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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE - FAC CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL FRANCIANA RODRIGUES DA CUNHA AS CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE PARA O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM FORTALEZA: OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS PROFISSIONAIS. FORTALEZA 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE - FAC

CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL

FRANCIANA RODRIGUES DA CUNHA

AS CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE

PARA O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM

FORTALEZA: OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS PROFISSIONAIS.

FORTALEZA

2014

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FRANCIANA RODRIGUES DA CUNHA

AS CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE

PARA O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM

FORTALEZA: OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS PROFISSIONAIS.

Monografia apresentada ao curso de graduação

em Serviço Social do Centro de Ensino

Superior do Ceará, como requisito parcial para

a obtenção do grau de Bacharel em Serviço

Social.

Orientadora: Profª. Ms Socorro Letícia

Fernandes Peixoto

FORTALEZA

2014

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Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274

C972c Cunha, Franciana Rodrigues da

As contribuições do Centro de Referência Francisca Clotilde para o

processo de ruptura da violência doméstica em Fortaleza: olhares e

concepções dos/as profissionais / Franciana Rodrigues da Cunha. Fortaleza –

2014.

87f.

Orientador: Profª. Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso

de Serviço Social, 2014.

1. Gênero. 2. Violência contra a mulher. 3. Políticas públicas. I. Peixoto,

Socorro Letícia Fernandes. II. Título

CDU 364

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Dedico este trabalho aos meus pais, Francisco

Pereira (Valdir) e Ana Maria, meus irmãos, e

ao meu esposo, amigo e companheiro, Sílvio

da Silva.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus e a Nossa Senhora, por estarem sempre presentes nos

momentos em que mais preciso, dando-me força e conforto, mesmo que seja por intermédio

de muitos “anjos” que sempre apareceram com palavras de carinho e incentivo.

Aos meus pais, Francisco Pereira (Valdir) e Ana Maria, minhas razões de viver, que sempre

me apoiaram e me incentivaram em meus estudos. Agradeço por essa tão valiosa herança, que

foram os meus estudos e minha formação como pessoa.

Aos meus irmãos, Daniel, Adriana e Rafael, pelo apoio e pelas cobranças. Amo muito cada

um de vocês!

Ao meu esposo, grande amigo, homem da minha vida, Sílvio, que me deu apoio todas as

vezes que precisei e que enxugou minhas lágrimas todas às vezes em que achava que não iria

conseguir. Amo muito você! Obrigada por confiar em mim.

A minha tia, Francisca Heronildes, por ser um exemplo para minha formação, para me fazer

querer sempre buscar conhecimento e, com isso, ser uma pessoa ainda melhor.

As minhas avós, Maria Patrício e Josefina Gonçalves (Macêda – In memorian), pelo grande

exemplo e ensinamentos.

A minha orientadora, Professora Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto, pelo

acompanhamento, companheirismo, dedicação, paciência - principalmente com relação ao

não cumprimento com os prazos para a entrega do material. Obrigada pelas leituras

concedidas e por ter confiado e não ter desistido de mim.

A professora Kelma, que me acolheu e compreendeu minha angústia em um dos momentos

que mais precisei. Obrigada, Professora!

As minhas amigas lindas (As amarelas): Natália Andrade, Mikaella Lopes, Kézia Kelly e

Janielle Souza, pela amizade e companheirismo de vocês, fundamental para minha formação.

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Obrigada pelo apoio e por acreditarem em mim. A vocês o meu mais sincero obrigada! Amo

muito cada uma de vocês. A Chirlene, uma amiga que ganhei no decorrer do curso e que o

carinho e incentivo foram muito importantes. Muito obrigada! Vocês são um presente de

Deus em minha vida.

A todos os colegas de turma, pois cada um teve uma importância em minha formação, e por

cada um tenho um carinho enorme. Sucesso a todos.

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Maria da Penha

Alcione

Comigo não, violão

Na cara que mamãe beijou

"Zé Ruela" nenhum bota a mão

Se tentar me bater

Vai se arrepender

Eu tenho cabelo na venta

Sou brasileira, guerreira

Não tô de bobeira

Não pague pra ver

Porque vai ficar quente a chapa

Você não vai ter sossego na vida, seu moço

Se me der um tapa

Da dona "Maria da Penha"

Você não escapa

O bicho pegou, não tem mais a banca

De dar cesta básica, amor

Vacilou, tá na tranca

Respeito, afinal, é bom e eu gosto

Saia do meu pé

Ou eu te mando a lei na lata, seu mané

Bater em mulher é onda de otário

Não gosta do artigo, meu bem

Sai logo do armário

Não vem que eu não sou

Mulher de ficar escutando esculacho

Aqui o buraco é mais embaixo

A nossa paixão já foi tarde

Cantou pra subir, Deus a tenha

Se der mais um passo

Eu te passo a "Maria da Penha"

Você quer voltar pro meu mundo

Mas eu já troquei minha senha

Dá linha, malandro

Que eu te mando a "Maria da Penha"

Não quer se dar mal, se contenha

Sou fogo onde você é lenha

Não manda o meu casco

Que eu te tasco a "Maria da Penha"

Se quer um conselho, não venha

Com essa arrogância ferrenha

Vai dar com a cara

Bem na mão da "Maria da Penha"

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“A ferida sara, os ossos quebrados se

recuperam, o sangue seca, mas a perda da

autoestima, o sentimento de menos valia a

depressão; essas são feridas que não saram”.

Maria Berenice Dias

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo conhecer as concepções das profissionais do Centro de

Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca Clotilde sobre as

contribuições deste serviço para o processo de ruptura da violência doméstica das mulheres.

Dentre os objetivos específicos desse estudo, destacamos: compreender os significados

atribuídos pelas profissionais ao fenômeno da violência doméstica contra as mulheres;

conhecer quais as visões das profissionais sobre as atitudes das mulheres usuárias do serviço,

diante das agressões sofridas; apreender as opiniões das profissionais sobre a política de

enfrentamento a violência contra as mulheres em Fortaleza. Dialogamos com as seguintes

categorias: gênero, violência doméstica contra as mulheres e políticas públicas. A

metodologia utilizada na elaboração deste trabalho pautou-se na pesquisa qualitativa. A

técnica principal para a obtenção das informações foi a entrevista semiestruturada. Como

forma complementar, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental e o banco de dados do

Observatório do CRM. Dentre os resultados alcançados, percebemos que as profissionais

acreditam que o Centro de Referência contribui para o rompimento do ciclo de violência das

mulheres atendidas, sobretudo, por conta do atendimento das principais demandas das

mulheres atendidas, como a solicitação por medidas protetivas, a orientação jurídica, o

suporte psicológico e a preocupação com o “sustento” financeiro dos filhos. O atendimento

ocorre mediante acompanhamentos sistemáticos da equipe do CRM, bem como a realização

de encaminhamentos à rede de enfrentamento à violência contra as mulheres.

Palavras–chave: Gênero. Violência doméstica contra as mulheres. Políticas públicas.

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ABSTRACT

This study aims to identify the concepts of professional Reference Center and Assistance to

Women in Domestic Violence and Sexual Situation Francisca Clotilde on the contributions of

this service to the process of disruption of domestic violence women. The specific goals of

this study are that: understand the meanings attributed by the professional to the phenomenon

of domestic violence against women; know what the views of professionals on the attitudes of

women users of the service in the face of these abuses; grasp the views of professionals on the

face of political violence against women in Fortaleza. Dialogued with the following

categories: gender, domestic violence against women and public policy. The methodology

used in the preparation of this work was guided in qualitative research. The main technique

for obtaining information was the semi-structured interview. As a complementary way, we

use the bibliographic and documentary research and the CRM Observatory database. Among

the results achieved, we realize that the professionals believe that the Reference Center

contributes to the breaking of the cycle of violence of women seen mainly due to the care of

the main demands of the women seen as a request for protective measures, the legal advice ,

psychological support and concern for the "meat" of the financial children. The service takes

place through systematic follow-ups of the CRM team as well as the realization of referrals to

coping network to violence against women.

Keywords: Gender. Domestic violence against women. Public policies.

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LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

§ - Parágrafo

ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas

ADVOCACI - Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos

APAVV - Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência

B.O - Boletim de Ocorrência

CEDAW - Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a

Mulher

CEJIL - Centro para a Justiça e o Direito Internacional

CF - Constituição Federal

CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CNDM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

COMDIM - Conselho Municipal dos Direitos da Mulher

CP - Código Penal

CPM - Centro Popular da Mulher

CRAS - Centro de Referência de Assistência Social

CREAS - Centro de Referência Especializados de Assistência Social

CRM - Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca

Clotilde

CSSF - Comissão de Seguridade Social e Familiar

DEAMS - Delegacia Especial de Atendimento à Mulher

HDGM - Hospital Distrital Gonzaga Mota

HMF - Hospital da Mulher de Fortaleza

IML - Instituto de Medicina Legal

IMP - Instituto Maria da Penha

JECRIMS - Juizado Especial Criminal

LGBT - Gay, Lésbica, Bissexual e Travesti

LMP - Lei Maria da Penha

MTE - Ministério de Trabalho e Emprego

OEA - Organização dos Estados Americanos

OG‟s - Organizações Governamentais

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OIT - Organização Internacional de Trabalho

OMS - Organização Mundial de Saúde

ONG‟s - Organizações Não Governamentais

ONU - Organização das Nações Unidas

OP - Orçamento Participativo

PAIF - Serviço de Atendimento Integral à Família

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos

PNPM - Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SMCDH - Secretaria da Mulher, Cidadania e Direitos Humanos

SPM - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

UMC - União das Mulheres Cearenses

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

TCO - Termo Circunstanciado de Ocorrência

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES, DE TABELAS E DE GRÁFICOS

Figura 1 - Ciclo da Violência ................................................................................................... 23

Figura 2 - Pesquisa que apresenta o quantitativo de mulheres que denunciam agressões

sofridas ..................................................................................................................................... 24

Figura 3 - Eixos Estruturantes da Política Nacional de Enfrentamento á Violência contra as

Mulheres ................................................................................................................................... 35

Figura 4 - Mortalidade de mulheres antes e após a vigência da Lei Maria da Penha............... 43

Figura 5 - Fluxograma de atendimento do CRM ...................................................................... 46

Gráfico 1 - Equipamentos existentes no estado do Ceará em defesa da Mulher ...................... 39

Tabela 1 - Dados de atendimentos do CRM ............................................................................. 60

Tabela 2 - Tipos de Violência................................................................................................... 61

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13

2 CAPÍTULO I: RELAÇÕES DE GÊNERO E VIOLÊNCIA ............................................... 16

2.1 Conceituando as relações de gênero .......................................................................... 16

2.2 A violência contra as mulheres: contextos e especificidades .................................... 19

3 CAPÍTULO II: POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA

CONTRA AS MULHERES ................................................................................................ 27

3.1 Movimento Feminista: as lutas das mulheres ao longo da História .......................... 27

3.2 Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres ....................... 32

3.3 Violência doméstica e familiar contra as mulheres em Fortaleza e no Ceará: entre

conquistas e desafios ............................................................................................................. 37

3.4 Lei Maria da Penha e os instrumentos normativos que tratam da violência doméstica

contra as mulheres ................................................................................................................ 40

4 CAPITULO III: PESQUISA DE CAMPO: ANÁLISE SOBRE O CENTRO DE

REFERÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA FRANCISCA

CLOTILDE .......................................................................................................................... 44

4.1 Apresentação do Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de

Violência Francisca Clotilde (CRM) .................................................................................... 44

4.2 Percurso metodológico da pesquisa ........................................................................... 46

4.3 Perfil das entrevistadas .............................................................................................. 50

4.4 Resultado das Entrevistas .......................................................................................... 50

4.5 Os dados do Observatório: demandas das mulheres atendidas (retornos e

atendimentos de primeira vez) .............................................................................................. 59

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 62

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 65

APÊNDICES ............................................................................................................................ 70

ANEXOS .................................................................................................................................. 74

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1 INTRODUÇÃO

A presente monografia consiste no trabalho de conclusão de curso de Serviço

Social e tem por pretensão tratar da violência contra as mulheres no âmbito doméstico, tema

bastante debatido principalmente após a aprovação da Lei Maria da Penha. Sabemos que há

diferentes formas de compreensão do que vem a ser violência contra as mulheres, dentre elas

estão: a violência de gênero que, segundo Saffioti (2004), é aquela que decorre da construção

social do masculino e do feminino. A violência conjugal, que ocorre a partir de

relacionamentos conjugais, ou seja, entre casais e a violência doméstica que se dá no âmbito

da convivência familiar.

O interesse em pesquisar sobre as diferentes condições das mulheres diante de

violências sofridas teve origem nas observações registradas durante o meu estágio curricular

do curso de Técnica de Enfermagem, realizado no Hospital Distrital Gonzaga Mota – Barra

do Ceará (HDGM-BC), nos anos 2000 e 2001. Durante o estágio, foi constatada a elevada

incidência de mulheres que eram agredidas fisicamente por seus companheiros e aquilo

chamou a minha atenção. Outro fator que também instiga a realização de tal pesquisa é o fato

de ter amigas que se submeteram ou se submetem a esse tipo de agressão por seus

companheiros e ainda não conseguiram se desvencilhar destas relações.

A violência doméstica é um tema atual e instigante, sendo esta uma expressão da

questão social que atinge pessoas de ambos os sexos e não obedece à classe social, geração,

raça, etnia, orientação sexual, dentre outras. No presente contexto, falaremos sobre a violência

doméstica contra as mulheres, a qual os agressores, comumente são os maridos e

companheiros. Estes, por sua vez, constroem vínculos familiares e afetivos com essas

mulheres, conhecem seus modos de vida, tem “livre acesso” a elas, e o mais crítico, muitas

vezes, compreendem aspectos de suas subjetividades.

De acordo que a violência contra as mulheres continua sendo percebida

socialmente como um fenômeno naturalizado, de forma que as pessoas pensam que seja

somente uma crise de casal e que “as briguinhas são normais”. Porém, quando a violência se

manifesta de forma muito agressiva, a sociedade tende a culpabilizar as mulheres, a partir de

falas expressas do senso comum que enfatizam que “mulher gosta de apanhar” ou que “é

vagabunda por aceitar estar naquela situação”.

Em Fortaleza, existem equipamentos públicos que compõem a Rede de

Atendimento às mulheres em situação de violência, dentre eles encontram-se: Casa Abrigo,

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Centros de Referência, Delegacias e Defensorias de Defesa das Mulheres, Juizados Especiais

da Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres, Centros de Referência de Assistência

Social (CRAS), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), Centro

de Reabilitação e Educação do Agressor e serviços de saúde especializados no atendimento à

violência sexual.

Esta pesquisa foi realizada com as profissionais do Centro de Referência e

Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca Clotilde (CRM) em Fortaleza.

Nesse sentido, partimos da seguinte indagação: Qual a concepção das profissionais do CRM

sobre as contribuições deste serviço para o processo de ruptura da violência doméstica das

mulheres?

A partir dessa pergunta de partida podemos citar outros questionamentos

pertinentes ao tema: O que as profissionais entendem por violência doméstica contra a

mulher? Na visão das profissionais, quais são as principais demandas que as mulheres

usuárias apresentam para o CRM? Qual a concepção das profissionais sobre as atitudes das

mulheres usuárias do serviço diante das agressões sofridas? Como elas acham que o CRM

tem contribuído para o processo de rompimento das situações de violência vivenciadas pelas

mulheres usuárias do serviço? Qual a opinião das técnicas sobre a política de enfrentamento a

violência contra as mulheres em Fortaleza?

Os questionamentos descritos nesse trabalho buscam a obtenção de novos

conhecimentos sobre o fenômeno da violência doméstica contra as mulheres, com o propósito

de discutir seus resultados tanto no âmbito acadêmico, quanto no exercício profissional.

Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo geral conhecer a concepção

das profissionais do CRM sobre as contribuições deste serviço para o processo de ruptura da

violência doméstica das mulheres. Dentre os objetivos específicos, destacamos: compreender

o entendimento das profissionais sobre o significado do fenômeno da violência doméstica

contra as mulheres; saber qual a concepção das profissionais sobre as atitudes das mulheres

usuárias do serviço diante das agressões sofridas; apreender a opinião das profissionais sobre

a política de enfrentamento a violência contra as mulheres em Fortaleza.

A metodologia utilizada na elaboração deste trabalho pautou-se na pesquisa

qualitativa. A técnica principal para a obtenção das informações foi a entrevista

semiestruturada, em vista de apreender os significados atribuídos pelas profissionais do CRM

ao processo de rompimento do ciclo da violência doméstica pelas usuárias às quais atendem.

Como forma complementar, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental, mediante a

utilização de livros e textos pertinentes ao tema, bem como de artigos de periódicos, jornais e

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revistas e demais documentos de órgãos governamentais e não governamentais. Recorremos

ainda aos dados quantitativos advindos de pesquisas que tratam do fenômeno estudado.

Ressaltamos que as categorias utilizadas para a realização deste estudo foram:

gênero, violência doméstica contra as mulheres e políticas públicas. Portanto, a monografia

foi dividida em três capítulos: O primeiro capítulo abordou o tema das relações sociais de

gênero e violência contra as mulheres, o qual contextualizou o cenário histórico da violência

contra as mulheres, a partir das categorias de violência e gênero. Para essa discussão

fundamentamo-nos principalmente em Scott (1990), Saffioti (2004), Osterne (2008) e

Giddens (2001).

As Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra as mulheres foram

apresentadas no segundo capítulo, a partir da relação histórica com o movimento de mulheres

e feministas. Destacamos também a Lei Maria da Penha, como um dispositivo legal de

proteção as “vítimas” de violência.

Por fim, o terceiro capítulo tratou das informações referentes à pesquisa de

campo, no qual abordamos com mais precisão os procedimentos metodológicos de

investigação, as dificuldades enfrentadas na coleta das informações, a contextualização do

lugar, tipo e natureza da pesquisa, os sujeitos e as falas das profissionais do CRM.

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2 CAPÍTULO I: RELAÇÕES DE GÊNERO E VIOLÊNCIA

No primeiro capítulo abordaremos o tema Relações de Gênero e Violência,

contextualizando o cenário histórico da violência contra a mulher. Discutiremos, ainda, as

categorias gênero e violência, bem como será apresentado um breve histórico da violência

contra as mulheres.

2.1 Conceituando as relações de gênero

Segundo Giddens (2001), o gênero está associado às noções socialmente

construídas de masculinidade e feminilidade, não sendo, necessariamente, um produto direto

do sexo biológico de um indivíduo. A distinção entre sexo e gênero é fundamental, pois

muitas diferenças entre homens e mulheres não são de origem biológica.

O que é ser-se um homem? O que é ser-se uma mulher? Pode pensar-se que ser-se

um homem ou uma mulher é algo associado em última instância com o sexo do

corpo em que nascemos. Mas, a semelhança das inúmeras questões que suscitam o

interesse dos sociólogos, a natureza da feminilidade e da masculinidade não é assim

tão fácil de classificar. Algumas pessoas acreditam, por exemplo, ter nascido no

corpo errado e procuram «endireitar as coisas» mudando de gênero ao longo da vida.

(GIDDENS, 2001, p. 108)

Para melhor compreensão dos papéis culturais distintos entre homens e mulheres,

torna-se necessário destacar as análises de Giddens (2001), nas quais, culturalmente, ambos

exercem atribuições variadas, além de destacar que a natureza dos corpos masculinos e

femininos pode não estar diretamente vinculada aos papéis que exercem.

No entanto, aprimoramos nosso olhar para uma discussão pautada nos papéis

desempenhados por homens e mulheres, em relações heterossexuais, diante de uma sociedade

ocidental de tradição e valores patriarcais ainda sólidos. Nesse contexto, afirmamos que os

homens, em geral, são mais valorizados que as mulheres, bem como as relações de poder

entre ambos admitem hierarquias que os privilegiam. Às mulheres é “dada”, culturalmente, a

responsabilidade de educar os filhos e de se ocupar das atividades domésticas, enquanto aos

homens é “imposta” a responsabilidade de sustentar a família, apesar de alguns cenários de

mudanças. Desse modo, a divisão de trabalho entre sexos os levou a assumirem posições

desiguais em termos de poder, prestígio e riqueza.

Ainda na infância, as crianças são ensinadas sobre o que é “ser homem” e o que é

“ser mulher”, sendo elas educadas conforme modelos sociais bem delineados do masculino e

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do feminino. Os brinquedos são distintos e direcionados para meninos e para as meninas, e,

além disso, são ditadas regras de comportamento e de postura igualmente diferenciadas.

Também são estabelecidos padrões estéticos de vestimentas, postura e apresentação.

Geralmente, os meninos espelham-se nos modelos dos homens adultos, enquanto as meninas

nos modelos das mulheres adultas. Desse modo, são impostos paradigmas de beleza,

docilidade, comportamento e fragilidade para as mulheres, e virilidade, coragem e poder para

os homens.

Para entendermos a violência contra as mulheres, partiremos do conceito das

relações sociais de gênero concomitante ao conceito de patriarcado. Gênero, conforme o

dicionário Aurélio (2010), é uma categoria que indica, por meio de desinência, uma divisão

dos nomes baseada em critérios, tais como sexo e associações psicológicas, e, ainda segundo

este dicionário, há gêneros masculino, feminino e neutro.

Segundo Scott (1990), gênero diz respeito a uma categoria útil para análise

histórica, sendo que o uso deste conceito vem sendo bastante discutido, destacando-se com

frequência no campo das Ciências Sociais, Sociologia, Psicanálise e Antropologia. Seu

fortalecimento ocorreu com as produções acadêmicas referentes ao sexo feminino, realizadas

por feministas na década de 1970. Dessa forma, ao longo dos séculos,

[...] as pessoas utilizaram de forma figurada os termos gramaticais para evocar traços

de caráter ou traços sexuais [...], as feministas começaram a utilizar a palavra

“gênero” mais seriamente, no sentido mais literal, como uma maneira de referir-se à

organização social da relação entre os sexos [...]. Em vários idiomas indo-europeus

existe uma terceira categoria – o sexo indefinido ou neutro. (SCOTT, 1990, p. 73)

Scott (1990) diz ainda que gênero é um termo proposto pelas pesquisadoras

feministas que trabalhavam com estudos sobre mulheres, e que este conceito adotado por elas

transformaria os paradigmas no seio de cada disciplina.

“Gênero” é sinônimo de “mulheres” [...]. O uso do termo “gênero” visa indicar a

erudição e a seriedade de um trabalho, pois “gênero” tem uma conotação mais

objetiva e neutra do que “mulheres” [...]. O gênero é, segundo essa definição, uma

categoria social imposta sobre um corpo sexuado. (SCOTT, 1990, p. 75)

Assim, a incorporação do gênero por parte das ciências sociais visa fortalecer o

caráter social das relações entre os sexos e desmistificar o determinismo biológico dos termos

sexo e diferenças sexuais.

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Saffioti (2004) também discorre sobre o conceito de patriarcado, que expressa a

dominação-exploração das mulheres pelos homens, de forma que elas são vistas apenas como

reprodutoras de trabalho, de filhos e de satisfação sexual para os homens.

Os códigos de gênero, por meio do poder simbólico, contribuem para ratificação

de determinadas estruturas sociais, conforme afirma Bourdieu (1998, p. 15), admitindo-se,

assim, o uso de seu conceito de dominação simbólica:

A força da ordem masculina pode ser aferida pelo fato de que ela não precisa de

justificação: a visão androcêntrica se impõe como neutra e não tem necessidade de

se enunciar, visando sua legitimação. A ordem social funciona como uma imensa

máquina simbólica, tendendo a ratificar a dominação masculina na qual se funda: é a

divisão social do trabalho, distribuição muito restrita das atividades atribuídas a cada

um dos dois sexos, de seu lugar, seu momento, seus instrumentos [...].

Ainda segundo Bourdieu (1998, p. 41), a dominação propriamente dita já constitui

uma violência:

A violência simbólica institui-se por meio da adesão que o dominado não pode

deixar de conceder ao dominador (logo, à dominação), uma vez que ele não dispõe

para pensá-lo ou pensar a si próprio, ou melhor, para pensar sua relação com ele,

senão de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo

senão a forma incorporada da relação de dominação, mostram esta relação como

natural; ou, em outros termos, que os esquemas que ele mobiliza para se perceber e

se avaliar ou para perceber e avaliar o dominador são o produto da incorporação de

classificações, assim naturalizadas, das quais seu ser social é o produto.

Torna-se relevante ainda, trazer à tona o debate sobre o conceito de poder

apresentado por Michel Foucault (1979), o qual expressa que o poder em si não existe, mas

sim relações de poder. De acordo com o referido autor, o poder é como um instrumento de

diálogo entre os indivíduos de uma sociedade, sendo este relacional. A noção de poder

onisciente, onipotente e onipresente não tem sentido nesta versão, pois tal visão somente

serviria para alimentar uma concepção negativa do poder.

[...] o indivíduo é um dos primeiros efeitos do poder, e não o outro do poder. Em

síntese: “o indivíduo é o efeito do poder e, simultaneamente, ou pelo próprio fato de

ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que

ele constituiu”. (FOUCAULT, 1989, p. 183-184)

Percebemos assim, que embora haja uma relação de hierarquia entre homens e

mulheres, estas podem manifestar sinais de resistência às agressões masculinas. Portanto, o

autor cita que “(...) lá onde há poder, há resistência e, no entanto, ou melhor, por isso mesmo,

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esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder.” (FOUCAULT,

1988, p. 91).

No tópico seguinte, faremos um breve histórico da violência contra as mulheres,

bem como falaremos sobre a categoria violência e suas especificidades no que tange às

relações de gênero, por meio de algumas definições sugeridas por autores que discutem tal

tema.

2.2 A violência contra as mulheres: contextos e especificidades

Os termos sexo e gênero foram utilizados durante muito tempo como tendo o

mesmo significado, que seriam de traços que diferenciariam homens e mulheres. A

historiadora norte-americana Joan Scott (1990) cita que esse novo uso da palavra gênero

expressa um elemento de relações sociais fundadas sobre as diferenças naturalmente

percebidas entre os sexos, sendo assim uma construção social e histórica dos sexos.

O movimento de mulheres surge a partir da organização coletiva de algumas

destas que questionavam os lugares atribuídos a elas socialmente. Segundo Peixoto (2007), o

movimento de mulheres pode ser considerado como toda forma de organização de mulheres

que lutam para conquistar seus objetivos: seja um grupo de mulheres que lutam por melhorias

em sua comunidade; seja o movimento de uma determinada categoria profissional; seja o

movimento de mulheres negras.

Além da busca pela igualdade de gênero e igualdade de direitos, as mulheres

reivindicavam a conquista dos seus direitos em igualdade com os homens. Dentre as

conquistas que as mulheres tiveram, destacam-se: a implantação das delegacias especializadas

de defesa das mulheres e o reconhecimento legal da violência doméstica como uma violação

dos direitos humanos, a citar, por exemplo, a Lei Maria da Penha.

As feministas afirmam que essa luta não tem como objetivos a destruição ou a

“desestruturação” das famílias, mas sim mostrar à sociedade e às autoridades que “lugar de

mulher não é em casa e nem no fogão”. Sendo assim, o objetivo, segundo elas, é acabar com a

dominação masculina e a com a estrutura patriarcal.

A violência é um tema característico da vida em sociedade, principalmente devido

às relações sociais entre os sexos. Popularmente, Saffioti (2004, p. 17) denomina que

“violência doméstica trata-se da ruptura de qualquer forma de integridade da vítima:

integridade física, psíquica, sexual, moral.”.

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Conforme afirma a citada autora, a violência contra as mulheres pode ser

cometida não apenas por parentes, como também por pessoas de confiança ou do convívio do

domicílio, mesmo que não haja nenhum vínculo. Já a violência doméstica é aquela que é

praticada por parentes da “vítima”, ou que vivem na mesma residência e mantêm laços

afetivos, podendo ser parentes, esposos, tios, etc. “Assim, o poder „dado‟ aos homens é como

uma autorização social para fazer o que quiser com as vítimas” (SAFFIOTI, 2004, p. 18).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu, em 1981, violência como “a

imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis” (MINAYO & SOUZA,

1993, p. 71). Dessa forma, a violência é considerada epidemia, tanto pelo número de

“vítimas”, como pela seriedade das sequelas que produz na saúde física e mental das pessoas.

Ainda segundo Minayo e Souza (1993), a violência foi identificada como

criminalidade, quase que objeto exclusivo das Ciências Jurídicas, sendo, recentemente,

inserida mais intensamente em outras áreas do conhecimento.

Teles e Melo (2002, p. 15), definem violência como:

Violência [...] quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar

outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a

liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua

vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada,

lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio; é

uma violação dos direitos essenciais do ser humano.

Osterne (2008) nos diz que a violência doméstica contra as mulheres é o reflexo

da violência de gênero e que teve sua origem no patriarcado, na forma de estruturalização

social do gênero. Para que ocorra o enfrentamento da violência doméstica, é necessário que

haja a intervenção de agentes externos, principalmente de equipes multiprofissionais e de uma

rede de equipamentos de proteção a essas mulheres.

Saffioti (2004) relata que dificilmente uma mulher conseguirá se desligar de um

homem violento sem a intervenção externa, e conclui afirmando que até que ocorra o

desvencilhamento da relação, as mulheres reagem à violência através de variadas estratégias.

“(...) a violência de gênero, inclusive em suas modalidades familiar e doméstica, não ocorre

aleatoriamente, mas deriva de uma organização social de gênero, que privilegia o masculino”

(SAFFIOTI 2004, p. 81).

De acordo com os autores acima citados, violência doméstica contra as mulheres é

entendida a partir das relações de poder pautadas na dominação masculina, sendo que

culturalmente, a violência é naturalizada nas relações sociais.

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De acordo com a Lei nº 11.340/2006, que trata da criação dos mecanismos para

reprimir a violência contra a mulher, mais conhecida como Lei Maria da Penha, são formas de

violência doméstica e familiar contra as mulheres aquelas que são praticadas no interior do

ambiente familiar, em relações interpessoais, em relações homoafetivas, em locais onde o

agressor tenha ou teve convívio com a mulher no mesmo domicílio, podendo abranger a

violência sexual, psicológica, moral, patrimonial, etc.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher (1994), conhecida como Convenção de Belém do Pará, remete à violência, em seu

artigo 1º como: “violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero,

que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito

público como no privado” (BRASIL, 1994, p. 86).

Para a Organização Mundial da Saúde (apud TELES; MELO, 2003, p. 12):

[...] a violência doméstica contra a mulher no âmbito doméstico tem sido

documentada em todos os países e ambientes socioeconômicos; e as evidências

existentes indicam que seu alcance é muito maior do que se supunha.

Destacamos que a violência cometida contra as mulheres se manifesta de várias

formas, resultando em lesões corporais, em agressões que prejudicam a autoestima e as

relações da pessoa agredida, além de traumas psicológicos e/ou mortes.

Apesar de as mulheres estarem obtendo conquistas tanto no campo profissional,

quanto no político e social, ainda precisam avançar no campo privado das relações pessoais,

no âmbito doméstico e familiar. As mulheres, muitas vezes, ainda são vistas como inferiores e

vítimas dos preconceitos, em consequência do machismo que insiste em imperar nas famílias

e na sociedade.

Conforme divulgação das estatísticas do Mapa da Violência (2012), realizado pelo

Instituto Sangari, no decorrer de 1980 a 2010, foram assassinadas no país mais de 92 mil

mulheres, sendo que 43,7 mil aconteceram somente na última década. Esses dados

representam um aumento de 230%, ou seja, os índices passaram de 1,353 para 4,465.

Segundo o artigo 7º, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), são formas de

violência doméstica e familiar contra a mulher:

I - a violência física é compreendida como aquela na qual o agressor ofende a integridade ou

saúde corporal;

II - a violência psicológica é compreendida como qualquer conduta que cause diminuição da

autoestima e danos emocionais ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que

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vise degradação ou controle de suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante

ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,

perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito

de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à

autodeterminação;

III - a violência sexual é entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a

manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação

ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua

sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao

matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou

manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção,

subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos

pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer

suas necessidades;

V - a violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação

ou injúria.

As agressões se iniciam com ameaças, empurrões, tapas, xingamentos, violência

na presença da vítima (como esmurrar a parede ou uma mesa), e/ou danos a animais ou

objetos. A agressão pode incluir abuso sexual, empurrões e/ou jogar a vítima ao chão,

esfaqueamento, mordidas, pontapés, chegando a representar ameaça à vida, com a utilização

de armas.

O ciclo da violência contra as mulheres divide-se em três fases. A primeira é a

fase da tensão, onde ocorrem insultos menores, que se manifestam por meio de atritos,

ameaças, crises de ciúmes, onde a mulher tenta acalmar o agressor, sendo prestativa, dócil, e

acaba achando que realmente a culpa pode ser sua. Em seguida, vem a segunda fase, que é a

da explosão, do descontrole, sendo marcada por agressões mais graves. Por fim, vem a

terceira e última fase, que é a do arrependimento, da “lua de mel”, da reconciliação, na qual

há pedidos de perdão, demonstrações de remorso, promessas de mudança de comportamento.

O agressor mostra medo de perder a companheira, promete que tudo que aconteceu não vai se

repetir; é a fase na qual ele promete qualquer coisa, implora por perdão e compra presentes. A

imagem a seguir ilustra um pouco de como essas fases acontecem.

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Figura 1 - Ciclo da Violência

Fonte: WALKER, L.1, 2002.

Para “preservar a integridade do lar” e com medo de “desagradar o agressor” e

iniciar um novo processo de violência, as mulheres assumem um papel de discrição e de

silêncio, sem deixar transparecer a violação da qual são vítimas.

1 BRASIL. Ministério da Saúde. Violência Intrafamiliar: Orientação para a prática em serviço. Caderno de

Atenção Básica. n. .8. Brasília, 2002.

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A partir de uma pesquisa realizada pelo Senado Federal (2013), foi possível

identificar que muitas mulheres agredidas não denunciam os fatos às autoridades, dificultando

os dados reais da violência sofrida pelas “vítimas”.

Figura 2 - Pesquisa que apresenta o quantitativo de mulheres que denunciam agressões sofridas Fonte: <www.senado.gov.br/noticias/datasenado>, 2013.

A violência contra as mulheres é praticada nos mais diversos espaços, mas a que

ocorre no âmbito doméstico acaba sendo mais complexa, pois se entrelaça de sentimentos

relacionados ao prazer, amor, medo vergonha e poder. O Mapa da Violência (2012) relata que

após a implementação da Lei Maria da Penha, a proteção às mulheres melhorou, porém, a

partir de 2008, os índices de violência retornaram aos números anteriores.

Nesse sentido, mesmo com a implantação dessa legislação, há ainda questões

reais de ordem cultural que reforçam a subordinação das mulheres com os homens, como nos

fala o conhecido ditado popular: “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Isto

acaba dificultando as denúncias por vizinhos, parentes e amigos, afinal, a casa é considerada

como um espaço sagrado e “ninguém pode se intrometer na intimidade do casal”. Percebemos

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que a violência permeia o dia a dia das pessoas, e diante de uma agressão, ainda há falas que

se omitem, chegando a dizer: “essa é mais uma briguinha de casal”.

Em 2008, o Brasil assistiu ao vivo o assassinato de uma adolescente de 15 anos, a

jovem Eloá Cristina Pimentel, por um ex-namorado inconformado com o fim do

relacionamento, este terminado por ele mesmo por ciúmes, e que a vítima não quis reatar.

Eloá e uma amiga permaneceram em cárcere privado durante 100 horas. Nesse período, ele

bateu, acusou, coagiu e, por fim, martirizou o seu corpo com um tiro na cabeça e na virilha,

sendo a amiga também ferida com um tiro no rosto. O femicídio é um crime de ódio,

realizado sempre com muita crueldade.

Outros casos semelhantes foram os de Mizael2 e do goleiro Bruno

3.

Nos dois

episódios há exemplos covardes de violência contra a mulher, que ganharam grande espaço na

mídia, chamando a atenção da população e das autoridades para um problema que não é novo,

pois desde o período colonial a mulher é “coisificada”, sendo considerada propriedade do

homem e este sempre se sentiu no direito de realizar tal ação, inferiorizando o sexo feminino.

Foram crimes hediondos, nos quais nenhuma das duas mulheres tiveram como se defender

das situações.

A violência contra as mulheres não escolhe idade, beleza, cor ou classe social, e é

caracterizada por ser uma forma de violação dos direitos humanos das mulheres, impedindo-

as de desfrutar de direitos e das liberdades fundamentais, conforme explicita a Constituição

Federal de 1988, ferindo, assim, sua dignidade e autoestima.

Segundo o artigo 5º, parágrafo IX, da Constituição Federal:

2O policial reformado e advogado Mizael Bispo de Souza foi condenado nesta quinta-feira (14) a 20 anos de

prisão pelo assassinato da ex-namorada, a advogada Mércia Nakashima, ocorrido em 23 de maio de 2010. O

corpo e o carro da advogada foram encontrados em uma represa na cidade de Nazaré Paulista, na Grande São

Paulo. Mércia foi morta aos 28 anos.

Na leitura da sentença, o juiz Leandro Bittencourt Cano descreveu os três agravantes aceitos pelo Conselho de

Sentença ao analisar se o réu era inocente ou culpado.

Sobre o agravante de crime torpe, por exemplo - segundo a acusação, Mizael se sentia humilhado pelo fim do

relacionamento -, o magistrado definiu: "muitos crimes são cometidos em nome do amor, mas que tipo de amor é

esse?", indagou, para completar: "Quando é amor o que se sente, não há o mínimo desejo de se livrar da pessoa

amada. O sentimento amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, esse faz sofrer", disse.

Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/03/14/apos-tres-anos-mizael-bispo-e-

condenado-pela-morte-da-ex-namorada-mercia-nakashima.htm>.

3 O goleiro Bruno foi condenado por júri popular em Contagem (MG) a 22 anos e 3 meses em regime fechado (em

prisão de segurança média ou máxima) pelo assassinato e ocultação de cadáver de Eliza e também pelo sequestro e

cárcere privado do filho Bruninho. Ele está preso desde julho de 2010 na Penitenciária Nelson Hungria.

Disponível em: <http://g1.globo.com/minas-gerais/julgamento-do-caso-eliza-samudio/noticia/2013/06/supremo-nega-

liberdade-goleiro-bruno.html>.

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Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm o direito, sem discriminação alguma,

a igual proteção da lei. A este respeito, a lei deve proibir qualquer forma de

discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer

tipo de discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política

ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou

qualquer outra situação. (BRASIL, 1988)

Entretanto, algumas mudanças ocorreram do ponto de vista legal, como por

exemplo, no novo Código Civil (2002), no qual as mulheres passaram a ser vistas como

cidadãs, com direitos e deveres. Agora, as mulheres ao casar não apenas assumem “a

condição de companheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos de família”

(Código Civil, 2002, Art. 1.565), mas passa a exercer direitos e deveres baseados na

comunhão plena de vida e na igualdade entre os cônjuges.

É necessário que os poderes públicos se sensibilizem, em especial o judiciário, e

que a população tenha conhecimento desse tipo de violência. É preciso um processo contínuo

de conscientização, por meio das escolas, de políticas públicas e da realização de campanhas

educativas, além da mídia e das redes sociais, que são instrumentos em potencial para a

realização de trabalhos educativos. Enfim, a sociedade precisa tomar ciência dos instrumentos

nacionais e internacionais de proteção aos direitos humanos, em especial, os relacionados aos

direitos das mulheres.

No capítulo seguinte buscamos tecer considerações sobre o movimento feminista

e as políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres.

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3 CAPÍTULO II: POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA

CONTRA AS MULHERES

Neste capítulo discorreremos sobre as lutas e conquistas históricas das mulheres,

sobretudo do movimento feminista. Abordaremos ainda, o tema das políticas públicas de

enfrentamento à violência contra as mulheres, onde citaremos também, alguns dispositivos

normativos, tais como: Lei Maria da Penha (2006), Política Nacional de Enfrentamento à

Violência contra as Mulheres (2001) e Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2013-

2015).

3.1 Movimento Feminista: as lutas das mulheres ao longo da História

A palavra “feminismo” provém do francês femme e do latim femina. O feminismo

é um movimento político e social que luta pela igualdade de direitos, de condições e de

oportunidades entre mulheres e homens. O movimento feminista, portanto, é contrário à

ideologia patriarcal e busca entender as causas da discriminação das mulheres.

Lobo (1991) nos fala que o início das conquistas das mulheres ocorreu pela

emancipação destas como cidadãs. Com este propósito, lutaram para conquistar seus direitos

mais amplos, como o voto, a igualdade na educação e a igualdade civil.

O movimento feminista, segundo Goldenberg (1992, p. 17) é conceituado como

sendo uma “ação organizada de caráter coletivo que visa mudar a situação da mulher na

sociedade, eliminando as discriminações a que ela está sujeita”. Esse movimento surgiu nos

Estados Unidos e na Inglaterra, em meados dos séculos XVIII e XIX, e sofreu influência das

revoluções Francesa e Industrial.

De acordo com Simone de Beauvoir (1970, p. 85):

O que elas reivindicam hoje é serem reconhecidas como existentes ao mesmo título

que os homens e não de sujeitar a existência à vida, o homem à sua animalidade.

Uma perspectiva existencial permitiu-nos, pois, compreender como a situação

biológica e econômica das hordas primitivas devia acarretar a supremacia dos

machos.

Nesse contexto, Scott (2002) ressalta que as feministas passaram a questionar as

contradições no discurso político e filosófico que, por meio da “diferença sexual”,

delimitavam a universalidade dos direitos individuais. Elas acusaram a Revolução Francesa e

as três primeiras repúblicas da França de trair os princípios universais de igualdade, liberdade

e fraternidade, ao recusarem o direito à cidadania para as mulheres.

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As feministas francesas, de acordo com Frota & Santos (2012), formularam

discursos para reivindicar direitos iguais para mulheres e homens, dentre os quais podemos

citar: Olympe de Gouges, que ao exigir direitos iguais aos dos homens elaborou a Declaração

dos Direitos da Mulher e da Cidadã em 1791; Jeanne Deroin, que concorreu para cargo

legislativo em 1849, desafiando a Constituição da Segunda República; Hubertine Auclert, que

foi a primeira a reclamar pelo direito do voto feminino; e Madeleine Pelletier, que elaborou

um documento emancipatório para a mulher, considerando dentre outras questões, o direito ao

voto, além do direito à descriminalização do aborto, sendo este considerado como um direito

sobre o próprio corpo.

Nesse sentido, Olympe de Gouges, em 1791, ao publicar a Declaração dos

Direitos das Mulheres e das Cidadãs, fez uma denúncia à exclusão das mulheres, ao

questionar o conceito de igualdade contido na Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão, na França, em 26 de agosto de 1789. Para ela, a diferença sexual não deve justificar

o poder e a cidadania política.

No tocante ao movimento feminista, podemos apontar didaticamente três fases: a

primeira ocorreu durante o período do Iluminismo à Revolução Francesa; a segunda é

característica do feminismo dos séculos XIX e XX; e a terceira etapa ocorreu nos séculos XX

e XXI.

É possível dividir o feminismo em três ondas ou momentos, sendo que o primeiro

momento ocorre no período que compreende a Revolução Francesa até o final da

Primeira Grande Guerra, o segundo momento marca o período do seu ressurgimento

em 1960 e o terceiro emerge na década de 1990. (LUCENA (s/d), p. 02)

O primeiro momento do feminismo foi entre o período de 1850 a 1940, em que as

mulheres da elite lutaram por direitos mais amplos, como direito à educação, ao emprego e ao

voto. Nessa época, a alfabetização para as mulheres era vista como prejudicial, pois interferia

no desenvolvimento dos papéis de esposa e mãe. Com relação ao voto, as mulheres só

adquiriram efetivamente o direito em 1932, graças à ação política do Partido Republicano

Feminino, criado em 1910, no qual o voto era restrito às mulheres casadas que tivessem

autorização dos maridos e a algumas solteiras ou viúvas com renda própria. No entanto, em

1946, foi instituída a obrigatoriedade plena do voto feminino (BRASIL, 2002).

Apesar de sempre ter sido possível encontrarmos vozes do feminismo, este só

passou a se formar como movimento organizado após a Revolução Francesa, ganhando força

durante o século XIX, com o movimento sufragista. O primeiro grupo de mulheres foi

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inspirado após a Revolução Francesa, e é apontado por Guimarães (2005, p.78) como sendo

uma

[...] ação organizada de caráter coletivo, que tem como objetivo combater a

particular situação de subordinação das mulheres, tendo surgido no meio das

mudanças que marcaram a história da Europa ocidental a partir do século XVIII.

Vinculou-se ao desenvolvimento da democracia e a uma quantidade de fatos

históricos da época da ilustração, da Revolução Americana e da Revolução

Francesa. Tendo raízes anteriores a esse período.

Essa primeira fase do feminismo foi chamada de “feminismo igualitário”, que

tinha vertente liberal ou marxista. A preocupação era identificar as causas da discriminação

das mulheres e a reivindicação por igualdade entre os sexos.

Ao longo da história sempre houve mulheres que reivindicaram sua condição, que

lutaram por liberdade e que, inúmeras vezes, pagaram com a própria vida. A

primeira fase do feminismo ocorreu a partir das ultimas décadas do século XIX, que

foi quando as mulheres organizaram-se e lutaram por seus direitos, onde o primeiro

a ser popularizado foi o direito ao voto. No Brasil, também se manifestou

publicamente através da luta pelo voto. (PINTO, 2009, p. 16)

Conforme descrito acima, o direito ao voto feminino ocorreu em 1932 e nesse

momento foi promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro, assinado pelo então presidente

Getúlio Vargas. As mulheres conquistaram também o direito de serem votadas para cargos do

Executivo e Legislativo. Em 1933, durante as eleições para a Assembleia Constituinte, foram

eleitos 214 deputados e uma única mulher, a paulista Carlota Pereira de Queiroz.

Entre 1930 e 1960, houve o surgimento de um livro que marcou profundamente a

condição das mulheres e que foi fundamental para a nova “onda” feminista, O segundo sexo

(1949), da escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir. Para Lucena (s/d), Beauvoir

denominou-se como uma voz solitária no contexto das atividades do movimento de

mulheres4. Pinto (2009) afirma que a autora estabelece uma das máximas do feminismo: “não

se nasce mulher, se torna mulher” e denuncia as raízes da desigualdade sexual.

No livro O Segundo Sexo (1949) de Simone de Beauvoir, a autora nos fala sobre a

mulher na sociedade, o livro foi publicado numa época em que mulher estava

começando a se libertar da dominação masculina, mas que ainda encontrava

4 Movimento de Mulheres é considerado como toda forma de organização de mulheres que lutam para conquistar

seus objetivos, seja um grupo de mulheres que luta por melhoria na sua comunidade, seja o movimento de uma

determinada categoria profissional, seja o movimento de mulheres negras. Já o Movimento Feminista também

faz parte do movimento de mulheres, é um movimento político que tem como objetivo a luta pela igualdade

entre homens e mulheres. O feminismo investe na cidadania das mulheres e tem como projeto a auto-

organização das mulheres. No feminismo, as mulheres são o sujeito dessa luta (PEIXOTO, 2007).

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diversos obstáculos. Beauvoir faz uma análise, histórica, social, psicológica e

biológica sobre a mulher na sociedade, contrapondo-se completamente a ideias e

estudos que tratem de uma condição feminina. O livro é rico em informações e

análises profundas, é muito bem fundamentado, numa tentativa de salientar que o

"ser mulher" é algo construído histórica e socialmente, tanto quanto a submissão

dela em relação ao outro sexo. A autora nega a ideia de que foi a "natureza inferior"

da mulher que instituiu o quesito de segundo sexo, mas sim

sua invisibilidade histórica. Já que não importa se a mulher é mãe, esposa, moça ou

prostituta, ela sempre se determinou por sua função em relação ao homem,

simbolizando aquilo que ela chamou de "Outro". Diz ainda que somente através da

formação de um conhecimento autônomo e da emancipação econômica que a mulher

poderia ser livre e ter plena autonomia sobre seu corpo e seu destino5.

O segundo momento do feminismo teve origem no final dos anos de 1960,

período esse que coincide com o aumento das atividades feministas nos Estados Unidos e em

diversos países europeus. Nessa fase, as mulheres buscavam inspiração nos movimentos pelos

direitos civis, organizavam passeatas, demonstração pública, pressionavam políticos e

formavam organizações de mulheres. Elas defendiam direitos iguais aos dos homens na

educação e no trabalho, bem como tornaram público o fenômeno da violência contra as

mulheres, sendo, assim, um problema que deveria sair do âmbito privado. No tocante à saúde,

levantou-se a bandeira em prol do direito à saúde reprodutiva e sexual.

Essa segunda fase do movimento feminista coincidiu com o período da ditadura

militar instaurada no Brasil entre 1964 e 1985. As mulheres protagonistas dessa “onda” eram

de classe média, tinham grau de escolaridade elevado e algumas estavam inseridas

profissionalmente em universidades e nos cursos de pós-graduação. Muitas delas eram ou

foram militantes de organizações políticas de esquerda e haviam sido perseguidas pelo regime

político ditatorial e, por essa razão, haviam ido para o exílio. É válido ressaltar que o

movimento feminista participou intensamente do processo de reconstrução democrática do

país.

Nesse período também surgiu à pílula anticoncepcional, primeiro nos Estados

Unidos e em seguida na Alemanha. Na música, era vivida a revolução dos Beatles e dos

Rolling Stones. No ano de 1963, Betty Friedan lança um livro que seria uma espécie de

“bíblia” do novo feminismo: A mística feminina.

O Ano Internacional da Mulher foi comemorado em 1975, ano em que também

foi realizada a I Conferência Mundial da Mulher, devido às demandas do movimento

feminista que favoreceram a discussão sobre as condições das mulheres, em cenário

5 Resenha escrita por REIS, Lane.

Disponível em: <http://oficinasociologica.blogspot.com.br/2012_08_01_archive.html#.U_JW7fldVqU>.

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internacional. A Conferência foi promovida, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e,

a partir daí, instituiu-se a Década da Mulher.

Em 1979, realizou-se a primeira Conferência Mundial sobre a Mulher, dessa vez

no México, aprovada pelas Nações Unidas, e que foi denominada Convenção sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). Esta constituiu

um documento que daria alicerce para o surgimento de outros instrumentos internacionais

direcionados à eliminação da discriminação contra a mulher.

De acordo com Pinto (2009), no ano de 1980, durante a redemocratização, o

feminismo lutou com grande efervescência pelos direitos das mulheres. Surgiram diversos

grupos, alguns organizados em comunidades e bairros mais pobres, onde se tratavam de temas

como: violência, sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no casamento, direito a terra,

direito à saúde materno-infantil, luta contra o racismo e o sexismo, melhorias na habitação e

saúde. Esses movimentos foram influenciados fortemente pelas Comunidades Eclesiais de

Base da Igreja Católica.

A criação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM) foi uma das

grandes vitórias do feminismo brasileiro em 1984, afirma Pinto (2009), pois o surgimento

deste órgão foi importante para a inclusão dos direitos das mulheres na Carta Constitucional

de 1988. É válido salientar que a Carta Magna é uma das que mais assegura os direitos para a

mulher no mundo. Apesar disso, durante os governos de Fernando Collor de Mello e

Fernando Henrique Cardoso, o CNDM perdeu totalmente a importância. Porém, no primeiro

mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi criada a Secretaria Especial de Políticas

para as Mulheres, sendo o Conselho recriado.

Em 1985, foi criada a primeira Delegacia Policial de Defesa da Mulher (DPDM)

em São Paulo, e também surgiu o Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento

Psicológico (COJE). Rapidamente, várias outras delegacias foram implantadas em outros

Estados brasileiros, como, por exemplo, aconteceu no estado Ceará em 1986.

Em Fortaleza, conforme afirma Magalhães (2009), no ano de 1980 foi eleita a

primeira prefeita do Brasil, Maria Luiza Fontenele. Nesse período, Maria Luiza apoiou e

participou do movimento de mulheres e com outras mulheres, como Rosa da Fonseca e Zélia

Zanetti, que lideraram as lutas de enfrentamento à violência sexista, principalmente durante os

anos de 1980 e 1990.

Nessa época, algumas organizações de mulheres no Ceará foram sendo criadas

como o Centro Popular da Mulher (CPM) e a União das Mulheres Cearenses (UMC), voltadas

ao enfrentamento da violência contra as mulheres (MAGALHÃES, 2009).

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O terceiro momento do movimento feminista indaga com mais intensidade as

questões em torno da igualdade e da diferença, procurando apontar as falhas nas discussões

das feministas da segunda “onda”, tendo surgido no final dos 1980 e se consolidado a partir

da década de 1990.

Scavone (2008) relata as relações científicas e políticas dos estudos sobre as

mulheres e de gênero com o feminismo. A autora faz um resgate histórico desse diálogo e

pontua o surgimento de novos conceitos, sobretudo, nas Ciências Sociais.

Nos anos de 1990, conforme nos afirma Peixoto (2007), houve uma ampliação

significante do movimento social de mulheres e o surgimento de várias organizações não

governamentais (ONGs) feministas no Brasil. Durante esse período, existiu uma atenção

especial por parte dos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), voltadas

para o impacto das políticas sobre a vida das mulheres.

Ainda segundo Peixoto (2007), a I Conferência Nacional de Políticas para as

Mulheres em Brasília ocorreu em 2004, coordenada pela Secretaria Especial de Políticas para

as Mulheres, com o apoio das ONGs e dos movimentos de mulheres e feministas. No ano de

2006 foi aprovada a Lei Maria da Penha, fruto da organização e reivindicação das mulheres.

No tópico seguinte, falaremos sobre as políticas públicas de enfrentamento à

violência contra as mulheres, contextualizando-as mediante as definições sugeridas por alguns

autores.

3.2 Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres

Segundo Alves (2008), entende-se que as políticas públicas são respostas do

Estado, através de programas e ações diante das demandas que a sociedade expõe através de

suas necessidades. As políticas públicas são frutos da relação entre Estado e sociedade civil e

correspondem aos direitos conquistados pelos sujeitos políticos.

Conforme descrito anteriormente, no ano de 1979 foi realizada a Convenção para

a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, pela Assembleia Geral

das Nações Unidas. Em 1981, surgiu no Rio de Janeiro o SOS Mulher, com o objetivo de

atender às mulheres vítimas de violência, além de ser um lugar de reflexões e mudanças na

vida destas. O SOS Mulher não é limitado somente ao Rio de Janeiro, mas também foi

adotado por São Paulo e Porto Alegre.

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A luta das mulheres resultou, em 1983, na formação do Conselho Estadual da

Condição Feminina. No ano de 1985, foi implantado o Conselho Nacional dos Direitos da

Mulher (CNDM), ligado ao Ministério da Justiça por meio da Lei nº 7.353/85, e ainda

inaugurada a primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DEAM). No ano seguinte, criou-se a

primeira Casa-abrigo para mulheres em situação de risco de morte do país (SILVEIRA,

2006), pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Essas três conquistas foram

resultado das lutas empreendidas pelas mulheres, tornando-se marcos da atuação do Estado no

enfrentamento da violência contra as mulheres.

Depois da criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, foram

estabelecidos os Conselhos Estaduais, entre eles o Conselho Cearense dos Direitos da Mulher

(CCDM), vinculado à Secretaria da Justiça do Estado do Ceará (SEJUS), através da Lei nº

11.170, de 02 de abril de 1986.

De acordo com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência (2011), durante

o período de 1985 a 2002, a criação das DEAM‟s e de Casas-abrigo foram o eixo principal da

política de enfrentamento à violência praticada contra as mulheres. Em 1998 tivemos mais um

marco no avanço das políticas públicas para as mulheres, com a criação da Norma Técnica

para Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual, pelo Ministério

da Saúde. Essa legislação determinava a garantia do atendimento nos serviços de saúde às

mulheres que fossem vítimas de violência sexual, como uma das medidas a serem adotadas

para a redução dos agravos desinentes deste tipo de violência. Com a oferta desses serviços,

as adolescentes e mulheres tiveram o acesso imediato aos cuidados de doenças sexualmente

transmissíveis e a gravidez indesejada. Cinco anos depois foi promulgada a Lei nº 10.778/03,

que trata da Notificação Compulsória para os casos de violência praticados contra as mulheres

(BRASIL, 2011, p.16).

Conforme o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2013-2015), uma

pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no período de 2006 a 2010,

apontou que o Brasil esteve entre os dez países com maior incidência de homicídios

femininos, sendo que a maior parte deles é cometida por homens com quem à vítima possuía

relações afetivas, utilizando objetos cortantes ou arma de fogo.

Ainda de acordo com o atual Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2013),

que vigorará no período de 2013 a 2015, o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência

contra as Mulheres passou por modificações, as quais muitas das ações da PNPM já estão

sendo executadas. Em 2012, por exemplo, a Secretaria de Políticas para as Mulheres

conveniou-se com o Ministério da Previdência Social, com a finalidade de que as mulheres

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tenham o direito de entrar com ações em casos de aposentadorias ou pensões causadas por

violência doméstica. Com isso, a responsabilidade com o custeio da violência passa a ser do

agressor e não mais do Estado (BRASIL, 2013, p. 42).

Atualmente, tivemos um aumento na quantidade de delegacias: em 2006 eram 394

em todo o País; hoje contamos com 475 Delegacias ou Postos Especializados de Atendimento

à Mulher6. O número de delegacias ainda é considerado insuficiente para atender a todas as

mulheres que são vitimadas, porém, é importante reconhecer seu fortalecimento e ampliação.

A criação da Secretaria de Políticas para Mulheres, no início do governo Lula, em

2003, possibilitou um maior investimento para ações de enfrentamento à violência, bem como

surgiram novos serviços especializados, como os Centros de Referência de Atendimento às

Mulheres, as Defensorias da Mulher, os Serviços de Responsabilização e Educação do

Agressor, e as Promotorias Especializadas, culminando, assim, na construção de Redes de

Atendimento às mulheres em situação de violência. Em agosto de 2007, foi oficialmente

lançado o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, sendo

consolidada a importância do desenvolvimento de políticas públicas de enfrentamento à

violência contra as mulheres (BRASIL, 2011).

De acordo com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as

Mulheres (2011),

[...] enfrentamento é definido como uma execução de políticas amplas e flexíveis,

que proporcionam a execução da complexidade da violência contra as mulheres em

todos os seus aspectos. O enfrentamento exige a ação conjunta por parte dos setores

abrangidos com a questão (assistência social, educação, justiça, saúde, segurança

pública, entre outros), propondo ações que desconstruam e contestem as

discriminações de gênero e violência contra as mulheres; interferindo nos

paradigmas sexistas / machistas ainda existentes na sociedade brasileira;

promovendo o empoderamento das mulheres; e garantindo atendimento qualificado

e humanizado às que se encontram em situação de violência. (BRASIL, 2011, p. 25)

Portanto, a noção de enfrentamento não se reduz à questão do combate, pois este

abrange também os aspectos da prevenção, assistência e garantia de direitos das mulheres, os

quais são compostos pelos Eixos Estruturantes da Política Nacional de Enfrentamento à

Violência contra as Mulheres.

6 Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAM‟s),

2010.

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Figura 3 - Eixos Estruturantes da Política Nacional de Enfrentamento á Violência contra as Mulheres Fonte: Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, 2011.

Esta Política tem como finalidade instituir princípios, conceitos, diretrizes e ações

de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres. Dessa maneira, assegurar

direitos de acordo com as normas e instrumentos internacionais, da legislação nacional e

direitos humanos. Esse dispositivo jurídico está organizado a partir do Plano Nacional de

Políticas para Mulheres (PNPM), que foi produzido tendo como base a I Conferência

Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004 pelo Conselho Nacional dos

Direitos da Mulher (CNDM) e pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).

A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011) tem

como diretrizes:

A garantia do cumprimento dos princípios, acordos e convenções internacionais, firmados

e sancionados pelo Estado Brasileiro, inerentes ao enfrentamento da violência contra as

mulheres.

O reconhecimento da violência de gênero, raça e etnia como sendo uma violência

estrutural e histórica, expressada pela opressão das mulheres e que precisa de tratamento

como questão da assistência social, educação, justiça, saúde pública e segurança.

Agir no combate as diversas formas de apoderamento e exploração de mulheres, como a

exploração sexual e o tráfico de pessoas.

Atuar na execução de medidas preventivas nas políticas públicas, em conjunto com as

áreas de assistência, comunicação, cultura, direitos humanos, educação, justiça, saúde e

turismo. Incentivar a capacitação e formação de profissionais de saúde para o enfrentamento à

violência contra as mulheres.

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Organizar as Redes de Atendimento à mulher em situação de violência nos Estados,

Municípios e Distrito Federal.

Outra ação implementada no âmbito das políticas públicas, foi o Pacto Nacional

pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011), que se deu por meio de uma ação

do Governo Federal, com a finalidade de prevenir e enfrentar todas as formas de violência

contra a mulher, tendo como base a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as

Mulheres.

O Pacto compreende dimensões de assistência, garantia dos direitos, prevenção e

proteção daquelas que se encontram em situação de violência, como também o combate à

impunidade dos agressores.

As ações propostas no Pacto (2011) apoiam-se em três premissas:

a) a transversalidade de gênero;

b) a intersetorialidade;

c) a capilaridade.

É válido ressaltar que a Rede de Enfrentamento à violência contra as mulheres é

composta por uma ação articulada entre as instituições / serviços governamentais, não

governamentais e a comunidade, que almejam o desenvolvimento de técnicas de prevenção, a

garantia da construção da autonomia das mulheres e a responsabilização dos agressores, além

de assistência capacitada às mulheres em situação de violência. (BRASIL, 2011).

Já a Rede de Atendimento é o conjunto de ações e serviços de diversos setores

(assistência social, justiça, segurança pública e saúde), que juntos fazem a qualidade do

atendimento, a identificação, o acompanhamento das mulheres em situação de violência e a

humanização do atendimento. Dessa maneira, podemos afirmar que a Rede de Atendimento

às mulheres em situação de violência faz parte da Rede de Enfrentamento à violência contra

as mulheres (BRASIL, 2011).

De acordo com o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2013-2015),

aumentaram a quantidade de ligações para a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180)7.

Dentre suas ações, uma merece maior destaque, que é a ampliação de seu funcionamento para

uma competência internacional, a fim de abranger brasileiras que residam no exterior e que

7 A Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) é um serviço de atendimento telefônico da Secretaria de

Políticas para as Mulheres da Presidência da República, criado com o objetivo de disponibilizar um espaço para

que a população brasileira, e principalmente as mulheres, possa se manifestar acerca da violência de gênero, em

suas diversas formas. O serviço presta seu atendimento com foco no acolhimento, orientação e encaminhamento

para os diversos serviços da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil. Disponível

em: <http://www.spm.gov.br/ouvidoria/central-de-atendimento-a-mulher>.

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sofrem diversas formas de violência, entre as quais o tráfico de pessoas. O Supremo Tribunal

Federal decidiu pelo aumento do Ligue 180, transformando-o em uma central de denúncias.

No tópico seguinte serão abordadas as políticas públicas de enfrentamento à

violência contra as mulheres em Fortaleza.

3.3 Violência doméstica e familiar contra as mulheres em Fortaleza e no Ceará: entre

conquistas e desafios

Segundo a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e o

Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Fortaleza possui uma Rede

de Atendimento às mulheres em situação de violência, composta de serviços da área jurídica e

de gestão das áreas municipal e estadual. A Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) e o

Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher compõem a esfera jurídica. Desde

1986, a DDM já estava atuante, sendo o órgão competente responsável pela investigação,

apuração e tipificação de crimes.

A DDM é responsável também pelos registros dos boletins de ocorrência (B.O),

solicitação das Medidas Protetivas de Urgência, representação criminal e

encaminhamento da guia do exame de corpo de delito ao Instituto Médico Legal.

Outro órgão que faz parte da rede no setor judiciário é o Juizado de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher, que foi criado a partir da Lei Maria da Penha,

e possui competência cível e criminal, sendo responsável por processar, julgar e

executar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a

mulher. Ainda, desde 2004, tem-se o Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a

Mulher da Defensoria Pública do Estado do Ceará (NUDEM), instituição que presta

assistência jurídica e gratuita e atua nas áreas cíveis, criminais e de família. [...] foi

inaugurado em Fortaleza, em 2011, o Núcleo de Gênero Pró-Mulher, do Ministério

Público do Estado do Ceará. Este núcleo tem o objetivo de atuar na garantia da

transversalidade de gênero nas ações do Ministério Público, na formulação e

implementação de políticas públicas, na adequada aplicação das leis, em

capacitações e campanhas educativas referentes à violência contra as mulheres. [...]

na esfera estadual, tem-se o Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher

(CERAM), que funciona desde 2004. Este centro presta atendimento

interdisciplinar, com uma equipe de médicos ginecologistas, psicólogas, assistentes

sociais e enfermeiras. Sua estrutura física fica no mesmo local em que funciona o

NUDEM. Há ainda um abrigo estadual, denominado de Casa do Caminho, que

acolhe as mulheres em situação de risco eminente, tanto da cidade de Fortaleza,

como das demais cidades do Estado do Ceará. A Casa do Caminho é um abrigo para

mulheres em situação de violência doméstica, com endereço em sigilo.

(CAVALCANTE, 2012, p. 117)

Em Fortaleza, de acordo com Alves (2008), durante a gestão da Prefeita Luizianne

Lins, foi criada a Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, em

desempenho de atividades desde o início de seu governo em 2005; porém, somente em 2007

teve sua oficialização. Dessa forma, foi reconhecida a importância da implantação de políticas

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públicas específicas para a garantia de direitos das mulheres na capital cearense, e da

necessidade da criação de uma estrutura para administrar tais políticas.

Dentre os eixos de ação da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as

Mulheres, de acordo com ALVES (2008, p. 54), destacam-se:

EIXO 1 – Prevenção e assistência à mulher em situação de violência.

EIXO 2 – Saúde e equidade de gênero.

EIXO 3 – Inclusão e autonomia econômica.

EIXO 4 – Participação e controle social.

EIXO 5 – Educação e cultura não discriminatória.

O primeiro eixo está relacionado à prevenção e assistência à mulher em situação

de violência, onde houve a implantação do Programa Municipal de Prevenção, Assistência e

Atendimento à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Sexual, com ações articuladas

com várias secretarias e equipamentos, além da promoção de campanhas de prevenção

(ALVES, 2008).

Conforme SILVA (2014, p.50), o primeiro eixo é componente das ações da

coordenadoria, à época, a prevenção e assistência à mulher em situação de violência,

responsável por coordenar campanhas de enfrentamento à violência. Neste eixo, estão

vinculados os dois equipamentos públicos municipais de atendimentos às usuárias em

situação de violência: o Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de

Violência Francisca Clotilde e a Casa-Abrigo Margarida Alves.

O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência

Francisca Clotilde (CRM Francisca Clotilde) é um equipamento público municipal

que desenvolve trabalho multidisciplinar de atendimento às mulheres em situação de

violência doméstica e/ou sexual no município de Fortaleza, Estado do Ceará. Seu

principal objetivo é, portanto, contribuir para a consolidação do programa de

combate à violência sexista, por meio de estratégias de atendimento, que objetivam

o fortalecimento da mulher e a compreensão e prevenção dessa violência, bem como

da articulação da rede de serviços públicos para atendimento às mulheres.

(ZARANZA; GASPAR; MACIEL, 2008, p.76)

Sobre os eixos de atuação da Coordenadoria, Cavalcante (2012, p. 118) nos

afirma que:

Cada eixo possui ações, serviços, projetos e programas que concretizam as

intervenções da Coordenadoria na vida das mulheres. Ressalta-se que o eixo de

prevenção e assistência à mulher em situação de violência tem como ações de maior

porte o Centro de Referência Francisca Clotilde e a Casa-Abrigo. (CAVALCANTE

2012, p. 118)

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Os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) e os

Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) também fazem parte dos equipamentos

da rede de enfrentamento à violência sexista municipal.

Atualmente, no Estado do Ceará, a mulher pode contar com o apoio de 14 Centros

de Referência nos municípios de Fortaleza, Tauá, Boa Viagem, Mauriti, Quixadá, Juazeiro do

Norte, Itapipoca, Limoeiro do Norte, Iguatu, Maranguape, Redenção, Tianguá e Viçosa do

Ceará8. Além dos Centros, existem outros equipamentos disponíveis, como: Juizados;

Promotorias; Rede de Apoio à Mulher (APAVV); Defensoria Pública; Delegacias de Defesa

da Mulher; Conselho Cearense da Mulher; União Brasileira de Mulheres; Observatório de

Violência Contra a Mulher e as Coordenadorias9.

Gráfico 1 - Equipamentos existentes no estado do Ceará em defesa da Mulher

Fonte: Elaborado pela autora (2014).

De acordo com o jornal Tribuna do Ceará (2013), a luta das mulheres cearenses

conquistou um forte aliado em novembro de 2013, pois o Estado agora está inserido no

8 Centro de Referência da Mulher (CRM) Maria Neide Gomes Jataí - Tauá; Centro de Referência da Mulher

(CRM) Francisca Ivani Cipó Ramalho - Boa Viagem; Centro de Referência e Atenção à Mulher (CRAM) –

Mauriti; Centro de Referência da Mulher e Cidadania – Quixadá; Centro de Referência Regional da Mulher

(CRRM) - Juazeiro do Norte; Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência

Francisca Clotilde; Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher (CERAM) – Fortaleza; Centro de

Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) – Itapipoca; Centro de Referência de Atendimento à Mulher

(CRAM) Márcia Lúcia de Moura Oliveira - Limoeiro do Norte; Centro de Referência de Atendimento à Mulher

(CRAM) Valquíria Correia Martins – Iguatu; Centro de Referência da Mulher (CRM) – Maranguape; Centro de

Referência da Mulher (CRM) Helena da Silva Matos – Redenção, Centro de Referência da Mulher (CRM) –

Tianguá; e Centro de Referência Especializado no Atendimento à Mulher em Situação de Violência (CREAM) -

Viçosa do Ceará.

Disponível em:

<https://sistema3.planalto.gov.br/spmu/atendimento/busca_subservico.php?uf=CE&cod_subs=4>.

9 Disponível em: <http://www2.tjce.jus.br:8080/jmulher/?page_id=7>.

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programa federal Mulher, viver sem violência10

, e, com isso, o Ceará ganha mais um

instrumento no combate à violência contra as mulheres. Ainda de acordo com essa matéria, o

equipamento intitulado de A Casa da Mulher Brasileira representa mais uma conquista da

luta das mulheres por garantia de direitos, pois esse espaço terá serviços de delegacia

especializada, juntamente com o apoio de juizados, varas, defensoria, psicossocial, além de

orientações sobre emprego e renda.

De acordo com a SPM, outro diferencial do programa Mulher, viver sem violência

é a humanização na saúde pública. O Programa contará também com especialização nos

espaços dos Institutos Médicos Legais (IML‟s) e nas redes hospitalares de referência.

De acordo com Alves (2008) a melhoria das condições de vida das mulheres e a

construção da igualdade dependem da articulação por parte do Estado, de um conjunto de

políticas que rompam com a lógica da discriminação e, finalmente, promovam as mulheres

como sujeitos políticos e de direitos.

3.4 Lei Maria da Penha e os instrumentos normativos que tratam da violência

doméstica contra as mulheres

Em conformidade com o Observatório Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340/06,

também conhecida como Lei Maria da Penha, transforma o ordenamento jurídico brasileiro e

expressa o necessário respeito aos direitos humanos das mulheres, além de tipificar as

condutas delitivas11

. Essa legislação modifica, significativamente, a processualística civil e

penal em termos de investigação, procedimentos, apuração e solução para os casos de

violência doméstica e familiar contra a mulher. Anteriormente, não havia nenhuma lei

específica para atos de violência doméstica contra as mulheres. Em alguns casos, o agressor

era processado e julgado nos Juizados Especiais Criminais (JECRIM), como consta na Lei nº

9.099/95, que criou e regulamentou os Juizados citados. Os agressores tinham como punição

pagamento de multas ou cestas básicas, ou seja, a aplicação era apenas pecuniária.

10

O Programa Mulher, viver sem violência é coordenado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da

Presidência da República (SPM/PR). Ele prevê a criação de centros integrados de serviços especializados,

humanização do atendimento em saúde, cooperação técnica com o sistema de justiça e campanhas educativas de

prevenção e enfrentamento à violência de gênero, por meio de parceria realizada com o Governo Federal.

Disponível em: <http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/ceara-ganha-mais-um-instrumento-no-combate-a-

violencia-contra-as-mulheres/>.

11

Disponível em: <http://www.observe.ufba.br/lei_aspectos>.

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Sabemos que todo o conjunto do movimento de mulheres e feministas tem sido o

protagonista dessas lutas, porém, discorreremos brevemente sobre a história da mulher

responsável por denominar a Lei Maria da Penha, haja vista a figura emblemática que a

mesma representa na luta da violência contra as mulheres.

Maria da Penha Maia Fernandes é biofarmacêutica e nasceu em Fortaleza no ano

de 1945, sendo casada com Sr. Heredia Viveiros, de quem sofria constantes agressões e

ameaças, que perduraram durante todo o casamento. Maria da Penha tinha medo de pedir a

separação e a situação se agravar ainda mais (COUTINHO, 2001).

Em maio de 1983, houve a primeira tentativa de assassinato: seu marido atirou em

suas costas enquanto dormia, alegando ser um assalto, deixando-a paraplégica. Instantes

depois do disparo, seu marido foi encontrado na cozinha, gritando por socorro, alegando que

os ladrões haviam fugido pela janela. Maria da Penha foi hospitalizada e ficou internada por

quatro meses.

Após a alta hospitalar, retornou para casa paraplégica e foi mantida em isolamento

completo. Depois de duas semanas, houve a segunda tentativa: por eletrocussão durante o

banho. Dessa vez, ela conseguiu provar o crime. Transcorreram-se 19 anos e 06 meses entre

as tentativas de homicídio e a prisão do agressor, sendo ele preso na Universidade do Rio

Grande do Norte, enquanto ministrava aula. Tal demora permitiu que o caso fosse apresentado

à Organização dos Estados Americanos (OEA). Com 60 anos e três filhas, hoje ela é uma das

líderes de movimentos de defesa dos direitos das mulheres.

Em 20 de agosto de 1988, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos teve

conhecimento do ocorrido, onde a própria Maria da Penha se encarregou de apresentar a

denúncia a Comissão. Com o apoio das organizações de direitos humanos, Penha, juntamente

com o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano

de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), denunciaram o “descuido” do Estado

brasileiro junto à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos

(OEA).

Em decorrência dos fatos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

divulgou em 16 de abril de 2004, o relatório nº 54/2001, documento de grande importância

para o entendimento da violência contra a mulher no Brasil. Nesse relatório são citadas falhas

cometidas pelo Brasil no caso de Maria da Penha. Por fim, a Comissão deduziu que o Estado

brasileiro não manteve o compromisso que havia sido acordado, deixando de cumprir o que

estava previsto no art. 7º da Convenção de Belém do Pará e nos artigos 1º, 8º e 25º do Pacto

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de São José da Costa Rica, pois se passaram quase 20 anos sem que o causador dos crimes

contra Maria da Penha fosse julgado.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) responsabilizou o Estado

brasileiro em 2001, por omissão e negligência em relação à violência doméstica e

recomendou a tomada de medidas, com base no caso Maria da Penha.

A Lei Maria da Penha abrange recursos para prevenção, assistência às vítimas,

políticas públicas e punições mais intransigentes para os agressores.

Sobre a Lei Maria da Penha, Dias (2007, p. 29) discorre:

A lei Maria da Penha só chegou agora, cumprindo o Brasil compromissos assumidos

internacionalmente. Mas, apesar da demora na sua elaboração, como saúda Sílvia

Pimentel, “o Brasil está de parabéns, pois se trata de instrumento legal bastante

cuidadoso, detalhado e abrangente” [...].

Dentre outras possibilidades, as mulheres agredidas ou as que estão em risco de

vida, têm como medida de proteção à saída do agressor de dentro de casa, o amparo aos

filhos, à garantia do direito de recuperação de bens e o cancelamento de alguma procuração

que tenha sido feita em favor do agressor. Outro direito que as mulheres têm assegurado pela

Lei, desde que esteja comprovada a real necessidade de sua dignidade, é o de se afastar do

ambiente de trabalho por um período de até seis meses, sem que venha a perder o emprego.

Até o advento da Lei Maria da Penha, a violência doméstica não mereceu a devida

atenção, nem da sociedade, nem do legislador e muito menos do Judiciário. Como

eram situações que ocorriam no interior do “lar, doce lar”, ninguém interferia.

Afinal, “em briga de marido e mulher ninguém põe a colher!”. (DIAS, 2007, p. 21)

Segundo dados do IPEA (2013), com o surgimento da Lei Maria da Penha,

infelizmente não houve redução de mortes de mulheres por agressões, anualmente, se

comparássemos os períodos antes e depois da Lei.

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Figura 4 - Mortalidade de mulheres antes e após a vigência da Lei Maria da Penha

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2013.

É válido ressaltar que o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, versa sobre a

proteção das mulheres que são violentadas no interior de seus lares, sendo que este deveria ser

o local onde lhes fosse oferecido segurança, e, no entanto, essa ação acaba ficando na

impunidade.

Ainda segundo a Carta Magna (1988), o art. 226, e os §§ 5º e 8º, preconizam:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente

pelo homem e pela mulher.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a

integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

(BRASIL, 1988).

Um avanço do ponto de vista da legislação foi o atual Código Civil (2002), onde

as mulheres são vistas como cidadãs, com direitos e deveres. Agora, a mulher ao casar não

apenas “assume a condição de companheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos

de família” (Código Civil, 2002, art. 1.565), mas passa a exercer direitos e deveres baseados

na comunhão plena de vida e na igualdade entre os cônjuges.

Nas palavras de Dias (2007, p. 02), “somente a partir da conscientização de que o

novo modelo de família deve se basear na mútua colaboração e no afeto, é que se poderá

chegar à tão almejada igualdade e ao fim da violência”.

No capítulo seguinte, farei a descrição da construção metodológica desse trabalho,

citando os desafios encontrados, apresentando o local no qual foi desenvolvida a pesquisa de

campo, além da apresentação das análises das entrevistas.

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4 CAPITULO III: PESQUISA DE CAMPO: ANÁLISE SOBRE O CENTRO DE

REFERÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA FRANCISCA

CLOTILDE

O presente capítulo apresentará o Centro de Referência e Atendimento à Mulher

em Situação de Violência Francisca Clotilde (CRM). Em seguida, faremos uma descrição

sobre o percurso metodológico desenvolvido na elaboração do trabalho, as dificuldades

encontradas, e, por fim, analisaremos os dados obtidos a partir das entrevistas junto as

profissionais do CRM. Assim, temos o intuito de propor reflexões acerca dos aspectos sociais

da violência contra a mulher e a elaboração de políticas públicas para o enfrentamento desse

fenômeno.

4.1 Apresentação do Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de

Violência Francisca Clotilde (CRM)

O CRM traz o nome em referência à Francisca Clotilde Barbosa Lima, poetisa,

contista, dramaturga, romancista, professora e abolicionista. Ela nasceu na fazenda São

Lourenço, no Sertão dos Inhamuns, no município de Tauá, em 19 de outubro de 1862, sendo

filha de João Correia Lima e de Ana Maria Castello Branco. Aos 14 anos teve seu primeiro

conto publicado pela imprensa (“Horas de Delírio”, O Cearense, 1877); aos vinte e dois anos,

tornou-se a primeira professora do sexo feminino a lecionar na Escola Normal através de

concurso público. Participou ativamente do Movimento Abolicionista, inclusive tomando

parte da Sociedade das Senhoras Libertadoras, ao lado de Maria Tomásia Figueira Lima,

Elvira Pinho, Joana Antônia Bezerra, Serafina Pontes, entre outras senhoras. Não aceitava a

sujeição das mulheres “ao fogão e aos afazeres domésticos”, nem a adoração que as mesmas

tinham pela vida entre “quatro paredes a comentar prendas domésticas”. Em 1902, publica o

romance A divorciada, sendo a pioneira no tema divórcio na Literatura Brasileira. O livro

tratava sobre relacionamentos permeados por constantes atritos, chegando aos

desentendimentos, até a necessidade da separação12

.

O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência

Francisca Clotilde foi inaugurado em 08 de março de 2006 e é um equipamento municipal que

12

MOTA, Anamelia (2007). Francisca Clotilde. Disponível em:

<http://www.jornaldepoesia.jor.br/fclotilde.html>.

PONCIANO, Rosangela (2012). Solar das Clotildes (Associação Cultural). Disponível em:

<http://solardasclotildes.art.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=51:francisca-

clotilde&catid=38:personagens>.

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tem por atribuição prestar assistência às mulheres cujos direitos foram violados, oferecendo

atendimento humanizado e integral à mulher vítima de violência, sendo ela física, moral,

psicológica, patrimonial ou sexual. O Centro conta com uma equipe multiprofissional

composta por psicológicos, assistentes sociais, advogados, entre outros profissionais, e está

vinculado à Coordenadoria de Políticas para as Mulheres da Secretaria Municipal de

Cidadania e Direitos Humanos (SCDH). O CRM encontra-se atualmente no endereço: Rua

Júlio César, nº 192; Bairro: Benfica; CEP: 60.020-080; Telefone: 3105-3516.

Segundo Zaranza, Gaspar & Maciel (2008, p.76).

O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência

Doméstica e Sexual Francisca Clotilde (CRM Francisca Clotilde), como vimos, é

um equipamento público municipal que desenvolve trabalho multidisciplinar de

atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e/ou sexual no

município de Fortaleza, Estado do Ceará. Seu principal objetivo é, portanto,

contribuir para a consolidação do programa de combate à violência sexista por meio

de estratégias de atendimento que objetiva o fortalecimento da mulher e a

compreensão e prevenção dessa violência, bem como da articulação da rede de

serviços públicos para atendimento às mulheres.

De acordo com Barroso (2011, p.1), o “CRM trabalha de forma a desnaturalizar a

violência que estas mulheres sofrem por esposos, filhos, companheiros ou namorados. Em

resposta a esta realidade, adota-se como suporte teórico a noção de empoderamento, no

sentido do fortalecimento da mulher para o rompimento do ciclo de violência”. Este

equipamento tem como missão o atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e

sexual, domiciliadas em Fortaleza, com idades entre 18 e 60 anos.

O sistema de enfrentamento à violência sexista municipal é composto: pela Casa

Abrigo de Fortaleza; o Centro de Referência e Atendimento à Mulher em situação de

Violência Francisca Clotilde; pelos Centros de Referência Especializados de Assistência

Social (CREAS); e pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS).

A seguir é apresentado o fluxo de atendimento do CRM, conforme padronização

nacional.

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Figura 5 - Fluxograma de atendimento do CRM

Fonte: Norma Técnica de Padronização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de

Violência, Brasília, 2006.

4.2 Percurso metodológico da pesquisa

O interesse em pesquisar sobre as diferentes condições que as mulheres ocupam

diante de violências sofridas teve origem nas observações registradas durante o meu estágio

curricular, do Curso de Técnica em Enfermagem, realizado no Hospital Distrital Gonzaga

Mota, na Barra do Ceará (HDGM-BC), nos anos 2000 e 2001. Durante o estágio, foi

constatada a elevada incidência de mulheres vítimas de agressões físicas por parte de seus

companheiros, fato este que chamou minha atenção.

Outro fator que também me instigou a realizar tal pesquisa relaciona-se ao fato de

possuir amigas que foram ou são submetidas a esse tipo de agressão por parte de seus

companheiros, e que ainda não conseguiram se desvencilhar dessas relações. Além disso, os

debates em sala de aula sobre o tema em questão, durante minha formação acadêmica, foram

significativos para aguçar meu interesse pelo estudo desse fenômeno. A partir disso, surgiu a

curiosidade de conhecer a trajetória do movimento feminista e suas conquistas em torno dos

direitos das mulheres.

O presente trabalho de pesquisa contou com vários percalços durante sua trajetória

de construção, que impossibilitaram o término em tempo hábil. Inicialmente, a pesquisa seria

realizada no Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher (CERAM); no entanto, não foi

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possível a realização da pesquisa nesta instituição. Optamos então, por realizar a pesquisa no

CRM, equipamento vinculado à Prefeitura Municipal de Fortaleza. Ressaltamos a boa

acolhida da coordenação e das profissionais para com a realização deste estudo.

Entendemos por pesquisa a descoberta de novos conhecimentos, por meio de

procedimentos e técnicas específicas, tendo como meta realizar aproximações sucessivas em

torno da realidade. Esses novos entendimentos não são considerados inacabados, ao contrário,

estão sempre em uma constante transformação face ao movimento do real.

De acordo com Gil (2007), pesquisa é um procedimento racional e sistemático

que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa

desenvolve-se por um processo constituído de várias fases, desde a formulação do problema

até a apresentação e discussão dos resultados.

Segundo Minayo (1994), pesquisa é a junção entre teorias, pensamentos e ações,

na qual a teoria é a explicação parcial da realidade e desempenha várias funções em relação

ao estado do objeto de investigação, dando sentido a ele. Já para Carvalho (2009), pesquisar é

aventurar-se em um caminho desconhecido, é desnaturalizar.

Para a obtenção das informações desta pesquisa, fez-se necessário a construção de

todo um processo metodológico. Conforme Minayo (2007, p. 44), metodologia é,

[...] a) como a discussão epistemológica sobre o “caminho do pensamento” que o

tema ou o objeto de investigação requer; b) como a apresentação adequada e

justificada dos métodos, técnicas e dos instrumentos operativos que devem ser

utilizados para as buscas relativas às indagações da investigação; c) como a

“criatividade do pesquisador”, ou seja, a sua marca pessoal e específica na forma de

articular teoria, métodos, achados experimentais, observacionais ou de qualquer

outro tipo específico de resposta às indagações específicas.

A metodologia empregada na execução deste trabalho consiste na pesquisa

qualitativa, tendo como técnica principal a entrevista com as profissionais que fazem

atendimentos às mulheres usuárias do serviço, para obtenção da compreensão dessas

profissionais acerca das contribuições do CRM para o processo de rompimento do ciclo da

violência doméstica em Fortaleza. Para um melhor embasamento do tema, foram utilizadas as

pesquisas bibliográficas e documentais.

A pesquisa qualitativa é feita desde o momento em que se torna necessário um

estudo da realidade, visando-se obter uma ampliação dos conhecimentos acerca do objeto

pesquisado. Para a presente monografia será realizado um estudo sobre violência doméstica

contra a mulher, através de uma abordagem que busque a proximidade com a compreensão da

complexidade do tema escolhido (MINAYO, 2006).

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Sobre metodologia qualitativa, Minayo (2006) discorre que esta é abordada

procurando enfocar principalmente o social, como um mundo de significados, passível de

investigação, e a linguagem comum, ou a fala, como a matéria-prima desta abordagem, a ser

contrastada com a prática dos sujeitos sociais.

Ressaltamos que as categorias utilizadas para a realização deste estudo serão:

gênero, violência doméstica contra as mulheres e políticas públicas. O público entrevistado

para a coleta de informações foram as profissionais que compõem a equipe multiprofissional

do CRM, mediante os critérios relacionados pelo objeto deste estudo. Estas não foram

identificadas durante a elaboração da monografia, sendo utilizados codinomes para fazer

referências as suas falas. Foi também aplicado o termo de livre consentimento, respeitando os

dispositivos éticos para a realização desta pesquisa.

O presente trabalho tem como objetivo geral conhecer as concepções das

profissionais do CRM sobre as contribuições deste serviço para o processo de ruptura da

violência doméstica das mulheres. Dentre os objetivos específicos, destacamos: compreender

os significados atribuídos pelas profissionais ao fenômeno da violência doméstica contra as

mulheres; conhecer quais as visões das profissionais sobre as atitudes das mulheres usuárias

do serviço, diante das agressões sofridas; e apreender as opiniões das profissionais sobre a

política de enfrentamento à violência contra as mulheres em Fortaleza.

Também fizemos uso da pesquisa bibliográfica, juntamente com a pesquisa

documental, para obtenção de informações durante o desenvolvimento do estudo. De acordo

com Lakatos & Marconi (2009), a pesquisa bibliográfica compreende oito fases distintas:

escolha do tema; elaboração do plano de trabalho; identificação; localização; compilação;

fichamento; análise e interpretação; e a redação.

Ainda segundo Lakatos & Marconi (1987, p. 66),

[...] a pesquisa bibliográfica trata-se do levantamento, seleção e documentação de

toda bibliografia já publicada sobre o assunto que está sendo pesquisado, em livros,

enciclopédias, revistas, jornais, folhetos, boletins, monografias, teses, dissertações e

material cartográfico; a pesquisa exploratória, permite uma maior familiaridade

entre o pesquisador e o tema pesquisado, visto que este ainda é pouco conhecido e

documental, por se tratar de uma pesquisa a materiais que não recebem ainda um

tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos

da pesquisa.

Com relação à obtenção de um conhecimento prévio sobre o tema estudado e

sobre o local em que será referenciado como campo de pesquisa, Nasser (2010, p. 134) fala

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que “é preciso ler o que os outros escreveram antes de nós, de certa forma, subir sobre seus

ombros para conseguir ver mais além”.

Concomitante à pesquisa bibliográfica, fizemos uso da pesquisa documental. De

acordo com Gil (2002, p.62-63), a pesquisa documental se apresenta como “fonte rica e

estável de dados”, ou seja, não implica custos altos, possibilita leituras aprofundadas e não

tem exigência com os sujeitos da pesquisa.

Segundo Pádua (1997, p. 62):

Pesquisa documental é aquela realizada a partir de documentos contemporâneos ou

retrospectivos, considerados cientificamente autênticos (não fraudados); tem sido

largamente utilizada nas ciências sociais, na investigação histórica, a fim de

descrever/comparar fatos sociais, estabelecendo suas características ou tendências

[...].

Durante a pesquisa de campo, observou-se que os atendimentos não estão sendo

da maneira como deveriam ser, devido à falta de estrutura que o ambiente provisório oferece,

assim como falta de segurança. Além disso, o CRM funciona no mesmo espaço que outros

órgãos. Porém, apesar da falta de estrutura, o ambiente é agradável e acolhedor. Na ocasião da

pesquisa de campo, fizemos uso de gravador de voz, aliado a utilização de roteiro orientador

preestabelecido.

Conforme Gonçalves (2001, p. 67),

[...] a pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação

diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro

mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre,

ou ocorreu, e reunir um conjunto de informações a serem documentadas [...].

Para obter a autorização para a realização da pesquisa, foi estabelecido

inicialmente um contato prévio para que fossem expostos os objetivos da pesquisa e o

agendamento do primeiro contato com a coordenação da Instituição.

De acordo com Minayo (2002, p. 103):

A estratégia de entrada em campo tem que prever os detalhes do primeiro impacto

da pesquisa, ou seja, como apresentá-la, como apresentar-se, a quem se apresentar,

através de quem, com quem estabelecer os primeiros contatos. O processo de

investigação prevê idas ao campo antes do trabalho mais intensivo, o que permite o

fluir da rede de relações e possíveis correções já iniciais dos instrumentos de coleta

de dados. Por fim, terminada essa fase bastante prática, mas crucial para o

desenvolvimento da investigação, serão estabelecidos os primeiros contatos e o

calendário de viabilidade e realização da etapa empírica.

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A partir da realização das entrevistas, partimos para a análise dos relatos obtidos

pelos sujeitos da pesquisa articulando-os ao conteúdo estudado.

4.3 Perfil das entrevistadas

Conforme citado anteriormente, a presente pesquisa foi realizada com quatro

profissionais que compõem o CRM, sendo de categorias diferentes (assistente social,

psicóloga e advogada) e que realizam atendimentos diários às mulheres em situação de

violência. As entrevistas ocorreram no período de maio a agosto de 2014. Ressaltamos que

tivemos algumas dificuldades quanto ao retorno em aceitar a realização das entrevistas por

parte de três profissionais. Na ocasião, foi permitido pelas entrevistadas o uso de gravador.

No tocante ao perfil das entrevistadas, estas se encontram na faixa etária

compreendida entre 26 e 33 anos de idade. Foram entrevistadas, portanto, uma assistente

social, uma advogada e duas psicólogas. O CRM, conforme já descrito anteriormente, é

composto por uma equipe multidisciplinar, sendo esta característica necessária em virtude do

olhar diferenciado das categorias profissionais para atender às necessidades das mulheres.

Com relação ao estado civil das profissionais, o número de mulheres solteiras é

proporcional ao número de mulheres casadas, sendo duas solteiras e duas casadas.

Ao perguntarmos sobre o tempo de CRM e se era a primeira experiência de

trabalho com mulheres em situação de violência, foi verificado que a maioria delas tem pouco

tempo na Instituição, e que esta é a primeira experiência de trabalho com mulheres em

situação de violência.

Sim, essa é minha primeira experiência e estou há um ano e dois meses na

instituição. (ENTREVISTADA 01)

Tenho quatro meses de CRM e é a primeira vez que trabalho com violência contra a

mulher. (ENTREVISTADA 02)

Primeira vez trabalhando com violência contra a mulher e estou há sete meses.

(ENTREVISTADA 03)

4.4 Resultado das Entrevistas

Referenciamo-nos no conceito de violência descrito na Política Nacional de

Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, como sendo “uma das principais formas de

violação dos seus direitos humanos, atingindo-as em seus direitos à vida, à saúde e à

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integridade física” (BRASILIA, 2011, p. 11). Assim, conforme já citado anteriormente, bem

como de acordo com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a

Violência Contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, em seu artigo 1º,

“violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte,

dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no

privado” (BRASIL, 1994, p. 86).

A partir dessa conceituação, buscamos saber qual a compreensão as profissionais

que atendem as mulheres usuárias diariamente têm sobre o conceito de violência doméstica e

familiar contra a mulher. Assim foi exposto:

Qualquer ato que agrida fisicamente, psicologicamente, moralmente,

patrimonialmente ou sexualmente uma mulher. Tem como base o patriarcado e o

machismo. Compreendo a violência como algo amplo, que poderíamos incluir a

violência simbólica (a exemplo: aquela proferida nas propagandas e comerciais que

reforçam o papel tradicional das mulheres) e a violência institucional. Então, a

definição da Lei é muito clara, acho que ela dá conta disso, mas para além da Lei,

também podemos falar sobre violência institucional, que também é uma forma de

violência. (ENTREVISTADA 01)

Para a Entrevistada 01, a Lei Maria da Penha “é muito clara, dá conta do recado”,

ou seja, em seu Art. 5º, a Lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher,

qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,

sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial. Nessa fala, a profissional entrevistada

acredita que a Lei remete o real sentido da violência, porém, ainda é muito falha e pouco

divulgada, por isso se faz importante a realização de campanhas educativas e divulgação

através da mídia, pois o profissional baseia-se na Lei para garantir os direitos necessários

àquela mulher e a seus filhos.

Pra mim, a violência pode abarcar várias especificações, desde a violência física,

sexual, patriarcal e psicológica, e a maioria que chega é a psicológica, pois agride o

desenvolvimento da pessoa através de ameaças e agressões, e o agressor faz com

que a mulher tenha medo de exercer seus direitos. De exercer seu direito de ir e vir

e, de certa forma, chega a prestar atenção a tudo que acontece na vida dela, né?!

Além dessas violências, tem também a violência financeira, pois muitas pessoas são

dependentes financeiramente e fazem com que a outra pessoa dependa dele pra tudo.

(ENTREVISTADA 02).

As palavras da Entrevistada 02 ressaltam o controle do agressor sobre a vida da

mulher. Com isso, o agressor passa a fiscalizar para onde, com quem sai e a que horas a

vítima chega, e a mulher acaba ficando com medo, passando a não ter mais vida social. Às

vezes, a mulher não tem o apoio de familiares e amigos, visto que desses, alguns já se

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afastaram, ou por não aguentar mais vê-la na situação em que se encontra ou por achar que ela

está ali “porque gosta”.

Há também a carência de uma rede de apoio eficiente no sentido de proporcionar

os mínimos necessários à sobrevivência dessas mulheres. Com relação à dependência

financeira, muitas vezes as mulheres se obrigam a permanecer nessa situação por falta do

apoio de familiares e amigos, como mencionamos anteriormente, e com isso, acaba por

limitar suas possibilidades de tomar uma atitude. Desse modo, torna-se importante a

materialização das políticas públicas de enfrentamento à violência, no sentido de possibilitar o

empoderamento dessas mulheres, com a criação de alternativas que concedam educação para

elas e para seus filhos. Também deve fornecer trabalho, apoio psicológico, social e jurídico,

ou seja, fatores que ocasionem a obtenção de um conjunto de direitos, possibilitando o retorno

da integridade física, psicológica, moral e social dessas mulheres.

Conforme explicita Saffioti (1999), uma mulher que para fugir de maus-tratos,

muda-se da casa de seu marido, pode ser perseguida por ele até a consumação do femicídio -

feminilizando-se a palavra homicídio (RADFORD; RUSSELL, 1992). Portanto, a violência

doméstica tem lugar, predominantemente, no interior do domicílio. Nada impede o homem,

contudo, de esperar sua companheira à porta de seu trabalho e surrá-la “exemplarmente”

diante de todos os seus colegas, por se sentir ultrajado com sua atividade fora de casa, no

mundo público.

Às vezes, a gente acha que violência contra a mulher é só agressão física, muita

gente mesmo pensa assim, até mesmo algumas usuárias, e acabam achando que

violência é só quando bate, mas não é. Violência contra a mulher é uma série de

coisas, vai desde o modo como a mulher é tratada, não somente pelo homem, mas

também por outras mulheres, e não percebem que estão sofrendo violência, que ser

mulher é algo superior, violência é bem mais que a violência física.

(ENTREVISTADA 03)

Violência é todo ato ou ação contra a pessoa, no qual fira sua dignidade humana,

seja uma ação ou ato físico que machuque ou que atinja o psicológico, a moral, no

caso da violência contra a mulher também é isso, mas a gente acrescenta o quesito

de gênero por ela sofrer esse ato de violência pelo fato de ser mulher.

(ENTREVISTADA 04)

As entrevistadas, nesse momento, destacaram as diversas formas de violência

contra as mulheres, as quais extrapolam a violência física, e esse fenômeno envolve aspectos

sutis de violência simbólica. As profissionais do CRM destacaram ainda, que as mulheres

apresentam uma esperança na mudança do companheiro, que os mesmos façam tratamento

psicológico. No entanto, é sabido que não é bem assim que acontece. Por isso, as profissionais

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tentam trabalhar com as usuárias questões relacionadas a busca da autoconfiança, o resgate da

integridade e a autoestima dessas mulheres, para que elas tomem de conta também de si,

porque elas acabam esquecendo delas próprias e vivendo apenas em função do companheiro e

dessa relação “doentia” de codependência.

Inúmeras são as causas que podem contribuir para a mulher permanecer nessa

situação de violência. Um dos fatores, conforme já citado, é a esperança na mudança do

companheiro, assim como sentimentos de inferioridade, insegurança, dependência emocional

e financeira, medo por não saber como prover o próprio sustento e o dos filhos, entre outros

fatores.

A partir das informações disponibilizadas pelo Observatório da Violência contra a

Mulher13

- correspondente ao período de 2006 a maio de 2014, sobre os tipos de violência

atendidos no CRM, questionamos as profissionais a respeito das principais demandas

apresentadas ao Centro Francisca Clotilde, solicitando que elas descrevessem pelo menos três.

Gráfico 2 - Tipos de Violência atendidos no CRM

Fonte: Observatório da Violência contra a Mulher - CRM, 2014.

Em resposta, obtivemos a seguinte afirmativa:

As principais demandas que se apresentam no Centro de Referência da Mulher são

as questões da demanda de solicitação por medida protetiva, porque assim [...], a

maioria não denuncia, sempre está naquela questão de se achar culpada, de se

responsabilizar por aquele ato. Elas estão dentro do ciclo da violência, então assim,

tem que chegar a um mínimo de violência. Infelizmente, a maioria dos casos chega à

violência física pra elas nos procurar, então, quando elas chegam aqui, quais são as

solicitações? Proteger desse ex-companheiro, através de solicitação de medidas

protetivas, e o mínimo suporte psicológico, porque elas chegam muito fragilizadas.

13

O Observatório da Violência contra a Mulher é um banco de dados do CRM.

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Então, as três demandas são: a solicitação das medidas protetivas, de orientação

jurídica, nesse sentido, o suporte psicológico, no sentido da profissional trabalhar

com ela: “A partir de agora, como é que eu vou fazer, né?!”. No sentido de estar se

reestruturando, de estar resignificando o ciclo da violência. O terceiro ponto é a

questão: “E agora? O que é que eu vou fazer? Fui casada, vivi maritalmente com

aquela criatura, tenho filhos!”. A questão dos alimentos e como é que vai ser

sustentar ela e o filho, depois da separação. (ENTREVISTADA 04)

A partir do relato da Entrevistada 04, no qual ela nos descreve sobre as principais

demandas atendidas no Centro de Referência, a mesma nos fala sobre “as solicitações das

medidas protetivas”, que são medidas que garantem a proteção, a integridade da mulher e de

seus dependentes, sendo também um grande avanço no enfrentamento da violência doméstica,

pois determina desde o afastamento do agressor até suspensão de visitas aos filhos. Essas

medidas podem ser solicitadas pela vítima e, em caso do descumprimento por parte do

agressor, deve-se entrar em contato imediatamente com a polícia; em seguida, procurar a

Defensoria Pública.

Outra demanda informada pela entrevistada é a questão da orientação jurídica e

do suporte psicológico, pois a partir do momento em que a mulher resolve romper com esse

ciclo, ela percebe que precisa de ajuda para superar a separação, a perda, pois a maioria delas

ainda mantém sentimentos “amorosos” com relação ao parceiro, como a esperança da

mudança de atitude dele, haja vista que muitas ainda gostam de seus companheiros.

Por fim, existe ainda a questão da condição econômica, do suporte financeiro.

Muitas mulheres quando se separam pensam logo nessa questão, mas através do

acompanhamento psicológico, com o apoio de familiares e amigos, pouco a pouco, as

mulheres vão resgatando sua autoconfiança e vão adquirindo forças para retomar sua vida, a

exemplo da realização de algum trabalho gerador de renda. Algumas recomeçam os estudos,

outras se profissionalizam, e dessa maneira passam a serem donas do próprio destino e da

própria vida.

Tomando por base os dados obtidos com relação aos atendimentos realizados no

equipamento, questionamos as profissionais sobre suas percepções com relação aos

sentimentos que essas mulheres apresentam e quais suas atitudes diante das agressões

sofridas. Obtivemos as seguintes respostas:

Elas sentem uma sensação de alívio, que elas podem estar contando coisas que elas

normalmente não contam pra ninguém, porque elas se fecham nesse mundo e é

muito difícil estar relatando isso, porque alguns não acreditam, outros acham que é

normal. Por vergonha, por se sentirem culpadas, já não é nem fácil falar e, de

repente, falar pra pessoas que você nunca viu na vida; e, de repente, chegam aqui e

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relatar, já dá uma sensação de alívio pelo fato de ter alguém que possa escutar e de

serem ajudadas. (ENTREVISTADA 02)

As mulheres normalmente não têm com quem compartilhar suas dores, pois a

violência doméstica, conforme já dito anteriormente, muitas vezes acontece no interior de

seus domicílios, de forma recorrente. Os familiares e amigos passam a não acreditar mais que

a mulher possa se desvencilhar dessa relação, por isso, abandonam-na ou sabem o que

acontece, mas escondem, por achar que isso é “normal”, que é “coisa de marido e mulher”,

preponderando ainda ditados jocosos como “em briga de marido e mulher ninguém mete a

colher” ou “pancada de amor não dói”.

Muitas delas se sentem rebaixadas, se preocupam com o vizinho, muitas dizem que

demoraram a vir porque não queria “dar o gostinho a minha vizinha de saber que na

minha casa acontece isso”. Muitas têm vergonha de conversar com a gente. Assim,

ao longo do atendimento a gente vai procurando a fala delas, mas muitas falam que

têm vergonha. (ENTREVISTADA 03)

Com relação ao que nos relatou a Entrevistada 03, quando cita que “não quero

dar o gostinho a minha vizinha”, a exposição da violência na vizinhança acaba sendo um dos

fatores que dificultam o enfrentamento do problema e que acaba por prolongar a permanência

dela e dos filhos em uma situação de violência.

Conforme nos afirma Einstein (s/d), “o mundo é um lugar perigoso de se viver,

não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam

o mal acontecer”. Qualquer pessoa pode fazer a denúncia através da Central de Atendimento à

Mulher – Ligue 180. Às vezes, a mulher é mantida refém, vive em cárcere privado, dentro de

casa e a única chance dessa situação começar a mudar é quando a sociedade começar a

denunciar.

De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, as ligações telefônicas

feitas à Central de Atendimento à Mulher são gratuitas e podem ser realizadas através de

qualquer telefone, seja ele móvel ou fixo, particular ou público (celular, telefone de casa, do

trabalho, orelhão). O serviço funciona vinte quatro horas por dia, durante sete dias por

semana, inclusive durante os finais de semana e feriados.

De acordo com o relato das entrevistadas, o sentimento predominante apresentado

pelas mulheres é a questão da fragilidade emocional e o acometimento de doenças advindas

com a permanência nessa situação. Foi citado também o alívio demonstrado ao saber que,

finalmente, podem contar com alguém, que existe uma rede de serviços que pode apoiá-las.

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A maioria delas se sente um lixo, que não são nada, feridas extremamente na sua

dignidade humana mesmo, que não são capazes de erguer a cabeça e seguir com a

autonomia da própria vida, tanto é que muitas se sujeitam a voltar para os agressores

por conta desse receio, dessa ruptura. Elas se sentem muito dependentes

afetivamente ainda em relação a eles, mais do que materialmente ou

financeiramente. (ENTREVISTADA 04)

Sabemos que os casos de violência física e até mesmo o femicídio tem início com

xingamentos, chantagens emocionais, ciúmes excessivos, tipos de agressão que, no início, não

demonstram ser tão graves; mas isso já é o começo do ciclo da violência.

Para muitas mulheres existe ainda o desejo da “família em harmonia”, mesmo que

para isso ocorram as agressões, e é nesse cenário que prevalece a dependência emocional,

econômica e afetiva, o que faz com que as mulheres acabem “perdoando” seus companheiros,

dando uma “segunda chance” e favorecendo para que estes retornem ao lar.

Com base nos relatos das entrevistadas, indagamos qual a concepção delas com

relação à visão que as mulheres usuárias possuem sobre o CRM como equipamento de

proteção para elas. E obtivemos as seguintes respostas para esse questionamento.

“Que bom que existe isso pra nós!”, elas relatam muito, que tem esse espaço, que

recebem elas super bem. Muitas relatam que outros ambientes não recebem elas tão

bem assim, como a Delegacia da Mulher, que é um espaço que é para receber,

abraçar a mulher. [...] Aqui elas se sentem seguras, trabalhamos com sigilo.

(ENTREVISTADA 02)

Muitas delas veem, assim, como uma salvação, como um apoio, porque aqui é uma

equipe multidisciplinar, que presta assessoria jurídica, psicológica e social. Então,

assim, muitas delas chegam aqui sem nada, sem ter nem pra onde ir, sem ter familiar

na cidade. Aí a gente dá encaminhamento a tudo isso, elas veem mesmo como um

apoio para superar a situação. (ENTREVISTADA 03)

Percebemos a partir das informações recebidas, que as usuárias confiam no

atendimento das profissionais do equipamento, mediante a realização das escutas, as

orientações, as possibilidades de abrigamentos, enfim ao apoio da rede. O CRM é um espaço

delas (usuárias), no qual os atendimentos são sigilosos, oferecendo segurança, esperança e

conforto a essas mulheres. Como foi mencionado pela Entrevistada 03, o Centro é visto como

um “lugar de salvação”, pois elas necessitam desse espaço, desse acolhimento. As mulheres

sempre voltam ao Centro, pois conforme mencionado anteriormente, o CRM trabalha também

com os retornos das mulheres, pois precisam manter o acompanhamento dos casos até o

rompimento final do ciclo, ao mesmo tempo, são mantidos os atendimentos de primeira vez.

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Conforme as informações acima prestadas pelas profissionais, questionamos

quanto à concepção que elas têm de como o CRM contribui e tem contribuído para o processo

de rompimento das situações de violência vivenciadas pelas mulheres usuárias deste serviço.

É mais nessa questão da mulher se descobrir como mulher, ou como mãe, como

pessoa, pra que elas possam vir de forma livre, de espontânea vontade, porque

muitas delas são tão fechadas no mundo, que o agressor quer que elas vivam [...].

Elas não conhecem o outro lado da vida, mostramos pra elas que nós estamos aqui

pra dar essa segurança pra elas, mostrar que elas têm os recursos também, têm a lei,

apesar de ter muita coisa a ser trabalhada para que ela sirva com mais vigor.

(ENTREVISTADA 02)

Tem contribuído de forma positiva, porque assim, a mulher que chega aqui é

atendida, é feito o primeiro atendimento, a gente avalia a situação da mulher, se é

caso de abrigamento ou não; e se não for, o atendimento não termina ali, ele é dado

continuidade, são feitos vários atendimentos, até que a mulher supere a situação de

violência sofrida ou pelo menos consiga se perceber vítima e não mais permanecer

na situação. (ENTREVISTADA 03)

É devido a esse acompanhamento sistemático, que o número de retornos é bem

maior que os atendimentos de primeira vez, conforme apresentado na tabela 1 disponibilizada

pelo Observatório de Violência contra a Mulher.

Segundo nos afirma Cavalcante (2012), em certos momentos as intervenções

passam a acontecer no sentido de fortalecer as ações de acompanhamentos, pois precisam

garantir que as mulheres darão continuidade as intervenções propostas no CRM, uma vez que

somente o primeiro atendimento não é estratégico para que as mulheres rompam com as

situações de violência.

Para finalizar as entrevistas, perguntamos as profissionais sobre suas opiniões

com relação à Política de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres em Fortaleza, desde

2005 até os dias atuais.

Melhorou bastante, porque assim [...], é uma boa rede de atendimento, além do

CRM tem o CERAM, que é o Centro do Estado que atende as mulheres que não

moram em Fortaleza, e, às vezes, até atendem algumas que residem em Fortaleza.

Tem o NUDEM, que é a Defensoria Pública Especializada da Mulher, tem a

Promotoria também, tem a DDM e tem outros órgãos que acabam atuando,

auxiliando a mulher, até mesmo o Movimento Feminista. (ENTREVISTADA 03)

[...] A gente não pode dizer que porque mudou de gestão [...] acabou com tudo.

Acabou que a Prefeita Luizianne Lins tinha instaurado a questão de trazer, de firmar

os equipamentos para as mulheres em situação de violência aqui em Fortaleza,

implantando uma Coordenadoria de Políticas Públicas para as Mulheres. A gente

não pode dizer que porque mudou a gestão mudou o olhar ideológico, que se acabou

com a Política. Não! O que foi que aconteceu? Pessoas sensíveis à causa, que

inclusive têm o histórico de trabalharem com a própria Luizianne na gestão anterior,

permaneceram e foi dado continuidade à Política. E aí, o que temos hoje? Temos os

equipamentos consolidados. Obviamente que passamos por algumas dificuldades

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[...]. A Política para as Mulheres não é uma política automantenedora, ou seja, ela

não tem recurso próprio, não tem fonte própria, vai depender muito; tem incentivo,

tem a Secretaria Nacional, mas vai depender muito da visão, do olhar do gestor

público. No caso, foi colocada dentro da Secretaria de Cidadania e Direitos

Humanos, só que a SCDH é recente, de 2009, ela também não tem fonte própria.

Então assim, essa fonte veio a partir da Fundação da Criança e da Família Cidadã

que já existe há muitos anos em Fortaleza, mas o que acontece: há a boa vontade, ela

tá se consolidando, tá crescendo, então a gente tem ganhos. Nesses anos de 2005 pra

cá, a gente não pode dizer que voltou atrás, que retroagiu, os dois equipamentos

foram institucionalizados, antes não eram. Então, houve esse avanço, nós estamos

em processo de consolidação ainda, desde 2005, das Políticas Afirmativas para as

Mulheres aqui em Fortaleza. Por que tanta demora? [...] Porque a Política para as

Mulheres é uma política afirmativa e não tem fonte própria, depende muito do olhar

do gestor, e o que facilitaria muito a nossa vida é se tivesse uma fonte específica,

como a saúde tem e como os fundos Federal, Estadual e Municipal têm da Saúde e a

Assistência Social também. No caso de políticas para mulheres, que é uma política

intersetorial que perpassa por todas as áreas, não existe uma fonte própria, por isso

que é um processo lento. Mas tivemos avanços, como a institucionalização dos dois

equipamentos Casa Abrigo Margarida Alves e o Centro de Referência Francisca

Clotilde. (ENTREVISTADA 04)

A entrevistada 04 relata os avanços que foram alcançados no tocante às Políticas

Públicas para as Mulheres. Refere-se às Políticas Afirmativas ou Ações Afirmativas que são

políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos

discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente. Trata-se

de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de

gênero ou de casta, aumentando a participação dessas populações no processo político, no

acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no

reconhecimento cultural. Cita a regulamentação do Centro Francisca Clotilde e da Casa

Abrigo Margarida Alves. De acordo com Zaranza, Gaspar & Maciel (2008, p. 83),

[...] a casa abrigo é um equipamento que oferece moradia segura e protegida e

atendimento integral e multiprofissional a mulheres em situação de violência

doméstica e familiar, que se acham sob risco de morte iminente e que não têm um

lugar para onde ir. É um serviço sigiloso e temporário, onde as mulheres poderão

permanecer por um período determinado, junto com seus(suas) filhos(as) menores

de idade, a fim de reunir condições necessárias para retornar o curso de suas vidas,

rompendo com o ciclo da violência.

No entanto, apesar de todos os avanços conquistados, a supracitada entrevistada

relata os desafios, como a questão do financiamento próprio e contínuo via fundo de políticas

públicas específico, além da fragilização quanto às denúncias por parte da população.

O Brasil, do ponto de vista legal, teve um avanço considerável em Políticas

Públicas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com o surgimento da Lei Maria da

Penha. Entretanto, ainda existem incontáveis desafios para confrontarmos, a fim de

desmistificar a simbologia do patriarcado que ainda se encontra muito presente em nossa

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sociedade. É preciso compromisso e interesse por parte dos gestores para o cumprimento das

legislações que garantem à mulher vítima de violência, a preservação de sua integridade e a

oficialização da garantia dos seus direitos.

Veremos a seguir os dados consolidados, obtidos no Observatório Francisca

Clotilde, contendo as demandas dos casos de atendimentos de primeira vez, assim como os

retornos, que acabam se tornando o foco do trabalho das profissionais que compõem o CRM.

4.5 Os dados do Observatório: demandas das mulheres atendidas (retornos e

atendimentos de primeira vez)

Na ocasião das visitas realizadas ao Centro de Referência Francisca Clotilde,

tivemos acesso aos dados fornecidos pelo Observatório de Políticas para as Mulheres – CRM,

no qual fica evidente a quantidade de mulheres que procuram o atendimento, entre as mais

diversas denúncias de violação de direitos. Foi observado também, que a quantidade de

retornos é bem maior que a quantidade de atendimentos de primeira vez e, ao questionar sobre

essa divergência, soubemos que esse fato se deve ao acompanhamento que o Centro de

Referência tem que manter junto à mulher até o rompimento total do ciclo.

O Observatório da Violência contra a Mulher desempenha suas atividades dentro

do Centro de Referência Francisca Clotilde desde o início de seu funcionamento, pois é

através desse dispositivo que é realizada a sistematização dos registros das informações

fornecidas pelas mulheres. As outras informações são coletadas a partir dos prontuários,

depois que passam pelas profissionais, pois a partir deste é possível a visualização do restante

das informações necessárias, e assim obter o essencial sobre o quantitativo da violência

perpetrada pelas mulheres atendidas pelo Centro, para a alimentação deste banco de dados.

De acordo com os dados fornecidos pelo Observatório de Políticas para as

Mulheres – CRM, no período de 2006 a maio de 2014 foram registrados um total de 11.504

atendimentos, dos quais 3.299 foram os de primeira vez e 8.205 foram retornos.

As demandas pelo Disk 0800, no período de 2007 a 2013, totalizaram 335

denúncias, sendo assim distribuídas: 2007 – 130 denúncias; 2008 – 81 denúncias; 2009 – 62

denúncias; 2010 – 31 denúncias; 2011 – 12 denúncias, 2012 – 13 denúncias e 2013 – 06

denúncias.

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DADOS GERAIS

Ano Total de mulheres atendidas pela 1ª Vez Retorno

Total de Atendimentos Não é Perfil CRM-FC Demanda Reprimida

2006 (1) 805 810 1615 30 -

2007(2) 653 863 1516 15 -

2008(3) 428 941 1369 12 -

2009(4) 492 1835 2327 3 -

2010(5) 281 1246 1527 3 -

2011(6) 167 883 1050 7 -

2012(7) 190 718 908 4 -

2013(8) 214 715 929 16 16

2014(9) *Atualizado até Maio) 69 194 263 8 19

Total de Atendimentos 3299 8205 11504 98 35

Tabela 1 - Dados de atendimentos do CRM

Fonte: Observatório da Violência contra a Mulher – CRM, 2014.

É notável, através dos dados obtidos, a quantidade do número de atendimentos no

CRM, visto que já no ano de sua criação tiveram 805 mulheres que procuraram o Centro para

atendimento de primeira vez, evidenciando com isso, que as mulheres já necessitavam a muito

tempo desse suporte, superando as expectativas iniciais. Já no que se diz respeito aos

atendimentos dos anos seguintes, houve uma diminuição na quantidade destes se

compararmos ao ano de sua implantação até o período de 2008, durante a gestão da ex-

prefeita Luizianne Lins.

Segundo informações da Secretaria de Políticas para as Mulheres, com o

surgimento da Lei Maria da Penha não houve diminuição nos casos de violência contra as

mulheres. No entanto, houve um crescente número de denúncias através do Disk 0800

(Disque Denúncia), no qual qualquer pessoa pode fazer essa ligação, não precisando se

identificar.

Com relação à tabela dos tipos de violência, podemos identificar que a violência

psicológica continua a ser a mais recorrente, seguida da violência física e moral. No entanto,

em 2006, os casos de violência física são maiores que àqueles de violência psicológica.

Notemos que em 2006, que foi o ano de implantação da Lei Maria da Penha, o índice de

violência física ainda era maior que os dados referentes à violência psicológica. Após o

surgimento da Lei, esses dados se invertem, aumentando os registros de violência psicológica,

tendo, com isso, uma ampliação da visão da população usuária acerca do fenômeno da

violência contra as mulheres, a qual extrapola a violência física.

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Tabela 2 - Tipos de Violência

Fonte: Observatório da Violência contra a Mulher – CRM, 2014.

Podemos perceber através das tabelas 1 e 2, que é crescente e constante a

quantidade de mulheres que ainda sofrem violência por parte de seus companheiros, dentro do

local que deveria ser, para ela, o mais seguro, pois configura a imagem do “lar”. Entretanto, é

no interior deste que ocorrem tais violações de direitos. As mulheres atendidas no CRM têm a

necessidade de fortalecer sua autonomia, sendo ela afetiva ou financeira, para que dessa forma

possam conseguir romper o ciclo da violência.

Com essa pesquisa e por meio dos dados cedidos pelo Observatório, aliados aos

resultados obtidos com as entrevistas realizadas com as profissionais, percebe-se o aumento

do nível de conscientização das mulheres acerca dos maus tratos sofridos, bem como a

potencialização de suas lutas pela efetivação de seus direitos, de sua cidadania, sobretudo

quando resolvem denunciar, e do enfrentar o ciclo da violência. Isso possibilita a retomada de

suas vidas e a autodeterminação de suas atitudes.

SEGMENTO: TIPOS DE VIOLÊNCIA

Tipos de Violência 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 TOTAL

Física 506 315 147 192 127 123 114 203 58 1785

Psicológica 479 420 220 288 200 152 203 356 69 2387

Moral 202 245 182 273 174 134 130 281 53 1674

Sexual 51 34 58 47 29 29 43 91 21 403

Patrimonial 3 49 35 154 90 68 70 158 25 652

Urbana Sexual - - - - 3 3 3 2 1 12

Exploração Sexual

- - - - - - - 1 1 2

Tráfico de Mulheres

- - - - - - - 1 1 2

Não caracteriza violência

doméstica 43 55 12 3 7 3 4 2 0 129

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Violência Doméstica contra a mulher é fruto das relações desiguais entre os

sexos e estão interligadas com as formas de educação das crianças. Ainda percebemos a

diferenciação na forma de socialização das crianças, na qual os meninos aprendem aspectos

culturalmente vinculados à “superioridade”, aos ideais de masculinidade e virilidade. Já as

meninas aprendem comportamentos referentes ao cuidado e à delicadeza.

Essa expressão da questão social, historicamente foi considerada um problema da

vida privada e vista de forma naturalizada. Assim, a sociedade se omitia diante dos fatos e o

Estado não intervia por achar que esse tipo de questão não era de sua competência.

No entanto, nas últimas décadas, esse tema tem ganhado visibilidade na

sociedade, no meio acadêmico e no âmbito profissional. Um dos fatores que impulsionaram

esta abertura foi a luta dos movimentos sociais, sobretudo dos movimentos de mulheres e

feministas, que construíram uma agenda de reivindicações em torno do tema e pressionaram o

Estado a implementar políticas públicas, bem como a criar legislações para proteger as

mulheres diante desse tipo de violação de direitos.

Ressaltamos que quando iniciamos a supracitada pesquisa sobre violência

doméstica tínhamos uma visão reducionista sobre o tema, e achávamos que o único

dispositivo legal que existia era a Lei Maria da Penha. A partir deste trabalho, percebemos

que existem as políticas públicas destinadas a essas mulheres, bem como a luta histórica do

movimento de mulheres.

Neste estudo buscamos, por meio dos depoimentos das profissionais do Centro de

Referência Francisca Clotilde em Fortaleza, compreender melhor o fenômeno da violência

doméstica contra as mulheres, tendo como foco a contribuição desse serviço no rompimento

dos ciclos de violência.

Dentre os resultados parcialmente atingidos, em vista que essa pesquisa não tem o

alcance de esgotar os processos de análise acerca do tema, destacamos que, para as

profissionais do CRM, o conceito de violência está pautado no que está descrito na Lei Maria

da Penha, ou seja, qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,

sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial.

Dentre as principais demandas atendidas pelo Centro de Referência podemos

destacar a busca das medidas protetivas, a orientação jurídica, o suporte psicológico e a

preocupação com o “sustento” financeiro dos filhos.

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Ainda de acordo com as profissionais, já foram alcançados muitos avanços em

relação à Política de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres em Fortaleza. No entanto,

apesar de todos os avanços, ainda existem muitos desafios, como é o caso de um melhor

funcionamento da rede de atendimento e a falta de denúncia por parte da população.

Através do contato com as entrevistadas, tive a oportunidade de ampliar

conhecimentos sobre violência doméstica contra as mulheres, políticas públicas para as

mulheres, e as principais necessidades das mulheres que sofrem com essa questão.

Compreendemos melhor os sentimentos e as determinações socio-históricas que acabam

“acorrentando” essas mulheres a relacionamentos desgastantes, assim como dificuldades

existentes para a realização deste trabalho, no tocante as condições de trabalho das

profissionais, e os limites de atuação da rede de atendimento.

Verificamos, também, o comprometimento das profissionais que compõem o

Centro de Referência Francisca Clotilde, que lutam por melhores condições de atendimento,

visando o enfrentamento e o fim da violência doméstica contra as mulheres, assim como

almejam que as mulheres adquiram sua autonomia afetiva e financeira e não mais

“dependam” de seus agressores.

É preciso compromisso e interesse por parte dos gestores, com o propósito de

garantir o cumprimento das legislações que asseguram os direitos de atendimento e

acompanhamento às mulheres em situação de violência, bem como de seus filhos. Para isso,

faz-se necessário a destinação de recursos financeiros específicos para tal fim.

É necessário ainda, que a sociedade civil se sensibilize cada vez mais com essa

temática, para que haja uma quebra de paradigmas culturais, sobretudo daqueles que

subordinam as mulheres às relações de poder que as oprimem.

Em meio as nossas leituras bibliográficas, documentais, das próprias legislações, e

mediante a riqueza encontrada no nosso trabalho de campo, conforme os relatos das

entrevistadas, acreditamos que os desafios ainda são muitos no que diz respeito à garantia dos

direitos das mulheres. Como relatou a Entrevistada 04: “se tivéssemos uma fonte própria seria

mais fácil e mais digno acolher e trabalhar com as mulheres, pois custa caro para o Estado o

abrigamento e as intervenções que por ventura essa usuária necessite”.

Creio que através de iniciativas públicas de melhoria dos equipamentos, de

valorização das profissionais, da conscientização permanente da sociedade e do

funcionamento eficaz da rede de atendimento, possamos realmente enfrentar a violência

doméstica contra as mulheres e seus agravos.

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Diante do exposto, este tem sido um tema atual e relevante no âmbito da atuação

profissional do Assistente Social, uma vez que demandas relacionadas a esse fenômeno

aparecem nos mais variados espaços socio-ocupacionais. A complexidade dessa expressão da

questão social exige estarmos antenados com o tempo presente, no sentido de darmos

respostas efetivas e comprometidas com os direitos humanos, em específico, das mulheres.

Isso reforçará o nosso comprometimento com o projeto ético-político em curso no âmbito da

nossa categoria profissional.

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70

APÊNDICES

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Pesquisadora

Eu, FRANCIANA RODRIGUES DA CUNHA, estou realizando a pesquisa intitulada:

“AS CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE

PARA O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM

FORTALEZA: OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS PROFISSIONAIS”, que tem

como objetivo analisar as concepções dos/as profissionais do CRM para o processo de ruptura

da violência domestica contra as mulheres.

Para a realização desta pesquisa, conto com a sua participação, pois preciso que responda as

perguntas a serem realizadas sob a forma de questionário estruturado.

O (A) Sr (a). não terá custo algum ou quaisquer compensações financeiras, assim como

não haverá nenhum risco relacionada à sua participação, assim como não sofrerá qualquer

prejuízo se não aceitar ou se desistir após ter iniciado a pesquisa. Sua identidade não será

revelada, serão guardados com total confidencialidade e os dados coletados serão utilizados

somente para os fins da pesquisa.

Se o (a) Sr. (a). concordar participar da pesquisa, deverá preencher e assinar o Termo de

Consentimento Pós-esclarecido que segue, e receberá uma cópia deste termo onde consta o e-

mail do pesquisador responsável, podendo tirar as suas dúvidas sobre o projeto e sua

participação, agora ou a qualquer momento.

Desde já agradecemos!

Pesquisadora: Franciana Rodrigues da Cunha, graduanda em Serviço Social pela

FACULDADE CEARENSE – FaC

E-mail: [email protected]

Orientadora: Socorro Letícia Fernandes Peixoto

E-mail: [email protected]

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APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Pesquisado

Eu, _____________________________________________________________, declaro que

após ter realizado uma leitura minuciosa do TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO, sobre minha participação na pesquisa intitulada: “AS

CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE

PARA O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM

FORTALEZA: OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS” na qual tive oportunidade de ser

esclarecida sobre a finalidade e os objetivos desta pesquisa, bem como sobre a utilização das

informações exclusivamente para fins científicos e de que meu nome não será divulgado,

podendo, ainda, retirar meu consentimento a qualquer momento, não restando quaisquer

dúvidas a respeito do lido e explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO em participar voluntariamente da pesquisa.

Declaro que recebi cópia do presente Termo de Consentimento e por estar de acordo, assina o

presente termo.

Fortaleza-Ce, _______ de ___________________ de _______

______________________________________

Assinatura do entrevistado

______________________________________

Assinatura do pesquisador

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APÊNDICE C - Questionário

AS CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE PARA

O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM FORTALEZA:

OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS PROFISSIONAIS

DADOS PESSOAIS:

1. Nome:

2. Idade:

3. Estado Civil:

4. Formação:

5. Tempo de trabalho no CRM?

6. Esta é sua primeira experiência de trabalho com mulheres em situação de violência?

( ) Sim.

( ) Não. Se não, onde você já trabalhou anteriormente? Quanto tempo?

OBJETO DE ESTUDO:

7. Defina violência contra a mulher.

8. Quais são as principais demandas das mulheres que se apresentam para o CRM? Cite três.

9. Como você acha que as mulheres usuárias deste serviço se sentem e quais suas principais

atitudes diante das agressões sofridas?

10. Na sua concepção, qual a visão que as mulheres usuárias possuem sobre o Centro como

equipamento de proteção para elas?

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11. Como o CRM tem contribuído para o processo de rompimento das situações de violência

vivenciadas pelas mulheres usuárias deste serviço?

12. Em sua opinião, como você vê a política de enfrentamento a violência contra as mulheres

em Fortaleza de 2005 até os dias atuais?

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ANEXOS

ANEXO A – Dados do Centro de Referência Francisca Clotilde

Coordenadoria de Políticas Para as Mulheres

Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca

Clotilde

DADOS GERAIS

Ano

Total de

mulher

atendidas pela

1ª Vez Retorno

Total de

Atendimentos

Não é Perfil

CRM-FC

Demanda

Reprimida

2006 (1) 805 810 1615 30 -

2007(2) 653 863 1516 15 -

2008(3) 428 941 1369 12 -

2009(4) 492 1835 2327 3 -

2010(5) 281 1246 1527 3 -

2011(6) 167 883 1050 7 -

2012(7) 190 718 908 4 -

2013(8) 214 715 929 16 16

2014(9)

*Atualizado até

Maio) 69 194 263 8 19

Total de

Atendimentos 3299 8205 11504 98 35

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MULHERES LÉSBICAS EM SITUAÇÃO DE

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ATENDIDAS

PELO CRM 2006 À 2013

Ano MÊS TOTAL

2011

Fevereiro e

Março 2

2012 Novembro 1

TOTAL

GERAL 3

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ANEXO B – Dados do Centro de Referência Francisca Clotilde

DADOS GERAIS

Ano

Total de

mulher

atendidas

pela 1ª

Vez Retorno

Total de

Atendime

ntos

Não é

Perfil

CRM-

FC

Demand

a

Reprimi

da

2006 (1) 805 810 1615 30 -

2007(2) 653 863 1516 15 -

2008(3) 428 941 1369 12 -

2009(4) 492 1835 2327 3 -

2010(5) 281 1246 1527 3 -

2011(6) 167 883 1050 7 -

2012(7) 190 718 908 4 -

2013(8) 214 715 929 16 16

2014(9)

*Atualizad

o até Maio) 69 194 263 8 19

Total de

Atendimen

tos 3299 8205 11504 98 35

SEGMENTO: ATENDIMENTO 0800

Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012

201

3

T

O

TA

L

Denúncias

130 81 62 31 12 13 6 33

5

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SEGMENTO: MULHERES ATENDIDAS POR REGIONAL

Ano SER I SER II SER III SER IV SER V SER VI

RE

GI

ÃO

ME

TR

OP

OL

IT

AN

A

O

UT

R

OS

ES

TA

D

OS

O

IDE

NTI

FIC

AD

O

SITUA

ÇÃO

DE

RUA TOTAL

2006 (1) 112 66 103 91 209 164 21 0 8 1 805

2007(2) 105 50 95 88 178 101 17 0 4 0 653

2008(3) 61 39 62 60 106 71 7 1 9 - 428

2009(4) 61 50 89 60 128 72 13 - 16 - 492

2010(5) 31 33 38 31 83 43 6 1 12 - 281

2011(6) 30 19 24 18 35 31 8 - 2 - 167

2012(7) 29 27 25 24 29 39 12 1 3 1 190

2013(8) 30 19 29 27 56 45 5 1 - 2 214

2014(9)

*Atualizad

o até Maio) 10 12 8 11 15 11 1 1 0 0 69

Total de

Atendimen

tos 459 303 465 399 824 566 89 4 54 4 3299

MULHERES LÉSBICAS EM

SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA ATENDIDAS

PELO CRM 2006 À 2013

Ano MÊS TOTAL

2011

Fevereiro

e Março 2

2012

Novembr

o 1

TOTAL

GERAL 3

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SEGMENTO: TIPOS DE VIOLÊNCIA

Tipos de

Violência 2006 2007 2008 2009 2010 2011

201

2

20

13 2014 TOTAL

Física

506 315 147 192 127 123 114

20

3 58 1785

Psicológica

479 420 220 288 200 152 203

35

6 69 2387

Moral

202 245 182 273 174 134 130

28

1 53 1674

Sexual 51 34 58 47 29 29 43 91 21 403

Patrimonia

l 3 49 35 154 90 68 70

15

8 25 652

Urbana

Sexual - - - - 3 3 3 2 1 12

Exploração

Sexual - - - - - - - 1 1 2

Tráfico de

Mulheres - - - - - - - 1 1 2

Não

caracteriza

violência

doméstica 43 55 12 3 7 3 4 2 0 129

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ANEXO C – Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER E DA CIDADÃ - 1791

Este documento foi proposto à Assembleia Nacional da França, durante a Revolução Francesa (1789-1799).

Marie Gouze (1748-1793), a autora, era filha de um açougueiro do Sul da França, e adotou o nome de Olympe

de Gouges para assinar seus panfletos e petições em uma grande variedade de frentes de luta, incluindo a

escravidão, em que lutou para sua extirpação. Batalhadora, em 1791 ela propõe uma Declaração de Direitos da

Mulher e da Cidadã para igualar-se à outra do homem, aprovada pela Assembléia Nacional. Girondina, ela se

opõe abertamente a Robespierre e acaba por ser guilhotinada em 1793, condenada como contra revolucionária

e denunciada como uma mulher "desnaturada".

PREÂMBULO

Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em uma

assembleia nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da

mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem

expor em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher.

Assim, que esta declaração possa lembrar sempre, a todos os membros do corpo social seus

direitos e seus deveres; que, para gozar de confiança, ao ser comparado com o fim de toda e

qualquer instituição política, os atos de poder de homens e de mulheres devem ser

inteiramente respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios simples

e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre respeitar a constituição, os bons

costumes e o bem estar geral.

Em consequência, o sexo que é superior em beleza, como em coragem, em meio aos

sofrimentos maternais, reconhece e declara, em presença, e sob os auspícios do Ser Supremo,

os seguintes direitos da mulher e da cidadã:

Artigo 1º

A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser

baseadas no interesse comum.

Artigo 2º

O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis da mulher e

do homem Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a

resistência à opressão.

Artigo 3º

O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que é a união da mulher e do

homem nenhum organismo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não provenha

expressamente deles.

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Artigo 4º

A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o

único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem,

deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão.

Artigo 5º

As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações nocivas à sociedade. Tudo aquilo que

não é proibido pelas leis sábias e divinas não pode ser impedido e ninguém pode ser

constrangido a fazer aquilo que elas não ordenam.

Artigo 6º

A lei deve ser a expressão da vontade geral. Todas as cidadãs e cidadãos devem concorrer

pessoalmente ou com seus representantes para sua formação; ela deve ser igual para todos.

Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais aos olhos da lei devem ser igualmente admitidos a

todas as dignidades, postos e empregos públicos, segundo as suas capacidades e sem outra

distinção a não ser suas virtudes e seus talentos.

Artigo 7º

Dela não se exclui nenhuma mulher. Esta é acusada presa e detida nos casos estabelecidos

pela lei. As mulheres obedecem, como os homens, a esta lei rigorosa.

Artigo 8º

A lei só deve estabelecer penas estritamente e evidentemente necessárias e ninguém pode ser

punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e

legalmente aplicada às mulheres.

Artigo 9º

Sobre qualquer mulher declarada culpada a lei exerce todo o seu rigor.

Artigo 10

Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo de princípio. A mulher tem o direito

de subir ao patíbulo, deve ter também o de subir ao pódio desde que as suas manifestações

não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei.

Artigo 11

A livre comunicação de pensamentos e de opiniões é um dos direitos mais preciosos da

mulher, já que essa liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos. Toda

cidadã pode então dizer livremente: "Sou a mãe de um filho seu", sem que um preconceito

bárbaro a force a esconder a verdade; sob pena de responder pelo abuso dessa liberdade nos

casos estabelecidos pela lei.

Artigo 12

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É necessário garantir principalmente os direitos da mulher e da cidadã; essa garantia deve ser

instituída em favor de todos e não só daqueles às quais é assegurada.

Artigo 13

Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração, as contribuições da

mulher e do homem serão iguais; ela participa de todos os trabalhos ingratos, de todas as

fadigas, deve então participar também da distribuição dos postos, dos empregos, dos cargos,

das dignidades e da indústria.

Artigo 14

As cidadãs e os cidadãos têm o direito de constatar por si próprios ou por seus representantes

a necessidade da contribuição pública. As cidadãs só podem aderir a ela com a aceitação de

uma divisão igual, não só nos bens, mas também na administração pública, e determinar a

quantia, o tributável, a cobrança e a duração do imposto.

Artigo 15

O conjunto de mulheres igualadas aos homens para a taxação tem o mesmo direito de pedir

contas da sua administração a todo agente público.

Artigo 16

Toda sociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes

determinada, não tem Constituição. A Constituição é nula se a maioria dos indivíduos que

compõem a nação não cooperou na sua redação.

Artigo 17

As propriedades são de todos os sexos juntos ou separados; para cada um deles elas têm

direito inviolável e sagrado. Ninguém pode ser privado delas como verdadeiro patrimônio da

natureza, a não ser quando a necessidade pública, legalmente constatada o exija de modo

evidente e com a condição de uma justa e preliminar indenização.

CONCLUSÃO

Mulher, desperta. A força da razão se faz escutar em todo o Universo. Reconhece teus

direitos. O poderoso império da natureza não está mais envolto de preconceitos, de

fanatismos, de superstições e de mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da

ignorância e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças e teve necessidade de

recorrer às tuas, para romper os seus ferros. Tornando-se livre, tornou-se injusto em relação à

sua companheira.

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ANEXO D – Decreto nº13.102

DECRETO Nº 13.102 DE 05 DE ABRIL DE 2013.

CRIA O CENTRO DE REFERÊNCIA E ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO

DE VIOLÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE.

ROBERTO CLÁUDIO RODRIGUES BEZERRA, Prefeito do Município de Fortaleza,

usando as atribuições que lhe são conferidas por lei, DECRETA:

Art. 1º Fica criado o Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência

Francisca Clotilde, vinculado à Coordenadoria de Políticas para as mulheres, unidade

administrativa da Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos, com o objetivo de

prestar atendimento multiprofissional às mulheres em situação de violência.

CAPÍTULO I

DAS ATRIBUIÇÕES

Art. 2º São atribuições do Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de

Violência Francisca Clotilde:

I - fornecer assistência direta e multiprofissional às mulheres em situação de violência nas

áreas social, psicológica, jurídica e educativa;

II - acolher, atender e acompanhar as mulheres em situação de violência doméstica, familiar,

sexual e vítimas do tráfico de pessoas;

III - orientar e encaminhar as mulheres referidas no inciso II deste artigo aos serviços da rede

de atendimento às mulheres em situação de violência e às demais políticas setoriais existentes,

conforme a demanda apresentada;

IV - encaminhar as mulheres em situação de iminente risco de morte em razão da violência

domestica e familiar aos abrigos sigilosos, quando necessário e mediante prévia avaliação de

risco;

V - realizar ações educativas de prevenção e enfretamento à violência contra a mulher;

VI - elaborar diagnóstico da violência contra as mulheres atendidas no equipamento;

VII - articular, por intermédio da Coordenadoria de Políticas para as mulheres, formação

continuada em violência contra a mulher para profissionais do serviço.

Art. 3º O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em situação de violência Francisca

Clotilde disporá de serviços de Disque-Denúncia para atender e orientar as mulheres, sendo-

lhes assegurada gratuidade, celeridade e sigilo no atendimento.

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CAPÍTULO II

DA COMPOSIÇÃO

Art. 4º O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca

Clotilde disporá de equipe multiprofissional para atendimento às mulheres em situação de

violência, disposta da seguinte forma:

I - Coordenação, composta pela Coordenadora e Coordenadora Adjunta;

II - Equipe Técnica, composta por assistentes sociais, psicólogas, advogadas e educadoras

sociais;

III - Administrativo, composta por profissionais da área administrativa, serviços gerais,

cozinheira e motorista;

IV - Segurança, composta por profissionais da Guarda Municipal de Fortaleza e segurança

armada, pública ou privada.

CAPÍTULO III

DO FUNCIONAMENTO

Art. 5º O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em situação de Violência Francisca

Clotilde funcionará nos dias úteis de 08:00h às 20:00h e aos finais de semana e feriados de

08:00h às 18:00h.

CAPÍTULO IV

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 6º As despesas com a execução deste Decreto correrão por conta das Dotações

Orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.

Parágrafo Único - Enquanto a unidade ora criada não dispuser, na forma da lei, de

infraestrutura própria, caberá à Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos, em

parceria com as demais secretarias, órgãos e autarquias da Prefeitura Municipal de Fortaleza,

implementar, na medida de suas possibilidades, os recursos materiais e humanos

indispensáveis ao desenvolvimento dos objetivos definidos neste Decreto.

Art. 7º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em

contrário.

PAÇO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, aos 05 dias do mês de abril de

2013.

Roberto Cláudio Rodrigues Bezerra

PREFEITO MUNICIPAL DE FORTALEZA

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ANEXO E – Lei nº13.925

LEI Nº 13.925, DE 26.07.07 (D.O. DE 31.07.07) Cria os Juizados de Violência Doméstica

e Familiar contra a Mulher nas Comarcas de Fortaleza e de Juazeiro do Norte e dá

outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ

Faço saber que a Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Ficam criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,

com competência cível e criminal, de jurisdição especial, nas Comarcas de Fortaleza e de

Juazeiro do Norte, para o fim específico de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar

contra a mulher.

Parágrafo único. Aos juízes titulares das Unidades Judiciárias criadas por este artigo,

compete processar, julgar e executar os feitos cíveis e criminais decorrentes da prática de

violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Federal nº. 11.340, de 7 de

agosto de 2006.

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a

mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento

físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio

permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente

agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos

que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade

expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha

convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de

orientação sexual.

Art. 3º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de

violação dos direitos humanos.

Art. 4º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou

saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano

emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno

desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e

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decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,

vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e

limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde

psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a

presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação,

ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo,

a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao

matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou

manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure

retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,

documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os

destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,

difamação ou injúria.

Art. 5º O art. 106 da Lei Estadual nº. 12.342, de 28 de julho de 1994, que instituiu o

Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará, passa a ter a seguinte

redação:

“Art. 106. Na Comarca de Fortaleza haverá 127 (cento e vinte e sete) Juízes de

Direito com jurisdição na área territorial do dito município, atribuições e competências

definidas neste Código, titulares das seguintes Varas ordinalmente dispostas:

XVII - 1 (um) Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.”

Art. 6º Ficam acrescentadas a letra “e” ao inciso I e a letra “d” ao inciso II do art. 100

da Lei nº. 12.342, de 28 de julho de 1994, com as seguintes redações:

“Art. 100. [...]

I - [...]

e - para o efeito de substituição, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher será considerado como a última vara, entre as existentes na comarca, sendo a

penúltima onde existir Juizado Especial Cível e Criminal.”

II - [...]

d - o titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher será

substituído de acordo com o disposto na letra “c” do inciso I deste artigo, sendo considerada

como última vara, dentre as especializadas, conforme o feito seja de natureza cível ou

criminal.

Art. 7º Em virtude da criação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher nas Comarcas de Fortaleza e de Juazeiro do Norte, ficam criados os seguintes cargos

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na estrutura do Poder Judiciário do Estado do Ceará, com lotação, exclusivamente, nessas

Unidades, de acordo com as respectivas entrâncias:

I - 1 (um) cargo de Juiz de Direito de Entrância Especial;

II - 1 (um) cargo de Juiz de Direito de 3ª. Entrância;

III - 1 (um) cargo, de provimento não efetivo, de Diretor de Secretaria de Entrância

Especial, símbolo DNS-3;

IV - 1 (um) cargo, de provimento não efetivo, de Diretor de Secretaria de 3ª Entrância,

símbolo DAS-1;

V - 1 (um) cargo de provimento efetivo de Analista Judiciário de Entrância Especial,

referência AJ-32;

VI - 1 (um) cargo de provimento efetivo de Analista Judiciário de 3ª Entrância,

referência AJ-32;

VII - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça Avaliador de

Entrância Especial, referência AJ-23;

VIII - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça Avaliador de 3ª

Entrância, referência AJ-23;

IX - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Analista Judiciário Adjunto de Entrância

Especial, referência AJ-23;

X - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Analista Judiciário Adjunto de 3ª

Entrância, referência AJ-23;

XI - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Técnico Judiciário de Entrância

Especial, referência AJ-18;

XII - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Técnico Judiciário de 3ª Entrância,

referência AJ-18;

Art. 8º Em face da necessidade de criação de uma equipe de atendimento

multidisciplinar junto a cada Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,

conforme previsto na Lei Federal nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, ficam igualmente

criados os seguintes cargos no Quadro III – Poder Judiciário do Estado do Ceará:

I – 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Assistente Social, referência AJ-32;

II – 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Psicólogo, referência AJ- 32.

§ 1º Os cargos criados por este artigo integrarão a lotação dos Juizados de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher, sendo um de Assistente Social e um de Psicólogo para

a Comarca de Fortaleza e os outros para a, de Juazeiro do Norte.

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§ 2º O Tribunal de Justiça, mediante Provimento, regulamentará as atribuições e

funcionamento da equipe de atendimento multidisciplinar composta pelos ocupantes

dos cargos criados no caput deste artigo.

Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 10. Revogam-se as disposições em contrário.

PALÁCIO IRACEMA, DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, em

Fortaleza, 26 de julho de 2007.

Cid Ferreira Gomes

GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ

Iniciativa: Tribunal de Justiça