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CENTRO DE CONVIVÊNCIA INFANTIL CASINHA DO SOL: PENSANDO EM SEUS AVANÇOS E DESAFIOS Eixo 1 do COPEDI Marilete Calegari Cardoso (UESB) Ivana Conceição de Deus Nogueira (UESB) Lilian Fonseca Lima (UESB) RESUMO Este texto apresenta parte de uma pesquisa, em andamento, a qual trata das construções históricas do papel de creche em locais de trabalho, em especial, do Centro Convivência Infantil Casinha do Sol da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA. Trata-se de um trabalho que busca analisar o conceito de creche e sua função a partir das memórias das professoras. Na metodologia seguiu-se os princípios da pesquisa qualitativa centrada numa perspectiva do tipo etnográfico, tendo como método histórias de vida. Os dados foram coletados por meio de relatos escritos e entrevistas semi-estruturadas. Os subsídios teóricos foram baseados nos autores: Kuhlmann Jr. (1998), Oliveira (2002), Haddad (2002), Sanches (2003), Raupp( 2004), Gomes (2008) e outros. Com base nos resultados concluimos que ao longo de sua história sua função seguia os modelos de atendimento assistencialista e higienista,visando apenas o cuidado e a guarda, pasasndo a ter função educativa, com a entrada de projetos e pesquisas envolvendo os professores da CCI, graduandos e docentes da UESB. Palavras-chave: Creche universitária; Função de Creches; Educação Infantil. INTRODUÇÃO Este texto traz em seu cerne reflexões acerca das construções históricas do papel de creche em locais de trabalho, em especial, de creches universitárias. As idéias nele contidas é parte de nossa pesquisa 1 , em andamento, que buscamos investigar a trajetória do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA, cujo objetivo é descrever o conceito de creche e sua função a partir das memórias das professoras. A história da creche liga-se as modificações na sociedade em suas várias dimensões: social, política, econômica, cultural, psicológica e ideológica. Nessas transformações insere-se o papel da mulher na sociedade, a organização no âmbito da 1 Pesquisa financiada (PPG/UESB) intitulada Construção e Mobilização de Saberes dos Docentes do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol- UESB.

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CENTRO DE CONVIVÊNCIA INFANTIL CASINHA DO SOL:

PENSANDO EM SEUS AVANÇOS E DESAFIOS

Eixo 1 do COPEDI

Marilete Calegari Cardoso (UESB)

Ivana Conceição de Deus Nogueira (UESB)

Lilian Fonseca Lima (UESB)

RESUMO

Este texto apresenta parte de uma pesquisa, em andamento, a qual trata das construções

históricas do papel de creche em locais de trabalho, em especial, do Centro Convivência Infantil

Casinha do Sol da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA.

Trata-se de um trabalho que busca analisar o conceito de creche e sua função a partir das

memórias das professoras. Na metodologia seguiu-se os princípios da pesquisa qualitativa

centrada numa perspectiva do tipo etnográfico, tendo como método histórias de vida. Os dados

foram coletados por meio de relatos escritos e entrevistas semi-estruturadas. Os subsídios

teóricos foram baseados nos autores: Kuhlmann Jr. (1998), Oliveira (2002), Haddad (2002),

Sanches (2003), Raupp( 2004), Gomes (2008) e outros. Com base nos resultados concluimos

que ao longo de sua história sua função seguia os modelos de atendimento assistencialista e

higienista,visando apenas o cuidado e a guarda, pasasndo a ter função educativa, com a

entrada de projetos e pesquisas envolvendo os professores da CCI, graduandos e

docentes da UESB.

Palavras-chave: Creche universitária; Função de Creches; Educação Infantil.

INTRODUÇÃO

Este texto traz em seu cerne reflexões acerca das construções históricas do papel

de creche em locais de trabalho, em especial, de creches universitárias. As idéias nele

contidas é parte de nossa pesquisa1, em andamento, que buscamos investigar a trajetória

do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol da Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA, cujo objetivo é descrever o conceito de

creche e sua função a partir das memórias das professoras.

A história da creche liga-se as modificações na sociedade em suas várias

dimensões: social, política, econômica, cultural, psicológica e ideológica. Nessas

transformações insere-se o papel da mulher na sociedade, a organização no âmbito da

1 Pesquisa financiada (PPG/UESB) intitulada “Construção e Mobilização de Saberes dos Docentes do

Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol- UESB”.

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família, principalmente, a educação dos filhos. Insere-se ainda, a expansão do

capitalismo e urbanização.

A primeira creche foi criada na França, por Fimin Marbeu, em 1844.

Denominada de crèche ou salles d’asile – que exprime manjedoura, presépio.

Designação dada aos abrigos para as crianças necessitadas de 0 a 3 anos, com caráter

basicamente custódio-assistencial. No Brasil, nos séculos XVIII e XIX, período da

dominação portuguesa, expandiram–se várias práticas européias, destacando a

instalação de Casa dos Expostos, também chamada de Roda de expostos que eram

destinadas a amparar crianças enjeitadas. A casa da roda oferecia serviços de filantropia

e assistência, com objetivo de reduzir os altos índices de mortalidade infantil.

(KUHLMANN JR.,1998; KISHIMOTO, 1990; CARVALHO,2003, CARDOSO, 2008).

A primeira creche no Brasil, foi inaugurada em 1899, pela Companhia de

Fiação e Tecido Corcovado, no Rio de Janeiro, para filhos de operários. No entanto,

segmentos da sociedade difundiam a creche como uma instituição asiliar, porém, de

forma peculiar, enquanto na França e nos países europeus, a creche era proposta em

nome do trabalho industrial feminino, no Brasil ainda não havia uma demanda efetiva

deste setor. Assim, as instituições asiliares passaram a ser chamadas de creche popular,

mais voltadas para o atendimento das mães trabalhadoras domésticas, do que as

operárias industriais. (KUHLMANN JR., 1998; OLIVEIRA, 2002; HADDAD, 2002).

Nesse sentido, a creche é concebida como entidade de atendimento às classes

populares, com a função de combate à pobreza e à mortalidade infantil, pois entendia-se

que as famílias da classe de trabalhadores não podiam proporcionar cuidados básicos,

como fornecimento de abrigo, alimentação e algum atendimento em higiene e saúde.

Diante dos diversos eventos apontados, definem-se – ao longo da história, ou

mesmo simultaneamente – diferentes funções para as creches no contexto da sociedade

brasileira: como recurso que beneficia a mãe trabalhadora, ou como instrumento social

para prevenir o fracasso escolar das crianças mais pobres, ou ainda como uma instância

educativa, que contribuiria para uma sociedade mais justa e um exercício de cidadania

em prol da população infantil. (VERÍSSIMO & FONSECA,2003).

Entretanto, com a publicação da Constituição Federal de 1988, a creche passa

ser uma instituição educativa, um direito da criança, uma opção da família e um dever

do Estado (artigo 208, inciso IV). Portanto, após a constituição foi analisada a

necessidade da obtenção de garantia de creches e pré-escolas nos locais de trabalho.

(RAUPP, 2004, GOMES, 2008).

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Tal mudança é confirmada após aprovação da Lei 9394/96- LDB, na qual o

conceito de creche e seu papel na sociedade passou por modificações relevantes - de

complementação familiar, social e cultural, e que realmente contribua para o

desenvolvimento da criança nos seus diferentes aspectos - isto posto, configurou uma

nova concepção de creche. Isto é, as creches passaram a ser legitimadas como agências

educativas, direito das crianças e das famílias trabalhadoras em usufruírem espaços

coletivos para os cuidados e educação de seus filhos.

Conforme Haddad (2002, p.32) a inclusão da creche no sistema educativo abre

importantes perspectivas ao avanço de propostas que reconheçam as necessidades

específicas das crianças nos programas destinados à faixa etária de 0 a 5 anos, porque

representa, em primeiro lugar a superação do caráter assistencialista dos programas

destinados à essa faixa etária; segundo, porque cria a necessidade de uma política

nacional para esse segmento e terceiro, porque a educação através da creche e pré-

escola deve estar vinculada aos direitos da criança e não da mãe trabalhadora ou da

família pobre, fator tradicionalmente responsável por negligenciar as características

específicas das crianças nesses programas.

Contudo, vale ressaltarmos que nesse mesmo período, em que ocorriam grandes

discussões a respeito do atendimento a crianças de 0 a 6 anos, surgiam novas políticas

para a educação infantil com o intuito de abolir, a concepção assistencialista, em

detrimento da concepção de um espaço sócio-educativo, nasce em 1998, o Centro de

Convivência Infantil o CCI- Casinha do Sol- UESB/Jequié-BA. O que nos provoca

uma certa inquietude, uma vez que o objetivo de seu projeto inicial está pautado numa

concepção de cunho assistencialista, cuja função era: “Proporcionar assistência e

guarda a criança na faixa de quatro meses a seis anos, filhos de professores e

funcionários da UESB- Campus de Jequié”2.

Assim, algumas questões se impõem de imediato: Que função representa hoje o

Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol? Que trabalhos foram construídos ao

longo desse tempo para ressignificar o seu papel ?

Conhecer a história do aparecimento da creche em nossa sociedade poderá

auxilar os professores que hoje nela trabalham a tomarem conciência das funções que

ela foi desempenhando e as perspectivas que se abrem para a sua ação hoje.

2 Trecho retirado do projeto original de implantação da Creche Casinha do Sol (1997).

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(OLIVEIRA, et al., 1992). Em especial, a história das creches universitárias, como

aponta Gomes (2008,p 04), já que praticamente “a legislação educacional no que tange

a educação infantil colocou novas demandas para as universidades, como por exemplo,

a pressão da oferta por cursos de pedagogia com habilitação na área de educação

infantil”, e, também, porque pouco sabe-se ainda sobre a creche no local de trabalho,

em particular, nas universidades públicas estaduais da Bahia.

Acreditamos que a investigação sobre a história e o papel da creche universitária

é uma necessidade que se coloca neste momento, em que se busca ressignificar a sua

ação não apenas como um serviço de atendimento, mas como uma instância formadora

e produtora de conhecimento.

Nosso interesse por estudar o processo histórico das creches universitárias, em

especial o centro infantil de tal lócus, surge por corroborar com o pensamento de Raupp

(2001), quando a mesma aponta lacunas de conhecimentos acerca de pesquisas sobre

centros de educação infantil (creches) pertencentes a universidades, bem como, estudos

sobre a formação de saberes de seus profissionais.

Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é analisar o conceito de creche e seu

papel na ótica das professoras do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol da

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA. Em outras

palavras, busca através das memórias das docentes do CCI, resgatar a história do

surgimento desse espaço educativo, reconhecendo sob que função o centro foi instituído

e como hoje ele é concebido.

A METODOLOGIA E OS CAMINHOS PERCORRIDOS

Adotamos como metodologia da pesquisa a abordagem qualitativa centrada

numa perspectiva etnográfica, tendo como método histórias de vida. A escolha pelo

método biográfico das Histórias de Vidas se deu por se considerar o mais apropriado

para investigar a trajetória de vida do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol da

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA, e sua função

nesse processo de construção.

A pesquisa foi desenvolvida no Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol,

da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Campus/Jequié, localizada no

município de Jequié- Bahia. O CCI Casinha do Sol fica num prédio em anexo da UESB.

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A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, é uma universidade

multi-campi, com sedes nos Municípios de Vitória da Conquista, Itapetinga e Jequié. O

campus de Jequié oferece cursos de graduação, cursos de especialização e mestrado sob

diferentes áreas. Entre os cursos de graduação oferecidos pela instituição, destacamos o

Curso de Licenciatura em Pedagogia e o Curso de Licenciatura Plena em Educação

Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, que atendem parte do professorado de

educação infantil da rede municipal de ensino.

Atualmente, o CCI Casinha do Sol possui estrutura e organização composta de

coordenação administrativa, coordenação pedagógica, quatro professoras, quatro

estagiários, duas pessoas de apoio e um porteiro. Quanto a sua estrutura física, funciona

nos turnos matutino e vespertino, com três turmas de berçário, duas turmas de martenal

I e uma de maternal II, atendendo aproximadamente sessenta crianças na faixa etária de

6 meses a 4 anos. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa e considerando o objeto de

investigação, escolhemos o número total do quadro de docentes do Centro.

Selecionamos como técnicas de coleta de dados os seguintes instrumentos:

observação das práticas das professoras, questionários, entrevista semi-estruturada,

escrita autobiográfica e análise de documentos. Contudo, para a análise e discussão

deste trabalho utilizamos questionário e a entrevista semi- estruturada.

Utilizamos como subsídio teórico para compreensão histórica do surgirmento da

creche no contexto internacional e brasileiro, os trabalhos relevantes de Kuhlmann Jr.

(1998), Kishimoto (1990), Carvalho (2003), Cardoso, (2008), Oliveira (2002), Haddad

(2002), Sanches (2003) e que se referem o movimento das creches para trabalhadores e

crecche universitária, Kramer (1995), Raupp( 2004), Gomes (2008), e sobre as funções

atuais da educação infantil Cerisara (1999, 2002), Kuhlmann Jr. (1998, 2002),

Kramer(1995) que reafirmam objetivos pedagógicos próprios e que consideram as

dimensões contextuais das relações estabelecidas nos espaços de convívio das

instituições de educação infantil.

Após, montamos um questionário para conhecermos melhor nossas professoras

pesquisadas. Desses dados destacamos as seguintes informações: idade; estado civil;

formação profissional; e tempo de exercício da profissão.

Com o intuito de qualificar os horizontes de análise do objeto de estudo, na

entrevista foram levantadas as seguintes questões: a) Como surgiu o CCI Casinha do

Sol? b) Quais foram as pessoas envolvidas na construção de seu projeto? c) Qual o

período de criação? d) Que função a creche tinha quando foi criada? e) Qual a função da

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creche para você? f) E como você desenvolve essa função no seu cotidiano? g) No

decorrer do tempo de atuação houve alteração na sua forma de conceber o trabalho

docente em creches? h) Na sua opinião o CCI Casinha do Sol já desconstruiu a visão de

creche como lugar de guarda? Apresente situações que confirmam a sua resposta.

As entrevistas individuais foram gravadas, transcritas na íntegra e submetidas à

análise de conteúdo segundo a técnica de Bardin (1977). Ao final da análise, foram

obtidas quatro categorias: Ontem creche, hoje centro infantil; O trabalho no centro;O

centro e a família, e CCI espaço de formação.

Entretanto, considerando o grande volume de dados, a atenção do relato da

pesquisa recaiu para/sobre uma única professora – Profª E.3, que descreverá como

foram os resultados da pesquisa e quais foram as (re)construções realizadas durante sua

trajetória no CCI Casinha do Sol e em sua prática pedagógica. Escolhemos a referida

professora por ser atualmente a única profissional que ingressou no início da construção

da Creche Casinha do Sol.

Portanto, apresentamos neste texto o conteúdo da categoria Ontem creche, hoje

centro infantil, visando subsidiar a reflexão sobre as funções da creche, colocada em

pauta com as mudanças atuais devido à inclusão das creches na educação, enquanto

instituições que visam a formação. Os demais temas serão apresentados em outros

artigos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Um começo da história: Ontem creche, hoje centro infantil

Idealizando um palco reflexivo a respeito do conceito de creche, educação

infantil e a função do Centro de Convivência Infantil – CCI Casinha do Sol a partir das

memórias da professora Profª E., seguimos as idéias de Morin e Ardoino (2007) que nos

sugerem a percorrer um caminho que não tem intenção de ser linear e cronológico, mas

que remete à complexidade4 dos contextos social, cultural e histórico do processo de

formação de nossas docentes pesquisadas, que poderão contribuir para o nosso ‘pensar’

3 Para mantermos a identidade da professora e outras pessoas envolvidas e a integridade do trabalho não

apresentaremos o nomes originais. 4 Sobre o significado do termo “complexo” Ardoino (2007, p.548), define como: “tecido, trançado,

enroscado, mas também cingido, enlaçado, aprendido pelo pensamento. [...]”.

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e o nosso ‘fazer’ enquanto professores que formam professores, ou melhor, enquanto

sujeitos que formam sujeitos que formarão sujeitos.

Nesse sentido, para darmos início a história do CCI Casinha do Sol vamos

conhecer um pouco a vida de nossa narradora (Profª E.), na qual destaca alguns dados

sobre sua identidade, formação e experiência profissional e como foi seu ingresso no

CCI Casinha do Sol.

Eu tenho 46 anos, sou solteira, fiz Magistério(quatro anos),depois fiz o curso de

Licenciatura em Letras com enfoque em Inglês. Sou professora contratada

(prestação de serviço), fiz uma seleção para trabalhar na creche da UESB. E,

estou atuando nela há 14 anos. [...] Minha experência fora do CCI foi com o

estágio na 2ª série ( foram 2 meses), mas, por conta da professora ter que se

afastar por ter perdido um bebê, eu consegui ficar mais tempo, sendo

prolongado por dois meses. Voltando atrás um pouco, eu trabalhei também na

igreja ensinando música para crianças[...]. Nessa experiência eu ensinava

música para crianças de 5 a 9 anos.[...] Fiz a seleção para trabalhar na Creche

Casinha do Sol, em fevereiro de 1998[...].Nessa época só tinha magistério,

depois que fiz o curso superior [...]Eu no início fiquei contente, porque foi uma

área que escolhi, eu pensei que iria colocar tudo que vi na teoria na prática.

Mas, quando eu cheguei foi um choque, porque não tinha nada disso na creche.

A angústia era essa, eu não trabalhava com educativo era só o cuidar. Nesse

período que estou trabalhando no CCI já tive turmas com crianças de 2 a 3

anos, de 3 a 4 anos e 5 a 6 anos.[...] Hoje, estou trabalhando com as turmas de

Berçário e Maternal I.

Pela fala da professora, mesmo sendo uma universidade pública estadual, a

forma de seleção da professora não foi por meio de concurso público, mas, sim uma

seleção em forma de contrato. Essa forma de trabalho não oferece benefícios

trabalhistas, não gera estabilidade funcional e não tem progressão de carreira. De acordo

com Cerisara(2002,p.88), “a análise das relações e a viabilização de um trabalho de

qualidade passa pelas condições concretas de organização do trabalho, vínculo, carreira

e experiência profissional”. Assim sendo, entendemos que fica implícito uma situação

de desvalorização, aliada a uma grande instabilidade e à impotência ou frustração diante

da sua condição profissional.

Outro ponto que destacamos foi a formação da professora no início da creche, na

qual a universidade seguiu a exigência mínima da Lei nº 9394/96, conforme no seu Art

625, para contratação de profissionais para atuar na educação infantil. No entanto,

compreendemos por se tratar de uma universidade que traz em seu bojo cursos de

5 Art.62. A formação dos docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de

licenciatura, de graduação plena, em universidade e institutos superiores de educação, admitida, como

formação mínima para o magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino

fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

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formação docente, a mesma poderia exigir uma qualificação mais específica para atuar

na educação infantil.

Percebemos ainda pela fala da professora, sua frustração em não poder

desenvolver um trabalho pedagógico com as crianças, visto que a creche foi ancorada

pela concepção assistencialista. Isso fica nítido quando ouvimos a professora E. narrar

sobre os cursos pagos pela universidade como fonte de formação para atuar na creche:

[...] Antes de começar a trabalhar no CCI, uma semana antes fizemos um curso

sobre creche. De como trabalhar na creche, com crianças de educação infantil.

Este curso também trabalhou sobre como lidar com crianças hospitalizadas, os

primeiros socorros. Tivemos dois cursos de primeiros socorros, que a própria

universidade organizou para nos preparar para trabalhar com as crianças. [...]

A UESB depois pagou um curso para nós de Educação Infantil. Foi um curso

com a psicóloga A. e, nesse curso envolvia como trabalhar na educação infantil.

Esse curso foi em 1999.

Pelo relato da professora E que diz respeito a preparação oferecida pela

instituição para o início do trabalho na creche, identificamos uma concepção centrada

no modelo higienista, conforme Kramer (1995,p.77), trata-se de formação que além de

preparar os professores com programa de recreação para combater atitudes anti-sociais,

visa prioritariamente de cuidado e saúde. Logo, os professores tinham a função de

cultivar os “bons hábitos de higiene e asseio”, assim como a “domesticação” ou pré-

educação obteria resultado na saúde e produziria a obediência.

Segundo Kuhlmann Jr. (2000) a educação infantil brasileira, até na quarta

última parte dos anos 1900, a educação infantil passou por grandes movimentos para

seu avanço, sendo essa época o princípio para esta nova fase, que terá seus marcos de

consolidação nas definições da Constituição de 1988 e na tardia Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, de 1996. Um pouco depois, desse momento em que as

creches estão sendo muito difundidas nacionalmente no campo político e científico,

nasce a idéia da construção do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol. Como é

anunciado a seguir pela professora:

O Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol foi fundado em 19 abril de

1998, com o nome Creche Casinha do Sol. A idéia desse espaço começou a

nascer a partir de meados de 1996 quando a Prefeita de Campus Professora L.

C. e Professora G.B (DCHL6) uniram-se em torno da idéia de implantar uma

Creche para atender as demandas e necessidades dos professores e

funcionários da UESB, no campus de Jequié, com objetivo de prestar

assistência e guarda as crianças de quatro meses a seis anos. Inicialmente, foi

6 Departamento de Ciências Humanas e Letras

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instituída uma comissão para elaboração do projeto de implantação com a

participação de professoras G. B. (DCHL) e C R. (DQE7), assim como, a

funcionária O.. Em 19 de abril 1998, abriram-se oficialmente as portas da

Creche Casinha do Sol. O primeiro espaço foi uma casa alugada, localizada na

Avenida Lyons Club, que atendia de forma integral 23 crianças. Esse número

de crianças matriculadas justifica-se, por não ter um espaço maior. Nessa

época a coordenação atuava na área administrativa e pedagógica e quem

desempenhava essa função era R.S.. Os funcionários que trabalhavam eram M.

E., M.P., C.C., C.S., E.S., E.S., M. S., M. R . (Relato da Prô 1)

Conforme o relato da professora, percebemos que o CCI Casinha do Sol foi

implantado seguindo os modelos assistencialista e higienista visando apenas o a guarda

e o cuidado. Raupp (2004), destaca que o objetivo inicial das creches universitárias

federais (RS, SP, RJ ), fundadas na década de 1970, era de atender filhos da

comunidade universitária, porém na década de 1980 o atendimento por elas prestado

busca superar a função de substituição da família e propõe garantir o desenvolvimento

cognitivo, emocional e social das crianças.

Deixa-nos absortas em observar que já no período de 1980 algumas creches

unversitárias, no sul e sudeste do país, estavam mudando suas concepções de

atendimento em creches, entretanto, no auge dessas discussões sobre a LDB e as

Diretrizes Curriculares para Educação Infantil a Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia - UESB constrói um projeto centrado numa concepção assistencialista. Esse fato

é contextualizado a partir do relato da professora, quando ela fala sobre a função da

creche Casinha do Sol:

O CCI foi criado na visão de olhar as crianças. Tanto, que tinha crianças que

estudavam em outra escola em turno oposto. E os pais pediam para nós darmos

banca às crianças, para ajudar nos deveres deles. E isso trazia certa angustia

para nós, pois a gente tinha outra visão. Tal situação se prolongou por muito

tempo.Os pais deixavam as crianças mais para cuidar, dar banho, alimentação.

E, na parte da educação não era muito vista[...]

Contudo, a professora nos aponta que hoje a função da creche está focada sob uma

nova concepção, ou seja, o CCI está focado no educar .

A gente começou a mudar a nossa visão que antes era de guardar criança, hoje

não é mais..[...] hoje eu vejo que a função da creche é educar a criança. Fazer

a criança crescer, não podar a criatividade. Não podar nada da criança, lá no

berçário, por exemplo, quando vamos fazer atividade com pintura, não

escolhemos nem a cor, eles que escolhem tudo. Eu tenho aprendido tanto, tanto

com as crianças, tanto com vocês, tenho aplicado na sala de aula e tenho visto

resultados maravilhosos.

7 Departamento de Química e Exatas

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Cabe-nos questionar até que ponto houve avanço de concepção, já que

encontramos na fala da professora indícios de uma visão maturacionista de

desenvolvimento e aprendizagem da criança, quando as tendências recentes enfatizam a

perpectiva do professor aproximar-se do ponto de vista da criança, buscando a mediação

como forma de intervenção docente. (KUHLMANN JR.,2005). Contudo, mesmo a

professora tendo apresentado em seu relato uma visão um tanto quanto ultrapassada da

compreensão do processo de desenvolvimento e aprendizagem na educação infantil,

buscamos entender que elementos contribuíram para a mudança de sua prática, como

segue o relato abaixo:

Eu aprendi muito com as coordenadoras pedagógicas, professoras M., L. e I.

(DCHL/UESB),quando em 2002 iniciaram seus projetos e que trouxeram uma

nova visão do trabalho na educação infantil.Com os estudos da professora S. S.

com seus alunos de Pedagogia da UESB. Eu tenho aprendido tanto com as

crianças, tanto com os alunos e professoras da UESB; tenho aplicado na sala

de aula e tenho visto resultados maravilhosos. Os momentos de estudo e

discussões nas nossas reuniões, pois cada reunião é um aprendizado muito

bom, porque a gente aplica na sala de aula e vê o resultado.

Percebemos na fala da profª E que a formação continuada tem sido um elemento

fundante para as mudanças observadas em sua prática, bem como, da superação da

visão de creche para comunidade universitária. Nesse sentido, concordamos com

Raupp (2004), no que se refere aos objetivos atuais das creches universitárias, enquanto

espaço de educação e cuidado para as crianças e um campo de estágio para cursos da

universidade. Praticamente, todas as unidades são também campo de pesquisa e de

observações, ou seja, dispõem sua estrutura de funcionamento a profissionais das

múltiplas áreas de conhecimento da universidade para coleta de dados para pesquisa ou

para observações.

Portanto, acreditamos que o CCI Casinha do Sol é um espaço que serve não

apenas para demonstrar práticas, mas também para unir os professores de salas de aula e

os alunos da universidade em uma parceria que poderá afetar o desenvolvimento da

educação, tanto para as crianças de hoje quanto para os professores de amanhã.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do nosso estudo acerca do processo histórico da creche e a função das

creches universitária, em especial, o Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol,

podemos considerar que:

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as creches universitárias nasceram com o objetivo principal de atender

filhos da comunidade universitária. Contudo, com o aumento das discussões em torno

da qualidade do atendimento a infância e também, de uma formação ampla para o

profissional da Educação Infantil, surgiram novas demandas que direcionam as creches

nas universidades.

O CCI Casinha do Sol foi construído 1998, com a função assistencialista

e higienista, no mesmo período em que formentavam grandes discussões entorno da

infância, educação infantil e da formação do seus profissionais. Foi a partir de 2002

com a entrada de projetos e pesquisas envolvendo os professores da CCI, graduandos e

docentes da UESB que a creche passou a ser vista com a função pedagógica.

Entendemos, que o CCI Casinha do Sol, bem como, a Universidade

Estadual do Sudoste da Bahia precisam ampliar suas ações à pesquisa, extensão e à

própria prática (estágio) ou à observação dos estudantes universitários, nesse espaço

educativo. Por fim, compreendemos que a unidade de educação infantil da universidade

diferencia-se como uma referência, entre outras, para servir como campo dessas funções

à comunidade universitária.

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