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Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres - CEPD BOLETIM DE ADMINISTRAÇÃO DE DESASTRES Novembro/2006 - Ano 1 Número 01 1

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Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres - CEPD BOLETIM DE ADMINISTRAÇÃO DE DESASTRES – Novembro/2006 - Ano 1 Número 01

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Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres - CEPD BOLETIM DE ADMINISTRAÇÃO DE DESASTRES – Novembro/2006 - Ano 1 Número 01

O BOLETIM DE ADMINISTRAÇÃO DE DESASTRES é uma publicação do Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres subordinado à Defesa Civil da Cidade do Rio de Janeiro. Tem por objetivo divulgar conhecimentos técnicos e históricos relativos à administração de desastres. Destina-se às autoridades públicas em geral e aos profissionais da área.

SUMÁRIO

Expediente..........................................................pág. 1 Palavras do Coordenador do CEPD ................. pág. 1 Editorial – CEPD: Uma Visão de Futuro............pág. 2 Técnico – Engenharia de desastre ....................pág. 3 Teoria – Liderança Municipal ............................pág. 6 Livros, revistas e filmes.....................................pág. 7 Transcrições...................................................... pág. 7 Palestra de Lançamento.................................... pág. 8 Diálogo.............................................................. pág. 19

Palavras do Coordenador do CEPD.

A Prefeitura do Rio, consciente da responsabilidade de sua Defesa Civil com o cidadão carioca, criou o Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres.

Seu objetivo é atuar como órgão de pesquisa e planejamento estratégico visando prevenir desastres ou mesmo minimizar suas conseqüências quando sua ocorrência for inevitável.

O CEPD veio de encontro a uma série de necessidades que se mostravam cada vez mais evidentes, principalmente numa cidade como o Rio de Janeiro.

Independente da importância da pesquisa para evolução de qualquer serviço ou tecnologia, é fato que os desafios do século XXI são enormes para a Defesa Civil. Os desastres vêm se tornando progressivamente mais complexos e onerosos para os cofres públicos e privados, além de expor populações cada vez mais numerosas ao risco.

A Organização das Nações Unidas reconhece a complexidade do problema e a necessidade de buscar respostas profissionais compatíveis com as necessidades decorrentes dos desafios mencionados.

O CEPD conta com profissionais experientes, imbuídos do espírito de inovar na busca de soluções específicas para as necessidades de uma Defesa Civil moderna e eficiente.

Neste contexto, o CEPD, irá desenvolver estudos prospectivos e pesquisas que pretendem não só otimizar o trabalho da Defesa Civil, mas também lançar olhos para problemas futuros que hoje são embrionários e talvez imperceptíveis aos olhos leigos.

O CEPD, como braço acadêmico da Defesa Civil representa também uma oportunidade para desenvolvimento de pesquisa em convênios com universidades, outros centros de estudos e mesmo com a iniciativa privada, lançando as bases para colocar o Rio de Janeiro em condições de igualdade com as cidades mais modernas do planeta, evidenciando o papel da Defesa Civil como instrumento de fomento do desenvolvimento sustentável.

Por último, cabe lembrar que os desastres vêm ampliando a escala e não respeitam fronteiras. Nesse sentido o CEPD pretende ser um elo de fomento de articulação do sistema nacional e internacional.

Um grande abraço e contamos com a participação de todos que possam auxiliar o fortalecimento do sistema de Defesa Civil,

Evandro Sarno Couto – Coordenador do CEPD

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EXPEDIENTE

Este boletim é uma publicação oficial do Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres da Defesa Civil do Município do Rio de Janeiro.

Edição: Equipe do CEPDRedação: Equipe do CEPDComissão Editorial: Equipe do CEPD

Endereço: Av. Ayrton Senna 2001 – CEP 22 735-002 Barra da Tijuca – Rio de Janeiro, RJE-mail: [email protected]

Coordenação Geral do Sistema de Defesa Civil.Coordenador: João Carlos Mariano S. Costa.

Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres.Coordenador: Evandro Sarno CoutoDiretor Administrativo: Josenir dos SantosDiretor Técnico: Bruno Engert RizzoCorpo Técnico:

Alexander GeorgiardisBruno Engert RizzoDavi Figueiredo BeckerJosenir dos SantosLuiz Fernando de Oliveira TeixeiraLuiz Cláudio Macedo TraninManoel Augusto Santos de OliveiraSilvana Maria Malizia Alves Ferreira.

Apoio Administrativo e Operacional:André MeloMarco Antonio Alves Miranda

Vera Lucia Pires de

Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres - CEPD BOLETIM DE ADMINISTRAÇÃO DE DESASTRES – Novembro/2006 - Ano 1 Número 01

EDITORIAL – CEPD: Uma Visão de Futuro.

Bruno Engert RizzoEngº Civil - Diretor Técnico do CEPD

O Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres foi criado pelo decreto nº 24.048 de 23/03/2004.

Entretanto, por motivos diversos, somente em meados de 2005 foi possível tornar o centro operacional. Sua palestra inaugural aconteceu no dia 13/10/2005 no auditório do CASS e contou com a presença de autoridades, funcionários e acadêmicos de diversas áreas.

Na última década a Defesa Civil Municipal conquistou uma imagem de credibilidade e eficiência por sempre estar presente em momentos difíceis para a cidade e pelo fato do telefone 199 muitas vezes ser a última esperança do cidadão que precisa de qualquer tipo de socorro ou orientação.

Ainda que esta tenha sido uma receita de sucesso até então, já sabemos que não será suficiente no futuro próximo.

Precisamos nos antecipar às crises, na medida do possível, evitar que ocorram e diante de acontecimentos inevitáveis, atuar com profissionalismo. Aprender errando será progressivamente mais doloroso e oneroso no futuro.

Nas últimas décadas a humanidade vem experimentando um avanço tecnológico tão acelerado, que é praticamente impossível acompanhar todas as inovações e suas conseqüências.

Por outro lado, o planeta está se tornando pequeno sob todos os aspectos. A população mundial atual é da ordem de 6,1 bilhões de habitantes e o planeta já demonstra sinais de esgotamento. Estima-se que a população só venha a estabilizar em 2050, quando seremos aproximadamente 9 bilhões de habitantes.

Crises decorrentes de carência de água, energia, alimento e recursos naturais se tornarão cada vez mais freqüentes. Na medida que os recursos se tornam mais escassos, será necessário buscar o crescimento sustentável com recursos renováveis ou alternativos.

Sem energia, voltaremos à idade da pedra. Nesse aspecto as perspectivas não são muito alvissareiras, pois a matriz energética mundial está fortemente vinculada à queima de hidrocarbonetos e não existem atualmente alternativas economicamente viáveis. Sabemos que as reservas mundiais de petróleo talvez abasteçam a humanidade por mais 40 ou 50 anos. O gás talvez dure 80 anos e o carvão mineral um pouco mais. Além disso, a queima de hidrocarbonetos contribui para o efeito estufa, que leva a mudanças climáticas e a outras conseqüências altamente indesejadas.

Todo esse quadro é agravado por uma crise social contínua decorrente da má distribuição de renda, que já

instabiliza países considerados ricos, que vêm sofrendo uma invasão silenciosa de miseráveis de todas as partes do planeta, em busca de sobrevivência e oportunidade.

A humanidade está diante de um grande desafio. Estamos vivendo um momento de mudanças globais nunca antes experimentadas e ninguém, nem mesmo a comunidade científica conhece com precisão o resultado desses processos em curso. Degelo de neve perene e de calotas polares, destruição da camada de ozônio, desertificação, efeito estufa e tantos outros fenômenos que hoje estão em curso, podem colocar em risco a humanidade ou trazer grande sofrimento, principalmente para as populações mais pobres e cronicamente carentes.

Nesse cenário, fenômenos naturais que sempre existiram tendem a gerar desastres ampliados, pois a concentração da população e a complexidade dos centros urbanos tornam o conjunto extremamente vulnerável à maioria dos fenômenos naturais. Some-se a isso, desastres tecnológicos e outros decorrentes da atividade humana.

Por força da legislação atual, todos esses acontecimentos envolvem direta ou indiretamente a Defesa Civil.

Entretanto, desastres como esses anteriormente mencionados, têm características que os tornam completamente diferentes daqueles com os quais a Defesa Civil lida rotineiramente. Sua amplitude, sua inércia e reversibilidade são fatores ainda desconhecidos e a resposta não se dá por meio de ações ou intervenções locais.

Além disso, a complexidade de desastres tecnológicos tem sido progressivamente maior, demandando respostas previamente estudadas.

Por todos esses motivos é necessário que exista na Defesa Civil um órgão encarregado de pensar para desenvolver conhecimento estratégico. Foi essa visão de futuro que levou à criação do CEPD.

Todo início é difícil. Romper a inércia, mudar rumos e desenvolver técnicas inovadoras sem dúvida é um grande desafio, principalmente num país cronicamente carente de recursos, como é o nosso Brasil.

O CEPD é uma estrutura embrionária, mas seus integrantes estão imbuídos do espírito de desbravadores e tal como os bandeirantes fizeram no passado adentrando com as bandeiras e abrindo fronteiras, pretendemos inovar e ampliar horizontes para a Defesa Civil.

Trabalharemos por um Rio melhor, por um Brasil melhor e por um planeta melhor.

Leia também CORRELAÇÃO ENTRE CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO, ORDENAMENTO SOCIAL E A DINÂMICA DOS DESASTRES, que desenvolve o mesmo tema com mais profundidade.

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TÉCNICO - Engenharia de Desastre.

Bruno Engert Rizzo Engº Civil - Diretor Técnico do CEPD

Engenharia de desastre é uma especialidade relativamente nova que surgiu nos últimos anos. O termo tem sido adotado para designar aquela engenharia que entra em cena quando ocorrem desastres.

Sua base técnica é a engenharia civil. Entretanto seu emprego, suas técnicas e mesmo o processo decisório diferem radicalmente da engenharia convencional em diversos aspectos.

A engenharia convencional tem uma lógica de aplicação que demanda uma série de pré-requisitos. Via de regra um empreendimento parte de um estudo de viabilidade que evolui para um anteprojeto. Se existirem condições técnicas, financeiras e sendo possível adequar o empreendimento à legislação vigente, é elaborado um projeto executivo, que necessariamente se mantém dentro de padrões impostos por normas técnicas. Depois de vencidas todas essas etapas o empreendimento é realizado.

A engenharia de desastre difere da convencional em praticamente todos os aspectos anteriormente mencionados.

Num desabamento, por exemplo, a simples suspeita de sobreviventes sob os escombros, impõe séria limitação que é o fator tempo. Essa demanda implica na busca de soluções rápidas e seguras.

Num segundo momento vem à questão que eventuais sobreviventes limitam de forma considerável as técnicas empregáveis. Não se podem admitir demolições com explosivos ou máquinas pesadas quando há suspeita da existência de sobreviventes.

Outra questão sempre presente é a escassez de meios. Dificilmente existem material adequado em quantidade suficiente e equipamentos compatíveis com as necessidades para executar os serviços emergenciais.

Mas as diferenças vão muito além. Enquanto na engenharia convencional as normas técnicas têm caráter impositivo, na engenharia de desastre praticamente não existem limites. Na realidade os limites são impostos pelo profissional que aliando a técnica à experiência sabe que em caráter emergencial pode explorar propriedades que necessariamente são desprezadas na engenharia convencional.

Um engenheiro estrutural que nunca tenha vivido um desastre e suas peculiaridades, num primeiro momento condenaria o “arrojo” ou “insanidade” de um profissional que numa emergência resolva avaliar a resistência residual de uma estrutura sinistrada por incêndio,

parcialmente colapsada, para num segundo momento tirar partido de elementos já plastificados ou em processo de calcinação, com o objetivo de buscar uma situação de equilíbrio segura, que permita às equipes envolvidas na resposta trabalharem em segurança com o objetivo de salvar vidas.

Para a engenharia convencional, numa estrutura nessas condições jamais existirá uma situação de equilíbrio segura uma vez que todos os limites já foram ultrapassados.

Outro aspecto relevante é a exploração do material remanescente do sinistro, o que na engenharia convencional seria absolutamente condenável.

Essa engenharia tão necessária num desastre não é ensinada nas escolas, mas pode salvar vidas e preservar patrimônio.

É com satisfação que passaremos a publicar periodicamente artigos sobre o assunto.

Nesse primeiro número, será apresentado um estudo de caso ocorrido em 2005 no Jacarezinho.

Estudo de caso.

No dia 06/07/2005 um vazamento de gás de botijão (GLP), levou a uma explosão que destruiu por completo uma construção de dois pavimentos com aproveitamento de cobertura, afetando todas às construções vizinhas. Na primeira contagem o número de vítimas chegou a dez, algumas delas gravemente feridas.

A explosão se deu no primeiro pavimento e a pressão dos gases rompeu lajes, paredes e mesmo a estrutura levando ao desabamento total da construção. Os escombros do primeiro pavimento da construção caíram no subsolo, onde parte do vigamento resistiu, formando nichos vazios. A laje do primeiro teto desabou sobre os escombros do primeiro pavimento. Acima dessa laje foram encontrados os escombros do segundo pavimento e da cobertura.

Existia forte suspeita de haver pelo menos uma pessoa sob os escombros, o que demandava um trabalho de demolição e remoção de entulho relativamente criterioso.

O imóvel sinistrado era cercado de outros que sofreram danos consideráveis decorrentes da explosão e do desabamento.

Feita a inspeção inicial concluiu-se que:

- o imóvel dos fundos, de três pavimentos, fora pouco afetado, sendo possível restabelecer sua condição de estabilidade com demolições parciais e escoramentos localizados.

- o imóvel lateral do lado oposto da servidão, fora significativamente afetado, porém era uma construção

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simples e foi escorada com material retirado dos escombros. (Foto 1)

- imóvel lateral direito apresentava graves lesões, que colocavam em risco inclusive sua estabilidade. Tudo indica, que grande parte dos gases decorrentes da explosão se expandiram pelo interior do imóvel, levando a configuração típica de explosão interna, onde toda estrutura se deforma como se fosse um balão. É possível também que tenha ocorrido vazamento de gás para dentro da construção vizinha, o que teria aumentado a potência da explosão.

Interessante notar que nas outras direções, os gases escaparam por servidões abertas, e na construção dos fundos houve a ruptura total de uma empena abrindo uma grande passagem para a área aberta.

O estado precário de estabilidade desse imóvel impedia a retirada dos escombros. Havia risco de desabamento do imóvel remanescente sobre os escombros durante a operação de retirada de entulho e socorro.

A primeira solução aventada foi o escoramento convencional da construção, para em seguida dar continuidade à busca pela vítima remanescente sob escombros.

Foto 1 - Casa de dois pavimentos com escoramento interno. Entretanto, não havia material disponível para escoramento no depósito. Feita uma busca superficial nos

escombros, concluímos que o material disponível era incompatível com a necessidade.

Essa é uma situação de impasse típica num desastre. Por um lado existe necessidade de material não disponível naquele momento. Por outro, o tempo pressiona e demanda uma solução. O dilema entre aguardar condições ideais e ter resposta rápida e segura para superar limitações, pode significar a diferença entre vida e morte para quem esteja sob escombros.

Feita uma inspeção mais detalhada, percebemos que a laje do teto do primeiro pavimento da construção sinistrada (item 6 na planta – Desenho 01), havia desabado e rompido parcialmente, formando uma mão francesa que escorava o imóvel vizinho.

Parte dessa laje era o elemento estabilizante da construção vizinha, porém impedia a remoção de escombros e a busca da vítima. É interessante notar que um trecho de laje aparentemente insignificante, se removido sem critério, poderia colocar em risco toda equipe envolvida na remoção de escombros.

Desenho 01

A solução encontrada foi avaliar a capacidade de carga da laje, não como placa com carga perpendicular ao seu plano principal, mas sim como elemento capaz de suportar carga axial.

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Desenho 2

Por sorte a laje em questão era maciça e feita a avaliação, concluímos que a mesma teria boa capacidade de absorver carga axial (N indicada na figura anterior), desde que fosse contraventada no centro, pois a queda e os escombros sobre a mesma introduziram uma deformação excessiva, o que tornava a carga muito excêntrica. O contraventamento foi montado com escombros, blocos de concreto remanescentes da estrutura, caibros madeira e alavancas de aço.

Segue um desenho esquemático do modelo estrutural adotado com respectivos cálculos feitos na ocasião.

Desenho 3

Cabe ressaltar a simplicidade do modelo estrutural adotado, que não só é conservativo, como permite um cálculo expedito que ficou reduzido ao equilíbrio de um único nó.

O valor da carga vertical P foi estimado com base no peso próprio da empena acrescida de uma parcela de carga do restante da construção. Essa parcela de carga na prática, talvez nem existisse, pois muitos dos vínculos que levariam a estrutura lateral a absorver carga não existiam em decorrência da explosão. Contudo chegamos a uma carga muito baixa a ser escorada lateralmente. Ainda que adotássemos uma taxa de compressão última baixa, da ordem de 0,1 kN/cm2, teríamos num trecho de laje com seção de 12 cm x 100 cm, uma capacidade de carga axial última da ordem 120 kN/m contra 6,6 kN/m atuante.

Outro aspecto relevante foi a questão de uma reação externa segura. Essa foi encontrada nas vigas do teto do subsolo, sendo necessário apenas travar a borda da laje no ponto indicado, de forma a evitar que ela viesse a deslizar horizontalmente ao longo da viga. O travamento foi feito com pontas de aço, retiradas dos escombros.

Em seguida teve início a demolição e retirada de escombros.

A ação criteriosa permitiu acesso a todo subsolo, e posterior retirada do entulho em busca de vítimas, com a devida segurança para as equipes de trabalho.

Lamentavelmente, a vítima, foi encontra morta, soterrada por escombros, num local onde provavelmente teve morte instantânea.

Posteriormente, todas as construções com risco foram demolidas.

Foto 2 - Escombros da laje do teto do imóvel sinistrado e demolido.

Conclusões

A engenharia de desastre tem exatamente essas características que o presente caso evidencia de forma tão didática. São elas:- exploração de propriedades normalmente desprezadas, tirando o máximo de proveito dos materiais e elementos disponíveis para adaptá-los às necessidades locais;

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- simplificação dos modelos estruturais, sempre a favor da segurança, de forma a permitir cálculos expeditos;- trabalho com fatores de segurança elevados.

Nesse caso, a laje, que foi projetada e construída para suportar carga perpendicular ao seu plano principal, foi utilizada como elemento de escora de toda uma construção e passou a absorver esforço axial.

Outro aspecto interessante, é que o contraventamento foi feito com entulho e material disponível no local. Não fosse esse detalhe, a laje teria um comportamento de elemento esbelto e devido à excentricidade inicial imposta pela deformação provavelmente romperia no centro do vão, onde normalmente um desavisado tenderia a abrir uma passagem. Tal poderia causar a ruptura definitiva da laje e mesmo o desabamento da construção em equilíbrio precário. Importante lembrar, que sem uma reação externa adequada, nada funcionaria.

Um engenheiro de estruturas certamente faria uma série de objeções, tais como:

- a laje sofreu processo de fratura e plastificação generalizados com a queda;- não é possível estimar o fck do concreto;- a laje naquele caso, só tinha aço na parte inferior.- outras menos relevantes.

Todos esses argumentos são pertinentes e absolutamente válidos numa situação normal. Para a engenharia de desastre, os critérios são outros, pois o trabalho é transitório e seu único objetivo é garantir a segurança das equipes de socorro. Ainda assim, o comportamento do “escoramento” foi permanentemente acompanhado e avaliado. A cada acomodação, por menor que fosse, o trabalho era paralisado para uma nova análise.

Uma única vez foi necessário melhorar o contraventamento em decorrência da abertura de um furo para passagem na laje.

Essa é apenas uma das técnicas da engenharia de desastre, que conforme pode ser constatado, deriva da engenharia estrutural e demanda amplo conhecimento teórico de estruturas, bem como de propriedades dos materiais, além é claro, de uma boa dose de imaginação e talvez um tempero de arrojo para inovar e mesmo contrariar princípios elementares que nos ensinaram na escola.

(Bruno Engert Rizzo é engenheiro de estruturas e trabalha na Defesa Civil do Município do Rio)

TEORIA - Liderança Municipal

Luiz Cláudio Macedo Tranin

Em 1997, durante o Governo Clinton, a Federal Emergency Management Agency - FEMA lançou o Projeto Impacto (Project Impact: building a disaster resistent community) cujo lema era: “construindo uma comunidade resistente a desastres”.

O porquê da iniciativa vinha bem explicado na literatura referente ao projeto: nos dez anos anteriores, a FEMA havia aplicado U$ 20 bilhões em reparações ou reconstruções de comunidades vitimadas por desastres e outras agências governamentais.

O aumento da incidência e do poder destrutivo dos desastres naturais aponta para um dispêndio sempre crescente de recursos públicos e privados. Mais do que nunca fazia-se (e faz-se) necessário investir na proteção das comunidades contra desastres por ser mais barato do que reconstruir. De fato, com base em dados estatísticos, naquela época, a FEMA havia concluído que cada dólar gasto com prevenção, economizaria dois de reconstrução.

O Projeto Impacto baseou-se em três princípios simples e sensatos:-As ações preventivas devem ser decididas em âmbito local (para nós, municipal).-A participação do setor privado é vital.-Os esforços e investimentos nas medidas preventivas a longo prazo, são essenciais.

O primeiro ponto é um excelente exercício de bom senso que lembra a velha máxima “cada um sabe onde o sapato lhe aperta o pé”, demonstrando que o conhecimento do próprio terreno é imprescindível aos planejadores que podem levar grupos privados às suas iniciativas, o que nos leva ao segundo ponto.

O interesse de um grupo ou empresas para trabalhar em parceria com a municipalidade pode ser demonstrado por um exemplo destacado pela FEMA: A cervejaria “Anheuser Busch”, sediada no norte da Califórnia investiu nos anos 80, cerca de 15 milhões de dólares para proteger suas instalações contra os efeitos dos terremotos. Em 1994, um terremoto com epicentro a 18 km da fábrica sacudiu a região. A empresa avaliou que deixou de perder 300 milhões de dólares em danos e produção perdida. Durante o abalo, as operações industriais não foram interrompidas e os danos materiais foram mínimos.

Vamos ao terceiro ponto. A cervejaria dispendeu os 15 milhões de dólares pensando num futuro intermediário. Um governo local (municipal) talvez não dispusesse de tal quantia num determinado momento, mas existe a possibilidade de auxílio do governo federal – e isto vale para os Estados Unidos tanto como para o Brasil – que tem todo interesse em minimizar perdas.

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E de volta ao início. Cada município sabe onde estão seus pontos fracos. Talvez não saiba como remedia-los, necessitando de auxílio externo para tal. Mais uma vez, o governo federal oferece ajuda técnica, o que facilitará o posterior empenho de verbas federais na consecução dos projetos.

No Brasil, vemos uma situação semelhante, especialmente depois de fevereiro de 2005, com a edição do decreto federal 5376 no qual destacamos o inciso I do Art. 13. “As COMDECS (municipais) ou órgãos correspondentes, compete articular, coordenar e gerenciar ações da defesa civil em âmbito municipal”.

A liderança municipal é ainda ressaltada pelo Art. 18 do mesmo decreto, que especifica: “Em situações de desastre, as ações de resposta, de reconstrução e recuperação serão da responsabilidade do Prefeito Municipal ou do Distrito Federal”.

A filosofia adotada pelo governo brasileiro segue o óbvio, que é liderança municipal nas ações de administração de desastres, o que, naturalmente não exclui iniciativas estaduais e federais em áreas específicas como aquelas que envolvam segurança nacional ou mesmo assuntos de competência exclusiva da União e desastres de grande porte que extravazam os limites municipais.

O exemplos típicos seriam a segurança da central nuclear de Angra dos Reis, manifestações climáticas violentas como ondas de frio ou de calor, epidemias, entre outras.

Mas, mesmo nesses casos, o órgão municipal de administração de desastres tem papel importante porque é sempre em âmbito municipal que acontece o reflexo das ações de proteção, tenham elas origem que tiverem.

A liderança municipal tem, assim, destacada e crucial importância na prática da administração de desastres e será um assunto que voltará a ser abordado por este boletim.

(Luiz Cláudio Macedo Tranin é técnico de Defesa Civil de nível superior e trabalha na COSIDEC desde 1992)

Livros, revistas e filmes.

Nesta seção serão sugeridos e comentados títulos que tratem de assuntos relativos à administração de desastres.

Nossa sugestão inaugural é o livro “102 MINUTOS”, escrito por Jim Dwyer e Kevin Flynn. Estes dois repórteres veteranos do New York Times narram minuto a minuto o pânico das pessoas que estavam dentro do World Trade Center desde o instante que o primeiro avião atingiu a Torre Norte, passando pelo impacto do segundo avião na Torre Sul e culminando com o desabamento dos dois arranha-céus.

A narrativa é dinâmica e dá voz às próprias vítimas e sobreviventes do atentado, fazendo com que o leitor sinta-se dentro dos prédios naqueles momentos terríveis.

Além de ser um livro que prende o leitor desde o início, é também uma aula sobre administração de desastre. Os autores fizeram um enorme trabalho de pesquisa com os sobreviventes e chegaram a um grande mosaico de informações que mostram uma série de falhas no Sistema de Defesa Civil de Nova York.

Desde o projeto dos prédios, que privilegiava as áreas alugáveis em detrimento das áreas de escape, até as obras de isolamento contra fogo, recomendadas para as estruturas de aço que não chegaram a ser concluídas e a falta de meios de comunicação efetivos entre as equipes de socorro e entre os vários órgãos de resposta, o livro nos mostra claramente quais as falhas que ocorreram em Nova York.

Devemos ler este livro imaginando um desastre com estas proporções em nossa cidade e como se dariam as ações de resposta. Será que estaríamos preparados para isto? Será que teríamos mais sucesso em salvar vidas que as equipes que perderam as suas próprias nas duas torres gêmeas? Cabe a você, leitor, responder a estas perguntas. Cabe a nós, como órgão de estudos e pesquisas, dar subsídios técnicos para que tragédias assim sejam minimizadas.

Nesta seção serão transcritos textos publicados em revistas, livros ou na grande rede, que também sejam de interesse da nossa área de atuação. Transcrevemos abaixo um artigo da BBC Brasil que trata da mais recente ameaça enfrentada pela civilização humana: a gripe aviária. O acesso pode ser feito em http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/01/060113_gripeaviariarankingas.shtml

Brasil é 119º em ranking de risco de gripe aviária

Adriana Stock

Um estudo da consultoria britânica Maplesoft indica que o Brasil ocupa a 119ª posição num ranking de 161 países sobre o risco de enfrentar uma epidemia de gripe aviária em humanos, caso o vírus H5N1 sofra uma mutação e possa ser transmitido de pessoa para pessoa.

O ranking, que lista os países em ordem decrescente de risco, foi feito com base em dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), da FAO (o órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação) e do Instituto de Recursos Mundiais.

A posição do Brasil indica que o país enfrenta um risco médio de enfrentar uma epidemia humana. A lista estabelece quatro grupos de risco: extremo, alto, médio e baixo.

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TRANSCRIÇÕES

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Alyson Warhurst, uma das autoras do estudo e consultora do Fórum Econômico Mundial, considera a posição do Brasil no ranking geral uma "boa notícia".

Bangladesh, Ruanda e Burundi estão no topo da lista de risco extremo, enquanto que Finlândia, Noruega e Islândia ocupam as últimas posições do grupo de baixo risco.

O ranking geral combina três categorias: risco de surgimento de uma nova doença no país, risco de disseminação da doença no país e capacidade do país de conter a epidemia.

De acordo com o levantamento, o Brasil tem baixo risco de surgimento (148º lugar), médio risco de disseminação (52º lugar) e média capacidade de contenção (111º lugar).

São levados em consideração fatores tais como densidade populacional, densidade aviária, população rural, importação de animais, número de médicos, entre outros.

Na categoria risco de disseminação, em que o Brasil registra a pior posição, avaliaram-se fatores como chegada de turistas internacionais, temperatura climática e capacidade de informar a população sobre questões de saúde.

Os Estados Unidos aparecem na posição acima do Brasil no ranking geral, em 118º lugar, mas os dois países têm a mesma nota 5,89.

No risco de disseminação, contudo, os americanos estão no grupo de risco extremo, em sétimo lugar.

Europa

"Avalio o caso do Brasil como favorável comparado com o caso da Europa ocidental, onde os países estão na categoria extrema de risco de surgimento e disseminação", disse a pesquisadora Alyson Warhurst.

"Esses países têm economias mais abertas, têm alta densidade populacional e aviária e, além disso, recebem muitos turistas internacionais", afirmou.

Para a consultora, a importância de se avaliar o risco de uma possível epidemia é que "ajuda o país a definir e detalhar mais efetivamente as estratégias de administração de risco".

O levantamento da Maplecroft leva em consideração uma epidemia de gripe aviária em que haja contágio entre os seres humanos – algo que não foi registrado pela OMS até o momento, já que o vírus precisaria entrar em processo de mutação.

"No momento em que consideramos o risco de disseminação, trabalhamos com a hipótese de que a doença é transmitida entre humanos. Não estamos tentando fazer uma pesquisa médica", comentou Andy Thow, pesquisador da Maplecroft.

Desde 2003, a OMS registrou 147 casos de contágio de gripe aviária em humanos e 79 mortes. O país mais atingido é o Vietnã, com 93 casos e 42 mortes.

O Banco Mundial publicou um estudo, em novembro do ano passado, no qual dizia que uma epidemia humana de gripe aviária poderia custar US$ 500 bilhões às economias industrializadas.

Segundo o estudo, somente nos Estados Unidos, as mortes poderiam chegar a 200 mil.

Bruno Engert Rizzo e Davi Figueiredo Becker

1 – INTRODUÇÃO.

2 – PANORAMA MUNDIAL.2.1 - Evolução da população mundial.2.2 - Escassez de recursos naturais e energia.2.3 - Desastres contemporâneos.2.4 - Desequilíbrio social.2.5 - Inchaço de centros urbanos e áreas metropolitanas.2.6 - Conclusão parcial.

3 – O MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO.3.1 - Evolução da população do Rio de Janeiro.3.2 - Evolução do PIB do município do Rio de Janeiro.3.3 - Investimentos do Município do Rio em programas assistenciais.3.4 - Desastres passíveis de ocorrência no Rio de Janeiro.3.5 - Correlação entre população e desastre.

4 - CONCLUSÕES FINAIS.

1 – INTRODUÇÃO. O crescimento da população mundial associado à distribuição desequilibrada de riquezas tem sido um dos fatores de preocupação de governantes e da própria Organização das Nações Unidas – ONU.

A simples superpopulação mundial como fenômeno isolado, ou seja, sem que se considere o perfil social e psicológico da população, traz inúmeras conseqüências que por si demandam dos Estados e de organizações mundiais progressiva capacidade de organização, produção e planejamento de forma integrada.

Quando é inserida a variável “psicosocial”, as conseqüências tendem a ser mais complexas, pois surgem outras demandas e pressões. Via de regra a capacidade de resposta dos Estados e de organizações está muito aquém das necessidades, gerando crises internas e externas, de toda natureza.

Muitas dessas crises terminam em desastres.

O presente estudo aborda alguns tópicos relevantes sobre a relação do aumento da população com desastres e a progressiva necessidade de intervenção do Estado de forma a evitar que crises se instalem e na pior hipótese, diante de crises inevitáveis, fornecer subsídios previamente avaliados para atuar com eficiência, minimizando danos e prejuízos.

Nesse sentido o papel da Defesa Civil tende a se tornar cada vez mais relevante, não só como mecanismo de coordenação de resposta, mas principalmente como entidade geradora de conhecimento estratégico.

Quanto mais os recursos do planeta se tornam escassos e quanto maior a população, tanto maior será a necessidade de planejar o futuro.

O presente estudo foi desenvolvido em duas partes.

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Correlação entre crescimento demográfico, ordenamento urbano e a dinâmica dos desastres.

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Na primeira parte é apresentado um panorama mundial onde foram abordados algumas dificuldades que a humanidade já enfrenta e que tendem a se agravar num futuro próximo.

Na segunda parte o foco se volta para o município do Rio de Janeiro, onde se procurou levantar algumas questões relativas à tendência de evolução para identificar problemas que devem ser estudados no presente para garantir um futuro melhor para as próximas gerações.

Um dos objetivos também é mostrar a importância de integrar as esferas de planejamento de políticas públicas de forma a otimizar recursos e buscar soluções viáveis para as crises que virão.

Seja como for, não podemos mais nos permitir aprender errando, pois o custo será excessivamente alto.

Da mesma forma não podemos mais esperar pelo futuro aleatório, ou seja, aquele que poderá ocorrer sem qualquer planejamento, trazendo sorte ou desgraça.

Na medida do possível teremos que tentar antever crises, para tentar evitar que ocorram ou preparar o sistema de resposta para o inevitável, otimizando ao máximo os recursos disponíveis.

2 – PANORAMA MUNDIAL.

Para melhor compreender a importância do estudo de desastres, será feita uma breve apresentação de problemas de ordem mundial.

2.1 - Evolução da população mundial.

Em números redondos, o planeta tem atualmente uma população de 6,46 bilhões de habitantes e ainda crescerá nos próximos 40 ou 50 anos.

A ONU estima que em 2050 a população mundial tenderá a estabilizar.

Para estimar o crescimento da população mundial até o ano de 2050, a ONU trabalha com quatro hipóteses. Dependendo da evolução da taxa de fertilidade, a população poderá variar entre o limite inferior que seria de aproximadamente 7,7 bilhões e o limite superior que seria 11,7 bilhões de habitantes em 2050. O mais provável será um valor intermediário da ordem de 9,1 bilhões.

Hipótese 1: baixa taxa de fertilidade – 7,7 bilhões.Hipótese 2: taxa atual – 11,7 bilhões.Hipótese 3: média – 9,1 bilhões.Hipótese 4: alta taxa de fertilidade – 10,6 bilhões.

Note-se que a taxa de fertilidade atual é uma hipótese remota, tanto que a hipótese 4 considera que, ainda que a taxa se mantenha alta, haverá uma desaceleração.

O Gráfico 1 mostra as projeções para as hipóteses 1, 2 e 3.

Algumas metrópoles já demonstram esgotamento da capacidade e problemas crônicos que afetam a qualidade de vida e geram pressões decorrentes de grandes demandas, principalmente de água potável, energia, alimentos, infraestrutura e serviços públicos.

Nem mesmo países considerados ricos conseguiram resolver todos os problemas decorrentes do inchaço de grandes centros urbanos. Seja porque estão inseridos na globalização, seja porque também têm desequilíbrios sociais.

A realidade é preocupante, na medida que o crescimento populacional tem efeitos colaterais que vão além da questão do equilíbrio de oferta e demanda de bens e serviços.

Gráfico 01

Poluição, desmatamento, efeito estufa, alterações climáticas e toda uma gama de desastres provocados ou potencializados pela atividade humana só tendem a agravar um quadro que vem se delineando e tomando contornos cada vez mais visíveis, indicando que a continuidade das atuais políticas públicas levarão a humanidade a passar por experiências de sofrimento nunca vividas.

O fato do homem estar cada vez mais capacitado a interferir em escala global no equilíbrio do planeta é inquietante, pois coloca a humanidade diante do desconhecido. Muitos dos fenômenos atualmente em curso são inéditos e a humanidade não tem experiências anteriores que permitam avaliar as relações de causas e conseqüências que podem não se manifestar de forma perceptível durante algum tempo, mas podem ser de reversão difícil ou impossível. A grande diferença dos tempos atuais para o passado, é que no passado experiências malogradas afetavam áreas restritas e o ambiente como um todo, pouco se alterava. A capacidade de auto-regeneração ambiental quase sempre se encarregou de encontrar um equilíbrio satisfatório. A tecnologia, a superpopulação e suas conseqüências vêm ampliando a escala dos processos que afetam o meio ambiente de forma que os efeitos tendem a se globalizar, superando a capacidade de regeneração.

O crescimento desproporcional das populações mais pobres tende a agravar o quadro, uma vez que esse desequilíbrio gera riscos, vulnerabilidades e obriga os Estados a destinarem vultosos recursos a programas de assistência e confinamento de possíveis desastres.

Gráfico 02.

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O gráfico 2 mostra o crescimento da população em países ricos e no restante do mundo.

Problemas complexos demandam, antes de tudo, uma análise realista, sem tabus, o que nem sempre é fácil levando em conta à própria natureza humana. É fato incontestável que as populações mais pobres e carentes, que via de regra geram demandas que não conseguem suprir, têm mais filhos que as populações que geram riquezas. As taxas de fertilidade das populações do planeta demonstram esse fato de maneira clara.

O extrato que se segue (Tabela 1), foi retirado de uma lista de taxas de fertilidade de todos os países do mundo.

Tabela 01 – taxas de fertilidade.

Fonte: Organização das Nações Unidas.

Note-se que as taxas mais elevadas ocorrem nos países mais miseráveis e que países desenvolvidos apresentam taxa de fertilidade abaixo de 2.

Para que uma nação se perpetue, considera-se ser necessário que cada mulher reponha seu pai e sua mãe durante sua vida. Portanto 2,1 é considerada a taxa de fertilidade ideal, uma vez que permite a preservação da população com uma margem de segurança de 10%.

As distorções sociais e o desequilíbrio do crescimento de populações, leva a uma evidente concentração de riqueza e degrada ainda mais populações pobres, transformando-as em populações miseráveis.

De forma genérica, indivíduos de populações ricas se tornam mais ricos a cada geração por concentrarem riqueza de família e por agregarem novas riquezas, fruto do binômio capital e trabalho.

Por outro lado, indivíduos de populações pobres, pouco herdam, pouco agregam e o legado é dividido por um número maior de indivíduos. Essa riqueza é insuficiente para alavancar uma ascensão social, pois não permite proporcionar ao indivíduo todas as necessidades básicas e boa formação para inserção num mercado de trabalho competitivo. É importante ressaltar que o único meio de ascensão social de indivíduos pobres é a geração de riqueza pelo trabalho, uma vez que não existe capital acumulado disponível para empreender e que o crédito para quem não oferece garantias é limitado.

Outro aspecto relevante desse processo, é que populações pobres representam um fator de vulnerabilidade que não pode ser desprezado face à dinâmica de desastres contemporâneos.

A concentração da população conjugada com desastres de magnitude e duração cada vez maiores, transformam ricos e pobres em elementos sob risco, que serão tanto mais vulneráveis, quanto maior for o despreparo dessas populações.

De forma simplificada, esse despreparo é conseqüência de dois aspectos. O primeiro e talvez primordial, é intangível e está relacionado com o grau de instrução, com o nível de conhecimento das ameaças, da própria vulnerabilidade e das medidas que podem ser tomadas em caráter preventivo ou numa eventual resposta.

O segundo é material. É uma característica intrínseca do sistema e tem relação com a adequabilidade dos meios disponíveis para efetivamente eliminar o risco ou amortecer um impacto, minimizando as conseqüências de um desastre inevitável.

Exemplo típico é a Aids. Uma população que conheça o risco da doença, a própria vulnerabilidade e as formas de contágio, tem baixa probabilidade de infecção pois muito provavelmente empregará todos os meios de prevenção. Para essa população a AIDS representa uma ameaça de baixa vulnerabilidade. Este seria o primeiro aspecto anteriormente mencionado.

Entretanto, eventuais casos de contágio demandam capacidade de resposta o que implica em ter infraestrutura de saúde adequada, médicos especialistas, remédios, amparo social e outros mecanismos que permitam tratar indivíduos soropositivos e que impeçam que a doença se propague. Esse seria o segundo aspecto.

Outro exemplo, seria aquele que bem conhecemos, ou seja, a questão da compatibilidade das construções com os fenômenos locais. Barracos de madeira são construções inadequadas para suportar ventos fortes. Encostas são áreas de risco e sua ocupação demanda obras de estabilização e estudos criteriosos. 2.2 - Escassez de recursos naturais e energia.

Durante muitos séculos, recursos naturais e energia não entravam na pauta de preocupações da humanidade.

As demandas eram insignificantes em relação às reservas conhecidas o que gerava a errônea impressão de serem inesgotáveis. Além disso, sempre se supôs que muitas jazidas e fontes de energia ainda estavam por ser encontradas.

Atualmente já sabemos que muitos dos recursos vitais para a humanidade têm quantitativos conhecidos com alguma precisão, sendo relativamente fácil prever quanto tempo durarão, considerando as atuais taxas de consumo.

Estima-se, por exemplo, que o petróleo possa suprir a humanidade por mais 40 ou 50 anos e o gás natural talvez por mais 80. Em termos de humanidade e civilização estes são horizontes muito próximos.

A água, o recurso mais vital para vida no planeta, já é escassa em várias regiões sendo inclusive motivo de crises e conflitos.

Nesse aspecto em particular o Brasil é um dos países mais privilegiados, apesar dos maiores mananciais não estarem geograficamente próximos dos maiores centros consumidores.

A matriz energética global é fortemente dependente de combustíveis fósseis. Entretanto, a queima desses combustíveis tem efeitos colaterais como a emissão de gases que são poluentes e contribuem para o efeito estufa.

As fontes alternativas como álcool, vento, sol, hidrogênio e outras ainda estão em fase de implantação experimental e têm um custo mais alto, não sendo economicamente viáveis quando comparados aos hidrocarbonetos.

Nesse aspecto, o Brasil também tem uma posição mais confortável, pois dispõe grande potencial hídrico, biomassa, sol e vento abundantes. Os projetos para exploração de fontes alternativas estão em fase experimental, já existindo projetos pilotos de usinas eólicas, solares e a pesquisa para utilização do hidrogênio como combustível.

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2.3 - Desastres contemporâneos.

Tecnicamente um desastre é qualquer evento que foge da rotina, gere perdas humanas, danos materiais ou prejuízos, além dos índices considerados aceitáveis e que esteja acima da capacidade de resposta rotineira do sistema que é afetado.

Assim por exemplo, uma colisão de dois ônibus com múltiplas vítimas, num centro como Rio de Janeiro, que tem uma estrutura de emergência com ambulâncias, rede hospitalar e outros meios de resposta, não configura um desastre e sim um acidente. O evento é tratado como rotina no âmbito do município do Rio.

O mesmo evento seria um desastre num município do interior, onde só exista uma viatura de socorro e leitos hospitalares insuficientes para receber todos os feridos.

Fenômenos naturais sempre existiram e o homem ainda não desenvolveu tecnologia capaz de controlar as forças e os fenômenos da natureza, razão pela qual a história da humanidade registra grandes desastres com centenas de milhares de vítimas e prejuízos materiais de difícil avaliação, desde um passado remoto até os dias atuais.

A atividade humana altera a dinâmica dos desastres naturais, podendo potencializar seu poder de destruição. Além disso, a atividade humana gera uma nova categoria de desastres que são os chamados antropogênicos.

Nessa categoria, as guerras que são um fenômeno exclusivamente humano, constituem um capítulo à parte no estudo de desastres. Ao contrário dos demais desastres, as guerras geram danos e vítimas intencionais. Estima-se que somente no século passado as guerras tenham ceifado entre 300 milhões e 400 milhões de vidas. Muitas guerras ou conflitos desencadeiam desastres complexos, levando populações inteiras à morte por conseqüências indiretas, como doenças, fome ou outras causas. Quanto a valores de danos, é impossível fazer qualquer estimativa, principalmente pelo fato de haver perdas de patrimônio cultural. Basta lembrar, que somente na segunda guerra mundial, cidades inteiras foram destruídas, obras de arte e objetos históricos foram saqueadas, monumentos e construções históricas foram destruídos.

Um estudo sistemático dos desastres ocorridos desde o século passado até os dias atuais, mostra claramente que as conseqüências dos desastres vem se ampliando por dois fatores: crescimento da população e aumento do poder de destruição de desastres tecnológicos.

Para citar alguns exemplos da escala ampliada e globalizada dos desastres contemporâneos, podem ser mencionados os desastre de Chernobyl, Mar do Aral, Bophal, e recentemente a Tsunami na Ásia e o furacão Katrina nos Estados Unidos da América.

Segue uma breve resenha desses desastres.

Chernobyl (1986) – A explosão do reator nuclear da usina de Chernobyl ocorreu devido a uma falha humana numa operação de teste do sistema de refrigeração. As conseqüências de forma resumida foram:- Inicialmente 30 mortos. Atualmente a contagem é incerta.- 2 cidades e 184 vilas completamente evacuadas.- 135.000 pessoas evacuadas.- 5.000.000 de pessoas atingidas pela pluma radioativa.- 26 países afetados.- Criação de zonas de exclusão muitas das quais, até hoje interditadas.- Aumento desproporcional da incidência de doenças como câncer de tiróide.- Prejuízos até hoje não avaliados na totalidade.

- A pluma radioativa chegou a ser detectada no laboratório de controle ambiental na Usina de Angra de Reis – RJ.

Mar do Aral (1958) – O mar do Aral está situado na Ásia, nas ex-repúblicas soviéticas, Uzbequistão, Cazaquistão e Turcomenistão.

Em 1958 a então União Soviética implantou um programa de plantação de algodão numa área de 7.000.000 há (hectare) irrigados pelos rios que abasteciam o mar do Aral. O projeto foi mal avaliado e levou o mar do Aral a um processo de desertificação ainda em curso e aparentemente irreversível. Até 1990, as conseqüências de forma resumida foram:- A superfície ficou reduzida a 58%.- O volume de água ficou reduzida a 28 %.- A salinidade aumentou.- Praticamente toda fauna marinha morreu.- Estão em curso alterações climáticas que afetam vários países.- Tempestades de vento transportaram resíduos de agrotóxicos a mais de 300 km de distância contaminando toda região a leste do mar do Aral.- A economia regional faliu, levando a população à miséria e degradação.- Os países envolvidos não têm capacidade de atender às populações.- Aumento desproporcional da incidência de doenças respiratórias e câncer.- Os prejuízos ainda não foram completamente avaliados.

Como agravante, com a queda da União Soviética, o complexo para pesquisa, experiência e fabricação de armas biológicas na ilha de Vozrozhdeiya no norte do mar do Aral, foi abandonada. Resíduos vazaram e contaminaram o ambiente em torno da ilha, introduzindo outras doenças na região.

Em função do processo de desertificação o clima de toda região se tornou mais continental, afetando a neve perene nas regiões da Ásia central, o que pode afetar até mesmo o clima da Europa.

Bophal (Índia) - Union Carbide Company Co. (1984) – Numa fábrica de agrotóxicos da Union Carbide Co. situada numa região pobre de Bophal, ocorreu um vazamento de 40 t (tonelada) de isocianato de metila e de cianeto de hidrogênio. As conseqüências de forma resumida foram:- 3.000 mortos (atualmente mais 20.000) - 200.000 intoxicados.- 500.000 expostos.- Aumento da incidência de diversas doenças.

O desastre teve conseqüências particularmente letais pelo fato da planta estar situada numa área urbana praticamente cercada por favelas, onde a população era pouco esclarecida e não tinha qualquer tipo de treinamento para lidar com um eventual vazamento.

Tsunami – (26/12/2004) – Em dezembro de 2004 um terremoto cujo epicentro ocorreu a noroeste da ilha de Sumatra, gerou uma seqüência de ondas gigantes com aproximadamente 20 m de altura. Estas se propagaram a uma velocidade de 800 km/h e se abateram sobre a costa de mais de 10 países, destruindo grande parte das áreas costeiras e gerando um desastre com vítimas em massa. As conseqüências de forma resumida foram:- Inicialmente atingiu cerca de 44 mil mortos. - Atualmente calcula-se em mais de 217 mil entre mortos e desaparecidos.- 1.104.200 desabrigados.- Prejuízos materiais avaliados em U$ 8,09 bilhões.- 12 países afetados.- O Sistema de redes elétrica e telefônica foi quase que totalmente destruído.- Destruição de extensas áreas urbanas.

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- Proliferação de doenças provocadas pelo consumo de água e alimentos contaminados, contato com esgoto e corpos em decomposição. - Eclosão de focos de doenças gastrointestinais, como Cólera, Diarréia, Disenteria e outras disseminadas por vetores ou outros animais. - Minas terrestres que foram arrancadas pela força das ondas, do solo de campos minados conhecidos, e se encontram agora em lugares desconhecidos.

Furacão Katrina - costa leste dos Estados Unidos da América (29/08/2005) - , Furacão de categoria 5 na escala Saffir-Simpsom, que se abateu sobre a costa leste dos EUA, atingindo vários estados, causando danos em toda área, principalmente em Nova Orleans, que sofreu alagamento em decorrência da ruptura de diques e por estar num nível abaixo do mar e do Rio Mississipi. Algumas das conseqüências:- Número total de vítimas fatais, feridos e desaparecido não foi divulgado.- Cerca de um milhão de pessoas abandonam suas casas.- Em Nova Orleans mais de 20 prédios sob ameaça de desabamentos.- A ocorrência de saques e invasões levaram o governo a decretar lei marcial.- Danos estimados de forma preliminar da ordem de US$ 26 bilhões.- Elevação do preço do petróleo em 7%, chegando a mais de US$ 70 no pregão de Nova York, devido ao temor que a tormenta provocasse danos irreversíveis às plataformas no Golfo do México e à infra-estrutura americana de refino de petróleo.- Prejuízos a toda economia de vários estados.- 80% da cidade de Nova Orleans ficou debaixo de até 4 metros da altura.- A água ficou imprópria para o consumo.- Risco de eclosão de epidemias. Toda área alagada foi contaminada por produtos químicos tóxicos, óleo, esgoto, corpos em decomposição, animais mortos e restos mortais que foram desenterrados dos cemitérios pela força da maré.- 2,3 milhões de casas ficaram sem energia elétrica (cerca de 5

milhões de consumidores ), incluindo o estado da Flórida.- Saques a hospitais e farmácias à procura de remédios.- Ataque de répteis (crocodilos e cobras), às pessoas que se locomovem em meio à inundação.- Só o estado do Mississipi perderá em termos de impostos cerca de US$ 500 mil por dia, com a paralisação dos cassinos da região, sem contar que 14 mil funcionários ficaram desempregados.- A maioria das mortes teria sido causada por afogamentos e desabamentos, mas há ainda mortes por exaustão, por falta de assistência (no caso de doentes) e em crimes ocorridos numa cidade sem lei.- A reconstrução levará alguns anos.

Esses são apenas exemplos de desastres de grande porte. É interessante notar, que somente nos meses de agosto e setembro de 2005 tivemos alguns desastres graves com prejuízos ainda não avaliados.

No Iraque, centenas de pessoas morreram em decorrência de pânico provocado por um boato durante a travessia de uma ponte.

A Europa vem sendo castigada por incêndios descontrolados.

Cinco aeronaves de médio porte caíram ou explodiram.

A costa da Ásia vem sendo castigada por ventos fortes e enchentes com grande número de vítimas.

O Paquistão foi abalado por uma seqüência de terremotos vitimando mais de 30 mil indivíduos e destruindo um número ainda desconhecido de construções.

Todos esses desastres mostram que a natureza esta longe de ser domada e a que tecnologia desenvolvida pelo homem que por um lado gera riqueza e conforto, por outro, ainda não é segura e quando mal administrada ou mal avaliada, pode gerar desastres.

É interessante notar que nem a nação mais rica do planeta está imune a desastres e que muitas das conseqüências do Katrina decorrem de erros humanos, como construções inadequadas, ocupação de área alagável, ausência de planejamento e total despreparo do sistema de defesa civil e da própria população para lidar com um desastre de grandes proporções. Chama à atenção o fato de furacões serem um fenômeno comum no Atlântico Norte, que se repete todo ano e que existe todo um sistema que prevê a ocorrência dos mesmos. Entretanto, as construções locais continuam sendo incompatíveis com ventos fortes.

Além desses desastres pairam sobre o planeta outras ameaças. As autoridades mundiais de saúde têm alertado para riscos de pandemias como a gripe do frango H5N1, que poderiam vitimar 180 milhões a 350 milhões.

Outro fato relevante é que produtos químicos, biológicos e nucleares estão cada vez mais presentes na vida quotidiana do homem e são exemplos típicos da relação desenvolvimento x desastre.

As tecnologias para fabricação, transporte e emprego desses produtos, envolvem alto risco que nem sempre é avaliado de forma adequada.

Processos de alto risco com elevado potencial de morte e dano, são operados por pequenos grupos de pessoas, que pela própria característica do ser humano podem falhar. Eventuais falhas, sejam elas humanas, mecânicas ou fatalidades, podem desencadear grandes desastres. Exemplos típicos são reatores nucleares, plantas industriais de produtos químicos e biológicos, paios de explosivos, laboratórios de microbiologia, entre outros.

Conforme mostrado no gráfico 03 que se segue, a comercialização de substâncias orgânicas em âmbito mundial vem aumentando exponencialmente, principalmente após a Segunda Guerra.

Gráfico 03.

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Comercialização de substâncias orgânicas (t/ano)

050.000

100.000150.000200.000250.000300.000350.000400.000

1950

1955

1960

1965

1970

1975

1980

1985

1990 ANO

t

Fonte: CEPD com base dados Programa Internacional de Segurança Química.

Segundo o Programa Internacional de Segurança Química - IPCS, há mais de 700.000 substâncias, naturais e artificiais conhecidas no planeta (IPCS 1992). Cerca de 70.000 são quotidianamente utilizadas pelo homem, sendo que aproximadamente 40.000 em significativas quantidades comerciais.

Desse total, calcula-se que somente 6.000 possuam uma avaliação considerada minimamente adequada, sobre os riscos para a saúde do homem e do meio ambiente. Em alguns desses produtos ainda não são conhecidos os efeitos de longo prazo nos organismos vivos.

Acrescente-se ao quadro a taxa de inovação tecnológica no ramo químico, que atualmente coloca de 1.000 a 2.000 novas substâncias no mercado.

Além disso, os processos vêm se tornando progressivamente mais complexos, o que demanda proporcionalmente mais mecanismos de proteção e segurança.

Periodicamente, a ONU publica uma relação de produtos perigosos para regulamentação do transporte internacional dos mesmos. Em 2002 a lista continha 3.358 produtos.

Cabe lembrar, que o controle e a fiscalização também se tornarão mais difíceis.

Vazamentos crônicos e lançamentos clandestinos de produtos tóxicos no meio ambiente, mesmo em pequenas quantidades, poderão passar desapercebidos por períodos indefinidos até que sejam detectados por sintomas externos, como intoxicação de animais ou mesmo manifestações mais brandas em humanos, que entretanto, podem ocultar doenças crônicas ou incuráveis em grande parcela da população.

2.4 - Desequilíbrio social. A outra matiz desse quadro sombrio decorre das desigualdades sociais e do crescimento da população mundial.

Nas regiões mais pobres as populações das classes mais baixas cresceram assustadoramente no século XX.

Este crescimento decorreu principalmente da redução da mortalidade infantil, dos avanços da medicina e da ignorância da população das classes com baixo grau de instrução, que desconhecem métodos contraceptivos e de planejamento familiar.

Atualmente, aproximadamente 15 % da população mundial têm todas as necessidades atendidas podendo levar uma vida razoável ou confortável. Os 85 % restantes sofrem de algum tipo de carência e não dispõem de um ou mais dos itens considerados essenciais como água tratada, alimento, saneamento básico, moradia, educação ou emprego.

Nas áreas rurais este crescimento da população levou à subdivisão das propriedades rurais, ocupação de áreas menos produtivas e de áreas de risco, além de práticas que promovem a degradação ambiental. Este manejo inadequado é fruto do trágico casamento da ignorância com a falta de recursos.

Todos estes fatores acabam levando a um paradoxo, ou seja, fome e miséria no campo, que cria correntes migratórias de áreas rurais para áreas urbanas. Esse fenômeno incha as cidades criando um caldo social de difícil administração. 2.5 - Inchaço de centros urbanos e grandes áreas metropolitanas.

A revolução industrial foi o marco inicial do processo de migração da população rural para as cidades. Desde então a população dos centros urbanos vem aumentando.

As correntes migratórias que saem do campo em busca de ilusória melhora de vida nos centros urbanos, são compostas por indivíduos de pouca instrução o que representa mão-de-obra desqualificada em busca de oportunidades, num mercado que exige um mínimo de qualificação e que via de regra está saturado.

As correntes migratórias juntamente com o crescimento vegetativo dos centros urbanos levaram a expansão dos mesmos o que desencadeou um processo de degradação da qualidade de vida por fatores como:−ocupação de áreas de risco;−construções inadequadas;−desmatamento e ocupação irregular do solo;−colapso da infraestrutura urbana;−proliferação de pragas e epidemias;−subemprego;−colapso dos transportes;−colapso do sistema de saúde;−queda de qualidade no sistema de educação;−instalação do crime organizado;−aumento da criminalidade etc..

Os países mais ricos da Europa já atingiram um ponto de relativa estabilidade populacional. Entretanto, em alguns países o cidadão só pode mudar o domicílio mediante a comprovação de determinados requisitos, cabendo a decisão final ao Estado. Mas a existência de cidades como Nova Iorque e Tóquio, demonstram que cidade inchada não é prerrogativa de pais pobre ou em desenvolvimento.

Quando a população cresce, sem que exista uma expansão proporcional da infraestrutura, dos serviços, da oferta de empregos e moradias, do aparato de segurança pública e etc, o centro urbano tende a se tornar uma aglomeração de gente onde lei e ordem são relegados a planos secundários. A conseqüência é a falência da estrutura da sociedade, podendo em casos extremos levar a distúrbios ou mesmo ao estado de guerra civil.

É interessante notar que no Brasil, apesar do início do processo de inchaço dos centros urbanos ser antigo, não conseguimos ainda reverter o quadro, que pelo contrário vem se agravando de forma não linear nas últimas décadas.

Todos esses desequilíbrios geram conseqüências que afetam diretamente a ordem, o bem estar e o desenvolvimento.

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Este é o quadro que a maioria das capitais brasileiras e grandes centros urbanos vêm enfrentando e que tem engrossado a estatística de desastres urbanos.

Indiretamente, as conseqüências deste processo são o agravamento de riscos latentes e o aumento da vulnerabilidade. Além disso, a concentração da população tende a expor mais indivíduos aos riscos, o que torna qualquer medida, seja ela preventiva ou de resposta, onerosa, complexa e via de regra insatisfatória.

Exemplos típicos são as inundações urbanas que a cada ano se tornam mais graves. A questão não está afeta ao fenômeno que são as chuvas que sempre existiram, mas sim as alterações que o homem vem promovendo nos centros urbanos. O desmatamento, a impermeabilização da superfície pelas construções, pavimentação e urbanização, o assoreamento e a obstrução dos caminhos das águas com lixo e construções, impedem a infiltração e escoamento superficial, tornando as vazões incompatíveis com a rede drenagem existente.

2.6 – Conclusão parcial.

A humanidade vive um momento muito singular de sua evolução. A tecnológica associada ao crescimento da população mundial e suas conseqüências vêm gerando modificações em escala planetária cujas relações de causa e efeito não são conhecidas.

Muitos dos processos em curso, como degelo de calotas polares, emissão de gás carbônico, destruição da camada de ozônio, efeito estufa, alterações climáticas e outros, nunca foram experimentados pela humanidade não havendo experiências anteriores que permitam avaliar quão nocivos sejam para a vida no planeta. Na realidade, não sabemos até que ponto esses fenômenos afetam a vida no planeta terra.

Pela mesma razão, por mais que existam cientistas estudando permanentemente esses fenômenos, não existe um consenso quanto a medidas confiáveis e viáveis para nos conduzir a futuro seguro. Por outro lado, é certo que a busca de um equilíbrio viável para humanidade passa por alguns pontos básicos que ferem as atuais políticas públicas e de desenvolvimento da maioria dos países do mundo.

Além disso, os processos em curso em escala planetária são de tal magnitude, que sua reversão, caso seja possível, não se dará de imediato. Esses processos têm uma inércia gigantesca e sua reversão só ocorrerá no longo prazo, caso os fatos geradores cessem ou voltem a níveis que o ambiente têm capacidade de absorver sem alterar o equilíbrio.

A grande questão é que quanto mais postergarmos medidas concretas para frear ou reverter os processos em curso, tanto mais difícil se tornará à vida no planeta para as próximas gerações.

O quadro anteriormente descrito é sombrio, não resta dúvida. Entretanto, já há o despertar de uma consciência coletiva não só da população, mas também de algumas autoridades mundiais. Felizmente muitos já perceberam que a humanidade está diante de problemas globais que demandam soluções técnicas de âmbito global, onde cada país e no fundo cada indivíduo terão que ter ações mais pró-ativas.

Exemplos dessa consciência são a conferência de Estocolmo, o evento denominado Eco 92 e finalmente o Protocolo de Kioto, onde já foram fixadas metas para redução de emissão de gases que provocam efeito estufa. Ainda que o acordo não tenha sido

ratificado por todos os países membros, é uma demonstração clara de mudança global de atitude.

Como essa iniciativa existem, outras em curso que são o contraponto desse quadro sombrio anteriormente descrito.

3 – O MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO.

Como já mencionado, no estudo de risco uma das variáveis fundamentais é a população.

Em termos de população a cidade do Rio de Janeiro está entre as 30 maiores do planeta.

Como todas as cidades desse porte no mundo, temos muitos problemas a superar.

3.1 - Evolução da população do Rio de Janeiro.

Até 1996 a população do Rio de Janeiro vinha mostrando uma desacelaração do crescimento, indicando haver uma tendência de estabilização. Entretanto o censo de 2000 mostrou um aumento atípico da população o que dificulta uma previsão de longo prazo.

No Rio de Janeiro a população de aglomerações subnormais, praticamente coincide aquela de favelas e corresponde a 20 % da população total do município.

O município do Rio de Janeiro tem atualmente mais de 700 favelas cuja distribuição está assinalada no mapa esquemático da figura 01, em vermelho.

Figura 01

Fonte IPP

O gráfico 04 mostra a população atual do município e uma projeção para 2020, podendo haver variações entre população de asfalto e aglomerações subnormais que levariam aos extremos indicados nas linhas de tendência cheias e pontilhadas.

Após 2005 os gráficos apresentam bifurcações decorrentes de duas hipóteses de crescimento diferentes. As linhas pontilhadas representam a hipótese de menor crescimento das populações de aglomerações subnormais, enquanto as linhas cheias representam a hipótese de maior crescimento das populações de aglomerações subnormais. É provável que a realidade venha a ficar entre estes limites.

Apesar desse crescimento o Rio de Janeiro vem se aproximando de um padrão de estrutura etária semelhante ao de alguns países Europeus.

Gráfico 04.

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Fonte: CEPD com base dados IBGE

Existem diferenças fundamentais. No Rio de Janeiro é visível que as classes mais empobrecidas têm uma taxa de fertilidade mais alta do que o restante da população.

A taxa de fertilidade média do município do Rio de Janeiro é de 1,6 filhos por mulher. A taxa de fertilidade da população de aglomerações subnormais é da ordem de 2,6 enquanto a taxa de fertilidade da população de asfalto é da ordem de 1,4.

No balanço final, a população de asfalto leva seis anos para crescer o que as populações de aglomerações subnormais crescem em um ano.

Esses números têm um significado importante para a evolução da cidade, pois estão ligados a diversos fatores que demandam um estudo prospectivo mais detalhado.

Considerando essas taxas, verifica-se que as populações de asfalto e de aglomerações subnormais tendem a evoluir de modos distintos.

O gráfico 05 mostra uma estimativa dessa evolução no ano de 2020.

Gráfico 05.

Fonte: CEPD com base dados IBGE

Novamente a bifurcação do gráfico representa duas hipóteses extremas, sendo provável que a realidade venha a ficar entre estes extremos.

Seja como for, é preocupante imaginar que praticamente 1/4 da população do município viverá em aglomerações subnormais, gerando demandas que não consegue suprir, onerando assim os cofres públicos.

3.2 - Evolução do PIB do município do Rio de Janeiro.

O Produto Interno Bruto vem evoluindo gradativamente ao longo dos anos. Porém, a inflação e os sucessivos planos econômicos dificultam a apresentação de uma série consistente, uma vez que qualquer critério de correção para trazer valores históricos a um valor presente pode levar a erros grotescos. Por essa razão, os gráficos a seguir só apresentam dados a partir de 1994, quando foi implantado o padrão monetário Real (R$) e a inflação foi reduzida a um patamar da ordem de 5% ao ano, com algumas variações.

A seguir serão apresentadas outras características do Rio de Janeiro.

Considerando que a grande maioria do comércio, indústria e prestadores de serviços das áreas subnormais pertencem à economia informal, é aceitável concluir que o PIB dessas áreas praticamente não é computado no PIB oficial.

Portanto conclui-se que a riqueza gerada por aglomerações subnormais decorre do somatório de salários e remunerações por serviços prestados por indivíduos que residem nessas áreas.

PIB total: R$ 68,86 bilhão

Renda Bruta do Município do Rio de Janeiro (bilhão R$):- Total: 3,47 - População asfalto: 3,17 + 0, 1 (91 % da PEA)

- População agl. Subnormais:0,30 + 0,1 (19 % da PEA)

PEA – População Economicamente Ativa.(Fonte: Censo Demográfico 2000 IBGE)Nota: algumas informações divergem dependendo da fonte. Em decorrência da dificuldade de definir a áreas censitárias.

Esses valores mostram claramente, que o crescimento da população de aglomerações subnormais, fatalmente levará a um crescimento cada vez menor da renda bruta no município e a uma conseqüente concentração de riqueza.

Portanto, uma das origens da concentração da riqueza é a própria dinâmica do crescimento da população.

Outra característica relevante é relativa ao grau de instrução e pode ser verificada na tabela que se segue.

Tabela 02 – Anos de Estudo.Ano 1991 2000

Aglomerações Subnormais 3,31 4,26Asfalto 6,58 7,45

Nesse aspecto é interessante notar, que em média, nem mesmo a população de asfalto tem o primeiro grau completo, o que têm estreita relação com a renda.

3.3 - Investimentos do Município do Rio em programas assistenciais.

O Rio de Janeiro foi fundado entre maciços rochosos, montanhas e o mar, tendo áreas de encosta que tecnicamente não deveriam ser ocupadas. Entretanto a carência de áreas planas a custo accessível, levou a população mais pobre a ocupar áreas de encostas, bacias alagáveis, calhas de rios e outros locais sem qualquer planejamento e em franco desrespeito a legislação de uso e ocupação do solo.

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Esse processo foi acompanhado de desmatamento, desvios de caminhos das águas, escavações e aterros em áreas de risco e outras práticas tecnicamente inaceitáveis.

Com isso foram criadas inúmeras áreas de risco que demandam monitoramento permanente, intervenções de toda natureza, estrutura de pronta resposta em caso de desastre e obras de infraestrutura que em condições normais jamais seriam cogitadas ou seriam executadas às expensas dos próprios interessados. Todos esses fatores geram ônus para os cofres públicos que não são desprezíveis.

Os gráficos 06 e 07 mostram quanto vem sendo investido em obras e projetos sociais voltados para áreas carentes.

Gráficos 06 e 07

Considerando que a população de aglomerações subnormais tende a crescer conforme mostrado no gráfico 05 e que não há áreas disponíveis para expansão, é de se esperar que seja necessário prever um aumento proporcional maior de investimentos para estabilizar áreas de risco e fazer manutenção periódica em caráter preventivo.

Ainda que os números aqui apresentados não sejam exatos, é possível concluir que a continuidade dessa realidade leve o município do Rio ao empobrecimento com o conseqüente aumento do número de desastres, com números de vítimas e danos progressivamente maiores.

3.4 - Desastres passíveis de ocorrência no Rio de Janeiro.

O Brasil como um todo está situado numa plataforma continental, onde praticamente não ocorrem atividades tectônica e vulcânica expressivas.

O Atlântico Sul não é propício a formação de ciclones como aqueles que ocorrem no Atlântico Norte e no Pacífico, o que reduz bastante a gama de desastres naturais passíveis de ocorrência no Brasil e especificamente no Rio de Janeiro.

De forma a permitir uma visão mais completa, foram listados todos os desastres passíveis de ocorrência no município do Rio de Janeiro e apresentados na tabela 03.

O número de referência na primeira coluna da tabela se refere ao código CODAR, publicado pelo Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC.

A lista exclui alguns desastres cuja ocorrência tem baixa probabilidade no município do Rio de Janeiro. Na realidade esse é um estudo que precisa ser aprofundado, pois nem tudo que hoje é pouco provável o será num futuro próximo.

Tabela 03.

CÓDIGOCODAR ESPECIFICAÇÃO

22.201 Desemprego e/ou subemprego generalizado22.203 Fome e desnutrição22.206 Infância e juventude marginalizadas ou carentes22.209 Tumultos e desordens generalizados22.210 Tráfico de drogas intenso e generalizado22.211 Incremento dos índices de criminalidade22.212 Banditismo e crime organizado22.214 Colapso do sistema penitenciário

CÓDIGOCODAR ESPECIFICAÇÃO

31.101 Redução da camada de ozônio31.201 Efeito estufa31.202 Chuva ácida31.203 Inversão térmica

Algumas das mudanças climáticas em curso podem, por exemplo, alterar significativamente o tempo de recorrência de ventos e chuvas que hoje têm baixa probabilidade de ocorrência no Rio de Janeiro.

É interessante notar que muitos dos itens definidos como desastres pelo CODAR já estão em curso no Rio de Janeiro ou vêm ocorrendo numa freqüência acima do normal.

A questão fundamental é que existem inúmeras ameaças passíveis de ocorrência no Rio de Janeiro e que grande parte da população é vulnerável ao extremo a elas, o que leva a conclusão de risco inaceitável.

Outras ameaças têm baixa probabilidade de ocorrência, porém alto poder de destruição ou dano e muitas vezes vulnerabilidade total. Esses riscos também demandam estudo detalhado para

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CÓDIGOCODAR ESPECIFICAÇÃO

23.1 Transmissão por vetores biológicos23.2 Transmissão por água / alimentos23.3 Transmissão por inalação23.4 Transmissão por sangue / secreções23.5 Transmissão por mais de um mecanismo

CÓDIGOCODAR

ESPECIFICAÇÃO

11.101 Impacto de meteorito12.101 Vendaval ou tempestade12.102 Vendaval intenso ou ciclone12.103 Vendaval extremo, furacão ou ciclone12.104 Tornado e tromba d’água12.205 Granizo12.302 Enxurrada ou inundação brusca12.303 Alagamento13.301 Escorregamento e deslizamento13.302 Corrida de massa13.304 Rolamento matacão ou rocha13.306 Erosão linear13.308 Erosão fluvial14.101 Rato doméstico14.203 Maré vermelha

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desenvolvimento de conhecimento que permita atuar com eficiência nas fases PPRR (Prevenção – Preparação – Resposta – Recuperação). Desses desastres, aqueles que provavelmente vêm causando maior impacto na população são: − violência urbana associada ao crime organizado;− zoneamento urbano / rural deficientes (favelização);− deslizamentos ou escorregamentos;− enxurrada ou inundação; − alagamentos e em menor escala;− vendavais.

Apesar de todos esses desastres serem fenômenos distintos, seus efeitos muitas vezes se somam desencadeando processos mais complexos. É certo, por exemplo, que o crime tenha estreita relação com a favelização.

Deslizamentos ou escorregamentos têm correlação com a ocupação inadequada de encostas, que via de regra decorre de cortes e aterros, alterações no escoamento de águas pluviais, desmatamento e sobrecarga incompatível com a geometria e natureza do terreno.

Alagamentos têm relação com assoreamento de galerias ou incompatibilidade de vazões, que via de regra decorrem do aumento da área de contribuição ou do aumento do volume de água aduzido às mesmas. Seja como for, alagamento é indício típico de expansão urbana sem planejamento ou ocupação inadequada ou mesmo infraestrutura insuficiente.

Alagamentos e deslizamentos são desastres tipicamente decorrentes de fenômenos naturais, catalisados ou potencializados por atividade humana irresponsável. Nesse aspecto educação e disciplina, associados ao poder coercitivo do Estado de forma a compelir o cidadão a cumprir a lei e coibir eventuais desvios de conduta, minimizam riscos, desde que se consiga sanar algumas deficiências crônicas, criadas ao longo de alguns séculos.

Entretanto, nem todos os desastres passíveis de ocorrência no município do Rio estão na esfera de competências rotineiras do município e não podem ser evitados de maneira tão simples.

Exemplos típicos são crime e violência urbana que estão codificados como desastres quando fogem ao controle do Estado. Nesse aspecto, o município do Rio de Janeiro infelizmente já vive a condição de desastre, pois o aparato policial e judicial disponíveis e dimensionados para a condição de rotina de combate ao crime não conseguem restaurar a normalidade, sendo necessário recorrer a outras esferas.

O exemplo da segurança pública será abordado por ser o único desastre continuado, que abrange praticamente todo o município do Rio de Janeiro e que têm conseqüências em todos os segmentos da economia e sociedade carioca.

Além disso, permite demonstrar que Defesa Civil vai muito além de coordenar o socorro de vítimas em desabamentos, incêndios e ocorrências similares. Muitos desastres demandam um planejamento integrado de longo prazo envolvendo todas as esferas do poder público.

O tópico, desastre referente à segurança pública, é extremamente complexo, pois pode demandar além dos meios normalmente envolvidos como todo aparato policial e judicial, intervenções mais dolorosas com forças federais e projetos sociais, educação, intervenções urbanas, entre outras. Seja como for, a solução não será no curto prazo, pois demanda estudo e trabalho coordenados.

Segurança pública é obrigação constitucional das polícias estaduais e federais. Entretanto, quando a questão assume proporção de desastre, é necessário que seja tratada como tal, ampliando-se o universo de recursos e meios alocáveis para buscar o retorno da normalidade.

Nesse aspecto cabe à Defesa Civil avaliar permanentemente todos os fenômenos em curso para sinalizar a condição de desastre e desenvolver estudos prospectivos para tentar antever a evolução da crise. Eventualmente esses estudos podem ter utilidade para planejar soluções.

A questão da segurança pública talvez seja, na realidade, o desastre mais grave na atualidade do Rio de Janeiro, pois tem conseqüências que nenhum outro desastre apresenta, no curto, no médio e no longo prazo. Além de ser um desastre continuado e fase de agravamento, afeta praticamente todo município, não só na área econômica, mas também na esfera psicosocial. Algumas das conseqüências:- Perda de vidas humanas.- Feridos.- Ônus para a rede de atendimento a emergências.- Fuga de investimentos.- Fuga das classes de renda mais elevada.- Impacto negativo na imagem da cidade e no turismo.- Depreciação patrimonial no entorno das áreas conflagradas.- Queda da arrecadação de impostos em geral.- Aumento de ilícitos por ação do crime organizado.- Criação de zonas de exclusão e homizío.- Aumento da informalidade da economia.- Dissenssibilização da população.- Abusos contra menores.

Existem ainda outras conseqüências e efeitos colaterais não mencionados aqui. Basta lembrar que cada um dos itens anteriormente mencionados pode desencadear outros processos que tendem a deteriorar a sociedade.

Apenas para lembrar da gravidade do problema, existem alguns fatores que podem aprofundar essa crise levando-a ao descontrole total.

Atualmente o crime organizado está dividido em facções que disputam áreas de influência e a polícia já não tem controle de áreas conflagradas. As facções em conflito vêm se desgastando mutuamente o que dispersa seu poder e minimiza danos à população que não é seu alvo prioritário.

Entretanto, já vimos pequenas amostras de deliberada demonstração de poder e desafios ao Poder Público, que culminaram com decretação de feriados, fechamento de túneis, tiroteio contra o prédio da Prefeitura, entre outras.

As facções atualmente são comandadas por indivíduos relativamente mal letrados que não têm capacidade de desenvolver planejamentos estratégicos. Entretanto, o poder de compra é praticamente ilimitado e todo arsenal bélico disponível no mercado internacional está ao alcance dessas facções.

Se houver plena capacidade de emprego tático desse arsenal e capacidade de planejamento estratégico, sofreremos um duro golpe, ampliando a escala do desastre, pois haverá destruição de veículos e aeronaves em pleno centro urbano ou mesmo emprego de armas mais ofensivas.

Se em outro momento houver a unificação do crime, com delimitação de áreas de exploração por acordos e uma coordenação central, com ramificação e suporte de empresas, entraremos em estado guerra civil, que é um dos desastres mais complexos e onerosos em todos os aspectos.Por último, se houver infiltração de indivíduos do crime organizado na estrutura político-administrativa do país em

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número representativo, o retorno à normalidade será um processo doloroso, pois implicara em medidas radicais.

Esse é apenas um exemplo.

Desastres podem ser como doenças incubadas. Permanecem no sistema, inertes por longos períodos e em determinado momento se manifestam, eclodem e se tornam visíveis.

O estudo sistemático de desastres visa exatamente identificar tudo que possa vir a trazer dificuldades para o futuro da cidade e de sua população, ainda que hoje não seja visível.

3.5 - Correlação entre população e desastre.

Para entender melhor como população e desastre estão correlacionados, será explicado de forma resumida como é feito o estudo de vulnerabilidade e risco.

O estudo tem início pelo levantamento de todas as ameaças passíveis de ocorrência na área em estudo. No caso do Rio de Janeiro, esse item se resumiria praticamente a tabela 03 apresentada no item 3.4.

Em seguida cada um dos fenômenos é avaliado quanto à intensidade e tempo de recorrência.

Até então não há risco, pois seja qual for o fenômeno e independente da intensidade ou do tempo de recorrência não gerará danos caso ocorra numa área inóspita.

O segundo passo consiste em avaliar todos os elementos em risco. Isto representa localizar todas instalações, construções, áreas de interesse, pontos sensíveis ou populações nas áreas abrangidas pelo estudo.

Note-se que ainda não há risco, pois tudo dependerá da capacidade de absorção e resistência desses elementos à ameaça em questão. O terceiro passo consiste exatamente em avaliar a vulnerabilidade de cada um dos pontos elementos em relação a cada ameaça.

Finalmente superpondo todos esses estudos, é possível quantificar o risco.

Os desenhos na coluna ao lado ilustram e ajudam a compreender melhor essa breve explanação. (Ameaça – precipitação)

A população pode ter influência decisiva na maioria dos desastres.

São dois aspectos fundamentais. Não gerar ameaças e minimizar as vulnerabilidades.

Muitas ameaças são fenômenos naturais, não sendo possível atuar em sua minimização. Entretanto, quase sempre é possível minimizar a vulnerabilidade de forma a minimizar ou anular o risco.

Essas vulnerabilidades só podem ser minimizadas com investimentos. Quem quer que construa numa área sujeita a determinados fenômenos naturais, terá que fazê-lo de forma a tornar a construção segura àquele fenômeno. Tal só acontecerá quando a população tiver atingido um patamar de riqueza mínimo. Atualmente estamos muito longe dessa meta.

Um exemplo é a chuva mostrada na explicação anterior . Uma chuva atípica pode instabilizar encostas, alagar baixadas, destruir área urbana, rural e industrial. A ameaça – chuva atípica – em si

não é um risco. O risco só se configura quando existem elementos que não resistem a essa chuva. Portanto se na encosta existem drenagem e contenção adequados, provavelmente nada acontecerá e casas bem construídas nada sofrerão. Da mesma forma, se na área sujeita a alagamento as casas forem construídas sobre pilotis, corretamente dimensionados, a simples elevação do nível de água não causará prejuízos.

Enquanto houver crescimento de uma parcela da população que simplesmente gera demandas e conseqüentes investimentos que em situação normal não seriam necessários, estaremos administrando um sistema caótico, pois a cada ameaça neutralizada, outras surgirão.

Se a população que gera demandas vem crescendo numa taxa maior que aquela que gera riquezas e se as demandas são descontroladas, é certo que o município estará destinando progressivamente mais recursos às quatro fases de desastres PPRR e que em algum momento esse montante será inaceitável.

Além disso, não é justo impor à população que paga impostos e para a qual existem limites de uso e ocupação do solo impostos por lei, o ônus de manter e fomentar a ilegalidade em seu próprio prejuízo, pois de uma forma ou de outra, a ocupação desordenada gera vulnerabilidade para a cidade como um todo.

A solução não é simples, nem se dará no curto prazo, pois existem limitações financeiras, ética, legais e morais, que necessariamente devem ser respeitados.

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A solução demanda um planejamento integrado e políticas de longo prazo.

4 - CONCLUSÃO.

As chaves fundamentais para um sistema de baixa vulnerabilidade são o ordenamento urbano, construções resistentes aos fenômenos mais freqüentes, infraestrutura adequada e principalmente, educação da população para que as leis sejam plenamente respeitadas.

Nesse sentido uma conclusão genérica é que o Estado, aqui compreendido como nação política e juridicamente organizada, não pode ser permissivo. Quanto maior a população, tanto maior terá que ser o rigor na exigência do cumprimento da lei, para que se evite criar ameaças e vulnerabilidades.

Seria uma pretensão, numa breve conclusão, detalhar políticas públicas que permitam resolver problemas tão complexos como esses anteriormente mencionados.

Na realidade desenvolver planejamento estratégico para a Cidade do Rio de Janeiro é uma das atribuições do Centro de Estudos e Pesquisas de Desastres.

Entretanto, em linhas gerais algumas conclusões são relativamente óbvias.

Todos desejamos que o Rio de Janeiro se torne uma cidade agradável, sem problemas e que seus atrativos não sejam apenas a beleza retratada em belos cartões postais, cujos ângulos devem ser cuidadosamente escolhidos para esconder aquilo que não gostaríamos que existisse. Desejamos que o Rio de Janeiro se torne referência de qualidade de vida.

Para tal é necessário idealizar um planejamento de longo prazo que em linhas gerais, consiste em:- desenvolver um novo plano de urbanização da cidade para implementação gradativa e eliminação progressiva de áreas de risco;- identificar os principais óbices ao desenvolvimento do município e implementar medidas estruturais que tornem o Rio de Janeiro atrativo para investimentos;- criar mecanismos que permitam inserir toda população na cadeia de produção de riquezas;- disseminar o planejamento familiar;- coibir o crescimento desordenado e tratar áreas de risco;- avaliar criteriosamente o ponto de equilíbrio da população para evitar o inchaço urbano. É possível que num futuro próximo seja necessário incentivar as classes média e alta a terem mais filhos;- desenvolver uma cultura de prevenção na população;- estruturar e treinar o sistema de Defesa Civil para atuar com eficiência na coordenação das fases PPRR em desastres de qualquer natureza.

Muitas das questões aqui levantadas ficaram sem respostas. Conforme mencionado na introdução o objetivo era mostrar quão complexo e multidisciplinar é o trabalho de planejamento da Defesa Civil. Havendo crescimento sustentável, prosperidade e equilíbrio social, as conseqüências de eventuais desastres tendem a ser minimizadas o que torna a Defesa Civil muito mais que um instrumento de resposta.

Talvez o aspecto mais relevante aqui, seja despertar a sociedade para a importância da integração de todos os entes preocupados com o futuro da cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de gerar planejamento estratégico e conhecimento para o desenvolvimento sustentável e seguro do município.

Nesse sentido é fundamental lembrar que a evolução é processo histórico onde cada geração terá que dar de si um pouco para

construir um país e um mundo melhores, sem esperar reconhecimento ou glória.

Por último cabe ressaltar que conforme já abordado anteriormente, a globalização nos inseriu a todos numa gigantesca aldeia global, na qual problemas locais podem se tornar problemas globais.

Portanto todos devemos trabalhar por um Rio melhor, por um Brasil melhor e por um mundo melhor, para as próximas gerações.

(Bruno Engert Rizzo e Davi Figueiredo Becker são engenheiros da Defesa Civil, atualmente integrantes do CEPD)

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DIÁLOGO

O Boletim de Administração de Desastres está aberto à críticas, reclamações, perguntas, e sugestões. Também gostaríamos de receber contribuições de pesquisadores ou colabores de outros órgãos ou mesmo independentes.

Dentro das possibilidades, nenhuma mensagem recebida, será deixada sem resposta. É importante conhecer a opinião de nossos leitores. Os contatos deverão ser feitos através do e-mail [email protected] ou via postal.