social que a tarefa realizada tem para o indivíduo, no nível individual (pela identificação do trabalho com o resultado da tarefa), no nível do grupo (pelo sentimento de pertencer a uma classe unida que realiza um trabalho em comum) ou no nível social (pelo sentimento de realizar um trabalho que contribua à sociedade). Ainda na visão do grupo, o sentido do trabalho é definido por meio das dimensões de utilidade da tarefa, de auto-realização, de satisfação, pelo sentimento de desenvolvimento, pela evolução pessoal e profissional e assim como pela liberdade e autonomia ao realizar a tarefa (1987, apud TOLFO E PICCININI, 2007). Tolfo e Piccinini (2007), baseando-se principalmente nos trabalhos de Hackman e Oldham7 (1975) e de Morin (2001), dizem que surge uma distinção entre os conceitos de significados e de sentidos do trabalho. Os significados estariam relacionados a uma perspectiva coletiva ou social e os sentidos a uma perspectiva mais individual ou pessoal. Porém, é importante enfatizar que há uma inequívoca interdependência entre os termos. Assim, destacam:

Os significados são construídos coletivamente em um determinado contexto histórico, econômico e social concreto, ao passo que os sentidos são caracterizados por ser uma produção pessoal em função da apreensão individual dos significados coletivos, nas experiências do cotidiano. Sendo que essas transformações que os sentidos e significados

6 Meaning of Working International Research Team. The Meaning of Working. London: Academic Press, 1987. 7 HACKMAN, J.; OLDHAM, G. Development of job diagnostic suvey. Journal of Applied Psychology. 60(2), 159-170, 1975.

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sofrem, são construídos por meio de uma relação dialética com a realidade (TOLFO E PICCININI, 2007, p. 44).

Por meio da perspectiva histórico-social, Basso (1998), ao analisar a formação do professor, ressalta as condições subjetivas (relacionadas ao agir consciente, ao planejamento das ações) e as condições objetivas (que abrange desde a organização da prática até o salário) Enfatiza que o trabalho do professor é caracterizado por uma maior margem de autonomia comparativamente ao trabalho fabril, visto que o nível de objetivação neste ocorre em maior proporção. Basso (1998, p. 4) define o significado com base em Leontiev8 (1978) sendo este “a generalização e a fixação da prática social humana, sintetizado em instrumentos, objetos, técnicas, linguagem, relações sociais e outras formas de objetivações como arte e ciência”. Assim, destaca que, na sociedade capitalista, não há mais a integração entre o significado e o sentido pessoal da ação como havia nas sociedades primitivas. Esse quadro é decorrente de relações sociais de dominação, da divisão social do trabalho e da divisão em classes. Assim, o significado e o sentido das ações podem separar-se o que resultaria em alienação. A partir de uma perspectiva ampla e sociológica, Berger e Luckman (2004, p. 39) ressaltam que a sociedade atual é caracterizada por um moderno pluralismo em que “o indivíduo cresce num mundo em que não há mais valores comuns, que determinam o agir nas diferentes áreas da vida, nem uma realidade única, idêntica para todos”. Afirmam que essa forma de pluralismo moderno provoca um forte relativismo dos sistemas de valores e de interpretação. Além disso, é a razão principal básica de crises subjetivas e intersubjetivas de sentido. Assim, uma categoria como a “alienação” demonstra essa forma de orientação, ou seja, a dificuldade dos indivíduos em descobrir um caminho no mundo moderno. Berger e Luckman (2004, p.14) enfatizam que “nas análises sociológicas atuais pressupõe-se obviamente algo como sentido e significância como motivo do agir humano e como pano de fundo sobre o qual se projeta a suposta crise de sentido da modernidade”. A partir de uma visão histórica das formações de sentido e de considerações antropológicas a respeito dos pressupostos gerais e estruturas básicas da significância da vida humana, Berger e Luckman (2004, p.14-16) buscam definir sentido. Assim:

O sentido se constitui na consciência humana: na constituição do indivíduo, que se individualiza num corpo e se tornou pessoa através de processos sociais... O sentido nada é mais do que uma forma complexa de consciência: não existe em si, mas sempre possui um objeto de referência. Sentido é a consciência de que existe uma relação entre as experiências... Geralmente a experiência atual não é relacionada com uma única outra experiência, mas com um tipo de experiência, um esquema de experiência, uma máxima comportamental, uma legitimação moral, etc., derivados de muitas experiências e armazenados no conhecimento subjetivo ou tomados do acervo social do conhecimento.

Ainda, Berger e Luckman (2004) enfatizam que é somente no agir social que se forma a identidade pessoal do indivíduo. Consideram que o sentido do agir é prospectivo e a ação retrospectivamente orientada. O agir possui seu sentido em um objetivo pré-projetado. Já a ação concluída é fator de diversas ponderações, pode ser comparada, pode ser relacionada com máximas comportamentais, ser desculpada, ser negada a outros etc. Assim, há toda uma estrutura complexa e ambígua de sentido que caracteriza toda ação. O agir social também possui esta estrutura de sentido, porém ainda comporta dimensões adicionais: imediaticidade ou mediaticidade, reciprocidade ou unilateralidade. Logo, é importante ressaltar que:

Vivências puramente subjetivas são o fundamento da constituição do sentido: estratos mais simples de sentido podem surgir na experiência subjetiva de uma pessoa. Mas, estratos superiores de sentido e uma estrutura mais complexa de sentido pressupõem uma objetivação do sentido subjetivo do agir social. Somente então pode o indivíduo fazer conexões lógicas complicadas, dar início e controlar seqüências diferenciadas de ação e recorrer ao tesouro disponível de experiências em seu meio ambiente social (BERGER E LUCKMAN, 2004, p. 18).

Já na perspectiva relacionada ao significado do trabalho, visando compreendê-lo, deve-se pensar fundamentalmente na natureza de uma vida útil bem como na utilidade psicológica do trabalho em si mesmo.

8 LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa, Horizonte, 1978.

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Além disso, é relevante considerar o trabalho como uma parte da vida individual e coletiva e não somente como uma dimensão da instituição empregadora (SIEVERS, 1990). Sievers (1990) critica a maioria das noções que abordam as teorias da motivação, visto que estas relacionam o reducionismo do homem e da organização à decorrências já determinadas. Assim, enfatiza algumas ressalvas: o contexto da motivação é limitado a uma microperspectiva e favorece explicações causais; a motivação é vista como instrumento pragmático para influenciar o comportamento humano; as teorias motivacionais não possuem um caráter abrangente de preocupação com as pessoas e as organizações em decorrência das perspectivas comportamentalistas (redutibilidade psíquica e organizacional em virtude da busca pela objetividade e racionalidade); a redução da complexidade da realidade social à preocupação de satisfação e eficácia; e apesar de sua preocupação com a verdade universal, as linhas adotadas pelos teóricos da motivação assentam-se em preconceitos apolíticos, não históricos e associais. Em decorrência desse quadro da motivação, Sievers (1990, p. 8) defende a seguinte hipótese:

A motivação só passou a ser um tópico - tanto para as teorias organizacionais, quanto para a organização do trabalho em si - quando o sentido do trabalho desapareceu ou então foi perdido; a perda do sentido do trabalho está diretamente ligada à crescente divisão e fragmentação do trabalho, princípios que vêm sendo observados na estruturação da forma de trabalhar na maioria de nossas organizações ocidentais. Como conseqüência, as teorias motivacionais têm se transformado em sucedâneos na busca do sentido do trabalho.

A fragmentação está presente em nossas instituições e em nossas experiências. A fragmentação do trabalho está relacionada com a divisão entre os que pensam e os que executam. Pela visão psicanalítica, essa divisão é legitimada por processos psíquicos de introjeções e projeções. Aqueles que se encontram no topo, vêem aqueles que se encontram na base como incapazes para se autogerirem. E assim, acabam projetando suas fraquezas nestes. Simultaneamente a essa projeção das fraquezas, daqueles que se encontram no topo, está relacionada às suas introjeções de força, potência, singularidade e atividade. Outro aspecto da fragmentação do trabalho é que com a redução das atividades humanas dos trabalhadores, o trabalho em si acabou sendo convertido em cargos e desempenho em cargos. Esta noção de cargos está relacionada à perda de aspectos administrativos e de satisfação pessoal (SIEVERS, 1990). Sievers (1990) ainda manifesta sua preocupação com relação ao movimento da qualidade, pois este busca um trabalho mais qualificado e maior envolvimento entre trabalho e indivíduo. O ponto é que o movimento da qualidade de vida no trabalho pode buscar apenas a substituição da fragmentação do trabalho em cargos pela fragmentação da vida em vida no trabalho e no que resta dela, sendo que esta fragmentação contribui para o mito da imortalidade da empresa. Esse mito da imortalidade se aplica tanto às organizações quanto aos administradores. Assim, os administradores estão acima da fragmentação do trabalho e não necessitam da motivação por parte de outros. Esse mito reforça a noção de divisão entre os que estão no topo e aqueles que estão na base. Para Sievers (1990), a divisão entre os que pensam e os que executam, a fragmentação do trabalho, a fragmentação da vida em vida no trabalho e a negação da morte são fatores constituintes do mesmo problema, a busca pela real sentido ou significado da vida, ou seja, a busca por uma vida realmente útil. Assim, destaca:

O fato de a relação holística do significado do trabalho e da vida poder ser conscientizada ou não, não depende somente do indivíduo, de sua maturidade e capacidade, mas, de modo mais amplo, de saber se a organização do trabalho na empresa ou em outras instituições de emprego já assimilou essa visão (SIEVERS, 1990, p. 16).

Na perspectiva da saúde e de sua relação com a organização do trabalho, Dejours, Dessors e Desriaux (1993) ressaltam o trabalho como um fator essencial de nosso desenvolvimento e de nosso equilíbrio, apesar da maior freqüência com que são abordados os aspectos relacionados ao “desgaste” causado pelo trabalho. Criticam a definição de saúde concebida pela O.M.S. (Organização Mundial de Saúde) que relata um estado de bem-estar completo. Assim, essa definição deveria ser vista mais como um ideal ou ficção do que como uma realidade. Afirmam que a saúde mental não é a ausência de angústia, nem o conforto constante, mas é, sobretudo, a existência do desejo. Dessa forma, a angústia pode ser comparada a um motor que atua impulsionando a ação bem como contribuindo para o surgimento de objetivos e metas, que mesmo atingidos,

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não impedem que a angústia surja novamente. Assim, no trabalho, o indivíduo pode encontrar espaço para dominar essa angústia, para traçar seu caminho e, nesse processo, modificar sua realidade. Nesse contexto, surge uma relação relevante entre bem-estar psíquico do trabalhador e o conteúdo da tarefa. Dejours (1992) enfatiza que, com a organização científica do trabalho (O.C.T.), três divisões surgiram: a divisão do modo operatório, divisão entre órgãos de execução e de concepção intelectual, e a divisão dos homens. Nessas condições, “a organização do trabalho, concebida por um serviço especializado da empresa, estranho aos trabalhadores, choca-se frontalmente com a vida mental e mais precisamente com a esfera das aspirações, das motivações e dos desejos” (DEJOURS, 1992, p. 51). Dejours (1992) ressalta que do discurso operário sempre surge um sentimento de indignidade, de vergonha, de não ter inteligência, de ser apenas uma peça de uma máquina etc. Surge uma falta de significação, os operários não vêem o significado do seu trabalho no conjunto da atividade da empresa, até mesmo não vêem significação humana em sua tarefa. Cita dois componentes para se considerar o conteúdo significativo de um trabalho: o conteúdo significativo em relação ao sujeito e o conteúdo significativo em relação ao objeto. O conteúdo significativo do trabalho em relação ao sujeito está relacionado com as qualificações do indivíduo, com a dificuldade de se realizar a tarefa, a significação da tarefa acabada e o estatuto social relacionado ao posto de trabalho. Já o conteúdo significativo em relação ao objeto está relacionado com aspectos simbólicos e materiais relacionados ao outro. Pela relação entre o conteúdo significativo do trabalho e da organização do trabalho, Dejours (1992, p. 52) afirma que:

Da análise do conteúdo significativo do trabalho, é preciso reter a antinomia entre satisfação e organização do trabalho. Via de regra, quanto mais a organização do trabalho é rígida, mais a divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo significativo do trabalho e menores são as possibilidades de mudá-lo. Correlativamente o sofrimento aumenta.

Assim, se o trabalho favorece um livre funcionamento, um escoamento conveniente à energia psíquica do trabalhador, ele se torna fator de equilíbrio; caso contrário torna-se fator de sofrimento e de doença. As organizações ao visarem um trabalho equilibrante, devem permitir ao trabalhador maior liberdade para organizar seu modo operatório e para encontrar os gestos que serão capazes de lhe dar prazer (Dejours, Dessours e Desriaux, 1993). Chanlat (1996) aborda a relação entre saúde e segurança no trabalho e os modos de gestão ou dinâmica organizacional. Ressalta que o modo de gestão geral adotado pela organização está estritamente relacionado ao método de gestão em matéria de saúde e segurança do trabalho. Pesquisas mostram que incidentes menores (como acidentes individuais, ferimentos, etc.), bem como as catástrofes industriais têm suas razões não apenas em deficiências técnicas, mas também em fatores de natureza organizacional. Cita como principais modos de gestão: o taylorista, o tecnoburocrático, o baseado na excelência e o participativo. Com relação ao modo de gestão taylorista, várias pesquisas demonstram seu caráter patogênico, sendo responsável por diversos problemas de saúde física (fadiga crônica, insônias, úlceras, doenças cardiovasculares, etc.) e de saúde mental (depressão, fadiga nervosa, neurose, etc) em decorrência das tarefas monótonas e repetitivas, da pressão pelo tempo, da falta de autonomia, da carga física e mental etc. Já o modo tecnoburocrático relaciona-se com problemas de saúde principalmente aqueles encontrados em trabalhadores de serviços públicos, pois há uma forte precisão das tarefas, que reduz a autonomia, aliada a normas rígidas. Surge uma situação contraditória, pois as pessoas presas às regras estão impedidas de fazer bem o que se deve fazer (CHANLAT, 1996). O método de gestão da excelência oferece aspectos positivos como a valorização das pessoas, o reconhecimento, a individualização de desempenho etc. Contudo, este método também pode tornar-se fonte de grande tensão para os indivíduos, visto que busca uma total identificação do indivíduo com a organização. E até mesmo novos modos de dominação de seus membros. Pode-se encontrar problemas cardiovasculares, úlceras, insônias e em casos extremos, o suicídio. Em oposição ao método da excelência, que geralmente é considerado apenas um discurso, há o método participativo que objetiva que as pessoas tenham maior espaço na organização, que estejam integradas na gestão mais global da empresa por meio de sua participação na organização do trabalho, no nível do poder ou dos resultados. Não elimina todos os riscos, porém parece ser o mais salutar (CHANLAT, 1996).

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Chanlat (1996) enfatiza que para modificar o modo de gestão, deve-se ver o ser humano a partir de uma perspectiva positiva considerando-o um ser responsável, dando primazia a sua criatividade e a seu conhecimento. Sobretudo, diz que essas modificações devem começar com a organização do trabalho e suas condições, ou seja, aprimorar as tarefas, reorganizar o processo de produção, introduzir a polivalência, conceder maior autonomia e flexibilidade etc. Ao ressaltar a perspectiva da organização do trabalho e dos sentidos do trabalho, é relevante a contribuição de Hackman e Oldham9 (apud Morin, 2001) que ressaltam que um trabalho com sentido é aquele considerado importante, útil e legítimo pelo indivíduo. Propõe em seu modelo que três características contribuem para dar sentido ao trabalho: a variedade das tarefas, ou seja, um trabalho que exija uma variedade de atividades necessitando de uma variedade de competências; a identidade do trabalho que se relaciona com a capacidade de um trabalho permitir a realização de algo do começo ao fim com um resultado tangível, que não seja alienante; e o significado do trabalho que está relacionado com um trabalho que tenha um impacto significativo sobre o bem estar de outras pessoas. Além destas três características, ressaltam a importância de um trabalho que ofereça autonomia, ou seja, uma boa margem de liberdade, de independência e discrição para o indivíduo decidir como realizá-lo, o que também confere ao indivíduo um senso de responsabilidade com relação à realização das tarefas e o alcance dos objetivos fixados. E finalmente, enfatizam a importância do feedback, ou seja, a informação que o indivíduo tem a respeito de seu desempenho, podendo realizar os ajustes necessárias visando a melhoria de seu desempenho. A partir do modelo, Hackman e Oldham (1976, apud Morin, 2001) elaboram os seguintes princípios relacionados a organização do trabalho: a reunião das tarefas, formação da unidade natural de trabalho (equipes de trabalho semi-autônomas), estabelecimento de relação cliente-fornecedor, enriquecimento das tarefas e a utilização de mecanismos de feedback. Nessa mesma perspectiva, Morin (2001) ressalta a importância da organização das atividades do trabalho ao enfatizar meios para que se possa revalorizar o trabalho e lhe dar sentido. Em sua pesquisa sobre os sentidos do trabalho, baseou-se no questionário desenvolvido pelo grupo MOW (1987) e realizou entrevistas com estudantes de administração do Canadá e administradores de nível médio e superior da França e do Quebec. Morin (2008) ressalta que pode-se definir os sentidos do trabalho de três modos: pelo significado, pela orientação e pela coerência. O significado do trabalho se relaciona com a representação ou definição que o indivíduo possui de sua atividade e com os valores que ele atribui ao trabalho. A orientação está relacionada com o que o indivíduo busca no trabalho e com o que guia suas ações. E a coerência se relaciona com o equilíbrio entre o individuo e o trabalho por meio de suas expectativas, gestos e valores. Os resultados da pesquisas de Morin (2001) enfatizam as características de um trabalho que possui sentido. Tantos os estudantes como os administradores revelam uma concepção positiva com respeito ao trabalho. Para os estudantes de Administração, os motivos que se relacionam com um trabalho com sentido são: realizar-se e atualizar seu potencial; adquirir segurança, autonomia e independência; relacionar-se com o outro, ter contatos interessantes e o sentimento de vinculação; prestar um serviço ao outro e contribuir para a sociedade; e para ter um sentido na vida, o que está relacionado com o fato de terem uma ocupação ou algo a fazer. Já para os administradores de nível médio e superior, um trabalho com sentido é feito de maneira eficiente e leva a alguma coisa, visto que é relevante que a organização das tarefas favoreça a eficiência e que os resultados e os objetivos visados sejam claros e significativos para as pessoas. O trabalho com sentido é intrinsecamente satisfatório, pois o trabalho oferece a oportunidade das pessoas desenvolverem seus talentos, demonstrarem sua criatividade, aprenderem, resolverem problemas e exercerem autonomia. É importante que seja moralmente aceitável, o trabalho deve exaltar valores compartilhados pelos indivíduos e ser realizado de maneira socialmente responsável (MORIN, 2001). Um trabalho com sentido também favorece experiências de relações humanas satisfatórias, ao estabelecer contato entre as pessoas, contribuindo para a formação de suas identidades. Além disso, ao ser fonte de contatos, o trabalho permite que as pessoas encarem melhor a solidão e encontrem lugar na comunidade. O trabalho com sentido possibilita a segurança e a autonomia sendo que o salário é associado principalmente a elementos de segurança e de independência em detrimento do aspecto de prestígio. E

9 HACKMAN, J.R.; OLDHAM, G. R. Motivation through the Design of Work: test of a theory. Organizational Behavior and Human Perfomance. v. 16, p

250-279, 1976.

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finalmente, um trabalho com sentido é aquele que mantém as pessoas ocupadas, funciona como uma ótima forma de organizar o tempo e uma estrutura de defesa contra a ansiedade da morte e do vazio (MORIN, 2001).

No Brasil, Oliveira et al (2004) realizaram um estudo de cunho exploratório com 28 profissionais que cursavam pós-graduação (lato sensu) no sul do país. A análise dos resultados revelou que um trabalho com sentido pode ser influenciado por quatro variáveis: o significado do trabalho, ou seja, a concepção do que é trabalho para o indivíduo; o valor, ou seja, o grau de importância ou centralidade que o indivíduo atribui ao trabalho; os valores éticos individuais; e a razão que motiva o indivíduo a trabalhar. É relevante enfatizar que o contexto social e cultural do indivíduo também influencia em sua percepção sobre o tema.

Os resultados são semelhantes aos de Morin (2001), os 28 estudantes de pós lato sensu revelam o trabalho como uma dimensão central em suas vidas. Oliveira et al (2004) analisaram os resultados considerando três dimensões do trabalho: a individual, a organizacional e a social. Na dimensão individual, visando um trabalho com sentido, os indivíduos ressaltam a importância de valores éticos, do prazer, da possibilidade de crescimento e desenvolvimento, de conhecer o objetivo e de acreditar no que se faz. Na dimensão organizacional, um trabalho com sentido deve contribuir com a organização, satisfazer as expectativas da empresa, agregar valor, alcançar resultados, permitir a autonomia e a criatividade, ser realizado em um ambiente agradável e ser desafiante. Já na dimensão social, um trabalho com sentido contribui para as outras pessoas ou para a sociedade como um todo. Assim, Oliveira et al (2004, p. 14) ressaltam:

A questão de se trabalhar percebendo sentido no que se faz pode possibilitar que numa organização se alcance a eficácia sem a preocupação de desenvolver programas motivacionais, que estimulam o trabalhador por pouco tempo e não permanecem. Assim, constantemente precisam ser reforçados, já que o sentido que as pessoas encontram no seu trabalho depende de fatores tais como autonomia, reconhecimento, possibilitar o desenvolvimento e crescimento e isso, muitas organizações não oferecem.

Morin (2008) realizou uma pesquisa em quatro organizações canadenses: um centro hospitalar, um centro de saúde e serviços sociais, um centro de pesquisa do setor agrícola e uma empresa do setor de engenharia. Participaram no total 1.623 indivíduos. O objetivo de sua pesquisa era determinar as características relacionadas a um trabalho que possui sentido e explorar as relações entre os sentidos do trabalho, saúde mental e o comprometimento afetivo dos empregados. Como resultado principal, Morin (2008) salienta que se o indivíduo possui uma percepção positiva de seu trabalho (suas atividades cotidianas), das condições nas quais ele realiza seu trabalho (condições de saúde, segurança, meio físico, relações de trabalho, etc.) e das relações que ele forma em seu trabalho (com seus superiores, seus colegas, os clientes, etc.), então, terá uma tendência positiva a atribuir sentido a seu trabalho e, como conseqüência, se sentirá bem psicologicamente e fisicamente. Isso também impacta positivamente em seu comprometimento, cooperação e desempenho. Caso contrário, se o indivíduo possui uma percepção negativa, a sua tendência será pensar que nem seu trabalho possui sentido nem o local onde trabalha. Assim, pode ser que apresente sintomas de stress e até mesmo de angústia (MORIN, 2008). As seguintes hipóteses foram testadas e validadas na pesquisa: os aspectos de utilidade do trabalho, de ser moralmente aceitável, de proporcionar aprendizado e desenvolvimento, a autonomia, o reconhecimento e a qualidade das relações estão positivamente correlacionados; os seis aspectos anteriores estão positivamente correlacionados com os sentidos do trabalho; o sentido do trabalho influencia positivamente o bem-estar psicológico e o comprometimento afetivo na organização; e o sentido do trabalho influencia negativamente a angústia psicológica. É relevante ressaltar que os aspectos de utilidade social do trabalho e de aprendizado e de desenvolvimento possuem um efeito importante em relação ao sentido do trabalho. Os aspectos de reconhecimento e de sentido do trabalho explicam melhor as variâncias dos percentuais de angústia e de bem-estar psicológico. Também, o modelo que explica melhor a variável comprometimento afetivo é formado pelas seguintes variáveis: reconhecimento, valores morais e sentidos do trabalho. E nesses três casos, a variável sentidos do trabalho apareceu como mediadora entre as características do trabalho e dos estados psicológicos. Já na perspectiva do significado do trabalho, deve-se partir com base um uma perspectiva multifacetada e que considere seu caráter dinâmico. Assim:

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Aborda-se significado do trabalho como uma cognição subjetiva e social. Varia individualmente, à medida que deriva do processo de atribuir significados e, simultaneamente, apresenta aspectos socialmente compartilhados, associados às condições históricas da sociedade. É, portanto, constructo sempre inacabado (BORGES E TAMAYO, 2000, p. 1).

Andrade e Silva (2001) ressaltam que na literatura sobre significado do trabalho, pode-se relacioná-lo a

diversos antecedentes, entre eles: categoria ocupacional, gênero, faixa etária, grau de instrução, religião, nacionalidade, socialização organizacional, relação superior-subordinado, sistema de produção, concepção, valores e ética do trabalho, sindicalização e cultura organizacional. E enfatizam que seria interessante uma pesquisa brasileira que correlacionasse significado do trabalho e religião, como já foi realizada no exterior. Há modelos que buscam compreender o significado do trabalho. Pode-se citar a pesquisa pioneira desenvolvida pelo grupo MOW – Meaning of Working International Reserach Team em 1986. Esta pesquisa foi realizada em oito países: Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Iugoslávia, Israel, Japão, Holanda e Estados Unidos. Teve uma amostra de aproximadamente 15.000 indivíduos, entrevistando estudantes, empregados parciais, autônomos, aposentados, desempregados e representantes de várias profissões (engenheiros, químicos, professores, operários, comerciantes, empregados de colarinho branco e trabalhadores de indústrias têxteis) (1987, apud SILVA E ANDRADE, 2001). Pesquisando a definição empírica de trabalho, o grupo MOW (1987, apud SILVA E ANDRADE, 2001) encontrou a seguinte definição de trabalho: 35% dos entrevistados definiram o trabalho em virtude de seus aspectos concretos (resultados econômicos e pelo local de desenvolvimento); de 17 a 22% pelos aspectos sociais (fins sociais e interpessoais); de 25 a 30% como um dever e cerca de 20% pela geração de estresse físico e mental. De modo mais específico, England e Whiteley10 (apud Morin, 2001), cabe ressaltar que esses dois autores são integrantes do grupo MOW, revelam seis padrões de definição do trabalho: Padrão A: o trabalho acrescenta valor a qualquer coisa, deve-se prestar conta dele, faz parte de suas tarefas e recebe-se dinheiro para realizá-lo. Abrangeu 10,6% da amostra. Padrão B: há o sentimento de vinculação, recebe-se dinheiro para realizá-lo, faz-se para contribuir para a sociedade e faz parte de suas tarefas. Abrangeu 27,6% da amostra. Padrão C: outros se beneficiam de seu trabalho, recebe-se dinheiro para realizá-lo, faz-se para contribuir para a sociedade, acrescenta valor a qualquer coisa e é fisicamente exigente. Abrangeu 17,6% da amostra. Padrão D: recebe-se dinheiro para realizá-lo, faz parte de suas tarefas, é realizado em um local de trabalho, você deve fazê-lo, alguém lhe diz o que fazer e não é agradável. Abrangeu 21,7% da amostra. Padrão E: é mentalmente exigente, é fisicamente exigente, recebe-se dinheiro para realizá-lo, faz pare de suas tarefas e não está lhe agradando. Abrangeu 10,6% da amostra. Padrão F: possui um horário estabelecido, é realizado em um local de trabalho, recebe-se dinheiro para realizá-lo e faz parte de suas tarefas. Abrangeu 11,8% da amostra. Pode-se notar que os padrões A, B e C possuem uma concepção positiva do trabalho valorizando, respectivamente, a geração de valor, um vínculo entre indivíduo e seu trabalho e o caráter social do trabalho. Já os padrões D e E possuem uma concepção negativa do trabalho, o trabalho é visto como uma obrigação, um meio para se ganhar a vida, é considerado desgastante e desagradável. Já o padrão F enfatiza uma concepção neutra do trabalho, visto que ele é realizado em determinado local, possui um período determinado e se recebe dinheiro para fazê-lo. Além disso, essas concepções de trabalho ressaltam as características que fazem o trabalho ter sentido ou ser significativo para o indivíduo (MORIN, 2001). O modelo do grupo MOW, para compreender o significado do trabalho, considera as seguintes dimensões: a centralidade do trabalho, normas societais e resultados e objetivos valorizados no trabalho (1987, apud SILVA E ANDRADE, 2001). A princípio, havia mais outra dimensão, a identificação das regras do trabalho, porém esta foi excluída do modelo devido a sua pouca consistência estatística (MOW, 1987 apud TOLFO e PICCININI, 2007). A medida da centralidade do trabalho busca verificar a importância do trabalho para os indivíduos em determinado momento de suas vidas, está relacionada com suas crenças pessoais, e também busca comparar a

10 ENGLAND, G. W.; WHITELEY, W. T. Cross-national meanings of working. In: BRIEF, A. P., NORD W. R. Meanings of occupational work. Toronto:

Lexington Books, 1990.

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importância do trabalho com outras áreas da vida humana como família, lazer, religião e comunidade (MOW, 1987 apud SILVA E ANDRADE, 2001; BASTOS, PINHO E COSTA, 1995). Já a medida das normas societais objetiva compreender a relação do indivíduo com as normas do grupo, ou seja, se percebem o trabalho como dever ou direito do cidadão (MOW, 1987 apud SILVA E ANDRADE, 2001). O conjunto dos deveres está relacionado com os padrões socialmente corretos dos indivíduos com a sociedade na situação de trabalho. Abrange a noção de que todo indivíduo deveria contribuir com a sociedade pelo trabalho, de que deveria buscar realizar seu trabalho do melhor modo e de que deveria aceitar qualquer trabalho que oferecesse uma remuneração compensatória. Já o conjunto dos direitos está relacionado com as obrigações da sociedade com o indivíduo. Assim, todo indivíduo teria direito a um trabalho interessante e significante, que o empregador deve treinar o trabalhador quando desatualizado, e que o trabalhador deve participar das decisões relacionadas ao trabalho (MOW, 1987 apud BASTOS, PINHO E COSTA, 1995). As variáveis “resultados e objetivos valorizados do trabalho” buscam compreender o porquê do indivíduo trabalhar, também inclui o componente motivacional e de satisfação. (MOW, 1987 apud BASTOS, PINHO E COSTA, 1995). A variável “objetivos valorizados do trabalho” relaciona-se com os aspectos considerados relevantes pelos funcionários que são divididos em intrínsecos (relacionados ao conteúdo da tarefa) e extrínsecos (não relacionados ao conteúdo da tarefa. Já a variável “resultados esperados do trabalho” diz respeito às funções atribuídas ao trabalho, como a função de realização, a função econômica etc (MOW, 1987 apud SILVA E ANDRADE, 2001). Por meio dessas variáveis, pode-se enfatizar aspectos que tornam o trabalho mais atraente para os indivíduos. A pesquisa do grupo MOW (1987, apud SILVA E ANDRADE, 2001) revelou quatro padrões de significado do trabalho. O padrão instrumental no qual são enfatizados os aspectos econômicos do trabalho em detrimento dos aspectos intrínsecos. O padrão expressivo e de centralidade, neste é exaltada a auto-expressão por meio do trabalho, que é uma esfera central na vida das pessoas, e o salário não é considerado um resultado importante. O padrão de significado com orientação para direito e contato, as pessoas consideram o trabalho uma norma de direito e atribuem alto valor à dimensão de contato social. E no padrão de significado com baixo direito, encontra-se pessoas que apresentam orientação extremamente baixa para as normas de direito com uma orientação média para obrigação. Como resultado principal, tem-se que, de modo geral, o principal padrão encontrado foi o instrumental, em cerca de 30% da amostra. Ressalta-se como resultado um padrão complexo de significado do trabalho que é influenciado por características individuais, características e qualidade das experiências, ocupação e outros antecedentes. Além disso, a equipe conseguiu identificar diferenças entre categorias profissionais e entre nações, ressaltando o trabalho como uma esfera central para a maioria da amostra. Enfatizou que pessoas mais velhas valorizam mais o trabalho, que o significado do trabalho pode ser influenciado por fatores como educação e socialização, podendo, no decorrer da vida, esses valores serem modificados pelas experiências de trabalho das pessoas. Ressaltou que o significado atribuído ao trabalho está relacionado com a institucionalização do trabalho e por sua relação com outros papéis da vida do indivíduo. Assim, as pessoas também atribuem significado ao trabalho visando mudar organizações e estruturas sociais e não somente em decorrência das experiências e condições de trabalho. Logo, os padrões de significado do trabalho podem afetar as organizações e a sociedade em áreas como conflito e produtividade (MOW, 1987 apud ANDRADE E SILVA, 2001). Bastos, Pinho e Costa (1995) pesquisaram o significado do trabalho baseados na pesquisa do grupo MOW (1987) com 1.013 participantes de vinte organizações (quatro empresas públicas prestadoras de serviços de infra-estrutura e financeiras, sete órgãos de administração pública direta e nove empresas privadas) na região metropolitana de Salvador na Bahia. Com relação à centralidade do trabalho sendo vista comparativamente a outras esferas da vida, o resultado mostrou a primazia da esfera da família para os indivíduos, em seguida as esferas do trabalho, do lazer, da religião e da comunidade. Ainda, calcularam um escore que agregou o peso atribuído às esferas da vida e o item isolado em que o respondente dizia sobre a centralidade do trabalho em sua vida. Tal escore poderia variar de 2 pontos (baixa centralidade) a 10 pontos (alta centralidade). Os trabalhadores baianos revelaram um escore médio de 6,39 (BASTOS, PINHO E COSTA, 1995). É relevante ressaltar que o valor médio desse escore encontrado pelo grupo MOW (1987, apud BASTOS, PINHO E COSTA, 1995) foi de sete. É importante destacar que a pesquisa revelou graus de centralidade com relevantes diferenças em virtude dos segmentos da amostra. Há escores mais elevados entre os homens do que entre mulheres. Trabalhadores de ocupações industriais, aqueles que estão em um estágio mais avançado de suas carreiras, os que possuem segundo grau ou trabalham em empresas públicas apresentam escores mais elevados.

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Contrariamente, aqueles que estão na administração pública ou no estágio inicial de suas carreiras possuem escores mais baixos de centralidade do trabalho (BASTOS, PINHO E COSTA, 1995). Bastos, Pinho e Costa (1995), analisando os produtos valorizados do trabalho, encontraram um maior destaque para os fatores de auto-realização (escore de 20,56) e de ganhos necessários (escore de 19,46). O produto de status e prestígio foi o menos valorizado entre os entrevistados baianos, apresentou o escore de 8,88. Os produtos que relacionam o trabalho como uma forma de manter o indivíduo ocupado, de permitir contatos interessantes, de servir à sociedade, de ser interessante em si mesmo, apresentaram escores médios que variavam de 11,7 a 13,35. Quanto às normas societais relativas ao trabalho, a pesquisa teve como resultado maior destaque para a norma do trabalho como direito (média de 5,93 num máximo de 7 pontos) do que para a norma do dever (média de 4,96). É interessante ressaltar que encontraram maior adesão à norma do direito naqueles que apresentam maior nível de escolaridade bem como entre as mulheres. Também encontraram diferenças nessa dimensão relacionadas aos segmentos da amostra. Assim, cabe destacar que empregados da administração pública apresentam maior concordância com as normas de direito do que com as normas de dever, contrariamente aos trabalhadores de empresas privadas. É também interessante destacar a pesquisa realizada por Chatterjee e Pearson (2000) que teve por objetivo explorar a variável objetivos valorizados do grupo MOW na Ásia. Utilizaram uma amostra de 1252 gerentes da Singapura, Malásia, Índia, Tailândia, Brunei e Mongólia. É interessante ressaltar que, em sua clássica pesquisa, o grupo MOW (1987, apud Chatterjee e Pearson 2000) encontrou em ordem decrescente de importância os seguintes objetivos valorizados para sua amostra: trabalho interessante, salário, relações interpessoais, estabilidade, uma boa combinação entre suas habilidades e aquelas necessárias ao seu emprego, autonomia, aprendizagem, variedade, tempo de trabalho conveniente, boas condições físicas e oportunidades de promoção. Chatterjee e Perason (2002) ressaltam que os seis países escolhidos possuem diferenças relacionadas à liberalização econômica, às ideologias de globalização e que isso pode ser refletido no sistema de valores dos gerentes. Assim, em todos os países exceto a Malásia, observaram que os dois objetivos considerados extremamente importantes são um trabalho que ofereça oportunidades de aprendizagem e que seja interessante. Por meio da técnica de grupo focal, destacam que, na Malásia, o objetivo mais valorizado foi a oportunidade de promoção, visto que os gerentes enfatizavam uma extraordinária condição econômica do país naquele período. O objetivo de combinação entre as habilidades e experiência dos gerentes e as requeridas pelo seu trabalho também foi considerado relevante, apresentando destaque em todos os países. Também houve convergência com relação aos objetivos de boas condições de trabalho e de tempo de trabalho conveniente sendo considerados os menos importantes. Já os objetivos de autonomia, promoção, salário, relações interpessoais, variedade e estabilidade, variaram substancialmente quanto a sua importância em todos os países. Chatterjee e Pearson (2002) enfatizam que a grande importância atribuída à aprendizagem pelos gerentes é conseqüência do processo de internacionalização bem como da dominação de uma ideologia de mercado em várias esferas da vida. Assim, os gerentes preocupam-se em adquirir novas habilidades, aprender novas técnicas e processos. Harpaz (2002), em seu trabalho que busca relacionar o desejo de indivíduos de continuar ou parar de trabalhar com o significado do trabalho utilizando dados de amostras colhidas em 1981 e 1993 de Israel, ressalta que ao responderem a questão “Imagine que você ganhou na loteria ou recebeu uma herança de modo que pudesse viver toda a sua vida confortavelmente, o que você faria?” o percentual de indivíduos que continuariam a trabalhar aumentou de 87,9% para 89,7%. Bem como significativas diferenças foram encontradas em decorrência do nível de escolaridade em ambos os períodos. É interessante destacar a descrição dos domínios centrais do grupo MOW (1987), seus principais componentes e dimensões finais utilizadas por Harpaz (2002) em sua pesquisa, conforme tabela 1. Também analisou em sua pesquisa a variável de satisfação ocupacional mensurada por duas questões: (1) “Se você começasse tudo mais uma vez, você escolheria a mesma ocupação ou escolheria uma diferente?” e (2) “Você recomendaria sua ocupação para seu filho?”. Assim, Harpaz (2002) destaca em sua análise que um alto padrão de orientação instrumental é um forte preditor de desejo de parar de trabalhar. Uma baixa centralidade de trabalho é o segundo mais significante preditor de um desejo de parar de trabalhar. Entre as pesquisas de 1981 e de 1993, cabe ressaltar o aumento de grande magnitude do padrão instrumental, o leve aumento da centralidade do trabalho, o aumento da norma de direito, a diminuição da norma de dever, o aumento da dimensão de orientação intrínseca, a leve diminuição do padrão de relações interpessoais e uma forte diminuição da variável de satisfação ocupacional. Além disso,

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quanto mais forte a norma individual de obrigação bem como a orientação intrínseca do trabalho, mais forte é o desejo de continuar a trabalhar. Outros preditores da tendência de desejar a parar de trabalhar foram baixa satisfação ocupacional, alta orientação instrumental e baixa importância conferida às relações interpessoais. E por fim, os homens escolhem mais do que as mulheres continuar a trabalhar.

Outro modelo para se estudar o significado do trabalho por meio de uma estrutura cognitiva é proposto por Borges e Alves-Filho (2001), baseado em conceitos e definições do grupo MOW (1987), sendo composto por atributos descritivos e valorativos. Borges e Tamayo (2000) salientam que os atributos valorativos são tratados pelo MOW (1987) como uma dimensão independente relacionada com as normas societais. Os atributos valorativos possuem cinco fatores primários: (1) exigências sociais que ressaltam a atribuição de que o trabalho deve significar responsabilidade social e de atendimento às demandas sociais; (2) justiça no trabalho, ressalta que o trabalho deve proporcionar proteção ao indivíduo como, assistência, segurança física, higiene e conforto no ambiente de trabalho, garantia de direitos e proporcionalidade entre esforços e recompensas; (3) esforço corporal e desumanização, este fator está relacionado com o esforço físico, o desgaste corporal do indivíduo; (4) realização pessoal que define o trabalho como provedor de prazer ao alcançar resultados, pelo seu produto, pelas recompensas, pelos desafios intelectuais que proporciona e oportunidades de crescimento e de auto-valorização; e (5) sobrevivência pessoal e familiar possibilita garantir o sustento do indivíduo e de sua família.

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Já com relação aos atributos descritivos, são ressaltados quatro fatores que dizem como o trabalho é concretamente para o indivíduo. São os seguintes fatores: (1) êxito e realização pessoal que estão principalmente relacionados ao crescimento pessoal e desafio intelectual, mas também consideram o senso de responsabilidade e de respeito na hierarquia e relação entre prazer e conteúdo da tarefa; (2) justiça do trabalho que, de modo geral, trata do respeito que o trabalhador vivencia no ambiente organizacional, abrange desde os cuidados com higiene, assistência, relacionamento interpessoal até sua participação, recompensas e reconhecimento; (3) sobrevivência pessoal e familiar, independência econômica, esta dimensão busca

compreender a função social do trabalho para o indivíduo e sua família e também a função social relacionada ao progresso da sociedade; e (4) carga mental que se relaciona com o esforço mental, subordinação hierárquica, repetição, execução e exigência e ritmo.

Itens ou Componentes Teóricos

(a1) Importância Absoluta do Trabalho

(a2) Importância Relativa do Trabalho

(b1) Responsabilidade pelo treinamento

(b2) Dever de trabalhar

(b3) Preparação educacional

(b4) Responsabilidade de economizar

(b5) Participação dos empregados

(b6) Contribuição pelo trabalho

(b7) Direito a um trabalho significativo

(b10) Valorizar qualquer trabalho

(c1) Oportunidade de aprendizado

(c2) Relações interpessoais

(c3) Oportunidade de promoção

(c4) Tempo de trabalho conveniente

(c5) Variedade

(c6) Trabalho interessante

(c7) Estabilidade

(c9) Salário

(c10) Condições de trabalho

(c11) Autonomia

(d1) Status-prestígio

(d2) Renda

(d3) Ocupação

(d4) Contatos Interessantes

(d5) Servir à sociedade

(d6) Satisfação

(e) Identificação com papel do trabalho(e1) Atividade

(e2) Organização

(e3) Produto

(e4) Tipo de pessoas

(e5) Ocupação

(e6) Dinheiro

Tabela 1 – Descrição dos domínios centrais do MOW, seus componentes principais e as

dimensões finais do MOW

Domínios

Centrais do

MOW

Composição das

dimensões finais

(empíricas) do MOW

(a) Centralidade

do Trabalho

Centralidade do

trabalho (a1, a2)

(b) Normas

Societais do

Trabalho

Norma de Direito (b1,

b5, b7, b9)

(b8) Aceitação de um trabalho monótono em virtude do

pagamento

Norma de Obrigação

(b4, b6,b10)

(b9) Responsabilidade de fornecer trabalho a todo

indivíduo

(c) Importância

dos objetivos de

trabalho

Padrão Instrumental

(c9, d2, e6)

(c8) Combinação entre qualificação necessária e

habilidades do trabalhador

(d) Produtos

valorizados do

trabalho Relações

Interpessoais(c2, d4,

e4)

Orientação Intrínseca

(c5, c6, c8, c11, d6)

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Fonte: Adaptado de Harpaz (2002, p. 187) Na pesquisa de Borges e Tamayo (2000), investigou-se o significado do trabalho para 622 trabalhadores de uma rede de supermercado pública e outra privada e de uma construtora habitacional. Essa pesquisa buscou mensurar os atributos descritivos e valorativos e utilizou questões da centralidade do trabalho do grupo MOW (1987). Como resultado principal, encontraram seis padrões de significado do trabalho: O padrão de instrumentalidade econômicos-familiar expressiva: retratando o trabalho como segunda esfera mais importante da vida. Assim, o fator valorativo de sobrevivência pessoal e familiar e o fator descritivo de êxito e realização pessoal foram destacados. Abrangeu 29,2 % da amostra. O padrão de instrumentalidade econômica no qual há ênfase tanto nos fatores valorativos quanto nos descritivos da faceta de sobrevivência familiar e pessoal. Os indivíduos ressaltam uma importância mediana do trabalho. Abrangeu 11,9 % da amostra. O padrão expressivo-social no qual a faceta valorativa exigências sociais e a faceta descritiva êxito e realização social são consideradas relevantes. Seus membros também atribuem importância mediana ao trabalho. Abrangeu 15 % da amostra. O padrão significante-conflitante no qual há uma diferença entre os escores da justiça do trabalho, como atributo valorativo e descritivo. Os indivíduos ressaltam como relevante a faceta de exigências sociais e destacam o fator de carga mental acentuadamente. Abrangeu 15 % da amostra O padrão apático no qual os indivíduos possuem uma centralidade inferior moderada e tendência de escores baixos na maioria dos fatores descritivos e valorativos. Abrangeu 8,9 % da amostra. E o padrão de centralidade valorativa no qual os indivíduos apresentam alto nível de centralidade do trabalho e tendência a escores elevados nos fatores descritivos e valorativos. Abrangeu 20,5 % da amostra. Andrade e Silva (2001) enfatizam, ao analisar as tendências e os caminhos das pesquisas sobre o significado do trabalho, que o modelo MOW é tido como referência em pesquisas posteriores ao utilizar suas variáveis e suas medidas. Sendo importante destacar que as dimensões da centralidade e resultados esperados do trabalho se mantiveram como tradição de pesquisa. É relevante destacar que considerar-se-á para este estudo a perspectiva do modelo do grupo MOW que trata significado e sentido como sinônimos conforme foi enfatizado por Tolfo e Piccinini (2007) anteriormente. Sendo relevante destacar a interdependência entre as duas dimensões. REFERÊNCIAS AKTOUF, Omar. A Administração entre a Tradição e a Renovação. São Paulo: Editora Atlas, 1996. ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1994. BASTOS, Antônio Virgílio B.; PINHO, Ana Paula Moreno; COSTA, Clériston Alves. Significado do Trabalho: um estudo entre trabalhadores inseridos em organizações formais. Revista de Administração de Empresas , Rio de janeiro, v.35, n.6, nov./dez. 1995. BASSO, I. S.. Significado e Sentido do Trabalho Docente. Cadernos Cedes, Campinas, SP, n. 44, p. 19-30, 1998. Disponível em www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621998000100003 (acesso em 23/10/2008). BERGER, Peter L., LUCKMAN, Thomas. Modernidade, Pluralismo e Crise de Sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2004. BORGES, Lívia de Oliveira. As Concepções do Trabalho: um estudo de análise de conteúdo de dois periódicos de circulação nacional. Revista de Administração Contemporânea, v. 3, nº 3, p 81-107, set./dez., 1999. BORGES, Lívia de Oliveira; ALVES-FILHO, Antônio. A mensuração da motivação e do significado do trabalho. Estudos de Psicologia, 6(2), 177-194, 2001. BORGES, Lívia de Oliveira; TAMAYO, Álvaro. A estrutura cognitiva do significado do trabalho. 24o Encontro da ANPAD (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração). Florianópolis: Autor, 2000. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. CHANLAT, Jean-François. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In: DAVEL, Eduardo, VASCONCELOS, João (Orgs). ''Recursos'' Humanos e Subjetividade. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1996.

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