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CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
O RECRUTAMENTO PARA A MARINHA DE GUERRA DO BRASIL
( 1822-1824): ENTRE DOIS EXTREMOS
Rosângela Maria da Silva
Londrina-PR
2006
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
Rosângela Maria da Silva
O RECRUTAMENTO PARA A MARINHA DE GUERRA DO BRASIL
( 1822-1824): ENTRE DOIS EXTREMOS
Monografia de Especialização apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de História, na linha de pesquisa História Social. Orientador: Prof.o. Dr.o José Miguel Arias Neto
Londrina -PR
2006
Rosângela Maria da Silva
O RECRUTAMENTO PARA A MARINHA DE GUERRA DO BRASIL
(1822-1824): ENTRE DOIS EXTREMOS
Londrina -PR 2006
Agradecimentos
Aos meus pais, Francisco e Dolores, que mesmo não sabendo muito bem aonde tudo ia
dar me apoiaram no que foi possível, me amando e me compreendendo.
Aos meus irmãos, Anderson, Alzenira, Roseli, Rosimeire, Isabel, Dolores e Carlos que
me acompanharam neste processo, especialmente àqueles que estavam comigo na minha luta
cotidiana.
Aos meus sogros, Estela e José Maria que me acompanharam nesta trajetória e me
trataram como filha.
Às amigas, Ariane e Luciana, àquela por ser minha parceira de todas as horas:
solidária nos momentos de aflição, tornou o caminho mais leve. À esta, por sua doce e
prazerosa companhia durante as viagens, que sensível à minha falta de recursos me introduziu
no mundo da informática.
Aos amigos do grupo de pesquisa da Marinha de Guerra: Maira, Gilberto, Maué,
Felipe, Tatiane e Marco Aurélio que fizeram das reuniões momentos alegres e de trocas de
informações. Aos professores, José Miguel Arias Neto pela condução firme e competente do
projeto, e Silvia Lenz que trouxe às discussões temas importantes para o conhecimento
histórico.
À amiga, Rosângela Cristina que digitou o trabalho com paciência, dedicação e
competência.
À Zilmar e Rosimere Riccy que me acolheram carinhosamente em suas casas.
Aos funcionários do Centro de Documentação e Pesquisa do Departamento de História
da Universidade Estadual de Londrina que colaboraram com este estudo.
Às secretárias, Celina Negrão e Neobi Fumiko Kayano, e à todos os professores do
Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina que direta ou indiretamente
contribuíram para a minha formação.
Ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) por me fornecer a bolsa de estudos durante
o período de agosto de 2004 a dezembro de 2004.
Ao meu querido orientador, Prof.o DR.o José Miguel Arias Neto, que acompanhou a
minha caminhada: reconheceu os meus limites mas acreditou na minha superação, a quem,
guardo profundo respeito, admiração e carinho.
Ao amor da minha vida, meu afilhado Jhon Lucas, que foi minha inspiração e fonte de
energia para superar os obstáculos; meu maior orgulho. Quando você nasceu eu nunca
imaginava em amar-lhe tanto. Mas, como dito na música do Peninha, você foi crescendo,
crescendo, me absorvendo e de repente eu me vi assim completamente seu. Por você, meu
querido, todo o esforço valeu a pena.
Ao meu namorado Odair, meu mecenas, aquele a quem tudo devo. Num final de tarde
de dezembro do ano de 1995 o convidei para fazer parte da minha vida e ele aceitou. Durante
o carnaval de 1996 afirmamos, definitivamente, o nosso namoro, que bom. Vários carnavais
se passaram e aos ritmos do samba tivemos que aprender a dançar, com muita dedicação e
compreensão nos fizemos bons parceiros na dança. Posso afirmar, como na música de
Caetano Velozo, que agora “o nosso amor esta mais firme do que quando começou”. Neste
tempo breve dos homens o acaso nos proporcionou muitos momentos e , em todos eles, meu
amado, foi para mim “como a última luz na varanda a todas as aflições do dia”. ( Dalton
Trevisan)
Duas coisas me enchem a alma de
crescente admiração e respeito,
quanto mais intensamente e
frequentemente o pensamento
delas se ocupa: o céu estrelado
sobre mim e a lei moral dentro de
mim1. (Immanuel Kant)
1 APUD- GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia : Romance da história da filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p.360.
Resumo
Até a criação da Companhia dos Imperiais Marinheiros, em 1836, os dois métodos de
se compor as guarnições dos navios eram: o recrutamento forçado e o alistamento voluntário.
Como este era quase sempre irrisório não abastecendo a quantidade de homens necessários
para abastecer as fileiras das forças armadas recorria-se ao primeiro. O recrutamento forçado
foi basicamente o único método que realmente abasteceu as fileiras da Marinha e do Exército
durante o século XIX, sobrepondo-se ao alistamento voluntário.
As peculiaridades da formação do Estado Imperial brasileiro- assentadas na
permanência da economia escravista e na incapacidade do poder central em estender o seu
domínio eficientemente por todo o território- acabou por favorecer a realização do
recrutamento forçado que, de um lado, fundou-se nas relações patrono-cliente e, de outro,
baseou-se nas determinações legais, expressas nas Instruções de 1822 e na Constituição de
1824.
Desta forma, o objetivo deste estudo foi investigar como se processou a realização do
recrutamento forçado para a Marinha de Guerra, que fundado nestes dois extremos-
representados, por um lado, pelas relações patrono-cliente das regras não escritas e, por outro,
pelas determinações legais das normas escritas- acabaram por se ajustar à natureza política,
social e econômica do Estado Imperial Patrimonialista.
Abstract
Sumário
Considerações Iniciais................................................................................................
A escolha do tema .........................................................................................................
A problemática ..............................................................................................................
Capítulos .......................................................................................................................
A monografia ................................................................................................................
Capítulo 1: Caminhando para o recrutamento forçado: historiografia, metodologia e
fontes ...........................................................................................................................
1.1- Historiografia ...................................................................................................
1.2- Metodologia ....................................................................................................
1.3- Fontes .............................................................................................................
Capítulo 2: Espaço e tempo:algumas peculiaridades da formação do Estado Imperial e
da Marinha de Guerra do Brasil ............................................................................
2.1- O Estado Imperial: questão social, política e econômica ................................
2.2- A formação das Forças Armadas do Brasil: suas peculiaridades ....................
2.3- A Marinha de Guerra: o ideal de integridade territorial e unidade nacional ...
Capítulo 3: O recrutamento no Império: entre dois extremos ...........................
3.1- Os desclassificados sociais: bêbados, mendigos e ladrões no recrutamento ..
3.2- Escravos da nação, escravos fugidos e escravos em correção na Marinha de Guerra
3.3- Os dois extremos: a ordem institucional e a economia das regras não escritas....
Capítulo 4: Permanências, mudanças e resistência no recrutamento .......................
4.1- Permanências e mudanças no recrutamento ......................................................
4.2- Recrutamento: o temor da sociedade ................................................................
4.3- A resistência ao recrutamento ..........................................................................
Considerações finais ...................................................................................................
O recrutamento entre dois mundos ...............................................................................
Referências bibliográficas .........................................................................................
Considerações iniciais
A escolha do tema
Esta pesquisa que se apresenta em forma de monografia ao curso de Pós-Graduação
em História Social da Universidade Estadual de Londrina teve origem no Projeto de Pesquisa,
A Formação da Marinha de Guerra do Brasil (1821-1845), do Professor-Doutor José Miguel
Arias Neto. Deste projeto inicial se construiu um subprojeto com o tema: O Recrutamento
para a Marinha de Guerra do Brasil, que contou com o financiamento da bolsa de pesquisa
PIBIC-CNPq com duração de agosto de 2004 a dezembro de 2004.
Com os recursos da bolsa de iniciação científica foi possível analisar os seguintes
documentos: os relatórios dos Ministros da Marinha (1828 a 1840), a Coleção das Leis do
Império do Brasil (1822 a 1840), as Atas do Conselho de Estado (1822, 1824, 1827, 1834 e
1845) e alguns microfilmes do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) acerca da
Marinha de Guerra brasileira. Esta documentação está disponível no Centro de Documentação
e Pesquisa Histórica (CDPH) da Universidade Estadual de Londrina.
O recrutamento forçado para a Marinha de Guerra do Brasil nos anos de 1822 a 1824 é
o tema desta pesquisa. A escassez de homens que se alistavam voluntariamente para
exercerem o ofício de marinheiros e soldados do Corpo de Artilharia da Marinha levou o
Estado Imperial a recorrer ao recrutamento forçado. Os dois métodos para se compor as
guarnições dos navios eram: o alistamento voluntário e o recrutamento forçado. Caso o
primeiro não suprisse as fileiras com o número desejado pelas Forças Armadas apelava-se
para o segundo. Como era irrisório a quantidade de candidatos que se apresentavam por sua
livre e espontânea vontade, a saída então foi recorrer ao recrutamento forçado. Nesse sentido,
o historiador Álvaro Pereira do Nascimento afirma: o recrutamento tornou-se algo quase
universal no que tange à incorporação de novos soldados e marinheiros, alargando as
fronteiras de seu significado e encampando o que era definido por alistamento militar 2.
2 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do Convés ao Porto: A Experiência dos Marinheiros e a revolta de 1910. Tese de Doutorado- Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, São Paulo: 2002, p.69.
A problemática
O problema levantado por este trabalho está relacionado a duas leis do século XIX
concernentes ao recrutamento militar. A primeira diz respeito às Instruções do recrutamento
de 10 de julho de 1822 que em seu artigo terceiro define: ficam sujeitos ao recrutamento
todos os homens brancos solteiros, e ainda pardos libertos, de idade de 18 a 35 anos3.A
segunda está ligada ao artigo 145 da Constituição de 1824 que estabelece: todos os
brasileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a independência e integridade do
Império,e defende-lo dos seus inimigos externos, ou internos 4.
Partindo destes dois artigos - um inerente às instruções acerca do recrutamento de
1822 e o outro referente aos brasileiros destinados ao serviço militar definido pela
Constituição de 1824 - pretende-se compreender as seguintes questões:
a) O que está nas entrelinhas destas determinações que impedem o alargamento da base do
recrutamento?
b) Qual foi a base política, econômica e social que sustentaram a formação do Estado Imperial
e influenciaram nos meios adotados para a realização do recrutamento forçado?
c) Qual a saída encontrada pelo Estado Imperial para recrutar o número de praças necessários
no serviço da marinha sem atingir a propriedade escravista?
A hipótese levantada é a seguinte: através da análise documental e da leitura
bibliográfica foi possível observar que a formação do Estado Imperial definiu um tipo de
recrutamento que nem sempre seguia as determinações legais. Isto porque, o Estado Imperial
enfrentava dois problemas: a falta de voluntários para servir a Armada - por isso o apelo ao
recrutamento – e a necessidade da preservação da economia escravista. Estes dois extremos –
impuseram ao Estado brasileiro um tipo de recrutamento que, embora herdado da Marinha
Portuguesa, teve no território brasileiro suas peculiaridades, funcionando de acordo com o
pensamento político, econômico e social do período.
Deve-se acrescentar que, a natureza do Estado Imperial, baseada numa estrutura
paternalista e autoritária, impunha regras não escritas à condução do recrutamento forçado.
Observa-se que, em paralelo às leis (Instruções de 1822 e Constituição de 1824) acontece na
prática das relações cotidianas a interferência de fatores de ordem pessoal e particularista
3 Coleção das Leis Brasileiras e mais artigos oficiais, desde a chegada da corte até a época da independência. Parte 15.ª, ano de 1822. Ouro Preto: Typografia Silva, 1837. 4 CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1992, p.670.
entre Estado, proprietários de terras e escravos, e clientes que moldam a realização do
recrutamento.
Capítulos
Em linhas gerais, para a realização desta reflexão o estudo estará dividido da seguinte
maneira: no primeiro capítulo, caminhando para o recrutamento:historiografia, metodologia
e fontes, apresentaremos o material que serviu de subsídio para a pesquisa, as fontes
documentais utilizadas, a abordagem que cada um faz acerca do recrutamento e a metodologia
utilizada para a análise das mesmas.Também tentaremos discutir, através das idéias da
historiadora Paloma Siqueira Fonseca5e do antropólogo Celso Castro6, alguns problemas
inerentes à historiografia naval brasileira, tais como: seu surgimento no século XIX e seu
desdobramento ao longo do século XX, apontando para a escassa produção acadêmica em
relação a assuntos militares e, a importância, no início do século XXI, dos trabalhos de
origem acadêmica dos historiadores: José Miguel Arias Neto7(2001), Álvaro Pereira do
Nascimento8 (2002)e Paloma Siqueira Fonseca (2003) que adentraram nos arquivos da
Marinha e importantes contribuições trouxeram para a história militar brasileira.
O segundo capítulo, refere-se ao espaço e tempo: algumas peculiaridades da
formação do Estado Imperial e da Marinha de Guerra do Brasil. Tentaremos acompanhar o
processo de independência no espaço brasileiro e os discursos em torno da importância de
uma força naval para assegurar a integridade territorial e a unidade nacional. Buscaremos
situar este processo (de formação do Estado Imperial e da Marinha de Guerra) dentro do seu
próprio tempo e espaço, considerando a herança da Marinha Portuguesa na Marinha
brasileira, os problemas com a falta de mão-de-obra voluntária, o recrutamento feito por
Caldeira Brant no exterior, o papel de José Bonifácio na organização da primeira esquadra
brasileira, a participação do lord Alexandre Cochrane nas lutas pela independência, a
interferência da permanência da economia escravista na formação do Estado e das Forças
5 FONSECA, Paloma Siqueira. A Presiganga Real (1808-1831): punições da Marinha, exclusão e distinção social. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília Instituto de Ciências Humanas - Departamento de História. Brasília, 2003. 6 CASTRO, Celso (org.). Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004. 7 ARIAS NETO, José Miguel. Em busca da cidadania: praças da Armada Nacional (1867-1910). Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: 2001. 8 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do convés ao porto: a experiência e a revolta de 1910. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Departamento de História- Campinas, 2002.
Armadas, entre outros. Neste capítulo, tentaremos mostrar os contornos que definiram as
bases do Estado Imperial e a política adotada para a realização do recrutamento forçado.
No capítulo terceiro, trataremos do recrutamento no Império: entre dois extremos.
Neste momento, tentaremos responder algumas reflexões, tais como: quais eram as leis que
asseguravam a realização do recrutamento forçado? ; até que ponto a Constituição de 1824 e
as Instruções de 1822 conseguiram se efetivar dentro do território brasileiro na realização do
recrutamento? ; qual foi a política que, na maioria das vezes, vigorou em sua prática? ; quais
eram as pessoas recrutadas? . Em suma, este capítulo mostrará como o panorama político,
social e econômico da independência promoveram um tipo de recrutamento condizente com a
filosofia liberal da Monarquia Constitucional brasileira, que tinha como aspectos
fundamentais o paternalismo e o patrimonialismo.
No último capítulo, enfocaremos as razões pelas quais levaram a sociedade imperial a
ter temor pelo recrutamento forçado, enfatizando os processos de permanência, ruptura e
resistência, em torno do mesmo. No item mudanças e permanências, observaremos os
motivos pelos quais favoreceram a sobrevivência do recrutamento forçado ao longo do século
XIX; considerando as reclamações e as propostas dos Ministros da Marinha à Assembléia
Legislativa concernentes a um novo método de se compor as guarnições dos navios. Também
salientaremos o processo histórico que presidiu a Lei de Sorteio Militar de 1874, apontando
para as suas propostas em torno do problema da falta de voluntários. Em relação à resistência,
enfatizaremos como os indivíduos sujeitos ao recrutamento forçado construíram certas
atitudes, de acordo com o seu próprio tempo e espaço, para lidar com os imprevistos advindos
do mesmo. Neste item, enfim, mostraremos que embora houvessem regras escritas para a
realização do recrutamento o homem pobre livre, os excluídos, isto é, os desclassificados
sociais9 elaboraram formas de resistência para ludibriar o recrutamento forçado, seja
buscando laço de proteção diante dos poderosos locais ou recorrendo à fuga para dentro da
matas.
Em linhas gerais, nas páginas que seguem tentaremos mostrar que o estudo acerca do
recrutamento forçado nos traz novas possibilidades de ver de dentro o funcionamento do
Estado brasileiro e de analisar os valores que nortearam os homens dentro do aparelho de
Estado no início do século XIX.
9 Expressão utilizada pela historiadora Laura de Melo e Souza.para definir a camada de homens que viviam à margem da sociedade mineira no século XVIII. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1990.
A monografia
No texto, Resposta à pergunta: que é esclarecimento o filósofo Immanuel Kant tece
algumas reflexões que parecem ser importantes acerca da construção do conhecimento. Para o
filósofo, o esclarecimento é a libertação do homem da sua menoridade; define a menoridade
como uma condição de incapacidade dos indivíduos de fazerem uso de seu próprio
entendimento e agirem independentemente sem a direção de outro.
Sobre a menoridade afirma: o homem é o próprio culpado dessa menoridade se a
causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de
servir-se de si mesmo sem a direção de outrem 10. Além da falta de decisão e coragem que
asseguram o homem na sua condição de menoridade, Kant também ressalta , que a preguiça e
a covardia são as causas pelas quais boa parte dos homens continuam menores durante toda a
vida. No entanto, o filósofo acrescenta à discussão outro elemento, que diz respeito ao fator
cômodo da condição de menoridade, afirmando:
È tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que me faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc.,então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis11.
Segundo Kant, os indivíduos são sujeitos do processo histórico e são eles próprios que
devem dirigir suas próprias vidas através do uso da razão, assim sendo, eles alcançarão a
maioridade. Embora seja cômodo ser menor o filósofo aponta que o homem tem possibilidade
de se libertar dessa sua condição. O que parece importante e atual do pensamento do filósofo
é o combate entre menoridade versus maioridade. Talvez o processo de libertação da
menoridade é o mesmo caminho trilhado pelo pesquisador que pretende construir
conhecimento. Se a menoridade corresponde à falta de conhecimento do homem, a
maioridade é o inverso, com esta o homem consegue pensar por si próprio, é ele que, muitas
vezes, sozinho ou acompanhado passa horas, meses ou anos metido num fundo de arquivo
construindo coisas para se libertar da sua menoridade.
É muito cômodo ser menor, pois o processo que leva o homem a ser senhor de si
mesmo requer, dentre outras coisas, esforço, coragem e decisão. Recorrer ao pensamento de 10 KANT, Emmanuel. Resposta à pergunta: que é esclarecimento [<AUFKLÄRUNG>]? Petrópoles: Vozes, s/d. 11 Idem, p.1
kant acerca da construção do conhecimento talvez seja uma porta de entrada para
compreender o que é uma monografia. Kant não trata, especificamente, do significado da
monografia mas apenas do processo que leva o homem a se superar da menoridade. Nesse
sentido, pode-se ressaltar que, a oposição que há entre menoridade versus maioridade é a
mesma que existe entre menoridade versus monografia, pois, esta é fruto da busca do homem
em tentar alcançar a maioridade.
Agora, enfim, vamos iniciar esta monografia.
Capítulo 1
Caminhando para o recrutamento forçado: historiografia, teoria e fontes
1.1- Historiografia
Geralmente quando se fala em estudos feitos na área de história militar logo vem ao
pensamento trabalhos que enfocam apenas batalhas, táticas e heróis militares, desvencilhando
assim, a história militar da história mais ampla da sociedade. Isto porque, existem poucos
trabalhos de historiadores acadêmicos que versam sobre a Marinha de Guerra, quem detém a
produção historiográfica sobre este tema são os militares, geralmente comandantes, almirantes
e oficiais. Em relação à produção acadêmica, o antropólogo Celso Castro afirma:
A história militar acadêmica tem sido uma trajetória difícil no Brasil. A expansão das universidades e o fortalecimento da história como profissão (a partir da segunda metade do século XX) coincidiram com a intensificação do envolvimento militar na política e, acima de tudo, com o regime militar de 1964-85, que desencorajou a pesquisa acadêmica sobre as Forças Armadas. A academia dedicou pouca atenção à história militar para além do estudo do envolvimento militar na política12.
O pouco envolvimento da academia à questão militar, implicou que a produção
historiográfica fosse realizada pelos próprios militares. No caso da historiografia naval, esta
possui uma série de problemas, a começar pela forma saudosista e patriótica que historiadores
navais abordam as vitórias conquistadas pela Marinha de Guerra, apontando uma grande
paixão pelas glorias do passado.
A historiadora Paloma Siqueira Fonseca, salientou na sua dissertação de mestrado que,
este tipo de visão acerca da história militar - vinculada ao estudo de batalhas, tática e heróis-
muito foi favorecida pela produção historiográfica naval que por longo tempo predominou
sobre a produção historiográfica acadêmica; revelando limites e contribuições para a história
da marinha, nesse sentido, Fonseca afirma:
O fato de as pesquisas sobre a história naval terem sido realizadas pela própria corporação aparentemente desobrigou os historiadores não militares dessa tarefa, acolhida com interesse e conhecimento de causa pelos fardados. Somando o traquejo dos termos técnicos ao empenho por
12 CASTRO, Celso (org.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
conhecer um pouco mais sobre a história da marinha, eles “navegaram” com desenvoltura pelo passado de sua instituição. Talvez sua limitação estivessem em “mergulhar” nas questões que interessassem principalmente ao seu ofício militar, o que não deixa de ser uma qualidade, pela preciosidade das informações trazidas à tona para outros historiadores. Mas eles se envolvem com um certo passado, adotando uma perspectiva excessiva ou exclusivamente centrada na marinha13.
Em relação à produção historiográfica naval brasileira, deve-se considerar que, se
iniciou na década de 1870 e se desenvolveu ao longo do século XX, com destaque nas
décadas de 1930, 40 e 50. Paloma Siqueira Fonseca utilizando-se do conceito de geração
empregado por Karl Manhein - que considera como fatores para a existência de uma geração
não apenas a faixa etária dos seus componentes, mas os aprendizados comuns e as
experiências comuns - aponta que Teotônio Meireles da Silva14,Manoel Pereira Pinto Bravo15
e José Egidio Garcez Palha16 podem ser considerados a primeira geração de historiadores
navais. Estes oficiais, em suas obras, deram à história naval um perfil de disciplina que
estudava apenas batalhas, devido a tendência em abordar as campanhas navais.
A segunda geração de historiadores navais baseou-se nos trabalhos da tríade anterior,
só que resgataram os documentos, incorporando assim, o valor documental à sua própria
produção intelectual, de modo a ter o documento como elemento essencial para o estudo do
passado. Segundo Palome S. Fonseca, esta geração de historiadores navais constituíram a
geração que sofreu, de forma mais contundente, do que se pode chamar de mal de arquivo.
Para a autora, o mal de arquivo é um conceito de Jacques Derrida17 utilizado para designar a
pulsão que historiadores do passado possuíam em relação aos arquivos. Na definição de
Derrida estar com mal de arquivo é:
É arder de paixão. É não ter sossego, é incessantemente, interminavelmente procurar o arquivo onde ele se esconde. É correr atrás dele ali onde, mesmo se há bastante, alguma coisa nele se anarquiva. É dirigir-se a ele com um desejo compulsivo, repetitivo e nostálgico, um desejo irreprimível de retorno
13 FONSECA, Paloma Siqueira. A presiganga real (1808-1831): punições da Marinha, exclusão e distinção social. Dissertação de mestrado. Universidade de Brasília - Instituto de Ciências Humanas, Departamento de História. Brasília, 2003. 14 SILVA, Teotônio Meireles da. Apontamentos para a história da Marinha de Guerra brasileira. Rio de Janeiro: Perseverança, 1881-1883. 15 BRAVO, Manoel Pereira Pinto. Curso de História Naval. 28 ed., Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1959. 16 PALHA, José Egidio Garcez. Efemérides Navais: Resumo dos Fatos mais Importantes da História naval brasileira desde 1° de janeiro de 1822 à 31 de setembro de 1890. 28.ª ed., Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1983. 17 DERRlDA, Jacques. Mal de Arquivo: Uma impressão Freudiana. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2001.
à origem, uma dor da pátria, uma saudade de casa, uma nostalgia de retorno ao lugar mais arcaico do começo absoluto18.
Na década de 1970, surgi uma outra vertente da historiografia naval, representada por
Max Justo Guedes, Herick Marques Caminha e Hélio Leôncio Martins, que baseados nos
trabalhos da geração anterior enfocam suas pesquisas na história naval do Brasil colonial e
republicano. As duas coletâneas: História Naval Brasileira e Navigator são frutos desta
geração.
Estes historiadores navais se interessaram pela história de sua corporação e pela
história regional. Segundo Fonseca, estes pesquisadores também folcloristas, filólogos,
tradutores, biógrafos, conferencistas, prosadores ou poetas, forneceram à história naval um
estilo apologético. Os seus valores ligados à tradição, à família e à pátria, propiciaram a
difusão do amor à marinha. Esta situação é vista nos seguintes trechos dos historiadores
navais, sendo o primeiro de João do Prado Maia e o segundo de Lucas Boiteux:
O Brasil precisa olhar com olhos de amor para a sua Marinha: ela tem sido sempre, em todos os momentos críticos da vida nacional, a dedicação que se não quebranta, o apoio decidido que nunca faltou e nem faltará! Ontem e hoje, na atividade ou reformado, foi sempre meu hábito tomar de minha canhestra pena, como ainda agora o faço, para exaltar a nossa marinha, lembrando seus gloriosos feitos e seus grandes vultos, no propósito de incentivar o culto à tradição no seio das gerações que reponta 19.
Em linhas gerais, a maior parte das pesquisas sobre história naval tem sido realizadas
pela própria corporação. E isto se constitui num problema, tendo em vista que esses
historiadores militares vinculando suas produções ao ofício militar desempenhado, se
envolvem com o passado, passando a adotar uma perspectiva excessiva ou exclusivamente
centrada na Marinha. Desta forma, esta pesquisa tenta se distanciar da perspectiva dos
historiadores navais, mas não abandonando a contribuição que tais produções oferecem.
O antropólogo, Celso Castro20, analisando a trajetória da produção acadêmica acerca
da história militar observou que a História geral da Civilização Brasileira, publicada em 10
18 APUD- FONSECA, Paloma Siqueira. A presiganga real(1808-1831): punições da Marinha, exclusão e distinção social. Dissertação de mestrado. Universidade de Brasília- Instituto de Ciências Humanas, Departamento de História. Brasília, 2003, p.24. 19 APUD- FONSECA, Paloma Siqueira. Idem, p.28. 20 CASTRO, Celso (org.). Nova História Militar Brasileira. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2004.
volumes entre 1960 e 1981, revela a presença limitada de assunto militares na historiografia
brasileira. Dentro desse quadro há a exceção do trabalho de José Murilo de Carvalho que
contribuiu com uma análise do papel desestabilizador das Forças Armadas na política da
República Velha. Em 1965, aparece a primeira edição da História Militar do Brasil de Nelson
Werneck Sodré onde reinterpreta a história militar do Brasil de um ponto de vista marxista e
manifesta o desejo de que os militares reassumissem seu papel historicamente progressista
como defensores das instituições democráticas e da livre expansão econômica nacional.
Castro, fazendo um levantamento da história militar no Brasil - não se atendo apenas à
produção historiográfica naval como fez Fonseca- observou que durante o século XIX ela foi
dominada por trabalhos de viés literário. Ladislau dos Santos Titara, oficial baiano com
aspirações a poeta, publicou um poema épico em dois volumes sobre a Guerra da
Independência entre 1835 e 1837 na Bahia. Visconde de Taunay, publica em Paris, no ano de
1837, o clássico literário A retirada da laguna, no qual retrata a expedição ao Mato Grosso no
contexto da Guerra do Paraguai. Após trinta anos da Guerra do Paraguai o oficial Dionísio
Cerqueira escreve As reminiscências da Guerra do Paraguai, expondo suas experiências
obtidas durante a campanha. Nesta linha literária do século XIX, também há a produção de
Euclides da Cunha que escreve sobre a destruição de Canudos no clássico, Os Sertões.
O antropólogo também salienta sobre as contribuições significativas feitas por
estrangeiros à história militar brasileira, enfocando os trabalhos de George Thompson, Max
von Versen, Francisco Adolfo Varnhagen e Louis Schneider. Mas, para o autor, foi somente a
partir da década de 1890 que emergiu um gênero identificável de história militar brasileira,
coincidindo com o crescimento e o fortalecimento institucionais do exército21.
Neste período, o exército deu apoio institucional aos escritores militares. Nas
primeiras décadas do século XX, muitos militares construíram sua reputação como
historiadores, tais como: Emílio Fernandes de Souza Docca, Augusto Tasso Fragoso e
Francisco de Paula Cidade. Segundo Castro, o historiador militar Francisco de Paula Cidade,
em 1959, consegue sintetizar três séculos de literatura militar brasileira, apontando alguma
atenção para a história social e encerrando o trabalho de todo um estilo e uma geração de
historiadores militares22.
Durante as décadas de 1910 e 1920 a história militar brasileira foi abatida por
características românticas e patrióticas. Neste período, houve uma significativa produção a
21 CASTRO, Celso. Op. Cit, p.14. 22 Idem, p.17.
cerca de biografias em torno das figuras de Caxias e Osório, favorecendo a construção de uma
história militar de valorização dos grandes feitos e homens.
No que diz respeito às instituições que auxiliam e incentivam a pesquisa em torno da
história militar, Castro ressaltou o papel da Biblioteca do Exército Editora (antiga Biblioteca
Militar) que, embora tenha publicado uma série de livros com temas militares ainda continua
a publicar trabalhos de autores de seu interesse; com forte tendência tradicional e traduções
estrangeiras. Outra instituição que importantes contribuições vêm trazendo é o Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio
Vargas. Criado em 1973, o Cpdoc vem coletando arquivos e depoimentos de oficiais
participantes dos eventos políticos e militares do século XIX.
Segundo Castro, na década de 1990 houve a confluência da democratização e maior
confluência da história social, da antropologia e da ciência política sobre os estudos militares.
Portanto, embora tenha havido um aumento na produção acadêmica acerca da história militar,
deve-se ressaltar, segundo Castro, que poucos pesquisadores abriram o caminho nos arquivos
da Marinha. Nesse sentido, no início do século XXI surgiram algumas produções de origem
acadêmica que tem se aproximado da questão militar, especificamente da Marinha do Brasil.
Os trabalhos acadêmicos dos historiadores José Miguel Arias Neto (2001), Álvaro Pereira do
Nascimento (2001) e Paloma Siqueira Fonseca (2003) são exemplos desta produção que
importantes contribuições trazem para a compreensão da Marinha brasileira.
José Miguel Arias Neto23 , em tese de doutorado, foca seu olhar na questão da
cidadania entre praças da Armada na passagem do Império à República, analisando em
específico a revolta dos marinheiros de 1910. O autor analisa a dinâmica política e social na
qual se insere a Marinha de Guerra enquanto instituição do Estado, afim de verificar as
transformações que teriam ocorrido na estrutura da força, ao longo do período que vai da
formação do Estado Nacional até o início do século XX; apontando que o movimento de 1910
exigia reformas gerais no sistema militar que se encontrava abalado por distúrbios
hierárquicos e descuidos com a vida profissional. Aquele sistema militar, baseado no
recrutamento forçado e num regime de suplícios, foi construído e consolidado ao longo do
Império brasileiro. O objetivo do movimento de 1910 era o de implantar modernas relações de
trabalho e de hierarquia na Armada, mas conseguiram protagonizar um evento novo na
23 ARIAS NETO, José Miguel. Em busca da cidadania: Praças da Armada Nacional (1867-1910). Tese (doutorado em história), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, SP: 2001.
história das Forças Armadas reivindicando-se sujeitos de direitos e exigindo seu
reconhecimento como cidadãos republicanos.
Álvaro Pereira do Nascimento24, em sua dissertação de mestrado, analisa a disciplina
em vasos de guerra e o alistamento militar para a Armada, no Segundo Reinado. Nascimento
observa que havia uma praxe dos castigos corporais, onde o livre arbítrio dos comandantes é
que determinava na hora de punir indisciplinas e insubordinações de marinheiros, mandando
aplicar as chibatadas conforme a falta cometida e as próprias condições físicas do infrator. O
autor ressalta que os castigos físicos tinham o intuito de exemplar o restante da guarnição e
corrigir o faltoso pela dor e humilhação. Para Nascimento, a Marinha daquele período era
instituição de correção, para lá eram mandados, através do recrutamento, os incorrigíveis. A
Marinha fornecia liberdade a escravos e funcionava como meio de ascensão social.
Paloma Siqueira Fonseca25 , pesquisando sobre a Presiganga - navio que servia de
prisão - ressalta que a sua tripulação era composta de homens que em decorrência da servidão
penal ou recrutamento forçado, foram utilizados em empreendimentos da Marinha. A
Presiganga ficava sob os cuidados do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro, que se incumbia
de realizar o recrutamento de homens para os trabalhos do próprio estabelecimento e para o
serviço militar em navios de guerra. Para a autora, o trabalho forçado, o recrutamento forçado
e o castigo corporal são considerados formas de punição para grupos excluídos, absorvidos
por uma instituição militar que valorizava a distinção.
Assim, pode-se dizer que esta produção acadêmica rompe com aquelas abordagens
feitas por historiadores navais que contaminados pelo mal de arquivo atribuíram às suas obras
características mais saudosistas e menos analítica. Outro elemento a ser considerado é que,
todos os historiadores ( Arias Neto, Nascimento e Fonseca) tocam na questão do recrutamento
forçado, no entanto, nenhum tem este problema como objeto central de suas pesquisas. Nesse
sentido, este estudo visa compreender como se realizava o recrutamento forçado,
compreendendo-o dentro do processo de formação do Estado Nacional.
1.2- Metodologia
A documentação e bibliografia foram analisadas a partir dos pressupostos
metodológicos apontados por Marc Bloch que escreveu: (...) os documentos não aparecem,
24 NASCIMENTO, Álvaro Pereira. A Ressaca da Marujada: Recrutamento e Disciplina na Armada Imperial. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 2001. 25 FONSECA, Paloma Siqueira. Op. Cit.
aqui ou ali, pelo efeito de um qualquer imperscrutável desígnio dos deuses. A sua presença
ou sua ausência (...) dependem de causas humanas que não escapam de forma alguma à
analise (...)26. Jacques Le Goff, discípulo de Bloch, considera: só a análise do documento
enquanto documento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo
cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa27.
É concebendo o documento como uma produção humana e tendo o historiador como o
cientista capaz de compreender o passado a partir do presente, utilizando-se da crítica interna
e externa ao documento, Bloch enfatiza a importância de interrogá-lo, pois não podemos tê-lo
como prova de verdade, devemos questioná-lo e compará-lo com outros do mesmo tempo e
espaço. Em relação à história do presente, o historiador deve: compreender o passado a partir
do presente e compreender o presente à luz do passado28. Este vaivém entre passado e
presente permite compreender o conhecimento das sociedades antigas e esclarecer sobre ela
mesma a sociedade atual.
Nesse contexto, a problemática levantada pelo historiador com relação ao seu objeto
de estudo (que é o passado) está banhada pela atmosfera do presente, isto quer dizer que,
embora o historiador se utilize de métodos de investigação histórica para manter uma certa
distância do seu objeto de estudo, não estará livre das “pressões do presente” que o cerca.
Nesse sentido, Bloch combate a objetividade da história e promove a ascensão da
subjetividade do historiador no trato com o passado. Assim, embora o fato não seja passível
de mudanças a interpretação que obtém sofre alterações em decorrência da interferência
subjetiva do historiador e também, da evolução das técnicas ao longo do tempo. O passado é,
por definição um dado que coisa alguma pode modificar. Mas o conhecimento do passado é
coisa em progresso, que ininterruptamente se transforma e se aperfeiçoa29.
Este estudo analisa a esfera política relacionada à esfera social, econômica, cultural,
etc. Não é um estudo em torno dos acontecimentos políticos, mas sim nas ações dos
indivíduos que estão socialmente, politicamente, economicamente e culturalmente engajados
no processo de construção histórica.
Assim, a história política tratada nesta pesquisa, pretendeu, a partir do suporte
metodológico apontado por Marc Bloch para a análise dos documentos, desvincular-se da
história linear, factual, narrativa, ou como diz Le Goff: 26 BLOCH, Marc. Apologia da História. 23 ed. Rio de Janeiro, Jorge Zabar,2001, p. 83. 27 LE GOFF, Jacques. “Documento/Monumento”. In: Enciclopédia Enaud. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984VI Memória/História, p. 102. 28 É um pressuposto de Marc Bloch, citado por Guiz Bourde e Herve Martim. In: As escolhas históricas. Publicações Europa-América, Portugal, 1983, p. 128. 29 BLOCH, Marc. Op. Cit,p. 109.
Essa história política que é por um lado, uma história narrativa e, por outro, uma história de acontecimento, uma história factual, teatro de aparências que marcara o verdadeiro jogo da história, que se desenrola nos bastidores e nas estruturas ocultas em que é preciso ir detectá-lo, analisá-lo e explicá-lo30.
Em relação a esta história política factual e narrativa, René Remond considera que,
este tipo de história ignora a pluralidade dos ritmos que caracterizam a história política, uma
vez que esta se desenrola simultaneamente em registros desiguais: articula o contínuo e o
descontínuo, combina o instantâneo e o extremamente lento31. Segundo o autor, existe um
conjunto de fatos que se sucedem num ritmo rápido e que correspondem a datas precisas,
como por exemplo: golpes de estado, dias de revolução e mudanças de regime. Mas, existem
outros fatos que se inscrevem numa duração média que são a longevidade dos regimes, a
existência dos partidos políticos, dentre outros. Ainda existem os fatos de uma duração mais
longa que são as ideologias que inspiram as formações políticas. Para Remond, a história da
longa duração explica os comportamentos das microssociedades que se fundem na sociedade
global.
René Remond propondo uma nova história política ressalta que, o político possui
relações com os outros domínios, vinculando-se por toda espécie de laços a todos os outros
aspectos da vida coletiva. Assim, o político não se constitui num setor separado, mas sim,
uma modalidade da prática social. Segundo Remond, se o político deve explicar-se antes de
tudo pelo político, há também no político mais que o político32 .Nesta perspectiva, o político
apresenta-se como um elemento da sociedade que abrange em si o social, o econômico, o
cultural e o ideológico. Com isto, o autor alarga as fronteiras da história política, apontando
para a complexidade que envolve o político, uma vez que se constitui não como um aspecto
isolado da sociedade, mas como elemento que se integra com todos os aspectos que a formam.
Neste sentido, esta pesquisa tentou seguir os caminhos da nova história política
apontados por René Remond, que nos coloca a necessidade de vincular ao trabalho
historiográfico o estudo das massas e da coletividade, enfatizando assim, para a superação da
história política na qual se baseava nos grandes feitos e nos grandes homens. Desta forma,
30 LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 31.
31REMOND, René (Org.). Por uma História Política. ROCHA, Dora (Tradutora). Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1996, p.34. 32 Idem, p.36.
pretendeu-se fazer uma pesquisa que abarcasse toda a complexidade do jogo político,
enfocando todos os atores que formam o conjunto da sociedade.
1.3- Fontes
As fontes utilizadas nesta pesquisa foram: os Relatório dos Ministros da Marinha
(1828-1840), as Atas do Conselho de Estado (1822-1840), a Coleção das Leis do Império
(1822-1840) e os Microfilmes do Acervo da Marinha do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Estes documentos se encontram no Centro de Documentação e Pesquisa Histórica
da Universidade Estadual de Londrina - IRCH/UEL.
Os Relatórios dos Ministros da Marinha passaram a existir a partir de 1828, pois tais
Ministros tiveram que prestar contas anualmente à Assembléia Legislativa, por meio de
relatórios e propostas orçamentárias. De 1828 a 1840 têm-se treze relatórios. Os Ministros que
tomaram a pasta neste período foram: Diogo Jorge de Brito (1828), Miguel de Souza Mello e
Alvim (1829), Francisco Vilela Barbosa (1830), José Manoel de Almeida (1831), Joaquim
José Rodrigues Torres (1832, 1833, 1834 e 1838), José Pereira Pinto (1835), Salvador José
Maciel (1836 e 1837) e Jacinto Roque de Sena Pereira (1839 e 1840). Também foram
analisados dois relatórios dos Ministros da Guerra: Thomaz Joaquim Pereira Valente (1830) e
José Manoel de Morais (1831). Estes Relatórios são de uma vastidão imensa de informações.
Neles os Ministros registram todos os assuntos inerentes à Marinha brasileira, como:
construção de estaleiros, corte de árvores para a construção naval, crise financeira,
necessidade de aumento de soldos, deserção, recrutamento, disciplina, propostas para fixação
de forças de mar, incentivo para o alistamento voluntário, entre outros. No que diz respeito ao
tema da pesquisa, observa-se que em quase todos os relatórios pesquisados os Ministros
tocam na questão do recrutamento, exceção aos anos de 1829 e 1831.
No relatório de 1828, o ministro da Marinha Diogo Jorge de Brito, propõe o aumento
de prêmios para adquirir marinhagem voluntária a fim de completar as guarnições. O ministro
da Guerra, Bento Barroso Pereira, fala dos embaraços do governo em relação ao
recrutamento, enfatiza a falta de uma previdente lei que o regule eficazmente e, acrescenta
que, o governo querendo poupar os braços nacionais à agricultura e indústria do Império
julgou melhor engajar recrutas entre os estrangeiros, mas devido a ineficácia deste
engajamento foi obrigado a pedir 2340 recrutas às diferentes províncias. As província isentas
do recrutamento foram: Ceará, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Em 1830, o ministro da Marinha, Francisco Vilela Barbosa- Marques de Paranaguá-
relatou que as obras do Arsenal da Corte estavam sendo realizadas com a mão-de-obra de
presos sentenciados a trabalhos públicos e com 190 escravos da nação de diferentes sexos e
idades. Segundo o ministro, o governo deveria vender tais escravos e substituí-los por mão-
de-obra livre e assalariada.
No relatório de 1832, o ministro da Marinha, Joaquim José Rodrigues Torres, expõe à
Assembléia Legislativa que o método do recrutamento traz para dentro das embarcações o
espírito de indisciplina, neste sentido, propõe a organização de um novo Regimento
Provisional, pois este era vago e incompleto concorrendo para consagrar a indisciplina e a
impunidade. Em 1833, o ministro novamente toca na questão do recrutamento, desta vez
enfatiza uma série de vantagens nas quais os voluntários se disponibilizam, em detrimento dos
recrutados. Aqueles trabalham por curto espaço de tempo e recebem prêmios quando
assentam praças. Para Rodrigues Torres, esta atmosfera de desigualdades levam os
marinheiros recrutados a recorrerem às deserções, acarretando a diminuição da força material
das embarcações e a repugnância ao serviço militar. Em relação ao engajamento de
estrangeiros, por si só, melhores resultados não produziria, tendo em vista que não possuíam
interesse pelo serviço nacional e nem poderiam completar as tripulações dos navios de guerra,
devido o número insuficiente de engajados.
Em 1833, Rodrigues Torres observa que, o prêmio de engajamento era oneroso ao
Tesouro Público podendo produzir na navegação mercante uma influência desastrosa,
elevando as soldadas dos marinheiros que se empregavam na marinha poderia concorrer para
entorpecer e definhar a navegação mercante.
O ministro da Marinha, José Pereira Pinto, em 1835, expôs à Assembléia Legislativa
que o recrutamento forçado e o engajamento voluntário eram os dois métodos utilizados pela
Marinha inglesa para fornecer a esquadra de marinheiros. Sobre o recrutamento forçado,
muitos escritores ingleses e estrangeiros declaravam que era oposto às liberdades inglesas. Os
reclamos, contra este método, levou, em 1676, o governo inglês a consultar os juizes e
advogados da Coroa sobre a constitucionalidade da medida. A decisão foi que, o Rei tinha um
indefectível direito aos serviços de seus súditos quando a defesa os requeriam. Em relação ao
alistamento voluntário e recrutamento forçado, José Pereira Pinto afirma: “Adoptai,
senhores,este mesmo princípio que he de eterna verdade: combinai hum com outro
recrutamento”33.
33 RELATÓRIO apresentado à Assembléia Legislativa em 1835 pelo ministro da Marinha José Pereira Pinto. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1876.
Em 1836, o ministro da Marinha Salvador José Maciel, critica o recrutamento, dizendo
que além de ser moroso por causa das grandes distâncias ele traz para as embarcações homens
de lugares remotos com visível incapacidade física, de avançada idade e pais de família.
No relatório de 1838, Rodrigues Torres enfoca a resolução de 15 de outubro de 1836
que autorizava o governo a formar quatro Companhias fixas de Marinheiros de cem praças
cada uma. Mas pela lei de 10 de outubro de 1837 o governo ficou autorizado a elevar a dez o
número das ditas Companhias. Nestas Companhias se pretendiam dar instruções aos
marinheiros em relação a artilharia, fuzil e todas as armas que se usarem em combates navais.
Para Rodrigues Torres, com a organização dos marinheiros em Corpos Permanentes não
haveria a falta de marinhagem quando houvesse a necessidade de armar repentinamente
qualquer navio.
No relatório de 1840, o ministro da Marinha, Jacinto de Roque de Sena Pereira, além
de mostrar a ineficácia do recrutamento forçado, uma vez que as províncias remetiam aos
quartéis homens estropiados por velhice ou defeito físico, impossibilitados inteiramente para a
vida do mar, aponta para o fato de que, enquanto o governo não melhorasse a sorte dos
homens que se destinavam à vida do mar não poderia contar com braços fiéis para o serviço
da nação.
A Coleção das Leis do Império foi analisada de 1822 a 1840. Esta Coleção compõe-se
de Avisos, Portarias, Decretos e Decisões. Em 10 de julho de 1822 o Governo, através de
Decreto, estabelece as instruções para o recrutamento. Estas instruções são compostas de
dezoito artigos, em cada um observa-se o cuidado da política imperial em proteger o sistema
escravista e a necessidade de estabelecer o recrutamento em torno de homens que não
estivessem empregados na mineração e na escravidão.
Em 25 de fevereiro de 1823 o Intendente da Corte manda um ofício ao Imperador
pedindo esclarecimentos se deveriam ou não ser admitidos para servirem a bordo da nau
Pedro I, os marinheiros e grumetes escravos, que foram oferecidos pelos seus respectivos
senhores, fazendo abonar a estes as competentes gratificações. O Imperador responde que,
tendo em vista a necessidade de se ter marinheiros, deveria o Intendente da Marinha admitir
tais escravos. O Decreto de 25 de Junho de 1831 estabelecia a proibição da admissão de
escravos como trabalhadores ou como oficiais das artes necessárias, nas estações públicas da
província da Bahia.
Em relação às Atas do Conselho de Estado, deve-se considerar que, para José Honório
Rodrigues o Conselho de Estado foi uma das mais importantes instituições imperiais, sendo
denominado pelo Senador Paula e Souza como o “Quinto Poder”. Rodrigues acrescenta que o
Marquês de São Vicente foi quem primeiro observou que o Conselho de Estado servia como
espécie de Primeira Câmara, junto ao Poder Moderador. O Conselho de Estado foi extinto em
1834 e recriado pela Lei de 23 de novembro de 1841, que estabeleceu novamente sua função
preliminar e complementar do Poder Legislativo. Para este trabalho, a discussão que acontece
no ano de 1826 acerca do Projeto de Lei de recrutamento e fixação das forças de terra e mar
parece ser de muita importância, tendo em vista que cada um dos Deputados presentes na
Sessão expõe um problema existente nas Instruções de 1822 que tratam do recrutamento.
Outra discussão no Conselho de Estado que também evidencia os problemas com o
recrutamento acontece em 1837, a discussão atravessa cinco Sessões na Assembléia
Legislativa que corresponde aos dias 20, 26 e 30 de junho e 01 e 05 de julho.
Durante as sessões, nas quais se discutia a fixação das forças de mar e terra, as
propostas dos ministros da Marinha e Guerra quase sempre não eram aceitas. Veja que
durante a Guerra dos Farrapos em 1837, o ministro da Guerra José Saturnino pediu que fosse
elevada a força para 4 mil praças em tempo de guerra e 3 mil em tempo de paz, também pede
para se engajar pessoas dentro e fora do Império e fazer reformas nas instruções do
recrutamento de 1822. José Saturnino ressaltou que, o governo encontrava muitos embaraços
para o complemento da força, pois os homens aptos para servirem na Marinha ou Exército
achavam-se alistados na Guarda Nacional, onde poderiam entrar todos os que tivessem renda
de 200 mil réis, incluindo assim todos os cidadãos: o que restavam para as forças de mar e
terra eram homens aleijados, doentes, miseráveis ou velhos. Saturnino enfatiza a morosidade
do recrutamento e a necessidade do Corpo Legislativo de conceder um meio mais profícuo de
recrutar as forças que anualmente se decretar.
Sobre a proposta de aumento da força de mar e terra, o deputado Maciel Monteiro
observa que, este aumento acarretaria em um ônus à população e ao governo, ressaltando que
não seria o acréscimo da força que asseguraria a ordem pública, mas entendia que era
necessário que o governo responsabilizasse e castigasse a insubordinação e rebeldia, com
mais vigor alguns chefes das forças.
Mesmo assim, o ministro Saturnino pede uma lei de recrutamento mais ampla,
apontando que a Constituição de 1824 determinava: todos os cidadãos brasileiros são
obrigados a pegarem armas para defender a Pátria. No entanto, o que se observava era um
número cada vez mais restrito de homens que pegavam em armas, e encerra o discurso
dizendo:
uma lei de recrutamento é opressiva, porque tudo quanto é lei é opressiva, porque uma lei não é se não a coarctação da liberdade. Uma vez que o cidadão esta sujeito a uma norma das suas ações, tem a sua liberdade coarctada. Tributos, recrutamento, são leis opressivas, enfim, é opressivo o recrutamento porque pertence a uma classe de coisas opressivas que são as leis em geral34.
O que se evidencia do discurso do ministro é que, reconhece as arbitrariedades do
recrutamento forçado e por isso aponta a necessidade de ampliar a sua base, pois só assim a
nação teria os braços necessários para sustentar a integridade territorial e a unidade nacional.
Os microfilmes do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro são compostos de ofícios
dos presidentes das províncias aos ministros da Marinha ou destes para aqueles; ofícios do
Intendente da Corte ao ministro da Marinha, enfocando sobre algum aspecto da Marinha, tais
como: corte inadequado das árvores, indisciplina, recrutamento, situação dos Arsenais e
estaleiros, prêmios aos engajados, deserção, etc... Foram microfilmados jornais do século
XIX, despachos governamentais, cartas, entre outros. Nesta pesquisa, foi utilizado o
microfilme que tratou da propaganda feita por Domingos Alves Branco Muniz Barreto à
Imprensa Nacional do Rio de Janeiro em 8 de outubro de 1823 ao Almirante da Esquadra
brasileira Lord Cochane. Também foi analisado um microfilme no qual relatava sobre o
número de marinheiros engajados e recrutados da província do Ceará com destino à Corte a
bordos do navio Felix, no ano de 1834.
34 ATAS do Conselho de Estado. Sessão de 24 de junho de 1837. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1870, p.240.
Capítulo 2
Espaço e tempo:algumas peculiaridades da formação do Estado Imperial e
da Marinha de Guerra do Brasil
2.1-O Estado Imperial: questão social, política e econômica
O ponto de partida para compreender a construção dos Estados (e das forças armadas) Nacionais na América Latina se localiza no processo de independência, uma vez que ele determinou, nas várias regiões do continente, diferentes ritmos de desagregação dos traços econômicos e políticos do passado colonial35.
A Independência do Brasil em 1822 adquiriu características singulares que a
diferenciou dos processos de independência das colônias americanas. Enquanto que o
processo de formação estatal da América Latina foi marcado pelo rompimento dos laços de
subordinação com as metrópoles ibéricas, no Brasil, é o próprio governo metropolitano quem,
premido pelas circunstâncias, embora ocasionais,que faziam da colônia a sede da
monarquia, é o governo metropolitano quem vai paradoxalmente lançar as bases da
autonomia brasileira36 .
O historiador Caio Prado Júnior, ao analisar a Independência do Brasil tenta
compreendê-la através da idéia de processo histórico, onde o ano de 1822 é o resultado de um
processo que se inicia em 1808 com a vinda da Corte para o Brasil, constituindo o fator
essencial que lançou as bases da singularidade do processo de independência brasileira, pois:
a transferência da Corte constituiu praticamente a realização da nossa independência. Não
resta a menor duvida que ela viria, mais cedo ou mais tarde, mesmo sem a presença do
Regente, depois rei de Portugal37.
As circunstâncias históricas do contexto brasileiro impediu que o processo de
independência tomasse o mesmo rumo que as independências da América espanhola. Pois, em
1808, a América portuguesa passou por uma experiência única no mundo colonial ao receber
a família real em fuga da invasão napoleônica. O Império português, protegido pela
Inglaterra, transferiu sua sede para o Brasil. Neste período, romperam-se os elementos
35 COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o exército, a guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Editora Hucitec- Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1996,p.33. 36 PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos. 11.ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1979, p.42. 37 Idem, p.43.
fundamentais do pacto - colonial: estabeleceu-se a liberdade de comércio, extinguiram-se os
obstáculos ao comércio interprovincial e as proibições de estabelecimentos fabris em território
brasileiro. Segundo Prado Júnior, a presença da Corte em território colonial consolidou a
centralização administrativa por meio do estabelecimento de diferentes ramos jurídicos,
administrativos e militares do aparelho de Estado.
Outro elemento apontado pelo autor diz respeito aos arranjos políticos que permearam
a realização da emancipação do país. O período que se estende da partida de D.João à
proclamação da independência é caracterizado por um ambiente de manobras de bastidores,
em torno do príncipe regente. De um lado, estavam os partidários da autonomia política que
pretendiam garantir as conquistas obtidas durante a estada da família real. De outro, estavam
as Cortes portuguesas que desejavam a recolonização. Em decorrência destas manobras
políticas, Prado Júnior salienta: a independência se fez por uma simples transferência
pacífica de poderes da metrópole para o novo governo brasileiro38.
No entanto, segundo a historiadora Wilma Peres Costa, esta afirmação é carregada de
exageros, principalmente no que toca à transferência pacífica do poder e ao caráter todo
ocasional da opção monárquica. Ainda acrescenta que, no processo brasileiro de
independência houve enfrentamento armado, mas não como nas lutas de independência
travadas na América espanhola, uma vez que no espaço brasileiro a opção monárquica trazia
para o lado príncipe uma linha de menor resistência do partido brasileiro, que defendia a
manutenção da antiga estrutura administrativa, econômica e social da colônia.
Para a autora, estes fatores permitiram a minimização do esforço militar da
independência, mas isso não implica, porém, em desconsiderar os conflitos armados travados
no Brasil em decorrência do não reconhecimento da independência por parte das províncias
do norte do país. Daí a necessidade de reanalizar a questão posta por Prado Júnior acerca de
uma independência pacífica.
A historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, critica algumas interpretações
historiográficas que consideram que a formação do Estado brasileiro e a manutenção da
unidade nacional foram um resultado natural da instalação da sede da monarquia
metropolitana na colônia. Para a autora, estas interpretações limitam a compreensão do
processo de independência e de formação do Estado Monárquico Imperial.
Neste sentido, aponta que, em várias situações de crise vividas pela monarquia
portuguesa, o Novo Mundo apareceu revestido de utopias que enfatizavam as riquezas e
38 PRADO JÚNIOR, Caio. Op. Cit, p.43.
grandezas do território colonial. Em finais do século XVIII, a idéia propagada pela Ilustração
luso-brasileira era a de uma reorganização do Império português, na qual indicava a
unificação dos dois Impérios (português e brasileiro) tendo por fundamento uma relação de
parceria recíproca para defesa dos interesses comuns39.
A idéia dos ilustrados era a de centralizar no interior do Brasil a capital do Império
Atlântico, pois, o Novo Mundo se apresentava mitologicamente como a parte mais rica do
Império. Em 1815 com a elevação do Brasil à condição de Reino justificava a idéia dos
ilustrados pela opção da permanência da sede da monarquia no Reino mais promissor e,
oficializava a emancipação da ex-colônia em relação a antiga metrópole40. No entanto,
emancipação que não significou ruptura, pois, indicava a permanência dos laços de
compromisso entre as duas partes constitutivas da monarquia portuguesa41.
Segundo Viana Lyra, o fracasso da regeneração da nação portuguesa, ancorada nas
potencialidades do Reino da América, encaminhou o processo histórico de instalação do
Estado Nacional, levando à ruptura completa entre os reinos do Brasil e de Portugal; pondo
termo ao projeto utópico dos ilustrados luso-brasileiros em construir um poderoso Império
Atlântico com a união do Brasil e Portugal, unidos por interesses recíprocos e laços de
solidariedade42.
A historiadora Maria Odila Dias observou que, o processo de emancipação política do
Brasil já estava desencadeado com a vinda da Corte em 1808, mas a sua consumação formal
foi provocada pelos conflitos internos e domésticos do Reino43, concernentes à revolução do
Porto de 1820. Os vintistas pediam a volta de D.João e o restabelecimento dos antigos
privilégios econômicos. D.João, no Brasil, decide voltar à metrópole e aconselha seu filho, o
então príncipe Regente, a proclamar a independência antes que outro aventureiro lançasse
mão.
Para o historiador Raymundo Faoro, a Revolução de 1820 irrompida no Porto,
aproximou a Corte dos interesses brasileiros e fez da independência um imperativo de
sobrevivência monárquica44. Neste período, duas faces se definem: a face da intriga política,
39 VIANA LYRA, Maria de Lourdes. A utopia do poderoso Império (Portugal e Brasil: bastidores da política 1798-1822). São Paulo: Sette Letras, S/d, p.118. 40 Idem, p.115. 41 Ibidem, p.115. 42 Ibidem, p.159. 43 DIAS, Maria Odila. “A interiorização da metrópole (1808-1853)”. In: 1822:Dimensões.MOTA, Carlos Guilherme (org.). São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p.166. 44 FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Vol.1-10ª ed.,São Paulo: Globo- Publifolha, 2000, p.299.
vivida na cúpula do sistema metropolitano com a dança dos conselheiros e dos cortesãos ,e a
face nacional, tecida nos latifúndios e nas relações comerciais45.
A face nacional, representada pelos grandes proprietários de terras e escravos, saindo
vencedora do processo de emancipação política, buscou nos modelos da Constituição inglesa
e francesa os princípios filosóficos e políticos do Contrato Social de Jean Jacques Rousseau
para definir o sistema político que o Brasil então adotaria. No entanto, a adoção dos princípios
políticos europeus não significou que no Brasil houvesse o mesmo contexto político,
econômico e social da sociedade européia. Pois, enquanto na Europa as reivindicações do
Terceiro Estado, especialmente da burguesia comercial, incidiam contra a nobreza feudal, no
Brasil, acontece o inverso, aqui, são os proprietários rurais que vão contra a burguesia
mercantil.
Sobre este aspecto, Prado Júnior enfatiza: o que houve foi apenas uma simples
coincidência de meios a serem empregados para fins diversos46, tendo em vista que os
proprietários de terra e escravos pretendiam apenas substituir as restrições políticas e
econômicas do regime colonial pela estrutura de um Estado Nacional, que assegurasse a
liberdade econômica. A incorporação dos ideais franceses e ingleses, no Brasil, demonstrou a
falta de um sistema político e econômico original. Em decorrência disto, a formação do
Estado Nacional reproduziu quase inteiramente a monarquia portuguesa47.
Os preceitos do liberalismo foram ajustados para atender a aristocracia rural, sem com
isso, alterar os seus antigos poderes, fundado no personalismo e na aversão ao impessoalismo
e à burocracia, inerentes à formação do Estado. Em relação ao liberalismo e como ele se
ajustou ao território brasileiro, o historiador Sérgio Buarque de Holanda afirma:
Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até que ponto se ajustam às condições de vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições lhe imporiam. Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade incômoda, confirmando nosso instintivo horror às hierarquias e permitindo tratar com familiaridade os governantes. A democracia no Brasil foi sempre um mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à situação tradicional,
45 Idem, p.299. 46 PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos. 11.ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1979, p.42. 47 Idem, p.42.
ao menos como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos48.
O lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, foi ajustado, no
Brasil, aos nosso velhos padrões patriarcais e coloniais49. Nesse sentido, o Estado Imperial
que se forma após a independência está entrelaçado com os valores políticos e sociais do
período colonial, fundados na grande família patriarcal. Segundo Buarque de Holanda, será a
família patriarcal que fornecerá o modelo por onde se hão de calcar, na vida política, as
relações entre governantes e governados, entre monarcas e súditos50.
A elite lustrada, uma minoria insignificante, que auxiliava D.Pedro I sofrera influência
européia, direta ou indiretamente, e desejava a instalação de um sistema de governo
independente e liberal, mas sem rompimento total com a estrutura social e econômica que
mantivera o colonialismo, a escravidão, o latifúndio e a monocultura51. No que tange à
manutenção da escravidão, Costa afirma:
(...) a forma como se processou aqui a Independência foi capaz de preservar e reiterar os interesses dos setores ligados à grande propriedade territorial e à escravidão. Esse fato, porém, não faz do Estado Imperial uma simples emanação ou um epifenômeno da escravidão. (...). Isso porque a base econômica social escravista apresentou tanto impulsos como limites ao processo de construção do Estado no Brasil, tornando-o um processo peculiar não só em relação ao padrão europeu como também em relação às outras experiências de construção do estado na América Espanhola52.
Analisando a afirmação de Costa, observa-se que, a manutenção da estrutura social e
econômica fundada na escravidão proporcionou impulsos e limites à formação do estado
brasileiro. Isto porque, o sistema colonial fundado em relações afetivas e pessoais-
características estas que estão intimamente ligadas à família patriarcal- impediram a formação
de um sistema político com características impessoais e racionais inerentes ao Estado53. Em
relação à família patriarcal, que caracteriza a sociedade colonial brasileira e que será herdada 48 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987, p.119. 49 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op.cit, p.134. 50 Idem, p.53. 51 RODRIGUES, José Honório. Independência: Revolução e Contra-Revolução. Vol.5.Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975,p.250. 52 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit.p.36-37. 53 Para o historiador Sérgio Buarque de Holanda, “Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, e certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição”. Raízes do Brasil.Rio de Janeiro: José Olympio, 1987, p.101.
pelo Império brasileiro- em seus elementos fundamentais como: a predominância dos
interesses privados em detrimento dos interesses públicos- é analisada por Buarque de
Holanda da seguinte maneira:
O quadro familiar torna-se, assim, tão poderoso e exigente, que sua sombra persegue os indivíduos mesmo fora do recinto doméstico. A entidade privada precede sempre, neles, a entidade pública. A nostalgia dessa organização compacta, única e intransferível, onde prevalecem necessariamente as preferências fundadas em laços afetivos, não poderia deixar de marcar nossa sociedade, nossa vida pública, todas as nossas atividades. Representando, [...], o único setor onde o princípio de autoridade é indisputado, a família colonial fornecia a idéia mais normal de poder, da respeitabilidade, da obediência e da coesão entre homens. O resultado era predominarem, em toda vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma inversão do público pelo privado, do Estado pela família54.
A oposição entre: Estado e família; público e privado; impessoalismo e personalismo,
fazem parte do processo de formação do Estado brasileiro. Raymundo Faoro apontando para a
formação, no Brasil, de um Estado patrimonial estamental55, considerou que a subida de D.
Pedro I ao poder, com o título de Imperador Perpétuo do Brasil, marcou na política Imperial o
conflito do poder central em tentar estender seu domínio sobre o largo território, enfrentando
as províncias brasileiras que se organizavam politicamente por valores não homogêneos ao
poder central. Para estender seu domínio, o Estado patrimonial é dirigido por uma camada que
atua em nome próprio e, servida do aparelhamento estatal, assume características patriarcais,
identificável no mando do fazendeiro, do senhor de engenho e dos coronéis56. O domínio
patrimonial apropria as oportunidades econômicas de desfrute dos bens, das concessões, dos
cargos, numa confusão entre o setor público e o privado57 . Segundo Faoro, o Estado que se
formou a partir da independência é um Estado patrimonialista que para seu funcionamento
dependeu de uma imensa rede de
funcionários de cunho patrimonial58. Neste sentido, Faoro salienta: Na peculiaridade
54 HOLANDA, Sérgio Buarque. Op.Cit.p.50. 55 FAORO analisa o processo político brasileiro através da idéia de Estado patrimonial - estamental. Para Faoro, que se baseia nos conceitos de Max Weber, patrimonialismo é a forma como “a comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, negócios privados, seus na origem, como negócios públicos depois”. Em relação ao estamento, considera que este se constitui pela camada de servidores estatais, como: os juristas, letrados, burocratas, entre outros, que formam uma espécie de “nobreza particular”, tornando-se como que a “extensão da casa do soberano”. Os donos do poder. São Paulo: globo-publifolha, 2000, p.384. 56 Idem, p.367. 57 Ibidem, p.367. 58 HOLANDA, Sérgio Buarque utiliza a definição de Max Weber acerca do funcionário patrimonial, apontando que, para o funcionário patrimonial, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse
histórica brasileira, todavia, a camada dirigente atua em nome próprio, servida dos
instrumentos políticos derivados de sua posse do aparelhamento estatal59.
Segundo Faoro, a monarquia constitucional, no Primeiro Reinado, fundar-se-á na
política pessoal de D. Pedro I. Por meio do poder moderador que foi a essência do primado
da Coroa, [...] a pedra que autorizará o Imperador a reinar, governar e administrar por via
própria, sem a cobertura ministerial 60 o estamento se rearticula com tintas liberais e cerne
absolutista61. Neste contexto, onde a política absolutista de D. Pedro I se alicerça e os laços
patriarcais da família colonial brasileira se evidenciam, tentar-se-á, a seguir, observar como se
deu o processo de formação das forças armadas.
2.2 A formação das forças armadas do Brasil: suas peculiaridades.
A historiadora Wilma Peres Costa, utilizando-se do conceito de Max Weber, ressalta
que a constituição de forças armadas profissionais foi uma empresa inseparável do processo
de formação do Estado Moderno enquanto monopolizador da violência legítima. E
acrescenta:
A força armada profissional, instrumento fundamental desse monopólio, tornou-se elemento constitutivo da própria definição do Estado. Nas diferentes experiências históricas de formação estatal, o empreendimento de construir forças armadas profissionais envolveu muitos aspectos, e de seu êxito total ou relativo dependeu muitas vezes o próprio destino do Estado62.
O processo histórico de formação do Estado- desencadeando o monopólio da violência
legítima, através das forças armadas profissionais- implicou no desarmamento da sociedade.
particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles auferem, relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não há interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático [...]. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal, que merece os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias. Falta de tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida do Estado burocrático. No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Raízes do Brasil: José Olympio, 1987, p.105-106. 59 FAORO,Raimundo. Op.Cit.p.377. 60 Idem, p.330. 61 Ibidem, p.328. 62 COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o exército, a guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Editora Hucitec- Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1996,p.27.
Este processo foi marcado por dimensões conflitivas, pois o poder militar disperso entre
diferentes agentes privados passou a concentrar-se nas mãos do Estado, ou seja:
[...] o processo de construção do Estado em sua forma moderna se caracteriza por uma crescente dinâmica “extrativa”, porque implicou transferir do “privado” para o “público” [...] poderes dispersos no corpo sócia, concentrando e monopolizando as atribuições fiscais, jurídicas e militares, principais instrumentos para o exercício do poder63.
Segundo Costa, enquanto a formação dos Estados de tipo moderno se caracterizou
pela centralização do poder militar em suas mãos, no caso, do Brasil, as peculiaridades da
construção do Estado Imperial - na qual percorreu uma trajetória social nitidamente
conservadora, mantendo e reiterando traços do passado colonial como a grande propriedade
agrária exportadora, explorada pelo trabalho escravo - favoreceram um tipo de formação das
forças armadas ligada às estratégias das elites agrárias, isto é: a força armada disponível nos
anos após a independência correspondeu a uma estratégia de cunho político e econômico das
elites agrárias na qual conseguiu manter nas forças armadas sua estrutura colonial64. Para a
autora, a manutenção da base sócio-econômica escravista não produziu,
uma classe dominante com características nacionais, mas sistemas oligárquicos regionais em disputa e recortados internamente por lutas internas entre famílias e clientelas. A estrutura sócio-econômica brasileira durante o século XIX liberava impulsos contraditórios em relação à construção do Estado, ao mesmo tempo centrípetos e centrífugos65.
No Brasil, os localismos que caracterizam a vida política impediram o surgimento do
nacionalismo da unidade nacional à época da independência. Por isso, Buarque de Holanda
salienta: no Brasil- as duas aspirações - a da Independência e da unidade não nascem juntas
e, por longo tempo ainda, não caminham de mãos dadas66 . A vastidão do território brasileiro,
marcando a distância do poder central às localidades no interior do país, dificultava a
comunicação e promovia a tendência ao esvaziamento do centro político e de ampliação do
controle privado dos meios de governo e coerção 67. Na época da independência, as forças
63 COSTA, Wilma Peres . Op. Cit, p.29. 64 Idem,p.41. 65 Ibidem, p.47. 66 HOLANDA,Sérgio Buarque de. “A herança colonial: sua desagregação”. In: O Brasil monárquico. São Paulo: Grifel, 1970,p.9. 67 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit, p. 49.
tradicionalmente dispersas e a falta de nexo poderoso entre as várias unidades regionais68
eram elementos que priorizavam a ampliação do poder privado em detrimento do poder
centralizado pelo Estado.
Neste sentido, Costa considera que no, período regencial a criação da Guarda
Nacional, em 1831, favoreceu a descentralização das forças armadas das mãos do poder
Estado. A Guarda Nacional, era uma milícia civil composta de todos os cidadãos com renda
suficiente para serem eleitores e comandadas pelos potentados locais. Para Costa, a Guarda
retirou do Estado os meios de coerção, ou melhor, o monopólio da violência, isto porque,
exercia duas funções: primeiro, a de colaborar com o poder público e privado, no sentido de
manter a ordem e reprimir as classes perigosas e, segundo, a de ser instrumento das
oligarquias regionais em sua resistência aos impulsos extrativos do Estado69. Sendo assim, ao
invés de ser uma força complementar ao Exército e à Marinha, a Guarda Nacional, passou a
neutralizá-los tornando-se um obstáculo à consolidação dos mesmos.
A Guarda Nacional também se colocou como um obstáculo ao recrutamento forçado,
uma vez que absorvia nas suas fileiras indivíduos sujeitos a ele. Para Costa, a Guarda
Nacional se configurava como um empecilho ao desenvolvimento da força profissional,
apontando que, em 1855, o ministro da justiça Nabuco de Araújo, reclamou à Assembléia
Constituinte que na província Rio-Grandense mesmo os que não tinham renda para
qualificarem-se como eleitores se alistavam na Guarda, para se isentarem do recrutamento
forçado. A Guarda abarcava para suas fileiras a população trabalhadora livre sob o comando
dos poderes locais. Observa-se que, a força armada, expressa na Guarda Nacional, se
coadunava com o privatismo escravista, que tinha sua eficiência não na força militar que
desempenhava, mas, como instrumento de resistência do armamento do Estado70 .
Evidencia-se com isso, que a formação das forças armadas brasileiras percorreu uma
trajetória peculiar marcada pela resistência da ordem privada à extensão do poder do Estado.
A base sócio-econômica escravista impôs limites à formação do Estado e das forças armadas
com características nacionais. Costa ressalta que, tais limites são observados no estreitamento
da base de recrutamento, uma vez que o escravo, por definição, não é recrutável. Os limites
impostos pela escravidão também podem ser vistos através da manutenção dos pequenos
exércitos privados controlados pelos senhores, como se observa a seguir:
68 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op. Cit, p.20. 69 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit.p.54. 70 Idem, p.60.
A ordem escravista não subtrae o escravo ao serviço militar. Ela exige a manutenção de pequenos exércitos privados de prepostos e jagunço sob o controle direto dos senhores, o que os obriga a drenar para o serviço privado da manutenção da ordem interna das fazendas boa parte da população trabalhadora livre. Esses homens armados eram os principais responsáveis pela segurança interna da ordem escravista, tanto no que toca ao controle da escravaria quanto no que se refere ao próprio processo de apossamento e manutenção da terra [...] 71.
Pode-se ressaltar que, a preservação da economia escravista desenvolveu impulsos
para o esvaziamento do poder político central e favoreceu o controle armado da ordem
privada. Enquanto na Europa a formação do Estado acompanhou o declínio das relações
sociais feudais, no Brasil, a formação do Estado Imperial preservou e reiterou a escravidão,
impulsionando a continuidade da força armada de caráter privado. No entanto, para a
manutenção da estrutura sócio-econômica do período colonial, os donos de terra e escravos
precisaram do Estado para manter a escravidão. Pois, o papel do Estado era fundamental para
manter o tráfico de escravos e, a nível judiciário, instituir políticas acerca da legalidade da
instituição. Por isso, a autora salienta que, a escravidão produziu impulsos contraditórios à
formação do Estado e das forças armadas, ao mesmo tempo centrípetos e centrífugos. Esta
situação é observada quando na época da independência os proprietários de terras e escravos
apoiaram a formação do Estado Imperial, a fim de que a monarquia legalizasse a questão do
tráfico negreiro, já abolido internacionalmente. Ao mesmo tempo em que, esta elite agrária,
mantinha em suas fazendas pequenos exércitos privados, favorecendo o controle privado da
violência, impedindo assim, a constituição do monopólio da violência pelo poder central.
Segundo Costa,
[...] se, na experiência européia, o desarmamento da aristocracia senhorial e o armamento do Estado é uma estratégia para preservar uma dominação que a primeira já não podia exercer diretamente, no Brasil, onde se intenta a construção do Estado Nacional preservando a escravidão, o senhoriato precisa manter os instrumentos de coerção sob seu controle direto ou indireto como condição mesma de preservação das relações escravistas72.
Em linhas gerais, os contornos assumidos pelo Estado brasileiro e pelas forças armadas tomaram rumos opostos à formação dos Estados Europeus. As peculiaridades do processo da independência asseguraram a preservação da economia escravista, promovendo, segundo Costa, a criação de forças armadas de caráter privado comandadas pelos senhores locais, retirando do Estado, o monopólio da violência legítima.
71 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit, p.59. 72 Idem, p.276-277.
Deve-se acrescentar que, a formação do Estado Imperial vinculada à manutenção do
mercado escravista articulou-se à noção de integridade territorial da antiga colônia73. Neste
processo, a formação da Marinha de Guerra foi importante para a consolidação da
independência e preservar a unidade nacional e integridade territorial. Assim, a seguir tratar-
se-á da Marinha de Guerra no período da independência.
2.3 - A Marinha de Guerra: o ideal de integridade territorial e unidade nacional
A Independência do Brasil, em 1822, não teve reconhecimento por parte de todas as
províncias do Império. Da Bahia para o norte, as juntas Governativas portuguesas fizeram
ouvidos moucos e permaneceram em posição autoritária. Na Cisplatina, as forças que
garantiam o domínio reinol cindiram-se, parte aderindo ao Novo Império e, parte
conservando-se fiel a Portugal74. Assim, para que o grito do Ipiranga se ecoasse por todo o
país foi preciso a formação da Marinha de Guerra do Brasil, que tinha a finalidade, dentre
outras, de: a) estabelecer intercomunicação entre as várias regiões do país; b) proteger o
território contra ataques externos e internos; c) estabelecer o comércio interprovincial; e, d)
manter a unidade nacional. Por ser um país, essencialmente marítimo75, os primeiros
estadistas do Império- no qual se destaca o ministro das relações exteriores José Bonifácio de
Andrada e Silva- observaram a necessidade da formação de uma Marinha de Guerra, para a
consolidação da Independência. Neste sentido, o historiador naval Prado Maia afirma:
A Marinha Brasileira nasceu com a Independência. A necessidade vital da consolidação de uma foi a determinante imperiosa de criação da outra. Assim, o Grito do Ipiranga representa a certidão de nascimento não só do Brasil como entidade autônoma no concerto das nações, mas, também, de sua Marinha de Guerra, garantidora incontestável dessa autonomia.
[...].
O drama da Independência tinha que ser decidido no mar.Proclamada aquela, por isso mesmo, a organização do poder naval brasileiro passou a constituir preocupação nítida do problema destacada do novo governo.[...]. Com uma preocupação nítida do problema, de súbito compreenderam [os primeiros estadistas] que, país essencialmente marítimo, com uma disposição topográfica que lhe não permite facilmente o estabelecimento de
73ARIAS NETO, José Miguel. Em busca da cidadania: Praças da Armada Nacional (1867-1910). Tese (doutorado em história), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, SP: 2001,p.16. 74 MARTINS, Hélio Leôncio. Influência da Marinha Portuguesa na formação da Marinha Imperial. In: Revista Marítima Brasileira.Vol.121, n.º1-3. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 2001,p.65. 75 MAIA, João do Prado. A Marinha de Guerra do Brasil na Colônia e no Império: tentativa de reconstituição histórica. 2.ª ed., Rio de Janeiro: Cátedra, Brasília INL, 1975, p.53.
linhas terrestres para a ligação, mas, também, de proteger o seu comércio, manter a unidade territorial repelindo os possíveis ataques externos, fazer respeitar a nossa soberania76.
Partindo do princípio de que somente à Marinha caberia a consolidação da
Independência, em 24 de setembro de 1822, Gonçalves Ledo e Luiz Pereira da Nóbrega
sugerem a D. Pedro I, a abertura de subscrição popular, mensal, a fim de, com o produto dela,
se adquirissem navios para reforçar a esquadra. Era necessário investir nos concertos dos já
existentes e na compra de novos, tendo em vista que o material flutuante se encontrava em
péssimo estado. A nau Martins de Freitas era a única em bom estado, a Príncipe Real estava
desarmada e, as outras, absolutamente inaproveitáveis 77. Prado Maia observa que, o estado
geral dos demais navios não era satisfatório: quase todos careciam de grandes reparos. Era
precária, portanto, a nossa situação quanto ao material flutuante78.
Em princípios de 1823, o Imperador baixa um decreto autorizando a subscrição
popular. Segundo o historiador naval Brian Vale, a partir de 1823 a Marinha brasileira teve
progressos, pois neste ano o Brasil possuía apenas quinze navios de guerra de grande porte,
totalizando 382 peças79. Em 1824, a mercê de presas e compras, foram adquiridos vinte e seis
navios, com 620 canhões e sete outros estavam em construção nos estaleiros brasileiros,
ingleses e americanos. A subscrição popular arrecadava sete mil réis a cada mês. As pessoas
que não podiam contribuir em moeda corrente ofereciam escravos como marinheiros e,
outros, ofertavam carne-seca, barris de vinagre ou de vinho, ou gado em pé80. Com estes
esforços, para a organização da Armada brasileira, a esquadra da independência era
constituída pelos seguintes navios: nau: Pedro I (ex- Martim de Freitas); fragatas: Piranga
(ex-União), Paraguaçu (ex-Real Carolina) e Niterói (ex-Sucesso); corvetas: Maria da Glória
e Liberal (ex-Gaivota); e, brigues: Cacique(ex-Reino Unido), Real Pedro,Rio da Prata(ex-
Leopoldina), Guarani, Caboclo e Atalanta81.
No relatório de 1828, do ministro da Marinha ,Diogo Jorge de Brito, observa-se que,
os problemas enfrentados para a construção de uma força naval não são resolvidos
completamente no período das lutas pela independência, assim, o ministro salienta: é óbvio a
todas as luzes o quão diminuta é ainda nossa força naval para poder desempenhar tão
76 MAIA, João do Prado. Op. Cit, p.53. 77 Idem, p.54. 78 Ibidem, p.54. 79 BRIAN,Vale. “Marinheiros Ingleses na Marinha do Brasil (1822-1850)”. In: Revista Marítima Brasileira. Vol.119. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1999, p.48. 80 Idem, p.104. 81 MAIA, João do Prado. Ibidem, p.57.
numerosos e urgentes serviços82. No relatório de 1834, do ministro Joaquim José Rodrigues
Torres, observa-se o papel que cabe a Marinha e as precisões e recursos pecuniários
necessários para que a força naval consiga assegurar a integridade e independência do
Império. Em meio a inúmeros problemas enfrentados para a construção da força naval, como:
estaleiros em ruínas, arsenais abandonados, navios deteriorizados ou em péssimas condições,
corte inadequado das árvores para a construção, indisciplina, falta de recursos financeiros,
entre outros, os ministros da Marinha são unânimes em escrever a importância da Marinha
para efetivar o ideal de integridade territorial e a unidade nacional.
Em 1837, o ministro da Marinha Salvador José Maciel, ressalta que a grande extensão
do território e do litoral, a imensa quantidade dos valiosos produtos da agricultura, e a defesa
deste comércio, eram os fatores que tornavam urgentes o investimento financeiro do Governo
para o aumento da força naval. Além desses fatores, o ministro salienta que existem outros de
maior importância, como: a conservação da integridade territorial, a manutenção da ordem, da
tranqüilidade e da obediência das leis.
No relatório de 1838, o ministro Rodrigues Torres, aponta que o papel da Marinha de
Guerra era a de: concorrer para a manutenção da integridade, da independência, e da honra
nacional; favorecer os progressos da agricultura, e da indústria, pela protecção dada ao
commércio, additar, e enriquecer as sciências como novas observações, e descobertas, tal he
a alta missão, que compete à Marinha Militar83.
O ministro da Marinha, Jacinto Roque de Sena Pereira , em 1840, aponta as vantagens
e necessidades do Império do Brasil de se ter uma força naval, pois as províncias
encontravam-se sobre um extenso litoral de perto de 800 léguas, separadas em grandes
distâncias, e quase sem outro nexo entre si mais do que o do comércio de cabotagem. Desta
forma, ressalta ao Poder Legislativo sobre a necessidade de elevar a Marinha de Guerra
brasileira ao ponto de grandeza e força que exigem as peculiaridades e circunstâncias do
território. E, acrescenta:
Se da força de mar muito depende a tranqüilidade e união de tão ricas e opulentas províncias, he ainda da força de mar que podemos esperar o augmento de grandeza e prosperidade a que tem de chegar o vasto Império do Brasil, pela protecção que presta ao commércio, esta principal fonte de
82 Relatório do Ministro da Marinha Diogo Jorge de Brito apresentado à Assembléia Legislativa em 1828. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1876. 83 Relatório do ministro da Marinha Joaquim José Rodrigues Torres apresentado à Assembléia Legislativa no ano de 1838. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1838.
riqueza Pública; consideração e respeito a que o deve elevar entre as Nações do Velho e Novo Mundo84 .
Em relação ao organismo administrativo da Marinha, deve-se considerar que, com a
vinda da Corte para o Brasil foram estabelecidas: o Quartel-General da Armada ,Intendência e
Contadoria, Arquivo Militar, Hospital de Marinha, Fábrica de Pólvora, Conselho Supremo
Militar e a Academia dos Guardas-Marinhas85. Segundo Prado Maia, salvo o Conselho
Supremo, o Arquivo, a Contadoria e a Fábrica de Pólvora, as demais repartições
mencionadas constituíam verdadeiro desdobramento das já existentes em Portugal86. A
administração portuguesa na colônia é marcada pela sua falta de originalidade87, isto porquê,
a transferência da Corte não implicou na criação de órgãos diferentes e adaptados às
condições peculiares do Brasil. Sobre a falta de originalidade, Prado Júnior diz:
De modo geral, pode-se afirmar que a administração portuguesa estendeu ao Brasil sua organização e seu sistema, e não criou nada de original para a colônia. [...]
As inovações são insignificantes e não alteram o sistema e caráter da administração que será na colônia um símile perfeito da do Reino. O que se encontrará de diferente se deverá mais as condições particulares, tão profundamente diversas das da metrópole, a que tal organização administrativa teve de se ajustar; ajustamento que se processará de fato, e não regulado por normas legais; espontâneo e forçado pelas circunstâncias [...]. Originalidade deliberada, compreensão das diferenças e capacidade para concretizá-la em normas adaptadas às necessidades peculiares da colônia, isto a metrópole raramente fez, e nunca de uma forma sistemática e geral88.
No período da independência, o arcabouço administrativo da antiga metrópole foi
absorvido pelo Estado Imperial, resultando numa herança dos órgãos administrativos da
Marinha Portuguesa na Marinha Brasileira. Em relação ao material humano, deve-se salientar
que, ficou a cargo de Felisberto Caldeira Brant o recrutamento de oficiais e marinheiros para
defenderem a independência, isto porque, os oficiais existentes na Marinha brasileira eram, na
84 Relatório do ministro da Marinha Jacinto Roque de Sena Pereira apresentado à Assembléia Legislativa no ano de 1840. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1840. 85 MAIA, João do Prado. Op. Cit, p.54. 86 Idem, p.34. 87 PRADO JÚNIOR, Caio. A Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense, 1953, p.311. 88 Idem, p.311.
sua maioria, de origem portuguesa, e a lealdade desses homens à causa do Brasil eram vista
com desconfiança pelo governo brasileiro.
No que tange aos oficiais, a dinastia portuguesa, aqui no Brasil, impediu o concurso de
homens de origem brasileira à Academia da Marinha. Sobre este aspecto, a historiadora
Adriana Barreto de Souza, observou que havia uma tradição portuguesa do Antigo Regime
em favorecer a entrada de jovens oficiais, pertencentes à nobreza, ao generalato, por meio de
concessões de títulos honoríficos. A tradição militar portuguesa era oposta ao modelo
moderno que associa a carreira à incorporação de um conjunto de valores e atitudes
orientados por uma disciplina rigorosa a uma forte unidade corporativa89. Esta tradição
militar integrava uma sociedade de Corte90 na qual a Coroa portuguesa detinha o monopólio
da distribuição dos títulos nobiliárquicos, graças honoríficas e patentes militares.
Os oficiais portugueses, com contradição no Antigo Regime, ocupavam no Brasil,
quase metade dos postos de comando do exército ainda nos fins dos anos de 1830 e durante a
década de 1840. Assim, Barreto de Souza, afirma: da ascendência nobre ou não, essa
geração de 1840 [...] era integrada por oficiais completamente subordinados à Coroa e
dependentes de sua generosidade. Além de seu valor honorífico, o título, se associado à
prestação de serviços à Coroa, garantia a seus oficiais uma rápida ascensão na carreira91 .
Observa-se com isto que, mesmo após a independência se preservou no Exército e
também na Marinha o ingresso às altas patentes por meio de concessões do imperador àqueles
oficiais de origem nobre, no caso da Marinha, o ingresso para a Academia Militar exigia-se
que o candidato viesse de família nobre. Nas lutas da independência, o oficial que entrou
como herói para a história brasileira foi o inglês e primeiro Almirante da Armada: lord
Thomas Alexander Cochrane. Este cargo surgiu exclusivamente - e sendo atribuído
unicamente - a ele entre 1823 e 1827, devido a sua adesão à causa do Brasil. Sobre a
importância desse Almirante no período da independência, o relato de Domingos Alves
Branco Muniz Barreto dado a Imprensa Nacional do Rio de Janeiro em oito de outubro de
1823 relatava:
89 SOUZA,Adriana Barreto de. “A serviço de sua majestade: a tradição militar portuguesa na composição do generalato brasileiro (1837-50)”. In: Nova História Militar Brasileira. São Paulo: FGV, 2004, p.161. 90 Ver ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. Para Elias, na sociedade de Corte o rei convive com uma política marcada pelo “equilíbrio de tensões”, na qual cabe a ele manipular este equilíbrio a seu favor, concedendo títulos honoríficos a uns e instaurando a rivalidade a outros. A sobrevivência da Corte e do rei depende da manutenção bem manipulada das rivalidades e tensões entre uns e outros, e na distribuição de favores do rei aos seus súditos. 91 SOUZA, Adriana Barreto de. Op. Cit, p.167.
Propaganda a lord Cochrane Viva lord Cochrane, marquês do Maranhão, herói brasileiro. Eis aqui excelso Almirante! O grito universal, que com enthusiasmo retumba,não só nesta capital, mas em toda a extensão do Rico, e Florescente Império do Brasil. O vosso zelo pelo nosso bem, a Vossa aptidão, e prudência experimentada, o espírito de luzes e de valor, que haveis manifestado em tantas ocasiões, em que agora tendes dado novas provas, penhora e excita a gratidão brasileira a ratificar a estimação, que de longo tempo tributava à Vossa Pessoa, e as Vossas eminentes qualidades.[...]. Não é só o Brasil, o Mundo Inteiro, não pode deixar de admirar a energia com que vós, Senhor, lutando tanto com as ondas, como em terreno firme, sabeis desenvolver a mais sublime sabedoria, e denodada coragem. O Maranhão, essa Bella,e Rica Província, que se achava pelo partido português agrilhoada, separada, e órfã da mãe Pátria, a Vós, Senhor, deve o seu resgate, a sua regeneração política, e a fortuna, que vem gozar na união, e obediência à metrópole. Foi bastante a Vossa Presença Respeitável para destruir a oligarquia, que naquela província alimentava sentimentos differentes dos partidos que a iludião, e escravizavão.[...]. O nome do Almirante Cochrane já se achava escripto na Tabela ilustre da admiração universal. E quanto por isso não Vos são os Brasileiros mais devedores dos serviços, espontâneas, e desinteressados de Hum Heróe, que já era Heróe?Vós, Senhor, não tivestes outro fito que o de unir-vos religiosamente à Divindade, que tão prodigiosamente tem mostrado abençoa a nossa justa Causa, e a Nossa Independência. E como deixará de ser igualmente abençoada, mas antes prodigalizou virtudes, gênio e sabedoria para agora as exercitar em nosso benefício. Grande Deos! A causa do Brasil é toda Vossa92.
Este documento traz uma série de elementos que favoreceram a construção de uma
determinada historiografia naval e também acadêmica acerca da ênfase em batalhas e heróis
nacionais. O documento mostra que, o Lord Cochrane é considerado o nosso Grande Deus,
Herói e Excelso Almirante. Numa atitude de coragem, sabedoria e virtude libertaram a
província do Maranhão do julgo metropolitano e conseguiu uni - lá à causa do Brasil. No
entanto, observando o que a historiadora Paloma Siqueira Fonseca e o antropólogo Castro
salientaram, deve-se considerar que, este tipo de historiografia que enfatiza os grandes heróis
militares acaba por esquecer outras pessoas que também lutaram mas que não foram
reconhecidas. As guerras da independência na Bahia, Pernambuco, Maranhão e na região
Cisplatina foram travadas não só por Cochrane, mas também, por muitos marinheiros e
oficiais fiéis à causa da independência; a fim de assegurarem a vitória das elites agrárias que
se interessavam na unidade nacional. Outro problema, que também pode estar por traz deste
documento, diz respeito à origem do Almirante Cochrane. Nasceu na Escócia em 1775, era de
família nobre, 10.º conde de Dundonald. Sua vida, como homem do mar, iniciou em 1793 a
92 Microfilme do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro ( sobre história naval do Brasil). Filme 406- 35mm, seção A: Lata n.º 14, seção B: Lata n.º 15, Equipamento: MRD- II, operadores: Mário, Adelaide e Luciana.
bordo da Royal Navy; ocupando o cargo de oficial em guarnições e como comandante de
navios. Mas sua origem nobre e sua experiência no mar, ocupando cargos intermediários e
altos, não são elementos que o fazem menor. Prado Maia, observa que a esquadra portuguesa
ancorada na Bahia era constituída de um número muito maior de navios que a esquadra
brasileira, no entanto, o espírito e experiência de Cochrane se sobrepôs à superioridade da
armada portuguesa. Nesse sentido, Prado Maia afirma: nada vale uma força quando nulo ou
vacilante é o espírito e o ânimo combativo de seu chefe. Mais do que o elemento material,
muitas vezes se tem registrado, nas guerras, a preponderância do fator moral93. Evidencia-se
que, a importância de Cochrane é bastante notável, mas, o que parece perigoso é esquecer da
participação de muitos outros homens, como os marinheiros, que também lutaram, mas, que
acabaram sendo esquecidos por uma determinada construção historiográfica militar e
acadêmica.
Arias Neto salientou que, a esquadra portuguesa, ancorada na Bahia, era constituída de
um número maior de navios do que a esquadra brasileira. Mas isso não significou que os
portugueses conquistassem a vitória, pois, segundo o autor, pode-se supor que as vitórias
navais da independência foram resultantes também da impossibilidade portuguesa em manter
uma guerra em região distante da metrópole94. Em 1823, o general Madeira, comandante da
esquadra portuguesa, escreveu a D. João dizendo da inutilidade de qualquer reação diante das
tropas brasileiras, comandadas por Cochrane. A libertação do Maranhão e do Pará do julgo
reinol aconteceu nos meses de julho e agosto de 1823. A chegada de Cochrane e Grenfell em
São Luiz e Belém anunciando a rendição dos militares portugueses da Bahia e a vinda da
Corte de esforços militares - a fim de libertar aquelas províncias do domínio reinol - fizeram
com que as juntas governativas destas províncias se rendessem incondicionalmente. Em
Pernambuco, no ano de 1824, eclode a Confederação do Equador, de caráter separatista e
republicano, combate a Constituição outorgada de 1824 e o fechamento da Assembléia
Constituinte de 1823. Este movimento de caráter liberal é rapidamente abafado pela força
naval de Cochrane que, estabeleceu bloqueio do porto de Recife, hostilizou a cidade por mar,
forçou a rendição dos revoltosos e criou uma comissão militar para processar o os chefes do
movimento95.
No ano seguinte, em 1825, acontece a guerra com as Províncias Unidas do Rio da
Prata que se estendeu até 1828 acarretando para o Brasil a perda da Cisplatina, a bancarrota
93 MAIA , João do Prado. Op. Cit,p.87. 94 ARIAS NETO, José Miguel. Op.Cit, p.25. 95 Idem, p.25.
financeira do Estado, o agravamento da instabilidade política do país e o acirramento do
confronto entre o Parlamento e o Imperador96. Sobre esta questão, em 1829, o ministro da
Marinha Miguel de Souza Mello e Alvim, apresenta à Assembléia Legislativa as despesas
contraídas pela Marinha durante a Guerra Cisplatina. O ministro salienta que, foi uma ligeira
esperança pensar que após a guerra as despesas fossem diminuídas. Pois, o Estado brasileiro
tinha dívidas a pagar relativas aos mantimentos para a esquadra e vencimentos de oficiais e
soldados. Acrescenta que, os navios da Armada não puderam ser desarmados, os praças que
estavam em Montevidéu, Colonia e Ilha do Gorreti e o imenso material de artilharia,
petrechos e munições de guerra que os abasteciam não puderam ser abandonados; os credores
à fazenda pública exigiram, com a notícia da paz, a liquidação e paga de suas contas,
pagamento que se efetuou pelo violento meio de cambio; os soldos da oficialidade e
guarnição da esquadra no Rio da Prata estavam vencidos a dez e onze meses. Ainda salienta
que, as dívidas cresceram no primeiro período depois da paz, em conseqüência dos
pagamentos de liquidação de contas pendentes durante a guerra.
Sobre a Guerra Cisplatina, deve-se salientar que, a esquadra brasileira contava com
uma vantagem numérica em relação à esquadra do Prata, no entanto, esta vantagem não foi
decisiva para a vitória do lado do Brasil, uma vez que a nossa esquadra enfrentou muitas
dificuldades na navegação e nas manobras de guerra devido ao grande calado dos navios,
impróprios para a navegação no raso estuário do Prata97. Arias Neto ressalta que, o lado
inimigo estava preparado para este tipo de guerrilha naval, na qual desgastou a força naval
brasileira. Soma-se à estas dificuldades, o fato de que através de decreto de 2 de janeiro de
1826, o governo das Províncias Unidas adotou uma nova estratégia-política e tática: a guerra
do corso98, causando danos políticos e econômicos ao Império do Brasil.
Em linhas gerais, como salientou Buarque de Holanda, a unidade nacional foi uma
conquista do Império Independente; conquista que exigiu do Estado Imperial o enfrentamento
armado contra as forças tradicionalmente dispersas para que, assim, se alcançasse a
96 ARIAS NETO, José Miguel. Op.Cit, p.26. 97 Idem,p.27. 98 Segundo Paloma Siqueira Fonseca , o corso, guerra pratica contra o comércio marítimo inimigo, foi exercido em todos os mares, a partir do século XVI, e por mais de 300 anos. Os ingleses foram os primeiros a institucionalizar as ações de corsários, já no século XIV, mas foi no século XVI que a Coroa incentivou e acobertou a sua ação, principalmente contra galeões espanhóis, fazendo surgir figuras como Martin Frobisher e Francis Drak, agraciados com títulos nobiliárquicos e recebidos na Corte como heróis. Op. Cit, p.48. O historiador Arias Neto, ressaltou que a guerra do corso parece, portanto, ter tido um efeito muito maior do que se supõe à primeira vista. Com a guerra do corso, houve a capturação de embarcações negreiras que vinham para o Brasil, isto atingiu o ponto nevrálgico da economia brasileira. Os corsários passaram a comercializar os escravos capturados nas Antilhas e nos Estados Unidos, com isso o governo das Províncias Unidas do Rio da Prata objetivava criar embaraços ao comércio escravista brasileiro. Idem, p.29-30.
centralização monárquica. A ausência de nexo moral, apontada por Prado Júnior é
característica da sociedade colonial. A desagregação, as forças dispersivas, os grupos
incoerentes se sobrepunha à precária integridade do território. Neste sentido, tais
características não favoreceram o aparecimento de uma consciência nacional99 que desse
força a um movimento revolucionário capaz de reconstruir a sociedade, o que se observa nas
lutas pela independência são manifestações exaltadas de nativismo, de interesses locais. Pois,
segundo Maria Odila Dias, a consciência nacional só viria através da integração das diversas
províncias imposta pela nova Corte no rio a partir das décadas de 1840 e 1850100.
Para finalizar, deve-se considerar que, o ideal de unidade nacional e integridade
territorial foram propostas vindas de cima, isto é, das elites agrárias coloniais, que tinham
interesse na manutenção da estrutura de produção escravista e na preservação da liberdade de
comércio. Neste contexto, surge a Marinha de Guerra do Brasil com a finalidade, dentre
outras, de consolidar a independência, ou seja, de fazer ouvir o grito da independência em
todo o território nacional101. A partir da compreensão da formação do Estado Imperial e da
Marinha de Guerra, no próximo capítulo, refletiremos sobre a realização do recrutamento
forçado.
99 DIAS, Maria Odila. Op. Cit, p.169. 100 Idem, p.169. 101 MARTINS, Hélio Leôncio. Op. Cit, p.71.
Capítulo 3
O Recrutamento no Império: entre dois extremos
3.1- Os desclassificados sociais: bêbados, mendigos e ladrões no recrutamento
Segundo Hendrik Kraay, na linguagem oitocentista recrutamento significava
recrutamento forçado, dispensando o uso do adjetivo forçado para qualificá-lo. No século
XVIII, o recrutamento recebeu outra adjetivação: tributo de sangue. Para Fábio Faria Mendes,
no imaginário medieval a expressão denotava a contribuição dos guerreiros a ordem do
mundo, ao lado daqueles que labutavam e rezavam. No Brasil, a expressão, tributo de
sangue,adquiriu novos significados, passando a designar as práticas sangrentas do
recrutamento forçado, marcado pela violência e pela arbitrariedade.
No Brasil, o alistamento voluntário e o recrutamento forçado foram as duas formas de
incorporação de homens no serviço militar. Segundo Nascimento, até 1910 a falta de
indivíduos que se alistavam por vontade própria na Marinha de Guerra era um problema
crônico, por isso, durante quase todo o século XIX o recrutamento forçado, era praticamente,
a única fonte de onde provinha os marinheiros e também os soldados do corpo de artilharia
da Marinha102. O recrutamento forçado era realizado pelas autoridades locais, policiais, juizes
de paz e pela Marinha. No Rio de Janeiro, a tarefa de recrutar ficava a cargo do Inspetor do
Arsenal, até que o encargo passasse para o Quartel General da Armada. Os marinheiros
recrutados a força ou alistados voluntariamente no Rio de Janeiro ou nas Províncias, ficavam
sobre ordens do Inspetor do Arsenal, recolhidos, em depósito, ao navio denominado de
Presiganga, em promiscuidade com criminosos, ladrões, vadios, que ali cumpriam penas e
castigos.
Em 1826, as autoridades separaram os recrutas dos criminosos, estabelecendo para os
primeiros seu depósito em algum navio desarmado. A nau Vasco da Gama foi o primeiro
navio empregado para alojar os recrutas, era remanescente da esquadra portuguesa e que
durante anos apodrecia em seu fundeadouro; sem utilização. Pouco tempo depois, em
fevereiro de 1827, o ministro da marinha, Marquês de Maceió, expediu instruções ao Inspetor
do Arsenal, Rodrigo Antônio de Lamare, para o funcionamento da nau Pedro I como
depósitos de recrutas. Em aviso de 12 de fevereiro de 1827, o ministro determinou como
102 GREENHALGH, Juvenal. O arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na história(1822-1889). Pintura (sobrecapa) de Manoel Pastana. Desenhos de Ary Monteiro Martins. Rio de janeiro: IBGE, 1965, p.185.
deveria funcionar o depósito de recrutas: a nau Pedro I ficaria sobre as ordens do Comandante
do porto, todos os recrutas eram para ser remetidos para dita nau à ordem do mesmo; as
gratificações aos alistados voluntariamente só deveriam ser pagas mediante contrato assinado
pelo Comandante do Corpo; ficava a cargo do Comandante comunicar ao ministro da Marinha
as alterações sofridas pelo depósito, mencionando as entradas e saídas dos engajados e
recrutados.
Por ordem do ministro da Marinha, Marquês de Maceió, o Inspetor do Arsenal fez um
relato dos recrutamentos executados pela Marinha de 1826 a 1829. O Inspetor informa que
desde a instalação da Assembléia, em 1826, foram mandados recrutar 32 vezes: quatro por
ordem escritas e o restante por ordens verbais. Em relação ao número de recrutados e
engajados nas Províncias o Inspetor salienta:
As pessoas que se tem recrutado neste Porto, [Rio de Janeiro], foram 1488 para as guarnições dos Navios de Guerra, e que além destas, se receberam das Províncias de São Pedro do Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Ceará, Piauhy, Maranhão e Pará 1679 indivíduos recrutados, remetidos em diversas Embarcações, para o Exército e o Corpo de Artilharia da Marinha, e de libertos, ficando destes para a Armada Naval, somente 820, que não estavão nas circunstâncias de assentarem em praça nos referidos Corpos103.
Através da pesquisa nos microfilmes do IHGB foi possível ver o nome de 29 recrutas
e dois voluntários do Ceará com destino ao Rio de Janeiro. Foram enviados a bordo do
Paquete Nacional Félix e entregues ao Comandante, Ernesto Alves Branco Morais Barreto, no
ano de 1834. Os dois voluntários, José Maria e Vicente Ferreira do Couto, receberam o
prêmio de engajamento no valor de 16 mil réis. Os recrutados a força - como castigo por falta
de voluntarismo, e mesmo para corrigir os enviados pela polícia, além de não receberem
prêmios, prestavam serviço militar por mais tempo - eram: José Antônio da Silva, José
Clementino, José Felippe, Vicente Ferreira, João Felippe, Miguel dos Anjos, José Manoel de
Jesus, Francisco José de Barros, Victorino Furtado dos Reis, Anastácio José de Faria, José
Ferreira de Morais, José Mariano da Silva, Luiz Geraldo do Rosário, Manoel Marques de
Cordeiro, Antônio de Barros, Vicente Ferreira Nevi, Pedro Ferreira Borges, Manoel
Henriques das Neves, José dos Santos, Bernardo José, Agostinho Márquez, José Inácio da
103 GREENHALGH, Juvenal. Op. Cit, p.186.
Silva, José de Salles, Joaquim José de Santa Ana, Mathias Rodrigues, Antônio Rodrigue,
Félix Antônio de Carvalho, Francisco José de Salles e Clementino José da Silva104.
Dar nome a esses homens trazidos pelo recrutamento forçado expressa alguns
problemas surgidos ao longo da pesquisa. Pois, é comum observar na construção da memória
naval e também acadêmica uma ausência de nomes de determinado grupo humano,
principalmente, os homens oriundos do recrutamento forçado. Talvez, por ocuparem um lugar
menos expressivo na sociedade e devido a sua origem social, não aparece com tanta evidência
como outros grupos humanos, pertencentes às classes mais elitizadas da ordem social. A
memória histórica construída em torno de alguns homens favoreceu o esquecimento de outros,
que, na maioria das vezes, viviam à margem social e que, talvez por isso, não merecessem ser
lembrados, uma vez que viver à margem social, no discurso das autoridades civis e militares,
não é uma condição construída pela estrutura política, econômica e social da colônia e do
império, mas sim, uma opção do indivíduo. Sendo assim, ele próprio se torna culpado de todo
o processo de mazelas que o cerca. Neste sentido, resgatar a individualidade destes
indivíduos, através de seus nomes, pode ser importante para mostrar que ao lado de grandes
ícones militares, como Cochrane, Duque de Caxias e Osório também havia tantos outros
homens como marinheiros, soldados e grumetes que, embora ocupassem cargos inferiores na
hierarquia militar105, desempenharam suas tarefas militares com talento e brilhantismo tanto
quanto aqueles lembrados frequentemente por uma determinada historiografia militar e
acadêmica.
Outro elemento a ser considerado é que, o recrutamento forçado foi um método geral e
reconhecido em vários países do mundo, e aplicado e reconhecido tanto em terra como no
mar. Mas, o viés naval de recrutamento forçado tem recebido mais atenção porque, segundo
Fonseca, o serviço na Marinha era impopular e enorme a demanda por marinheiros nos
reinos que constituíram impérios marítimos, como Portugal e Inglaterra 106. Como se
observa, o Brasil não foi pioneiro na realização do recrutamento, mas foi a experiência
lusitana e européia que serviu de base aos interesses das pastas militares brasileiras, ou seja,
os dois métodos de se compor as equipagens dos navios - o alistamento voluntário e o
recrutamento forçado- não foram criados exclusivamente pelas mentes dos dirigentes
104 Microfilme do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro ( sobre história naval do Brasil). Filme 406- 35mm, seção A: Lata n.º 14, seção B: Lata n.º 15, Equipamento: MRD- II, operadores: Mário, Adelaide e Luciana. 105 Segundo Nascimento, o serviço de grumete era o primeiro posto na hierarquia das classes mais baixas da Marinha de Guerra. O grau máximo da carreira de grumete era de primeiro sargento. Verticalmente, a hierarquia das classes mais baixas seguia essa sucessão: grumetes, marinheiros de 3.ª, 2.ª e 1.ª classes, cabo, 2.º e 1.º sargentos. Do convés ao porto: A experiência dos marinheiros e a revolta de 1910. Op. Cit, p.101. 106 FONSECA, Paloma Siqueira, Op. Cit, p.134.
brasileiros, elas resultaram da experiência de séculos da realização que Portugal mantinha
com suas conquistas de além-mar e das suas próprias guerras na Europa, sendo
posteriormente regulamentadas e aplicadas pelos brasileiros após a independência107.
Na Inglaterra, a fonte maior de recrutamento surgiu por intermédio dos atos de
vadiagem. No reinado da rainha Elisabeth I o recrutamento dirigido a Marinha recaiu sobre
indivíduos que estavam pagando suas sentenças nas cadeias. Também foi estabelecido atos de
quotas que definiam o número de indivíduos que cada distrito deveria remeter ao serviço do
mar. As operações do serviço de recrutamento forçado foram difundidas por a toda Bretanha,
e empregados também no mar, pois no mar o risco de evasão era menor do que em terra.
Embora o recrutamento em alto mar fosse limitado aos navios de torna-viagem, os navios
mercantes frequentemente sofriam o mesmo destino. Na Bretanha, o recrutamento forçado se
realizou somente em tempo de guerra, sendo empregado pela última vez ali, durante a Guerra
Napoleônica de 1803-1815.
Segundo a historiadora Laura de Mello e Souza, em Portugal, no século XIV,
ocorreram mudanças de ordem econômica e social que possibilitaram novas definições para a
pobreza e o não-trabalho. Nesse sentido, muitas leis repressivas foram criadas, visando
obrigarem vadios e mendigos a se empregarem em algum trabalho. Na época das grandes
navegações os governos reais lusitanos freqüentemente mandavam para suas colônias além-
mar os sentenciados à pena de degredo, por serem acusados, na maioria das vezes, de vadios e
mendigos. A saída desses homens de seus países, para cumprirem a pena de degredo,
demonstrava que para seus governantes, eram considerados desprezíveis e desnecessários ao
mundo, reforçando, assim, a idéia de inutilidade. No entanto, no Brasil, as peculiaridades
trazidas pela escravidão eram bastante diferentes da realidade dos países europeus,
proporcionando uma inversão acerca da idéia de inutilidade em torno dos ditos vadios.
Para Mello e Souza, esses indivíduos considerados vadios na Europa e Portugal, aqui,
tornaram-se úteis, realizando uma série de trabalhos não realizados pelos escravos. Os vadios
foram aproveitados como uma mão-de-obra alternativa à escrava, [...] uma espécie de
exercício de reserva da escravidão108. A autora também observa que, esta camada social que
vivia à margem da sociedade mineira do século XIX era composta por indivíduos que
ocupavam papéis transitórios e flutuantes, era uma camada marcada pela fluidez que
impossibilitava uma tomada de consciência pelo grupo, ou seja, pelos desclassificados 107 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do convés ao porto: A experiência dos marinheiros e a revolta de 1910. Op. Cit, p.71. 108 SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. São Paulo: Graal, 1990, p.73.
sociais. Caio Prado Júnior assinala para a origem dessa camada social, caracterizada por ser
deslocada e indefinida, ressaltando que esta situação, vivenciada pela grande maioria da
população livre da colônia, tem suas causas profundas e principais na escravidão. A ordem
econômica e social escravista, voltada à produção em larga escala de alguns gêneros de
grande expressão comerciais, e destinados à exportação109, excluiu a maioria dos indivíduos
livres das atividades produtivas. Esses indivíduos, denominados de vadios, por viver sem
ocupação normal fixa, viviam a margem da ordem social. É deste elemento desenraizado da
população brasileira que se recrutará a maior parte da força armada110. No Brasil, o vadio
juntamente com os ladrões, criminosos, entre outros, era considerado um desclassificado
social que na visão do Estado representava um ônus social. Mas, através do trabalho,
incorporando-se nos corpos de milícia ou nos corpos militares, deixariam de ser um ônus para
o Estado e se tornaria em utilidade.
Nesse sentido, restou ao Estado, através da ação repressiva da Marinha a punição
exemplar e regenerativa da justiça111. A Marinha recebendo vadios, desordeiros, ébrios, entre
outros, acabou por incutir no pensamento das autoridades de que nela o serviço militar era
uma espécie de exercício correcional para a vadiagem e o crime 112. Sobre esta questão, o
relato a seguir observa:
Na Monarquia, e ainda no começo da República, até a limpa feita pelo chefe de polícia Sampaio Ferraz, “os capoeiras”infestavam o Rio de Janeiro e constituíam uma praga difícil de exterminar [...]. E qual era o remédio, quando possível aplicá-lo, para castigar esses e outros tantos facínoras? Mandar assentar praça na Marinha!Era comum couvir-se: esse é incorrigível; só mesmo pondo-lhe a farda da Marinha nas costas- e isso acontecia amiúde113.
A Marinha sendo considerada como um lugar de regeneração de indivíduos,
supostamente vadios e criminosos (aos olhos das autoridades),contribui para fortalecer a idéia
de que o serviço militar não é lugar de pessoas honradas, cidadãs, proprietárias e
109 PRADO JÚNIOR, Caio. A formação do Brasil contemporâneo: Colônia. Op. Cit, p. 292. 110 Idem, p.292. 111 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Marinheiros em Revolta: recrutamento e disciplina na Marinha de Guerra (1880-1910). Dissertação de Mestrado- Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. São Paulo: Campinas, 1997, p.46. 112 GREENHALGH, Juvenal. O arsenal da Marinha do Rio de Janeiro na história (1822-1889). Pintura (sobrecapa) de Manoel Pastana. Desenhos de Ary Monteiro Martins. Rio de Janeiro: IBHE, 1995, p.189. 113 APUD- NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do convés ao porto: a experiência dos Marinheiros e a revolta de 1910. Op. Cit, p.38.
trabalhadoras114. Para lá deveriam ser enviados os indivíduos que haviam de ser punidos, que
representavam um verdadeiro ônus social, tais como: os vagabundos, criminosos, bêbados,
ladrões, etc. Esses indivíduos, sujeitos ao recrutamento forçado, foram denominados por
militares e civis, durante o século XIX e ainda no início do XX, como sendo as fezes da
população115. As necessidades da Marinha para guarnecer os navios de marinheiros e
soldados, e a falta de homens que se alistavam voluntariamente, resultaram no aproveitamento
de indivíduos indesejosos à sociedade. Dentro da Marinha, poderiam cumprir as sentenças a
que estavam condenados, através da prestação do serviço militar. Estes sentenciados não eram
vistos com bons olhos por todos, o inspetor do Arsenal do Rio de Janeiro, Francisco Bibiano
de Castro, em 1833, ressalta ao ministro da Marinha, Rodrigues Torres, que adesão destes
indivíduos ao serviço militar desestruturaria a subordinação dos tripulantes dos navios da
Esquadra.
Em cumprimento ao aviso da datado de ontem, tenho a honra de informas a V. Ex.ª, que a pretensão de João Pinto Duarte e mais seis sentenciados, offerecendo-se de servirem como marinheiros nos navios de guerra, não é de forma alguma admissível quase toda esta gente se acha manchada em crimes graves, e seria aviltar ainda mais a profissão marítima, que aliás carece de incentivo, o commutar assim a pena de um salteador, ou de um assassino em o serviço de marinheiro,accrescendo mais que semelhante gente vai destruir a subordinação, que muito convém estabelecer na tripolação dos navios da Esquadra116.
No relatório de 1828, do ministro da Guerra Bento Barroso Pereira, evidencia-
se os embaraços por parte do governo em estabelecer uma lei que regule um sistema de
recrutamento capaz de chamar para a defesa do Império homens fiéis à causa do Brasil e
promover castigos exemplares àqueles que pretendem subtrair-se do serviço militar. A idéia
do ministro era de que o recrutamento forçado não abarcava para as fileiras da Marinha
homens realmente fiéis à Pátria, devido a isso era preciso estabelecer castigos mais severos
aos recrutados a fim de que não abandonassem o serviço na Marinha. Neste relatório, o
ministro também fala que, devido a ineficácia do recrutamento forçado entre os estrangeiros o
governo foi obrigado a pedir 2340 recrutas às diferentes províncias, para substituir mortos,
estropiados e ausentes. As províncias isentas do recrutamento foram: Ceará, Mato Grosso,
São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Na época da independência, o governo 114 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Idem, p.75. 115 ARIAS NETO, José Miguel. Op. Cit, p. 11. 116 APUD- GREENHALGH, Juvenal. O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na História (1822-1889). Op. Cit, p.189.
brasileiro recorreu ao recrutamento de marinheiros estrangeiros. Um destes recrutamentos que
merecem atenção foi feito pelo Coronel Cotter na Irlanda. O Coronel conseguiu engajar três
mil irlandeses para lutarem na Guerra Cisplatina, muitos destes eram bêbados, andrajosos,
ladrões e assassinos. A chegada desses homens no Rio de Janeiro chamou bastante atenção da
população, pois representou um doloroso espetáculo. Vinham seminus homens, mulheres e
crianças, e o povo nas ruas - sobretudo a população preta - os vaiou, chamando-os de
escravos brancos 117. Esse doloroso espetáculo, não raro se observava nas levas trazidas pelo
recrutamento forçado. Em ofício de 1º de junho de 1838, o inspetor Antônio Joaquim do
Couto relatou para Pedro Maria de Azevedo Soutto Maior sobre a espécie de gente recrutada
da Bahia e que se encontrava depositados a bordo da fragata Campista .
Tenho a honra de levar ao conhecimento de V.S.ª que os oitenta e quatro recrutas vindos aproximadamente da Bahia que se acham depositados abordo da fragata = “campista” estão em deplorável estado de nudez não tendo a maior parte d'elles roupa para cobrirem suas carnes, e outros cobertos de bichos118.
Sobre a miserabilidade física dos recrutados a força, em 1836, o ministro da Marinha
Salvador José Maciel, escreveu em seu relatório apresentado à Assembléia Legislativa que, o
recrutamento forçado além de ser moroso por causa das grandes distâncias trazem para as
fileiras da Marinha homens de lugares remotos com visível incapacidade física, idade
avançada e pais de família. O engenheiro naval Juvenal Greenhalgh, ressalta que “dantescas
tragédias” aconteciam nestas longas travessias. Greenhalgh conta que, 209 marinheiros
recrutados do Piauí foram embarcados na sumaca Pombinha com destino ao Rio de Janeiro.
Saíram da Parnaíba em sete de dezembro de 1827. Após 65 dias de viagem, em decorrência
de ventos contrários, foram levados para o norte onde se aportaram no porto de São Luiz do
Maranhão. Depositados em um porão infecto e alimentando-se com gêneros em conserva
estragados e de má qualidade morreram de beribéri, 97 durante a travessia e, 29 após o
desembarque 119.
Em linhas gerais, observou-se que o tributo de sangue - analogia ao recrutamento
forçado- recaiu sobre os desclassificados sociais, isto é, sobre os bêbados, criminosos, vadios
, entre outros. A seguir tentaremos analisar porque era um temor prestar serviço militar na
117 APUD- ARIAS NETO, José Miguel. Op. Cit, p. 35. 118 APUD- GREENHALGH, Juvenal. Op. Cit, p.189. 119 Idem, p.189.
Marinha, apontando para o processo de mudanças, permanências e resistências em torno do
recrutamento forçado no século XIX.
3.2- Escravos da nação, escravos fugidos e escravos em correção na Marinha de Guerra
A nível institucional o recrutamento era realizado pelas instruções de 10 de julho de
1822 que em seu artigo terceiro estabelece: ficam sujeitos ao recrutamento todos os homens
brancos solteiros, e ainda pardos libertos de idade de 18 a 35 anos. A Constituição de 1824
também faz referência aos indivíduos sujeitos a pegar em armas, no artigo 145 define: todos
os brasileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a independência, e
integridade do Império, e defende-lo de seus inimigos externos, ou internos.
Observa-se que, a nível institucional tanto as instruções como a Constituição tem o
cuidado de não convocar o braço escravo ao serviço militar. Quando a Constituição põe o
serviço militar nas mãos dos brasileiros, vale salientar que, da condição de brasileiro no
Império exigia-se que o indivíduo tivesse nascido no Brasil, quer fossem ingênuos ou libertos.
Deve-se acrescentar que, segundo a historiadora Hebe Maria Mattos, a manutenção da
escravidão impôs restrições legais ao gozo pleno dos direitos civis e políticos mesmo aos
libertos, isto porque, apesar da igualdade de direitos civis entre cidadãos brasileiros
reconhecida pela Constituição, os brasileiros não brancos continuavam a ter até mesmo o
seu direito de ir e vir dramaticamente dependente do reconhecimento costumeiro de sua
condição de liberdade120.
Para Mattos, a carta Constitucional de 1824, de cunho estritamente liberal, legitimou a
manutenção da propriedade privada e limitou a extensão dos direitos políticos, através do voto
censitário. A Constituição reconheceu os direitos civis de todos os cidadãos brasileiros, mas
os direitos políticos não foram estendidos a todos. Os direitos políticos qualificaram o cidadão
em três deferentes gradações: o ativo votante, o passivo e o ativo eleitor. O primeiro possuía
renda para escolher o colégio de seus eleitores. O segundo não tinha direito ao voto. O
terceiro, além das exigências de renda, o eleitor deveria ter nascido ingênuo, ou seja, que não
tivesse nascido escravo.
Nesse sentido, observa-se que a manutenção da economia escravista impediu que os
escravos desfrutassem dos direitos políticos e civis, e por não desfrutarem da condição de
brasileiros, a nível institucional, não poderiam prestar serviço militar. No que tange à inserção 120 MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p.21.
do escravo nos serviços da Marinha de Guerra, Nascimento observa que, muitos escravos
fugiam dos seus senhores, assentavam praça com nova identidade e assumiam uma vida de
homens livres. Mas, não se sabe quantos conseguiram continuar fardados e livres sem serem
reclamados por seus senhores. A maioria dos escravos que se alistavam na Marinha de Guerra
não tinha a proteção de um senhor, não fazia parte dos laços de dependência, e não trocava
favores.
Fonseca salienta que, no Arsenal da Marinha trabalhavam três diferentes grupos de
escravos: aqueles que eram adquiridos pelo Estado, os chamados escravos da Nação;
aqueles que prestavam serviço nas oficinas juntamente com seus senhores; e aqueles que
eram mandados para correção por seus proprietários121 . Estes últimos eram depositados na
Presiganga - navio que servia de prisão- juntamente com os escravos da Nação, para lá
sofrerem castigos correcionais, por tempo determinado. Fonseca salientou que, nos primeiros
meses de 1826 houve um aumento no número de escravos em correção na Presiganga, em
decorrência da constante entrada dos navios de guerra vindos do Sul para sofrerem reparos, ou
para serem armados no Arsenal.
A maioria dos escravos alojados na Presiganga ou nos Calabouços, em 1825, era em
sua maioria, fugitivos capturados por caçadores de escravos, que esperavam a vinda de seus
donos para reclamá-los. Havia também, os escravos mandados para serem açoitados,
geralmente por fugas, e aqueles que deveriam ser apenas corrigidos com uma temporada na
prisão. No que tange aos castigos,
na década de 1820, o senhor que quisesse castigar seu escravo pelo açoite pagava 160 réis por cada cem chibatadas. Os 1786 escravos, entre homens e mulheres açoitados no Calabouço em 1826, receberam entre 50 e 300 chibatadas, sendo 200 o número mais comum, já que era penalidade usual para a fuga. Uma das punições para escravos fugidos também era a realização de trabalhos públicos, como limpar os quartéis e fortes122.
Em relação aos escravos de propriedade particular, a partir de 1832 ficaram impedidos
de serem empregados em serviços governamentais pelo aviso de 21 de janeiro desse ano. Os
escravos que se encontravam em serviço do governo foram restituídos a seus senhores, e os
que ainda permaneciam, nos Arsenais, o governo achou conveniente escrever anúncios em
jornais para que os senhores os retirassem. Mas, mesmo com tais anúncios nunca mais os
121 FONSECA, Paloma Siqueira. Op. Cit, p.141. 122 APUD- FONSECA, Idem,p.146.
senhores pediam a restituição de seus escravos, para pouparem do seu sustento e guarda, uma
vez que haviam se tornado inválidos no serviço.
Em aviso de outubro de 1849, escrito pelo secretário do ministro da Marinha, Manoel
Vieira Costa, ao presidente da província de Pernambuco, Honório Hermeto Carneiro Leão,
informa-lhe da baixa do escravo Rodrigo Inácio que deveria ser entregue ao seu dono. No
relatório de 25 de maio de 1830 o ministro da Marinha,Francisco Vilela Barbosa, sugeriu à
Assembléia Legislativa vender os 190 escravos da nação que estavam realizando obras
públicas. Na opinião do ministro, deveria o governo autorizar a venda, pois o tesouro público
despendia anualmente a quantia de mais de mil réis com sustento e vestuário de escravos, se
fossem vendidos por 400 réis este capital seria convertido em 76 mil réis, e sendo aplicado
produziria uma renda de 4.560 mil réis na razão de 6% anualmente. Com esta venda e parte da
quantia para a sustentação dos escravos daria para assalariar o suficiente número de braços
livres. Assim, o Estado não despenderia seus recursos com doenças, perdas de trabalho e
outros prejuízos por crimes e vícios.
Na coleção das decisões do governo do Império de 1823, há um ofício do Intendente
da Corte, Luiz da Cunha Moreira, ao Imperador, D. Pedro I, pedindo esclarecimentos se
deveriam ou não ser admitidos para servirem a bordo da nau Pedro I, os escravos que foram
oferecidos pelos seus respectivos senhores. O Imperador ressalta que, tendo em vista a
necessidade de se terem marinheiros e grumetes deveria o Intendente admití-los e abonar a
seus donos as competentes gratificações.
Durante a guerra pela Independência brasileira na Bahia (1822 a 1823) Pierre Labatut,
comandante das forças patrióticas, recrutou e alistou para o Exército escravos que foram
confiscados de senhores - de- engenho portugueses ausentes. Labatut solicitou autorização
formal para tal recrutamento junto ao Conselho Interino do Governo local, mas não foi
atendido, em decorrência disso, pode-se afirmar que, o recrutamento de escravos na Bahia foi
um esforço muito improvisado123, pois não foi regulado por decreto. Após a guerra, a
resolução a respeito do recrutamento de escravos veio na forma de um decreto imperial que
concedeu alforria àqueles que estivessem servidos como soldados, dando aos seus antigos
donos uma compensação pecuniária. Segundo Kraay, o recrutamento de escravos feito por
123 KRAAY, Hendrik. “m outra coisa que não falavam os pardos, cabras e crioulos: o recrutamento de escravos na guerra da independência na Bahia”.In: Revista Brasileira de História. Vol. 22, n.º43. São Paulo: ISSN 0102-0188 versão impressa, 2002.
Labatut na Bahia foi restrito e contribuiu para desestabilizar o regime escravista, uma vez que
tocava na questão fundamental do direito de propriedade dos senhores124 .
A historiadora Gladys Sabina Ribeiro observou que, durante as guerras da
independência os senhores eram obrigados, por lei, a ceder um em cada cinco escravos para o
trabalho de defesa do Império e da Causa Nacional125. Sobre esta questão, as reclamações
eram muitas. O Intendente queixava-se dos Comandantes das Ordenanças e dos Batalhões,
que não faziam lista dos proprietários com mais de cinco escravos e obstavam o cumprimento
das ordens imperiais; os senhores protestavam dizendo ser a lei contra o direito de
propriedade e as listas, quando confeccionadas, erradas. Reclamavam, ainda, da violência da
polícia no recrutamento de trabalhadores e do atraso no pagamento das diárias prometidas.
Sabina Ribeiro salienta que, as reclamações entre as autoridades e os senhores mais
pareciam pirraça de criança. Do lado dos senhores, havia uma imensa má vontade na
concessão de seus escravos, por qualquer motivo, tornava a tomá-los, escondiam-nos, ou, em
conluio com os comandantes de distrito, burlavam os números126. Por parte do Intendente,
além de ameaçar os comandantes, armava planos mirabolantes para conseguir uma quantia
suficiente de gente para trabalhar. Utilizavam meios e armadilhas. Chegava a ficar de
soslaio esperando os escravos saírem para poder resgatá-los127. Do lado dos escravos,
trabalhar nas obras públicas ou alistar no Exército ou na Marinha podia significar a
possibilidade da liberdade e de uma vida melhor128. Segundo Sabina Ribeiro,
as discussões dos ideais liberais ingleses do século XVIII podem ter alcançado os escravos no Novo Mundo e,no caso do Brasil, ter se revigorado no início da década de 20, momento intenso de debates sobre a Emancipação Política e libertação do julgo da reescravização do país, [...]. Os escravos podiam estar fazendo uma leitura dessas idéias. Quem sabe se baseados na concepção africana de liberdade- relacionada ao sentimento de “pertencer”, nascer e crescer em uma comunidade, ser membro de uma linhagem- não estariam, no caso de sua atuação na Corte, buscando maior enraizamento, naquela sociedade, “nascendo” com a Nova Nação e tentando conquistar um espaço no Estado em construção?129.
124 KRAAY, Hendrik. Op. Cit, p.2. 125 RIBEIRO, Gladys Sabina. “és-de- chumbo e garrafeiros: Conflitos e tensões nas ruas do Rio de Janeiro no primeiro reinado (1822-1831)” In: Revista Brasileira de História. Vol. 12, n.º 23/24. São Paulo: 1992, p.143. 126 RIBEIRO, Gladys Sabina. Op. Cit, p.144. 127 Idem, p.144. 128 Ibidem, p.144. 129 Ibidem, p.142.
Para Sabina Ribeiro, as influências das idéias inglesas no contexto da emancipação
política, podem ter atingidos os escravos, que passaram a dar interpretações próprias a estas
idéias, no intuito, talvez, de conquistar um espaço no Estado em construção ; uma vez que a
concepção de liberdade africana estava articulada a idéia de pertencimento e enraizamento.
Nesse sentido, a Independência política poderia estar sendo interpretada como um a forma de
conquistar a sua liberdade e possibilidade de uma vida melhor.
3.3-Os dois extremos: a ordem institucional e a economia moral das regras não escritas130.
Em relação à prestação de serviço militar, deve-se ressaltar que, o Estado Imperial
Patrimonialista, amalgamando-se questões públicas e privadas, onde estas, na maioria das
vezes, parecem prevalecer nas relações sociais e políticas cotidianas, adotou práticas que nem
sempre seguiam a ordem institucional. Isto porque, segundo o historiador Fábio Faria
Mendes,
[...] as práticas do recrutamento refletem o baixo grau de burocratização do Estado e sua dependência de formas indiretas de governança, na forma de liturgias131.A Coroa portuguesa e, mais tarde o Estado Imperial não foi capaz de exercer sua autoridade, de modo direto, sem ampla delegação de poderes a notáveis locais , em razão da precariedade das bases materiais e morais da administração patrimonial.[...].A governança na esfera do recrutamento realiza-se por meio de uma amálgama de modos de governo simultaneamente internos e externos às estruturas administrativas formais 132.
O Estado Imperial Patrimonialista, apontada por Sérgio Buarque de Holanda e
Raymundo Faoro, moldará a realização do recrutamento forçado no Brasil. A ação dos
recrutadores estava entrelaçada com a natureza política paternalista dos poderes locais.
Embora houvesse as instruções de 1822 e a Constituição de 1824 para regular a prática do
recrutamento, o Estado Imperial Patrimonialista não conseguiu exercer sua autoridade de
modo direto e, fundado numa administração de cunho patrimonial delegou poderes a
130 Expressão utilizada pelo cientista político Fábio Faria Mendes. “Encargos, privilégios e direitos: o recrutamento no Brasil nos séculos XVIII e XIX”. n: Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p.111. 131 O cientista político Fábio Faria Mendes, utiliza-se do conceito de liturgias de Max Weber. As liturgias são formas de prestação de serviços administrativos por notáveis locais com seus próprios recursos, sem remuneração. É uma prestação de serviço voluntário que busca o prestígio local e resultados negociados. O poder central é traduzido pelos poderes locais. 132 MENDES, Fábio Faria. Op. Cit, p.112.
autoridades locais, criando assim, modos de governo paralelos ao poder centralizado do
Estado. Nesse sentido, as distribuições das leis ficavam a cargo dos poderes locais que
embutidos numa atmosfera paternalista acabava por estabelecer e construir suas leis próprias.
A historiadora Manuela Carneiro da Cunha, estudando sobre a lei costumeira nas
alforria de escravos no Brasil do século XIX, salienta que, a sociedade brasileira oitocentista
é esse conjunto do escrito e do não escrito 133. No que tange à alforria, Segundo Cunha, havia
duas maneiras de alcançá-la que eram: a lei escrita e a lei costumeira. A primeira representava
a ordem institucional do Estado, enquanto que a segunda, era moldada pelos senhores de
escravos e pelas autoridades locais. A lei escrita afirmava relações sem privilégios entre os
indivíduos, já a lei costumeira lidava com relações particulares de dependência e de poder. No
entanto, tanto uma como a outra coexistiam sem embaraços por que, sendo aliados, recortam
para si campos de aplicação basicamente distintos: aos livres pobres, essencialmente, a lei;
aos poderosos, seus escravos e seus clientes, o direito costumeiro134.
O historiador Hendrik Kraay ressalta que, complexas regras não escritas governavam
a prática do recrutamento135. Ao contrário do que se pensa – que o Estado Imperial era um
Estado forte sobre uma sociedade recalcitrante- o Estado Imperial Patrimonial moldou um
tipo de recrutamento interligado numa complexa rede de relações patrono-cliente entre o
Estado, membros da classe senhorial e os pobres livres136.
Para Kraay, estas três camadas sociais fazem parte da tração triangular do
recrutamento, cada uma das três procurou se defender no contínuo processo do recrutamento,
às vezes sozinhos, às vezes com aliados nos outros pontos do triângulo137. Neste processo, a
elite imperial ao mesmo tempo em que protegia seus clientes fiéis, podia também definir os
infiéis como criminosos e vadios, mas, as relações patrono-cliente eram fundamentadas por
laços de reciprocidade os quais não podiam ser facilmente quebrados. Muitos pobres livres
descontentes com seus patrões recorriam ao primeiro ponto da relação triangular,
representado pelo Estado- apelando para a presidência e tribunais que se constituíam em
instituições rivais do aparato Estadual. Para tirar proveito destas rivalidades, entre Estado e
proprietários de terras- onde cada um alegava ser representante da justiça- os pobres livres
para demonstrarem que mereciam esta justiça tratavam de expedir requerimentos nos quais
enfatizavam sua decência, casamento legítimo, respeito às autoridades e moralidade sexual. 133 CUNHA, Manuela Carneiro. Antropologia do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986, p.141. 134 Idem , p. 141-142. 135 KRAAY, Hendrik. “Repensando o recrutamento militar no Brasil Império”. In: Diálogos DHI- UEM, Vol.3, n.º 3, 1999, p.115. 136 Idem, p.115. 137 Ibidem, p.116.
No entanto, os mecanismos legitimadores do recrutamento dissolviam tais rivalidades
e estabeleciam um equilíbrio nas relações entre Estado, as elites locais e os pobres livres,
fazendo prevalecer as relações de patronato. Os patronos não aceitavam com boa vontade que
seus clientes sofressem indignidades, ou seja, que fossem recrutados a força, assim, o
recrutamento dependia da boa vontade dos patronos que preferiam desviá-lo de seus clientes.
Segundo Kraay, um presidente salientou que a sua incapacidade de fornecer mão-de-obra às
forças armadas estava ligada ao maldito espírito de patronato138.
Em relação às instruções de 1822, estas indicavam as classes de homens sujeitos ao
recrutamento e declaravam o intento do governo de proteger os que eram percebidos como
essenciais à sociedade e à economia, por isso, a omissão à inserção do escravo no serviço
militar. Da perspectiva do Estado, de um lado, o recrutamento deveria fornecer um número
adequado de soldados e marinheiros a custo mínimo, sem ser pesado às forças produtivas da
sociedade. De outro, desviando os recrutadores dos cidadãos economicamente ativos, ela
difundiu a mensagem de que o recrutamento forçado era um tributo a ser pago por homens
que não trabalhavam, que não obedeciam as autoridades e não procuravam servir a um
patrão139. Desta forma, as instruções estabeleciam um sistema de recrutamento que reconhecia
a preeminência social e a utilidade de certos tipos de atividade econômica. Pois, segundo as
instruções, o recrutamento deveria se realizar sem detrimento das artes, e navegação,
comércio, e agricultura, fontes de prosperidade pública140. Isto porque, o interesse do Estado
e da classe dirigente coincidiam: ambos colaboravam na proteção do direito à propriedade,
na manutenção da ordem pública e na obrigação dos pobres livres a trabalharem141 . kraay
observa que, o Estado concedia isenções do recrutamento à pessoas que eram sujeitas a ele, só
por estarem empregadas em alguma atividade produtiva. Os homens empregados na primeira
imprensa da colônia e na construção da estrada de ferro na Bahia foram isentos do
recrutamento. Kraay também conta que, o dono da primeira imprensa baiana solicitou a
prorrogação da isenção do recrutamento gozada por seus empregados, alegando que tal
isenção os tornavam mais diligentes, e aplicados [...] promovendo entre todos uma útil
emulação de trabalho142.
Nesse sentido, os isentos pelas instruções de 1822 eram:
Caixeiros de lojas de bebida e tavernas; homens casados; o irmão mais velho de órfãos, o filho único de viúva; o filho único de lavrador; o feitor ou
138 KRAAY, Hendrik. Op. Cit, p. 126. O autor não qualifica quem era o presidente. 139 Idem, p.119. 140 Coleção da leis do Império, Op. Cit, p. 141 KRAAY, Hendrik. Op. Cit, p.126. 142 Idem, p.119.
administrador de fazenda de mais de seis escravos; tropeiros, canteiros, pescadores e marinheiros; milicianos devidamente alistados; contratadores de rendas e seus sócios; aprendizes da Imprensa Régia; tesoureiros menores da Bula da Cruzada; estudantes e eclesiásticos; fabricantes de cartas de jogar do Rio de Janeiro; criados empregados nas postas para Santa Cruz e para Quinta da Boa Vista; ilhéus de Açores, mas apenas aqueles vindos por diligência do intendente-geral de polícia; maridos e filhos de amas dos expostos; capatazias das alfândegas; cegos de olho direito, etc.143.
O recrutamento não era uma atividade administrativa regular, a sua freqüência e o seu
volume dependiam das necessidades de reposição das tropas. Segundo Mendes, a ausência de
qualquer mecanismo regular de reposição das fileiras, e a falta de registros prévios, tanto dos
indivíduos aptos ao serviço quanto dos isentos, tornava a tarefa altamente arbitrária,
imprevisível e errática144. Na ausência de critérios distributivos bem definidos para o
recrutamento, já que as instruções de 1822 possuía caráter ambíguo para tarefa, ficava à cargo
dos juizes de paz145 os critérios seletivos. Conhecedor da localidade, o juiz de paz indicava as
pessoas sujeitas ao recrutamento, seguindo as formas de reconhecimento e identificação
eminentemente pessoalizadas146, como se observa no documento a seguir:
“Relação dos que estão nas circunstâncias
de serem recrutados. Nomes.
“Lista de praças que o Senr' Captm de
Manoel Pereira há de recrutar em
conseqüência das imperiais ordens.
Joaqm. Inácio 10. Flávio José de Faria
Manoel Filho da Roda da Fortuna 20. José Joaquim
Joaqm. Filho do Do. 30. Manoel Filho de Roza
João Barboza, he Cazado purem não vive 40. Marianno Dias do Barro Alto
Com a mulher- esta trata de disquitarce 50. Pedro Cabelleira
Candido Morador do Alto do Morro 60. Francisco Rasgado (pr. Alainha)”
Filho de Joze Amaro”
(Apud- Fábio Faria Mendes. “ A economia moral do recrutamento militar no Império brasileiro”.Op. Cit, p. 11.) 143 KRAAY, Hendrik. Repensando o recrutamento militar no Brasil Império, p.122. 144 MENDES, Fábio Faria. A economia moral do recrutamento militar no Império brasileiro. In: Revista brasileira de Ciências Sociais. Vol.13, n.º 38. São Paulo: 1998 (versão impressa), p.11. 145 Segundo Fábio Faria Mendes, o cargo de juiz de paz foi criado em 1827 no intuito de servir de contrapeso à magistratura profissional, detinha funções administrativas, judiciárias e policiais. Também acrescenta: “Os juizes de paz conhecem em profundidade os assuntos da freguesia, e muito especialmente as qualidades morais dos habitantes e das redes de obrigação a que se encontravam vinculados. O conhecimento das inclinações, afazeres e dizeres de seus vizinhos, de natureza eminentemente circunstancial e, portanto em princípio disponível ao universo abstrato da administração formal, é decisivo para o recrutamento. Ele esta em posição de prever e calcular a extensão e o sentido da ação das redes de solidariedade ou clientelas. Em conseqüência, caberá ao juiz de paz tomar decisões fundamentais na distribuição dos encargos determinando aqueles que estão nas circunstâncias do recrutamento”. Idem, p.130. 146 Ibidem, p.11.
Observa-se nesse documento que, a identidade dos indivíduos sujeitos ao recrutamento
não se revelava por si só, mas em relação a lugares ou parentes. Os apelidos indicam o
pertencimento ao mundo da aventura e valentia, como no caso do indivíduo apelidado de roda
da fortuna. Segundo Mendes, tais indicações, ainda que sumárias, iluminam os mecanismos
de tradução local que regem o recrutamento, e que constituem um conjunto de regras não
escritas que se sobrepõe às instruções de 1822147.
Mendes acrescenta que, as instruções possuíam critérios vagos e manipuláveis,
deixando ampla margem de arbítrio tanto para os sujeitos ao recrutamento como para os
recrutadores. No caso dos agentes recrutadores, quando saíam à cata das vítimas sempre
enfrentavam obstáculos postos por uma extensa rede de privilégios, imunidades e isenções à
volta dor recrutamento148, que para além das determinações legais, uma economia moral de
regras não escritas governava os procedimentos do recrutamento149.
Para Mendes, o Estado português teceu um mosaico de privilégios e isenções em torno
do serviço das armas. Nos séculos XVII e XVIII, em Portugal, a execução do recrutamento
para a tropa de linha cabia à ação de estruturas administrativas intermediárias, as ordenanças.
Estas haviam sido criadas em fins do século XVI, como uma tentativa de regularização de
formas de prestação militar de tipo eminentemente litúrgico150 , buscando comprometer os
poderes locais com a administração e a defesa local. Ficava a cargo do capitão-mor das
ordenanças a tarefa de preencher as fileiras da tropa regular. Assim, os notáveis locais tinham
o compromisso de fazer ou não soldados, resultando daí os processos de manipulação dos
critérios de isenção acerca do recrutamento forçado, dando a estes chefes locais um poderoso
instrumento de poder econômico e social. Segundo Mendes, as ordenanças promoveram uma
contínua tradução local das ordens do governo régio; interpretando a seu modo o sentido das
exigências das levas e transformando o recrutamento em elemento crucial na produção de
clientelas e favores151.
Pelo alvará de 24 de fevereiro de 1764, o Estado português consolida a intricada rede
de isenções e privilégios. Reconhece o estatuto social e jurídico da preeminência de fidalguia,
e a utilidade econômica de certos setores. O Antigo Regime português revelou que a prestação
de serviço militar, ou seja, os privilégios acerca do recrutamento não eram estritamente
pessoais: a imunidade ao recrutamento é extensiva, além das pessoas de mor condição, aos 147 MENDES, Fábio Faria. Op. Cit, p.12. 148 MENDES, Fábio Faria. “Encargos, privilégios e direitos: o recrutamento no Brasil nos séculos XVIII e XIX”. In: Nova história militar brasileira. CASTRO, Celso (org.). Rio de Janeiro: FGV, 2004, p.11. 149 Idem, p.11. 150 Ibidem, p.114. 151 Ibidem, p.114.
seus criados e dependentes152. Na colônia, e ainda no Império, é a rede de isenções e
privilégios uma das principais dificuldades que enfrentam os recrutadores, como se observa
no relato:
Daqui nasce a dificuldade e trabalho dos recrutas para se conservarem completos os regimentos, pois querendo fazê-las, há pouca gente que não ocupe ofícios da justiça e fazenda, outros são comerciantes da praça e de lojas, munidos todos com privilégios da Bula, Mampostaria-mor dos Cativos, Santo Antônio de Lisboa, Familiares de Santo Ofício e Moedeiros, [e] com eles defendem não só seus filhos, mas também aos seus caixeiros, que afirmam ser-lhes precisos,e outros domésticos, e aqueles que não se defendem por este respeito são casados e mestres de ofícios mecânicos com seus oficiais e aprendizes, ainda que brancos, poucos, é o mesmo sucede com os pardos livres, de forma que é quase impossível fazer-se um recruta153.
Em meio a essas isenções, os recrutadores deveriam ser portadores de grande
perspicácia para saber identificar quem deveria ou não ser recrutado e, quem era isento ou não
do serviço militar. Deveria conhecer a comunidade local para depois lançar suas mãos sobre o
futuro soldado ou marinheiro. Alguns traços apresentados pelos indivíduos sujeitos ao
recrutamento eram fundamentais, como: a cor da pele e as vestimentas. Segundo Nascimento,
ser de cor branca em dias de alistamento era um suplício para aqueles que não dispunham de
cabedais e proteção. Ainda ressalta que, na documentação por ele analisada, não encontrou
indícios da existência de homens ricos ou protegidos que fossem recrutados.
As vestimentas dos indivíduos indicavam se eram sujeitos ao recrutamento, tendo em
vista que nem todos possuíam dinheiro disponível para comprarem roupas e sapatos. Mas vale
ressaltar que fundamentados nas relações paternalistas, não raro, os senhores concediam
roupas e sapatos usados para seus dependentes e criados. Nascimento acrescenta que, as
relações entre homens brancos pobres, libertos e escravos eram constantes e desenvolviam em
vários espaços: na prática dos rituais africanos, nas tavernas, nas igrejas, entre outros,
possibilitando a construção de laços de solidariedade, onde uns e outros se ajudavam
mutuamente na troca e doação de roupas e sapatos. Para o recrutador não era fácil distinguir
quais eram os indivíduos que gozavam de isenções, como se observa no documento abaixo:
A preta liberta Fé Joaquina do Nascimento [...]. Moradora num quarto da antiga estalagem da rua Leopoldo n.º 85, na Corte [...] vivia com seu filho
152 MENDES, Fábio Faria. Op. Cit, p.115. 153 APUD- MENDES,Fábio Faria. Op. Cit, p.118.
único, o crioulo Henrique Fé do Nascimento, e dele dependia por estar idosa e valetudinária. Mas seu filho havia sido preso [...] pela polícia e remetido [...] para o Quartel General da Marinha [...]154 .
Nascimento escreveu que, para Fé Joaquina conseguir a soltura de seu filho teve que
ajuntar documentos para comprovar que ele tinha menos de 19 anos e que, seguindo a lei,
deveria ser mandato para a Escola de Aprendizes e jamais ser recrutado, tendo em vista que só
os maiores de 19 anos estavam sujeitos ao recrutamento. Fé Joaquina também buscou auxílio
de sua antiga senhora, Ana Joaquina do Nascimento, que assinou uma declaração na qual
informava que Henrique nascera livre por verba testamentária do marido da mesma senhora,
o Tenente Coronel Antônio Ferreira do Nascimento155.
Geralmente, as isenções apoiavam-se no discurso que sendo recrutado tal fulano ou
cicrano acarretaria o desequilíbrio de atividades produtivas como a lavoura e a mineração.
Neste sentido, os encarregados do recrutamento tinham a difícil tarefa de satisfazer as
exigências do Estado sem arriscar a dominação de classe nem a mão-de-obra da qual esta
dependia156. Alguns dos agentes recrutadores eram mais subordinados às autoridades centrais
do que outros, fiéis aos interesses locais. Pode se dizer que, os recrutadores parecem
enquadrar naquele tipo de funcionário patrimonial apontado por Buarque de Holanda, uma
vez que para efetivar o recrutamento nem sempre agia de forma impessoal e racional, pois, as
relações que estabelecia com os poderes locais eram banhadas de interesses privados, onde a
ordem patrono-cliente se sobrepunha à ordenação impessoal do Estado burocrático e
centralizado.
Dentro dessa atmosfera de isenções e privilégios, em torno das relações patrono-
cliente, os indivíduos sujeitos ao recrutamento tentavam buscar proteção dentro desta rede
paternalista. Porém quando tais homens se encontravam longe da sua rede de proteção
corriam o risco de serem recrutados, pois, fora das suas estruturas de patronato, os
recrutadores tinham a liberdade de qualificá-los como vadios, ladrões de gados e escravos,
enfim, ameaçadores das atividades econômicas. Sobre as relações patrono-cliente, Mendes
ressalta:
No Brasil tornar-se-á dominante um modelo clientelar de relações entre centro e periferia, sobreposto às redes hierárquicas formais, sustentado por
154 APUD- NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do convés ao porto: a experiência dos marinheiros e a revolta de 1910. Op. Cit, p.86. 155 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Op. Cit, p.86. 156 KRAAY, Hendrik. “ Repensando o recrutamento militar no Brasil Império”. Op. Cit, p.123.
um sistema de trocas cujas principais “moedas” serão fidelidades, serviços e mercês. Sendo tênue e remota a capacidade de monitoramento e imposição de sanções por parte do poder central e, simultaneamente, acentuada a imersão dos lotáveis em um conjunto variado e flutuante de compromissos locais [...]157.
Em relação ao sistema de clientela e patronagem – enraizado na estrutura social e
política brasileira desde o período colonial –Emília Viotti da Costa observou que, ele ainda
sobrevive no Brasil em algumas regiões do interior e, nos centros urbanos, embora
profundamente enfraquecido, remodela-se para ajustar-se à sociedade moderna. Sérgio
Buarque de Holanda acrescenta que, nos domínios rurais é o tipo de família organizada
segundo as normas clássicas do velho direito romano-canônico, mantidas na Península
Ibérica que prevalecem como base e centro de toda a organização158 .Os escravos, os filhos,
os agregados dilatam o círculo familiar e, com ele, a autoridade imensa do pater-famílias. A
família patriarcal fornecerá o modelo que fundamentará as relações políticas, econômicas e
sociais no Brasil no período colonial e ainda no Império. No que tange o recrutamento
forçado, o paternalismo era decisivo no desfecho de mesmo. Desta forma, a historiadora
Denise Moura afirma:
A vida das localidades assistia frequentemente à manifestação destes pequenos poderes, gerados no interior de uma tradição paternalista e autoritária, que opunha e unia homens de cores e cabedais destoantes. Do conviver fluído em torno de muitos arranjos feitos na varanda da casa- grande ou na soleira dos sítios, em torno de uma garrafa de aguardente posta à mesa do jogo na venda ou durante a prosa despreocupada das horas ociosas, emergiam desavenças que confundiam questões de honra, pessoais e de trabalho, geralmente traduzidas para a acusação de vadiagem159.
Denise Moura observa algumas questões que parecem importantes acerca da atmosfera
cotidiana do recrutamento. O paternalismo é apontado como elemento decisivo nas relações
políticas e sociais dos poderes locais, que por qualquer motivo acusavam de vadios, homens
tidos como infiéis. Observa-se que, numa simples discussão surgida em torno de uma garrafa
de aguardente poderia ser justificativa para o senhor- que também era patrono- mandar seu
infiel cliente se submeter ao recrutamento com a acusação de vadiagem.
157 MENDES, Fábio Faria. “ A economia moral do recrutamento militar no Império brasileiro”. Op. Cit, p.5 158 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Op. Cit, p.50. 159 MOURA, Denise. “A farda do tendeiro: Cotidiano e recrutamento no Império”. In: Revista Regional de História. Vol.4, nº 1, verão 1999, p. 41.
Na peça teatral Juiz de Paz na Roça de Luiz Carlos Martins Pena, observa-se alguns
elementos da sociedade brasileira da primeira metade do século XIX, que retratam a nossa
natureza política e social fundada nas relações paternalistas e clientelísticas. Martins Pena,
considerado por muitos estudiosos o pai do teatro de costumes no Brasil, criou vários
personagens que simbolizam variados tipos sociais de nosso país. Nesta obra, o escritor
literário expõe de maneira hilária como se desenvolvem as relações patrono-cliente em torno
do poder local, representado pelo personagem juiz de paz na roça e, seus clientes, os
lavradores. O juiz de paz exercendo uma das primeiras instâncias do poder judiciário na
localidade, acaba por tirar proveito desta condição, protegendo uns em detrimento de outros.
Os laços de proteção se estendem aos indivíduos que concedem galinhas, cachos de bananas,
ovos, entre outros, ao juiz de paz. Este, por ter o poder de decidir algumas pendengas surgidas
entre os habitantes locais, acaba por construir leis próprias- que se aproximam dos laços
localistas de patronato- inversas à Constituição.
Esta situação é vista no caso do personagem Manuel André, que pede a presença do
juiz de paz em seu sítio para assistir a demarcação de terras, uma vez que seu vizinho alegava
também ter posse da metade das terras do dito sítio. O juiz de paz se recusa em presenciar tal
ato, alegando estar muito atarefado com seu roçado. Manuel André replica diante da recusa do
juiz de paz e este o ameaça de lhe mandar para a cadeia. Desta forma, Manuel André retruca:
Vossa senhoria não pode prender-me à toa: a Constituição não manda. O juiz de paz,
enfurecido, responde: A Constituição! ... Está bem! ... Eu, o Juiz de Paz, hei por bem
derrogar a Constituição! Sr. Escrivão, tome termo que a Constituição está derrogada, e
mande-me prender este homem160.
A obra Juiz de paz na roça também mostra o serviço militar como castigo aos homens
que cometeram algum ato considerado errado aos olhos das autoridades. O lavrador Francisco
Antônio faz um requerimento ao juiz de paz dizendo que o seu vizinho, José da Silva, roubou
a cria da égua pertencente à sua mulher justificando que, o seu cavalo era o pai da dita cria. O
juiz pede que José da Silva devolva o potranco, mas ele retruca dizendo que vai se queixar ao
Presidente. Diante disso, o juiz de paz pede ao seu escrivão que o aliste para soldado.
Outro caso, tratado na obra, diz respeito à isenção do recrutamento. O escrivão, em
nome do juiz de paz, vai até a casa do lavrador e guarda - nacional Manuel João e pede-lhe
que mande um recruta à cidade. Manuel João se queixa do pedido de recrutamento dizendo
que só os pobres é que o pagam, no entanto, obedece as ordens do juiz e sai em busca de um
160 PENA, Luiz Carlos Martins. “Juiz de paz na roça”. In: O noviço. São Paulo: Editora klick, 1997, p.114.
recruta que deveria ser mandado para o Rio Grande. Nesta busca, acaba por recrutar, sem
saber, o namorado de sua filha Aninha, José da Fonseca, leva-o para a casa do juiz de paz e
pede a este que deixe para levar o recruta à cidade somente no dia seguinte; alegando que já
se fazia tarde e poderia correr o risco do recrutado fugir. O juiz de paz decide então, que o
recrutado deveria dormir na casa de Manuel João. Este, o prende no celeiro, e durante a noite,
Aninha abre a porta onde seu amado estava e fogem para a freguesia onde se casam. O
casamento de Aninha com José da Fonseca exime seu marido de prestar serviço militar, uma
vez que pelas instruções de 1822 os homens casados estavam isentos do recrutamento.
Para finalizar: embora pareça contraditório a relação que se estabelece entre
paternalismo e coerção, tendo em vista que, segundo Kraay, a coerção e a força, é o adverso
essencial do paternalismo e proteção das relações patrono-cliente161, deve-se considerar que,
observando o pressuposto do historiador Jaime Rodrigues, o paternalismo esta ligado a uma
economia moral que os marinheiros herdam de sua convivência em terra, pois, antes de serem
recrutados estão embutidos nesta rede familiar de patronato. Mas, ao entrarem para o universo
marítimo, uma economia política, baseada na despersonalização, nas relações de mercado
capitalista, na linearidade do trabalho e na disciplina favorecem a erosão do paternalismo.
Pode-se dizer que, segundo Jaime Rodrigues, por um lado, o paternalismo reinante na
sociedade colonial e imperial se fazia sentir nas localidades devido ao universo abstrato da
administração formal, ou seja, da reduzida capacidade do poder central de estender
eficientemente a sua administração por todo o território e, por isso, a apelação aos serviços
litúrgicos dos poderes locais. De outro, quando o Estado, através da Marinha e o Exército,
consegue aproximar o indivíduo às suas teias de dominação, submetendo-o a um rígido
sistema de disciplina e de trabalho o paternalismo passa por um processo de enfraquecimento,
que tende à erosão.
No entanto, Fonseca salientou que, as relações fundadas no patriarcalismo se
estendem até o circuito militar, onde oficiais transformam seus subordinados em clientela para
fins privativos. Assim, diz Fonseca:
O patriarcalismo de que se embuiam os oficiais externava-se, por exemplo, quando os seus subordinados eram transformados em clientela, criadagem, e eram tomados para fins privativos. A figura tradicional do patriarca transfigura-se em oficial e extrapolava o restrito domínio doméstico para ordenar na esfera pública em benefício próprio. No Brasil, a escravidão fortaleceu o patriarcalismo, já que ampliou o circuito “familiar”.
161 KRAAY, Hendrik. “Repensando o recrutamento militar no Brasil Império”. Op. Cit, p. 127.
Marinheiros e soldados forçados, ou mesmo com a marca de cor negra ou parda, tendiam a ser encarados como extensão da pequena “família” que o oficial de patente levava para bordo162.
Em suma. Jaime Rodrigues observa que, o patriarcalismo esta presente na economia
moral (que caracteriza a herança da cultura terrestre que o marinheiro traz para dentro do
navio) já na economia política (de dentro dos navios) acontece a sua degradação, o seu
deterioramento, através da imposição das normas e disciplina do trabalho. Paloma ressaltou
que, havia dentro dos navios a permanência das relações, entre oficiais e subordinados,
baseadas no patriarcalismo. As duas opiniões demonstram dois pontos extremos que
permeiam o funcionamento do recrutamento. Pode-se supor que, o ambiente político, social,
econômico e militar brasileiro no século XIX amalgamou as heranças trazidas da grande
família patriarcal com as novas expectativas trazidas da Europa em torno das relações de
trabalho, da família e do Estado.
162 FONSECA, Paloma Siqueira. Op. Cit, p. 67.
Capítulo 4
Permanências, mudanças e resistências no recrutamento
4.1- Permanências e mudanças no recrutamento
O recrutamento forçado foi realizado ao longo do século XIX e, no inicio do século
XX ainda havia possibilidades concretas de a pessoa ser recrutada a força e sofrer castigos
corporais163. Pois, na ausência de voluntários que se sentissem seduzidos por uma carreira de
sucessos, que a Marinha de Guerra ainda não oferecia, havia o recrutamento forçado e anos
de trabalho sob a ameaça de castigo164. Segundo Nascimento, as mudanças de pensamento da
sociedade brasileira e do mundo não implicaram em mudanças na Marinha, no sentido de
incentivar um desenvolvimento a nível humano, como: diminuição do tempo de serviço
militar, fim dos castigos físicos, melhorias das escolas de primeiras letras, de ensino
profissional, etc.
As tentativas de mudanças, em torno da falta de voluntários para o serviço militar, são
vistas em alguns projetos apresentados à Assembléia Legislativa. Em 1834, a Comissão de
Guerra e Marinha apresentou à Assembléia Legislativa um projeto concernente à reforma do
recrutamento forçado, que visava substituí-lo por um sorteio militar. Este projeto é alterado
por emendas e metamorfoseia-se em projeto para engajamento, garantindo a continuidade do
recrutamento forçado como estabelecido pela lei de 10 de julho de 1822.
O projeto de 1834, foi tema de quatro discussões na Câmara dos Deputados, todas
neste mesmo ano. Na primeira discussão, o projeto venceu outro rival que pretendia
estabelecer um sistema nacional de alistamento voluntário financiado pelas câmaras
municipais. Na segunda discussão, os deputados emendaram o projeto original para aumentar
o número de homens isentos do sorteio165 . Na terceira sessão, foi aprovada uma emenda para
limitar o recrutamento ao engajamento. Por fim, na última sessão, a ênfase recaiu sobre a
impossibilidade de um Exército e Marinha compostos apenas de voluntários. O projeto
de1834 concedia aos voluntários salários maiores e tempo de serviço menores do que os
163 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Marinheiros em revolta: recrutamento e disciplina na Marinha de Guerra (1880-1910). Op. Cit, p.189. 164 Idem, p.189. 165 KRAAY, Hendric. “ Repensando o recrutamento militar no Brasil Império”. Op. Cit, p.137.
recrutados, no entanto, se tais incentivos não persuadissem suficientes homens a alistarem-se,
uma certeza: recorria-se ao recrutamento forçado166 .
Em vários momentos o Poder Legislativo foi palco de discussões em torno de projetos
que visavam a extinção ou reforma do recrutamento forçado. Finalmente, em 1874, foi
aprovada a lei do sorteio militar que visava substituir o recrutamento por um sorteio baseado
num alistamento e reduzir as isenções. O sorteio militar funcionava da seguinte forma: se
acaso o número de voluntários fosse incapaz de suprir as forças desejadas pelos corpos
militares haveria um sorteio paroquial em que escolheria cidadãos entre 19 e 30 anos que
não fossem escravos e estrangeiros para o serviço militar167. Do ponto de vista do historiador
José Murilo de Carvalho, o sorteio militar de1874 resultou em fracasso, pois:
De um lado, permitia aos que não quisessem servir a pagar certa quantia de dinheiro ou apresentar substitutos, e introduzir isenções especiais para bacharéis, padres, proprietários de empresas agrícolas e pastoris, caixeiros de lojas de comércio, etc. De outro lado, deixava o alistamento e o sorteio a cargo de juntas paroquiais, presidida pelo juiz de paz e completadas pelo pároco e pelo subdelegado. O resultado foi continuar o serviço a pesar totalmente sobre pessoas sem recursos, financeiros ou políticos […].O novo sorteio só colhia pobres ou não colhia ninguém, continuando o recrutamento a ser feito a laço como anteriormente168.
Segundo Carvalho, com a lei do sorteio militar ainda continuou-se a introduzir no
serviço militar homens pobres, sem recursos, financeiros ou políticos. Também deu
continuidade à política dos poderes locais, ao atribuir aos juizes de paz e aos subdelegados a
tarefa de fazer o alistamento. Desta forma, é possível observar um misto de permanência e
uma tentativa de mudança em torno do recrutamento, pois, de um lado, a escolha dos homens
sujeitos de serem alistados ainda continuava a passar pelo crivo dos juizes de paz que
poderiam interferir na escolha. De outro, segundo Faria Mendes, a lei do sorteio introduzia no
jogo do recrutamento elementos de compulsão e aleatoriedade que modificavam de modo
radical a economia moral que governava a alocação dos encargos do recrutamento169 .
166 KRAAY, Hendric. Op. Cit, p.137. 167 NASCIMENTO. Álvaro Pereira do. Do convés ao porto : a experiência dos marinheiros e a revolta de 1910. Op. Cit, p. 137. 168 CARVALHO, José Murilo de."As forças armadas na primeira República: o poder desestabilizador”. In: História Geral da Civilização brasileira: o Brasil monárquico. FAUSTO, Boris (Org.). São Paulo: Difel, 1986, p.190. 169 MENDES, Fábio Faria. “ Encargos, privilégios e direitos: O recrutamento no Brasil nos séculos XVIII e XIX” .Op. Cit, p.133.
O historiador Luiz Geraldo Silva, mostrou que em decorrência do papel estratégico
que a Marinha exercia sobre o território brasileiro, em março de 1841, a oficialidade naval
levou à apreciação do Conselho de Estado um projeto acerca da criação de capitanias dos
portos nas províncias marítimas do Império, no qual possuía um conjunto de dispositivos que
visavam a formação de uma reserva naval da Armada em cada província marítima. O projeto
apresentado em 1841 voltou a ser discutido nas sessões do Conselho de Estado de:
20/01/1843, 23/05/1845 e 12/08/1845. E, finalmente, aprovado em 24/12/1845 o dispositivo
que regulava a criação das capitanias dos portos .
Segundo Luiz Geraldo Silva, o interesse da oficialidade era a de ter maior controle
sobre a população marítima, ou seja, a intenção dos elaboradores da inscrição marítima no
Brasil foi, essencialmente, aumentar a base de contribuintes do imposto de sangue, uma vez
que, a partir da adoção da inscrição marítima todos os habitantes dos tradicionais distritos de
pesca constituíram a reserva natural do país para a Marinha de Guerra170. Desta forma,
ficaram obrigados a se matricularem e a fazerem parte das listagens da capitania da sua
jurisdição os pescadores, os trabalhadores marítimos, canoeiros de alto, marinheiros de
longo curso, cabotagem e tráfico de rios e costas 171. Esses homens, quando matriculados,
deveriam se apresentar mensalmente nas capitanias, acaso não se apresentassem, capatazes
saíam à sua busca na comunidade de origem. A matrícula desses pescadores os isentava de
servir na Guarda Nacional, mas estariam sujeitos ao serviço militar na Marinha de Guerra
quando esta os requisitassem. Segundo Luiz Geraldo, as listagens eram imprecisas e
ocultavam detalhes importantes para se conhecer as condições físicas, idade e cor dos
possíveis recrutados. Com o regulamento das capitanias dos portos, impondo a
obrigatoriedade da matrícula dos pescadores e trabalhadores marítimos, dentro do seu distrito
de pesca, favoreceu que, o recrutamento recaísse sobre os ombros de homens acostumados à
vida do mar.
Segundo Nascimento, a partir de 1840 as escolas de aprendizes marinheiros se
espalharam pelas principais capitais da província. Para a matrícula nessas escolas o indivíduo
deveria ser menor de idade, de 13 a 18 anos, aqui, recebiam formação educacional e
profissional, e quando preparados se dirigiam à Corte para o Corpo de Imperiais Marinheiros
que funcionava, segundo Nascimento, como um depósito central de marinheiros, cabos e
sargentos, de onde eram distribuídos por todas as unidades navais da Armada: fortalezas,
170 SILVA, Luiz Geraldo. A faina, a festa e o rito: uma etnografia sobra as gentes do mar (séculos XVIII ao XIX). Campinas: Papirus, 2001, p.216. 171 Idem, p.215.
departamentos e navios. Nascimento salienta que, o indivíduo poderia sair de Pernambuco
com destino ao Corpo, na cidade do Rio de Janeiro, a fim de jurar bandeira, e dali ser
destacado para qualquer outra província em que existisse um posto desocupado. Caberia
apenas ao Comandante, de qualquer unidade naval, solicitar um ou mais indivíduos do Corpo,
em decorrência disso, Nascimento observa que, o Corpo funcionou como um lugar de
transferência de marinheiros. O Corpo de Imperiais Marinheiros estava dividido em várias
unidades e em cada uma havia 100 homens aproximadamente. Para saber sobre a vida de cada
homem que compunha o Corpo havia os Livros de Socorros, que era o lugar onde se
registrava a disciplina, o cargo ocupado por cada homem, sinais pessoais, idade, cor, origem,
forma de alistamento, etc.
Para a entrada nas Escolas de Aprendizes Marinheiros, o menor podia ser enviado
pelos próprios pais ou tutor legal através dos delegados de polícia de qualquer cidade do país,
ou poderiam ser capturados pela polícia e entregues aos juizes de paz ou de órfãos sobre a
acusação de estarem perambulando pelas ruas da cidade. Nestas escolas, os alunos deveriam
aprender aulas de primeiras letras - a fim de erradicar o analfabetismo- e o ofício de
marinheiros. No entanto, o comandante Eusébio Legey observou que, dos 149 aprendizes
passados para o Corpo de Imperiais Marinheiros, mais da metade foram completamente
analfabetos. Os menores se entregavam à embriaguez, ao jogo, ao fumo e a atos imorais.
Segundo Nascimento, as Escolas de Aprendizes Marinheiros eram um lugar de repressão e
controle das classes perigosas. No discurso das autoridades públicas, esses menores
poderiam ser levados ao mundo do crime, assim a preocupação com seus destinos foi
percebida pela criação das Escolas de Aprendizes, sobre elas Nascimento afirmou:
as escolas funcionavam como viveiros onde o menor teria de aprender a respeitar e a seguir a disciplina militar. Porém, essas escolas se mostraram débeis ao longo do tempo [...]. Durante os dois anos de reclusão trabalhavam sem quase ter aulas específicas de marinharia e, quando havia alguma exceção, eram as aulas de primeiras letras que também acabavam por ser estéreis. Contudo, a experiência de se educar os menores [...], demonstra que a correção ou regeneração do indivíduo não era feita através da reclusão e dos castigos corporais. Na realidade, as escolas eram espaços de confinamento até que o menor alcançasse a robustez necessária para enfrentar o duro serviço a bordo dos navios. A Armada precisava de homens, só e só. Assim, a Marinha fazia parte do elo que envolvia variadas instituições em prol do controle social sobre as classes pobres172.
172 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Marinheiros em revolta: Recrutamento e disciplina na Marinha de Guerra (1880-1910). Op. Cit, p.59.
Na opinião de Nascimento, as Escolas de Aprendizes ainda constituíam o desejo das
autoridades de isolar o indivíduo do convívio social, para atender a um fim: resolver o
problema da falta de voluntários. Assim, com a preocupação de regenerar o indivíduo, estas
escolas surgem para confinar o menor até que alcançasse a robustez necessária para
enfrentar o duro serviço do mar. Em linhas gerais, a falta de voluntários tinha que ser
resolvida, mesmo que para isso se construísse escolas débeis – do ponto de vista da
aprendizagem na qual se propunham - e aulas de primeiras letras estéreis.
Talvez, uma das mudanças mais significativas em torno do recrutamento forçado, dos
castigos físicos e do sistema militar foram lançadas pela Revolta de1910. Arias Neto
observou que, a Revolta de 1910 representou a luta das praças da Marinha de Guerra do Brasil
pelo reconhecimento de sua condição de cidadãos. Durante o século XIX, o sistema militar
baseado no recrutamento forçado e em um regime de suplícios sobreviveu até o final deste
período, quando os praças constituindo-se como sujeitos de direitos exigiam seu
reconhecimento como cidadãos republicanos. A Revolta de 1910 visava a transformação no
sistema militar com a implantação de uma carreira profissional para os marinheiros. Segundo
Arias Neto, a vivência militar desses homens juntamente com o discurso republicano
proporcionou o conhecimento de novas estratégias. Assim o autor afirma:
Os marinheiros reivindicavam que o Estado os tratassem como cidadãos fardados em defesa da pátria, proporcionando-lhes proteção, estendo-lhes os direitos sagrados prometidos pela República, acabando com a desordem e reconhecendo-lhes a plenitude da cidadania, isto é, o direito de reivindicar: a retirada dos oficiais incompetentes, a reformulação do código imoral e vergonhoso extinguindo a chibata, o bolo e outros castigos semelhantes, o aumento dos soldos , a educação de seus companheiros mais carentes, a reforma das escalas de trabalho173.
Segundo Arias Neto, estas reivindicações não eram em si, um direito novo, pois o que
se desejava eram reformas na Armada nas quais os praças consideravam-se integrantes. Tais
reivindicações também representavam o primeiro passo na criação de uma carreira
profissional para os marinheiros174, isto significa que, a Revolta de 1910 pretendia implantar
modernas relações de trabalho e de hierarquia dentro da Armada, onde a arte de marinharia
seria concebida como uma profissão, como uma carreira aberta ao talento 175. No próximo
173 ARIAS NETO, José Miguel. Em busca da cidadania: Praças da Armada Nacional (1867-1910). Op. Cit, p.359. 174 Idem, p.363. 175 Idem, p.365.
momento, analisaremos o porque do temor da população em relação a prestação de serviço
militar da Marinha.
4.2- Recrutamento: o temor da sociedade
Como descreveu Caio Prado Júnior,
O recrutamento [...] constituiu, durante a fase colonial da história brasileira, como depois ainda no Império, o maior espantalho da população; e a tradição oral ainda conserva em alguns lugares bem viva a lembrança deste temor. Não havia critério quase nenhum para o recrutamento, nem organização regular dele. Tudo dependia das necessidades do momento e do arbítrio das autoridades. Fazia-se geralmente assim: fixadas as necessidades dos quadros, os agentes recrutadores saíam à cata das vítimas; não havia hora ou lugar que lhes fosse defeso e entravam pelas casas a dentro, forçando portas e janelas, até pelas escolas e aulas para arrancar delas os estudantes 176.
O engenheiro naval, Juvenal Greenhalgh, escreveu que as operações do recrutamento
nos navios mercantes se constituía verdadeira razia, onde os agentes recrutadores,
comandados por oficiais, invadiam os navios, alta madrugada, quando a vigilância era pouca
e as guarnições ainda estavam dormindo 177. Para fugir do recrutamento, muitos marinheiros
abandonavam seus navios ao chegarem ao porto, mas os que eram apanhados de surpresa
recorriam ao judiciário em questões que levavam anos para serem resolvidas.
Segundo Nascimento, a aversão ao serviço militar era decorrente do uso de castigos
corporais em homens livres. As forças militares, sempre foram vistas com aversão diante do
povo, pois o serviço militar associado a vadios, mendigos e excluídos sociais, incutiu no
pensamento dos homens livres ricos que o serviço militar era um castigo, uma espécie de
exercício correcional para a vadiagem e o crime. Nascimento ressalta que, a aversão do povo
era tamanha a ponto de haver casos de homens se mutilando para escaparem da garra dos
recrutadores. Em 1828, o general Cunha Matos afirmou que, a vida do escravo em
determinadas situações era melhor que a do soldado, haja vista os problemas com a falta de
alimentação e pagamento dos soldos, e o uso dos castigos corporais enfrentados por todos os
recrutados sob o regime disciplinar.
176 PRADO JÚNIOR, Caio. A formação do Brasil contemporâneo: colônia. Op. Cit, p.318. 177 GREENHALGH, Juvenal. Op. Cit, p.187.
A Armada Nacional foi ordenada disciplinarmente por meio do Regimento Provisional
e dos Artigos de Guerra da Armada Real Portuguesa. Elaborada em 1796 para a Armada
Portuguesa, o Regimento Provisional regulava o serviço e disciplina a bordo dos navios de
guerra portugueses. Em 1799, foram acrescidos, junto a ele, os Artigos de Guerra. Estes
apresentam grande complexidade e foram considerados a partir de sua hierarquia e
penalidades, por Arias Neto, compondo-se assim:
a) artigos processuais que regulam o funcionamento do próprio regimento; b) artigos gerais que estabeleciam crimes e penalidades que se aplicavam indistintamente sobre todos (civis, militares, oficiais, soldados e marinheiros); c) artigos que estabeleciam crimes e penas que se aplicavam os oficiais; d) artigos que se aplicavam aos oficiais marinheiros e comboios178 .
Segundo Nascimento, os a Artigos de Guerra estiveram sobre a mesa de cada um dos
comandantes dos navios e quartéis pertencentes à Marinha de Guerra brasileira. Através deles,
o comandante encontrava os instrumentos necessários para punir qualquer indivíduo que
atentasse contra a disciplina e a polícia das embarcações 179 . Nascimento ressalta que, as
punições contra marinheiros deveria servir de exemplo ao restante da guarnição, pois o
castigo empregado ao marinheiro faltoso era um ato de amostra onde todos os marinheiros
perfilados assistiam ao triste espetáculo. Os comandantes de cada unidade naval, eram os
primeiros a imporem as regras, salientadas nos Artigos de Guerra, interpretavam sobre a falta
disciplinar cometida e, se fosse caso de indisciplina aplicava ali mesmo a punição. Segundo
Nascimento, não era raro, os comandantes cometerem abuso e excesso de poder. Havia uma
praxe de corrigir indisciplinas de acordo da constituição física do infrator. Caso o marinheiro
acusado de insubordinação fosse homem robusto, as chibatadas poderiam chegar a 200. Caso
fosse magro, pouco robusto, a pena poderia variar de 25 a 50 chibatadas 180.
Em relação ao Regimento Provisional, deve-se considerar que, dividia-se em quatro
capítulos cada um deles versando sobre algum aspecto do serviço do navio, em tempo de paz
ou de guerra, andando a vela ou fundeado em porto nacional ou estrangeiro181 . O Regimento
Provisional estabelecia as atividades ou operações realizadas durante o serviço, da alvorada ao
178 ARIAS NETO, José Miguel. Em busca da cidadania: praças da Armada Nacional 1867- 1910. Op. Cit, p.65. 179 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Marinheiros em revolta: recrutamento e disciplina na Marinha de Guerra (1880-1910). Op. Cit, p.66. 180 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do convés ao porto: A experiência dos marinheiros e a Revolta de 1910. Op. Cit, p.142. 181 FONSECA, Paloma Siqueira. A presiganga real (1808-1831): punições da Marinha, exclusão e distinção social. Op. Cit, p.65.
toque de recolher. Fonseca salienta que, conduta e costumes exemplares, método e ordem
regulares contrapunham-se à negligência, relaxação e transgressão182.
Outro aspecto que diz respeito à disciplina, está relacionada a vivência cotidiana dos
marinheiros no serviço militar. Este era pontuado de perigos que deveriam ser encarados por
todos que vestiam a farda de marinheiro. Segundo Nascimento, o marinheiro deveria conviver
e
aprender a dividir os mesmos espaços com indivíduos de regiões, cores, idades, opção sexual e condição social das mais diversas, entre os quais poderiam ser criados laços de solidariedade e níveis de intolerância e de conflitos complexos e variados. [...] Esses indivíduos quando fardados não poderiam ser entendidos e identificados sobre o rótulo generalizante de marinheiros, quiçá de refugo da vagabundagem e do crime. Havia, enfim, intensa e fervilhante diversidade humana reunida nos postos mais baixos da hierarquia militar. Tudo isso poderia fermentar e se tornar extremamente perigoso, obrigando o indivíduo a enfrentar comportamentos desconhecidos por ele até então. Para conviver em tal meio ele havia de reconhecer os costumes e valores aceitos e vigentes entre os homens, e também descobrir as brechas e formas de se proteger dos perigos e adversidades impostas pelo quotidiano das embarcações e quartéis 183.
Esta diversidade humana que por vezes gerava laços de solidariedade e rivalidades
impunham aos homens do mar a necessidade de reconhecer os costumes e valores aceitos
para escaparem dos perigos e adversidades do quotidiano das embarcações. O historiador
Jaime Rodrigues, observou que, além dos marinheiros serem mal remunerados e espoliados
pelos oficiais, lutavam pela sua sobrevivência cotidiana, tendo como aliados alimentação e
água muitas vezes estragadas. Para Rodrigues,
Se o sofrimento físico e emocional era uma marca desse trabalho, produzindo resultados que estão no cerne da cultura marítima, outros elementos intervinham na caracterização das práticas culturais dos marinheiros. Entre elas estava a mobilidade no espaço, responsável pelo contato com outras práticas e culturas, mundo (ou mar) afora, além de inúmeras diversidades184.
182 FONSECA, Paloma Siqueira. Op. Cit, p.65. 183 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do convés ao porto: A experiência dos marinheiros e a Revolta de 1910. Op. Cit, p.96. 184 RODRIGUES, Jaime. Cultura marítima: marinheiros e escravos no tráfico negreiro para o Brasil (séculos XVIII e XIX). Op. Cit, p.19.
A vida do mar, ao mesmo tempo em que isolava o homem da vida terrestre,
desligando-o da sua cultura de origem, levava-o a construir laços que os unia aos demais
marinheiros, fazendo com que, de sua convivência coletiva resultasse na elaboração de uma
linguagem própria que refletia o seu isolamento e sua alienação em relação ao mundo
terrestre. O isolamento dos navios em alto mar era marcado pela inexistência de poderes
institucionais mais comuns - como a família, a igreja e o Estado185. Ao contrário do que se
pensa, a inexistência destes poderes não deixou um vácuo, pois toda a autoridade
concentrava-se nas mãos do capitão, que normalmente a exercia com lendária
arbitrariedade186. Nascimento observou que, havia uma lógica do tribunal do convés que
alcançava requintes de extrema crueldade. Embora houvesse os Artigos de Guerra que
estabelecia a quantidade diária de açoites ficava ao livre arbítrio do comandante a prescrição
do castigo, que geralmente levava em conta à constituição física e a resistência do faltoso.
Havia uma lógica no castigo físico fundada na reafirmação e na reprodução do domínio do
oficialato sobre todos os homens de seu navio 187. Para Nascimento, os objetivos da punição
eram atingir a moral do marinheiro, levando-o a humilhação e ao sofrimento, servindo de
exemplo para toda a guarnição 188.
No relatório de 1832, do ministro da Marinha, Rodrigues Torres, este reclama à
Assembléia Legislativa sobre o espírito de rebeldia e sedição que tomam conta dos soldados e
marinheiros, ressaltando que, o espírito de indisciplina tem sido a causa do rompimento dos
laços da disciplina militar, fazendo da maior parte dos soldados o flagelo da sociedade. O
ministro propõe a manutenção de uma rigorosa disciplina através da organização de um novo
Regimento e o estabelecimento de uma Legislação Penal. Observou que, o Regimento
Provisional era vago e incompleto, concorrendo para consagrar a impunidade e atear a
insubordinação. Sobre a disciplina militar, escreveu:
Uma verdade, senhores, de que não pode duvidar, é que da exacta observância da disciplina militar tira todo o corpo de tropas a sua principal energia: mas a disciplina perde-se inteiramente, e a força Armada venha a ser o flagelo do povo, que a sustenta, quando aquelles, que devem vigiar escrupulosamente na conservação dela concorrem para seu quebrantamento189.
185 RODRIGUES, Jaime. Op. Cit, p.47. 186 Idem, p.47. 187 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Marinheiros em revolta: recrutamento e disciplina na Marinha de Guerra (1880-1910). Op. Cit, p.92. 188 Idem, p.114. 189 Relatório do ministro da Marinha Joaquim José Rodrigues Torres apresentado à Assembléia Legislativa em 1832. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1872.
O ministro Rodrigues Torres, acrescenta que, o cerne de insubordinação, que assolava
a Marinha, estava ligado ao recrutamento forçado, assim descreve:
Parece-me que nada há mais defeituoso do que o méthodo, actualmente seguido em sua composição. Dois são os meios entre nós promiscuamente praticados, para havermos os marinheiros, que nos são precisos: o engajamento e o recrutamento; mas este só he permittido,quando o primeiro se torna inefficaz, como sempre acontece. Estes dous méthodos, de principio e índole inteiramente differentes, por não dizer opostos, hão de [...] lançar hum germem de desharmonia fatal para o serviço público.Considerando a sorte diversa dos indivíduos, que compõem as nossas equipagens, nota-se que huns,além de prêmio, que recebem,quando assentão praça, deixão o serviço,findado que seja num curto espaço de tempo; e que outros, trazidos, [...]para bordo não gozam da mesma vantagem. E como é de natureza do homem achar insuportável aquillo, à que,em idênticas circunstâncias; não vê expostos seus iguais, acontece que os marinheiros recrutados buscão por contínuas deserções subtrair-se ao que reputão huma iniqüidade,d'onde, não só resulta diminuição da força material da nossas embarcações, e a repugnância para o serviço da Marinha190.
Havia muitas diferenças no tratamento dispensado entre os recrutados e voluntários,
onde estes recebiam maiores soldos, ganhavam prêmios e prestavam serviço militar por curto
espaço de tempo. Isto gerava muitos conflitos dentro dos navios, levando às deserções e ao
repúdio do sistema militar. Em relação à indisciplina, deve-se considerar que, o recrutamento
forçado trazendo para as fileiras da Marinha indivíduos contrários às suas próprias vontades,
dificultou a garantia da disciplina, pois, submetidos a uma situação oposta às suas vontades
acabavam por construir mecanismos de resistência para burlar o serviço militar, através da
deserção, da negação ao trabalho, da embriaguez, dos jogos, entre outros. Segundo Jaime
Rodrigues, a insubordinação dos marinheiros estava ligada a dois confrontos da cultura
marítima: a luta contra a exploração pelos oficiais, alinhada ao confronto básico, que
envolvia o homem e a natureza191 . Viver embarcado implicava em travar uma luta diurna
contra a natureza. A cultura marítima tinha um cotidiano marcado pela necessidade de
sobrevivência, que exigia dos tripulantes uma ação coletiva, assim, ressalta Jaime Rodrigues:a
vida muitas vezes dependia do trabalho, da habilidade e do espírito comunitário da
tripulação192 .
190 Relatório do ministro Joaquim José Rodrigues Torres apresentado à Assembléia Legislativa em 1833. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1876. 191 RODRIGUES, Jaime. Op. Cit, p.27. 192 Idem, p.27.
Vários relatórios dos ministros da Marinha revelam que o temor ao serviço militar
estava ligado ao regime de suplícios em que estavam submetidos marinheiros e soldados. No
relatório de 1836, o ministro da Marinha Salvador José Maciel, observou que, a rigorosa
disciplina era indispensável em todos os Corpos Militares, mas ela só se matéria se a lei, que
castiga, se combinar com a que premeia. A idéia do ministro era a de que: o pesado trabalho
de bordo; o longo tempo de serviço; a falta de alimentação, água e ensino adequados; a falta
de asilos aos marinheiros e soldados inválidos no serviço; a desigualdade na distribuição dos
prêmios; a ausência de proteção no trabalho- que assegurasse pensões vitalícias aos homens
que se dedicavam à vida do mar-; e, os castigos físicos, como: as chibatas, a golilha, os ferros
aos pés, as pranchadas de espadas, as doenças, etc. Eram elementos que deveriam ser levados
em consideração, tendo em vista que estes fatores além de distanciar o futuro marinheiro do
serviço na Marinha, provocava a insubordinação dentro dos navios e quartéis.
Em 1840, o ministro da Marinha, Jacinto Roque de Sena Pereira, reclama à
Assembléia Legislativa que: enquanto o homem do mar não tiver hum melhoramento de
sorte, enquanto ele tiver presente o terrível horizonte da miséria que o espera na sua velhice,
não pode de forma alguma abraçar com prazer huma vida que apresentado-lhe graves
perigos, não põe sua futura existência em segurança193 . O ministro aponta a falta de uma
estrutura de trabalho na Marinha que beneficiasse o marinheiro em sua velhice. Desta forma,
propõe à Assembléia a criação de asilos, tendo em vista que, depois de longos anos de penoso
trabalho, o marinheiro encontrava na sua velhice amargos dias de miséria, pois, seus membros
estropiados ou cansados por qualquer evento, impossibilitavam-o de trabalhar. O ministro
ainda ressaltou:
He por tanto indispensável, Senhores, melhorar a sorte de homens que tanto cooperão com seus serviços para a sustentação da ordem, e da honra Nacional. A criação pois de asilos próprios para os marinheiros da Armada que se tornarem inválidos, por lesões recebidas no serviço, mui principalmente defendendo a honra do Pavilhão Nacional e integridade do Império 194 .
Segundo Jaime Rodrigues, na segunda metade do século XVIII, a maior parte dos
mendigos brancos que vagavam pelas ruas de Salvador era de ex-marujos convalescentes que,
sem arrimo, acabavam tornando-se pedintes. Não era raro que eles morressem pelas tabernas, 193 Relatório do ministro Jacinto Roque de Sena Pereira apresentado à Assembléia Legislativa em 1840. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1840. 194 Idem, ano de 1840.
vitimados pelo excesso de álcool. O horizonte desolador apresentado pelo serviço na Armada,
como: a falta de proteção na velhice, as doenças adquiridas no trabalho, o recrutamento
forçado, o isolamento com a cultura terrestre, a separação da família e da sua terra natal, não
despertavam nos homens nenhuma vontade de prestarem serviço militar. A falta de
expectativa de vida e de futuro - uma vez que o marinheiro encontrava na sua velhice o
terrível horizonte da miséria - contribuiu para que o serviço militar fosse olhado com repúdio
por toda a população e, por isso, o apelo ao recrutamento forçado, abarcando para as fileiras
do Exército e da Marinha os excluídos sociais.
No que tange ao tempo de serviço, em 1845,os marinheiros só poderiam dar baixa no
serviço após 9 anos para os que tivessem se apresentado como voluntários, 12 para aquele
recrutado à força e 15 para os provenientes da Escolas de Aprendizes Marinheiros 195. Os
voluntários eram vistos pelos militares e poderes Legislativo e Executivo como seres que não
representavam perigo à disciplina e tinham maiores chances de se dedicarem ao serviço, uma
vez que o ingresso ao serviço fora de livre espontânea vontade. Por isso, possuíam vantagens:
um tempo menor de serviço e direito a prêmios. Os recrutados a força eram obrigados a
servirem por 12 anos como se fosse uma punição pela falta de voluntarismo, e mesmo para
corrigir por mais tempo aqueles enviados pela polícia 196 . Os indivíduos provenientes das
escolas ficavam por mais tempo que os outros pelo fato de serem os mais bem preparados
para o serviço, tendo exigido investimentos em formação educacional e profissional deste a
mais tenra idade 197.
Segundo Nascimento, esse tempo de serviço não era definitivo. A trajetória de vida de
cada marinheiro é que determinava na sua permanência de mais ou menos tempo de serviço.
Se acaso o marinheiro fosse acusado de indisciplina o seu tempo de serviço poderia se
estender por mais anos que o mínimo exigido pela Marinha. Para a concessão de prêmios e
promoções o comandante analisava o livro de socorros, pois nele se registrava toda a vida do
marinheiro, desde o seu ingresso até o dia do pedido de baixa do serviço. Se o marinheiro
tivesse boa conduta poderia pleitear uma promoção, no entanto, em alguns casos, o
comandante poderia manipular as listas de promoções.
Em relação à vida de bordo, Arias Neto salientou:
195 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do convés ao porto: A experiência dos marinheiros e a Revolta de 1910. Op. Cit, p.102. 196 Idem, p. 103. 197 Idem, p.103.
Os navios passavam dias e dias navegando, especialmente os veleiros e os navios de sistema misto que, como os primeiros, não dependiam de abastecimento regular de combustível. Além da faina do trabalho diuturno para movimentar o navio e fazer os reparos necessários, o espaço deveria ser reservado para armamentos e munições No caso dos vapores mistos, [...], o espaço do navio foi reduzido para dar lugar às máquinas e à lenha ou ao carvão. Em suma: os alimentos e a água eram reduzidos e rapidamente se deterioravam, o alojamento era precário, a ventilação praticamente não existia. Em outras palavras, certos aspectos sanitários constituem elementos que permitem compreender a caracterização da vida no mar como áspera, como vida que ao cabo de alguns anos inutilizava os homens 198.
Esses dados da vida de bordo, apresentados por Arias Neto, demonstram algumas
razões do temor que tinha a população a respeito do serviço na Marinha. Confinados a um
espaço reduzido dentro dos navios, a péssima alimentação, a quase inexistência de ventilação,
favoreciam, também, o aparecimento de doenças. Arias Neto, analisando a entrada de
enfermos no Hospital da Marinha em 1854 e 1865, verificou que, as doenças respiratórias,
venérias, febres e reumatismos eram as mais comuns durante o período, como se vê a seguir:
Em 1853, foram tratados na Armada [...] quatro mil oitocentos e setenta e quatro doentes, dos quais oitocentos e setenta e nove com doenças pulmonares (bronquites, pneumonias e tuberculose);seiscentos e cinqüenta e seis com doenças sifilíticas, trezentos e setenta e cinco com febres ( amarela, tifóide e outras); trezentos e noventa e seis com afecções reumáticas e cento e trinta e três com sarna. [...] em 1864, foram tratados cinco mil oitocentos e noventa e quatro doentes, dos quais mil cento e quatro com doenças sifilítica, novecentos e setenta e um com doenças respiratórias, trezentos e sessenta e seis com febres, trezentos e sete com reumatismo e trezentos e vinte e dois com sarna 199 .
Arias Neto ressaltou que, se por um lado, tais doenças não estavam desvinculadas das
condições insalubres das cidades portuárias, de outro, a alimentação semanal destinado aos
marinheiros era bastante precária, incapaz de fornecer a quantidade de nutrientes necessários
para a saúde do indivíduo. Deve-se acrescentar, também, que a bordo do navio as péssimas
condições de trabalho também favoreciam o aparecimento de inúmeras doenças. Diante deste
quadro desolador apresentado pelo serviço na Armada, Arias Neto afirma: o serviço militar
representava em si a negação do direito mais elementar consagrado pelo, liberalismo
198 ARIAS NETO, José Miguel. “Violência sistêmica na organização militar do Império e as lutas dos imperiais marinheiros pela conquista de direitos”. In: Revista do Centro de Memória do Judiciário: Justiça & História. V. 1, n.1, Porto Alegre, 2001, p.17. 199 Idem, p.28.
moderno: o direito à vida e, consequentemente à liberdade, condição fundamental da
cidadania 200 .
Nesses termos, compreendem-se as razões pelas quais o serviço militar era encarado
com temor pela maior parte da população. No próximo momento, analisaremos como os
possíveis recrutados construíram estratégias para escaparem do recrutamento forçado.
4.3- As resistências ao recrutamento
No século XIX, homens livres e pobres, denominados de desclassificados sociais
viviam improvisando e inventando arranjos para escaparem das contingências materiais do
recrutamento forçado. Veja o que a historiadora Denise Moura afirma:
Sujeitos a tais imprevistos, homens livres e pobres ao invés de apenas fugirem ou se isolarem nos matos, ardilosamente engenharam atitudes visando lidar com os incômodos e constrangimentos impostos pelo alistamento e ao mesmo tempo manter suas práticas de viabilização de vida.Os recrutamentos [...] funcionaram, assim, como campos de reelaboração de práticas provisórias fundamentais próprias às formas de trabalho, lazer e sociabilidade [...]. Se os desafios impostos diariamente pela conscrição não anunciada germinava tensões e resistências, também recriava fazeres cotidianos, a partir de arranjos que ludibriavam a atuação da milícia201.
A resistência exercida pelos indivíduos sujeitos ao recrutamento, era caracterizada
pelo seu grande potencial criativo de estar sempre improvisando estratégias visando driblar
as determinações normativas, das autoridades e ao mesmo tempo preservar as práticas de
viabilização da sobrevivência202. Segundo Denise Moura, no suceder dos dias, os homens
susceptíveis ao recrutamento, estiveram permanentemente envolvidos na tarefa de
improvisação que se fundiam em relações de trabalho não lineares e arredias à fixidez203.
Sem distanciar-se da vida econômica e social do período, o homem pobre e livre se inseriu
nas ocupações oferecidas em diferentes esferas da economia da província, acenando para um
viver engenhoso que soube sabiamente se apropriar das incertezas e a partir delas,
reelaborar práticas da sobrevivência 204.
200 ARIAS NETO, José Miguel. Op. Cit, p.17. 201 MOURA, Denise. “A farda do tendeiro: cotidiano e recrutamento no Império”. Op. Cit, p.43 202 Idem, p.47. 203 Idem, p.47. 204 Ibidem, p.49.
Em relação às práticas de sobrevivência reelaboradas pelos possíveis recrutados, deve-
se compreender que, a noção de fuga, segundo Denise Moura, pode ser um equívoco do
discurso oficial, pois a forma de trabalho adotada por tais homens era marcada pelo
descontínuo dos ajustes de trabalho. Sendo assim, a provisoriedade dos ajustes, pontuando
um tempo do trabalho fluído e descontínuo terminou por traduzir-se na imagem de que estes
homens não trabalhavam ou se recusavam a trabalhar 205.
Os ajustes de trabalho marcado pela fluidez e pelo descontínuo permitiam aos homens
pobres e livres menos vulnerabilidade e o logro aos recrutadores. Denise Moura salientou que,
no caso do paulista, a resistência ao recrutamento se efetivou pela sua costumeira capacidade
de mobilidade. Desde tempos coloniais, o andeja paulista foi empurrado pelas circunstâncias
econômicas, políticas e sociais, para avançar as fronteiras do seu território, na tentativa de
buscar em outro espaço aquilo que o seu não lhe proporcionava. Assim, a historiadora
ressalta:
A existência andeja do paulista, herdada dos bugres e aprimorada nos tempos da pobreza colonial incrustou na sua cultura fortes elementos de mobilidade que permearam o conteúdo das práticas ligadas aos enfrentamentos cotidianos. Mudar para outra região, fugir para os matos e grotas e vincular-se descontinuamente ao trabalho nas propriedades, estradas e na cidade, evitando a vulnerabilidade da fixidez e do contínuo, foram condutas ligadas às formas de resistência e acomodação em relação aos recrutamentos 206 .
Fugir para os matos e grotas, mudar-se para outra região, abandonar a terra natal, além
de representar a mobilidade de homens livres e pobres dentro do território, fazem parte das
inúmeras formas de resistência encontrada por eles para tentarem ludibriar as determinações
normativas. Vale lembrar que, muitos problemas, como a falta de gêneros básicos de consumo
eram provocados na época em que baixavam as ordens para o recrutamento, pois este
interrompia as tarefas ligadas à sobrevivência cotidiana. A lavoura de subsistência, praticada
pelos pequenos agricultores de parcos cabedais, era desarticulada, impedindo assim, o
abastecimento de mantimentos da cidade. Deve-se acrescentar que, a pequena lavoura sendo
guiada pelo calendário agrícola onde as fases da lua e dias santos eram avessos à linearidade,
também prejudicou, ainda mais, a produção de alimentos. Denise Moura salientou:
205 MOURA, Denise.Op. Cit, p. 47. 206 Idem, p.44.
Ser recrutado sob a lua ou mês de plantio ou colheita, prenunciava dias de penúria, pois desobedecer este calendário mágico- agrícola implicava rigorosa punição. Amalgamadas a inúmeras práticas mágicas, sucediam-se as recomendações da lua e dos meses para cada cultivo, as quais [...] aqueles responsáveis pelo recrutamento permaneciam surdos, ignorando a coerência de um tempo alicerçado ao cíclico das pautas e retomadas 207.
Prado Júnior observou que, ao menor sinal de recrutamento a população desertava dos
lugares habitados indo refugiarem-se nos matos. Na Bahia, logo que começavam a fazer
recrutas, era infalível a carestia dos gêneros de primeira necessidade, porque os lavradores
abandonavam as roças208. Vilas e cidades eram abandonadas, os moços fugiam e a agricultura
e a indústria eram prejudicadas. Faria Mendes, caracterizou o recrutamento como um jogo de
gato-e- rato, onde,
Os recrutadores usam de todos os expedientes e ardis para completar suas cotas, e os recrutáveis potenciais, de sua parte, realizam esforços desesperados de evasão ou adequação às circunstâncias de isenção. Fuga, automutilação, resistência armada, falsificação de documentos, casamentos de última hora, tudo servirá na profusão de estratégias de evasão dos recrutáveis 209.
Na rede de relações patrono-cliente se constrói um imenso leque de isenções. Como as
instruções de 1822 possuíam critérios vagos e manipuláveis, a resistência ao recrutamento se
faz sentir pela proteção do senhor aos seus criados e dependentes, através da manipulação dos
critérios de isenção. As justificativas dos recrutáveis eram variadas e inventivas. Segundo
Faria Mendes, estas declarações alegavam idade insuficiente, doenças incuráveis, atividade
profissional isenta, arrimo de família. Como último recurso, alguns desesperados recorriam
à automutilação 210.
Poucos patronos aceitavam que seus clientes fossem recrutados, porque ser recrutado
um dos seus poderia significar a diminuição de prestígio diante de seus dependentes e
notáveis locais. Assim, Denise Moura observou que, o recrutamento de um camarada não
207 MOURA, Denise. Op. Cit, p.42. 208 PRADO JÚNIOR, Caio. A formação do Brasil contemporâneo: colônia. Op. Cit, p.318-319. 209 MENDES, Fábio Faria. “Encargos, privilégios e direitos: O recrutamento no Brasil nos séculos XVIII e XIX”.Op. Cit, p. 127. 210 Idem, p.127.
implicava apenas no prestígio material da interrupção do serviço, mas em afetações ligadas
aos brios 211.
A resistência ao recrutamento não se expressava apenas no ambiente terrestre, mas
também, no ambiente marítimo. Nascimento afirmou que, um dos maiores problemas
enfrentados pela pasta da Marinha era a deserção de marinheiros.
De 1836 a 1884, foram detectados 6568 crimes de deserção no Corpo de Imperiais Marinheiros. Desse total, 3039 apresentaram-se ou foram capturados pela Marinha e força policial, sendo julgados pelos Conselhos de Guerra. Os outros 3529 continuaram desertores, sendo que boa parte, nestes 48 anos, nunca mais deva ter retornado para a Marinha de Guerra 212.
O historiador naval Brian Vale observou que, após o término das lutas pela
independência na Bahia, os marinheiros desertavam aos montes e que, pelo menos, cem deles
eram dados como desaparecidos. Para muitos estudiosos, estas deserções estavam ligadas a
uma deteriorização do moral na esquadra, como resultado das hostilidades abertas que já
tinham começado entre Cochrane e as autoridades brasileiras sobre o pagamento e prêmios
por presas de combate213 .
Na coleção das decisões do governo do Império, de 5 de março de 1823, o Imperador
mandou dar publicidade ao alvará de 6 de setembro de 1765, que estabelecia as penas, com
que se deviam ser punidos os desertores, e os que lhes derem asilo. Também mandou
conceder a todo aquele que entregasse preso um desertor a qualquer autoridade constituída
militar ou civil, um prêmio na quantia de oito mil réis. No decreto de 15 de junho de 1824, o
Imperador concedeu perdão a todos os desertores, que se achavam cumprindo sentenças,
qualquer que fosse o número, qualidade e circunstâncias das deserções, a fim de que
entrassem novamente no serviço da Pátria e pudessem reparar os erros que cometeram.
Em decreto de 30 de janeiro de 1826, o governo imperial concede perdão aos
desertores das tropas da guarnição da província da Bahia. Dando o prazo de quatro meses, a
partir daquela data, para que os residentes na província da Bahia se apresentassem aos seus
referidos Corpos; o prazo de seis meses aos que estivessem no Império; e o de oito meses aos
que estivessem fora dele. Parece que, os decretos de 15/06/1824 e o de 30/01/1826, em que o
211 MOURA, Denise. Op. Cit, p.46. 212 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do convés ao porto: A experiência dos marinheiros e a Revolta de 1910. Op. Cit, p.62. 213 VALE, Brian. “ Marinheiros ingleses na Marinha do Brasil (1822-1850)”. In: Revista Marítima brasileira. V.119, n.4/6. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação geral da Marinha, 1999, p.114.
governo concede perdão ao crime de deserção estavam ligados à demanda da Guerra da
Independência na qual requeria uma quantidade maior de marinheiros e soldados tanto para o
Exército como para a Marinha.
A historiadora Shirley Maria Silva Nogueira, analisando sobre os desertores no Grão-
Pará setecentista, considerou que as deserções estavam relacionadas ao recrutamento forçado,
uma vez que soldados e marinheiros ingressavam nas fileiras do Exército e da Marinha sem
vontade própria. Segundo Nogueira, a razão mais comum para a fuga de soldados parece ter
sido o desejo de retornarem a seus afazeres regulares e ao convívio com seus familiares214.
Os baixos soldos impulsionavam os soldados a pedirem baixa ou licença para manterem
economicamente seus familiares. Mas como muitos soldados não recebiam baixa, desertavam
com o objetivo de dar continuidade aos afazeres cotidianos que lhes possibilitavam seu
sustento e de seus familiares215.
Os desertores que consideravam perigosos a sua volta para casa, passavam a viver em
quilombos, juntamente com índios, negros e outros fugitivos coloniais. Nogueira ressaltou
sobre a existência de uma identidade comum entre esses indivíduos, que fôra criada por meio
de suas experiências históricas adquiridas pela situação de fugitivos na ordem colonial
escravista216. Os quilombos eram mais uma estratégia para aqueles que queriam escapar do
recrutamento, neles a comunidade de homens fugitivos tentavam controlar o curso de suas
vidas, aparentemente interrompido pelas autoridades metropolitanas217.
Segundo Nogueira, nos quilombos os desertores viviam por suas próprias leis. Neles,
os desertores podiam plantar, caçar, viver com seus familiares e cometer roubos para
complementar a produção de suas roças. Alguns donos de terras também davam proteção aos
desertores, escondendo-os em seus sítios, aqui, executavam seus antigos trabalhos e
sustentavam a si e a seus familiares, mesmo aqueles que não estavam perto deles. Assim,
Nogueira observa: desta forma, os desertores criaram uma vida autônoma dentro da ordem
estabelecida218.
Outra forma de resistência foi o suborno, onde os possíveis recrutados pagavam a seus
recrutadores para escaparem do recrutamento. Juvenal Greenhalgh escreveu que, em 21 de
outubro de 1825, o inspetor do Arsenal, Francisco Antônio da Silva Pacheco, informou ao
ministro da Marinha, Visconde de Paranaguá, sobre o suborno ocorrido a bordo da Galera 214 NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. Esses miseráveis delinqüentes: desertores do Grão-Pará setecentista. In: Nova história militar brasileira. CASTRO, Celso (org.). Rio de Janeiro: FGV, 2004, p.89. 215 NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. Op. Cit, p.98. 216 Idem, p.104. 217 Idem, p.106. 218 Ibidem, p.107.
Nacional, Dom Domingos, onde um marinheiro pagou a quantia de 3 mil e 400 réis ao
sargento Feliciano José da Costa para não ser recrutado. O documento a seguir revela esta
situação:
Ill.mo e Ex.mo S.or Constando nesta inspeção ter havido vício no recrutamento de marinhagem feito segundo as ordens a bordo da Galera Nacional “Dom Domingos”, quando ultimamente estava neste Porto, por isso que o sargento mandado a esta diligência, Feliciano José da Costa, acompanhado de dois soldados, trocou no ato daquele recrutamento, honra e brio, por 3400r. com que o sobornou hum dos marinheiros para deixar de o recrutar [...]219.
Para escapar do recrutamento, os marinheiros das embarcações mercantes fugiam,
desembarcando fora da barra para não serem pegos nas levas. Para conter estas fugas, o aviso
de 24 de janeiro de 1826 estabeleceu que, o intendente geral da polícia devia tomar as
providências para que aqueles indivíduos fossem apreendidos e remetidos ao Arsenal da
Marinha220. Os fugitivos dos navios mercantes eram vistos como desertores aos olhos das
autoridades navais, e identificados pelo nome do navio de que eram tripulantes e pela sua
naturalidade, idade, estatura, rosto e soldo que recebiam.
Muitos marinheiros brasileiros se refugiavam nos navios mercantes portugueses. Esta
questão é vista em 1838, quando o inspetor Antônio Joaquim do Couto pede autorização ao
ministro da Marinha Rodrigues Torres para visitar os navios portugueses e recrutar os
marinheiros brasileiros que se escondiam nestes navios. Segundo o inspetor, os navios
cobertos pela bandeira portuguesa estavam a ocultar marinheiros brasileiros. Do lado
português, o Consulado reclamou ao governo brasileiro, em 1839, sobre a persistência em
recrutar marinheiros portugueses. Do lado do Brasil, o inspetor alegou que sempre que houver
recrutamento, absolutamente impossível será evitar-se a prisão de portugueses, visto terem
eles a mesma fisionomia, e falarem a mesma língua, que os nacionais 221.
Observou-se, no item anterior que, a população possuía grande receio em prestar
serviço militar na Marinha, em decorrência do distanciamento familiar, dos baixos soldos, do
trabalho penoso e repleto de perigos em alto mar, do medo de sofrer violência sexual, entre
outros. Assim, para ficar longe deste espaço ameaçador, apresentado pela Marinha, os
homens pobres e livres acabavam construindo inúmeras estratégias de resistência para
sobreviverem à constante ameaça do recrutamento forçado. Mas, aqueles que não conseguiam
219 APUD- GREENHALGH, Juvenal. Op. Cit, p.188. 220 GREENHALGH, Juvenal. Op. Cit, p.136. 221 APUD- GREENHALGH, Juvenal. Idem, p.191.
ludibriar as determinações formais e, acabavam caindo nas garras dos agentes recrutadores,
tinham que reelaborar novas formas de sobrevivência dentro dos navios: construindo laços de
solidariedade entre a intensa e fervilhante diversidade humana reunida nos postos mais
baixos da hierarquia militar, reconhecendo os costumes e valores aceitos e vigentes entre os
homens, e descobrindo as brechas e formas de se proteger dos perigos e adversidades
impostas pelo quotidiano das embarcações e quartéis. Nascimento acrescenta: As únicas
saídas eram conviver no serviço tentando tirar algum proveito dele- ascendendo na carreira,
conhecendo outros lugares- ou desertar quando não mais suportasse aquela rotina- sabendo
que isto era um crime punido com prisão por um ano.
Dentro dos navios, pode-se supor que, a alta incidência de atos de indisciplina,
deserções, alcoolismo, jogos, entre outros, foram formas de resistência praticada por
marinheiros e soldados para demonstrarem suas insatisfações diante de uma estrutura militar
que postulava as desigualdades sociais e raciais, a exclusão, as arbitrariedades oriundas do
recrutamento forçado e a aplicação de códigos disciplinares fundados nos castigos físicos.
Para finalizar recorrer-se-á à memória oral. No Nordeste, várias canções, denominadas
cocos de jangadeiros ou emboladas, tem como tema o recrutamento forçado. Essas canções
expressam visões e narram histórias e circunstâncias ligadas àquela prática levada
sistematicamente a efeito contra marinheiros e pescadores pela Marinha de Guerra222. A
tradição oral mantém viva na memória acontecimentos ligados à vida do mar, envolvendo
canoeiros, marinheiros e jangadeiros do litoral nordestino. Agora, enfim, é hora de encerrar.
Para fazer o desfecho deste trabalho utilizou-se uma destas canções populares da Paraíba,
chamada Canoeiro, recolhida durante a década de 1920, por Mário de Andrade, assim são os
versos:
Olêlê, caro cumpad' Durante nossa viagem Nóis sintimo até friage Pru dentro do curação, Ai olêlê, puis nós viemo, Oh, meu Deus, que sorte ingrata, Jugado feito batata No fundo dum batelão
Olêlê, sargento Idalio, Para seu divertimento, Arranjo desligamento Pra mantêga deserta
222 SILVA, Luiz Geraldo. Op. Cit, p.225.
Olêlê, por isso mesmo O povo cunstrangido No dumingo o pão cumido Tem que sêco mastiga Olêlê, pur te arranjado Esse ta desligamento Sem te o cunsentimento Do seu tenente Nué, Ai olêlê, foi que o Açúca Certamente indignado Deserto desbandêrado Lá do rancho do café”223.
223 APUD- SILVA, Luiz Geraldo. Idem, p.225.
Considerações finais
O recrutamento entre dois mundos
No primeiro capítulo, notou-se alguns problemas inerentes à produção historiográfica
naval e os poucos trabalhos de historiadores acadêmicos sobre história militar. A pouca
produção acadêmica acabou por deixar nas mãos de historiadores navais a tarefa de escrever
sobre o passado da Marinha. Esta narrativa militar é carregada de problemas, uma vez que a
abordagem apóia-se numa valorização excessiva da instituição naval. Outro elemento
apontado por Fonseca e Castro diz respeito à ênfase dada pela produção historiográfica naval
a alguns personagens militares, como: Osório, Caxias e Cochrane. Desta forma, a ênfase em
torno de alguns “ícones militares” acabaram por deixar no esquecimento outros personagens,
como marinheiros, grumetes e soldados que também participaram do passado da instituição,
mas, que em decorrência de um tipo de abordagem saudosista e patriótica acabaram sendo
esquecidos pela memória histórica militar.
Observou-se ao longo do trabalho que, as particularidades do processo histórico de
formação do Estado Imperial e das Forças Armadas no Brasil, (aqui, tentou-se estudar
especialmente a Marinha de Guerra), moldaram um tipo de recrutamento, onde fundiram-se
elementos da antiga estrutura colonial com elementos que representavam as novas
expectativas em torno do Estado centralizado.
Do mundo colonial, herdamos a cultura, a política, os laços de sociabilidade da grande
família patriarcal. É a partir dela que se orientará as relações políticas, econômicas e sociais
do Estado Imperial que, fundadas em laços afetivos, acabam por criar um tipo de organização
política avessa aos ideais do Estado burocratizado.
No Brasil, o quadro familiar patriarcal se estenderá mesmo fora do recinto doméstico.
Os homens que tem por função gerenciar os negócios públicos os gerenciam como se fossem
negócios privados. Neste ambiente, onde o interesse privado se sobrepõe ao interesse público,
a figura paternalista dos notáveis locais é fundamental para a proteção de seus criados e
dependentes, pois, é a partir desta relação de patronato que se organizará o funcionamento do
corpo político. Deste mundo, herdamos um tipo de recrutamento baseado nas relações
patrono-cliente, onde prevaleciam a economia das regras não escritas.
Em paralelo ao mundo das regras não escritas, herdadas da sociedade colonial, havia o
mundo das ordens institucionais, oriundas do advento do Estado Imperial. No que tange ao
recrutamento forçado, a ordem institucional - expressa pelas instruções de 1822 e pela
constituição de 1824 - nem sempre conseguia obter resultados satisfatórios, aliás, do
amálgama desses dois mundos, o que se observou, na documentação e historiografia
analisada, é que havia uma preeminência das ordens não escritas sobre as determinações
legais. Estas se esbarravam nas formas indiretas de governo que impediam a realização de um
recrutamento eficiente do ponto de vista do Estado.
Como escreveu Caio Prado Júnior, naturalmente o que antes de mais nada, e acima de
tudo, caracteriza a sociedade brasileira de princípios do século XIX, é a escravidão224. A
sociedade escravista permeou a realização do recrutamento, dando-lhe impulsos e limites,
impôs resistência à extensão dos poderes do Estado e à formação das Forças Armadas
Nacionais. Segundo Wilma Peres Costa, a escravidão deu impulsos centrípetos e centrífugos
ao processo de monopolização da violência legítima pelo Estado.
Os senhores de terras e escravos, ao mesmo tempo em que, apoiaram a formação do
Estado no intuito de que este preservasse a antiga estrutura social e econômica, trataram de se
aliar às oligarquias regionais em uma resistência aos impulsos extrativos do Estado. A ordem
escravista não só estreitou a base de recrutamento, dado que o escravo, não é recrutável, mas
também, exigiu para seu funcionamento a manutenção de pequenos exércitos privados, sendo
controlados diretamente pelos senhores. Isto significa que, a ordem escravista drenou para o
serviço privado da manutenção da ordem interna das fazendas boa parte da população
trabalhadora livre que poderia ser recrutada.
Observou-se também que, enquanto a Constituição de 1824 e as instruções de 1822
não mencionavam o braço escravo para o serviço militar - uma vez que ele pertencia à
camada de homens que estavam empregados nas atividades economicamente produtivas da
sociedade e, também pertenciam à proprietários que não queriam se dispor do direito de
propriedade- notou-se que, embora constituísse uma exceção, havia escravos que se alistavam
na Marinha escondidos de seus senhores, a fim de que com a prestação de serviço militar
alcançassem a liberdade. A idéia de liberdade desses escravos, segundo Sabina Ribeiro,
poderia estar vinculada à idéia de pertencimento à nação, pois, viam na independência política
uma possibilidade de participação no novo Estado que se construía. Foi observado que a
Marinha recebeu três tipos de escravos: os em correção, os fugitivos e os da nação. Assim, foi
possível compreender que as determinações legais e os acontecimentos na ordem da prática
224 PRADO JÚNIOR, Caio. A formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. Op. Cit, p.277.
cotidiana, impuseram certas atitudes que se moldaram melhor às relações entre Estado,
proprietários de terras e escravos, e homens pobres livres.
A formação da Marinha de Guerra seguiu os propósitos da elite Imperial de preservar
a unidade nacional e integridade territorial. A disposição topográfica do país, e a difícil
comunicação pelas linhas terrestres, foram algumas, das justificativas para a formação da
Marinha, que tinha a função, dentre outras, de proteger o comércio e zelar pela ordem,
abafando as revoltas internas e repelindo os ataques externos. Através dos relatórios dos
ministros da Marinha foi possível observar o quão diminuta era a nossa Marinha na época da
independência: estaleiros em ruínas, corte inadequado das árvores, navios deteriorizados,
pagamento atrasado dos soldos, as embarcações desarmadas não eram cobertas de madeira e
se deterioravam com o clima, etc. Herdamos da Marinha portuguesa sua estrutura
administrativa e sua ordenação disciplinar (o Regimento Provisional e os Artigos de Guerra).
Como Prado Maia notou, as repartições da Marinha brasileira constituíam verdadeiro
desdobramento das já existentes em Portugal.
Do ponto de vista da sociedade Imperial, o serviço militar na Marinha era um castigo,
pois, para lá eram enviados vadios, criminosos, ladrões, enfim, os desclassificados sociais.
Tais indivíduos, que viviam à margem da sociedade escravista, sem nenhuma ocupação fixa,
eram aproveitados pelo Estado, servindo como uma espécie de reserva de mão-de-obra
escrava. Nesse sentido, a Marinha foi caracterizada como um lugar de exercício correcional
contra a vadiagem e o crime. Pois, os homens considerados vadios, servindo de mão-de-obra
por um custo baixo ao Estado, transformavam-se em utilidade. Desta forma, o recrutamento
forçado recaindo sobre os excluídos sociais, consolidou a idéia de que o serviço militar na
Marinha era uma punição aos vagabundos, sendo assim, não era um lugar de pessoas
honradas, cidadãs, proprietárias e trabalhadoras.
A Marinha de Guerra, fundada no recrutamento forçado, nos castigos físicos, na
exclusão e distinção social, não trazia nenhuma expectativa de futuro para o recrutado. O
trabalho pesado de bordo, o isolamento em relação ao ambiente terrestre, o afastamento
familiar, a inexistência de asilos para socorrer o marinheiro em sua velhice, a péssima
alimentação, as doenças, entre outros, foram elementos que favoreceram o repúdio da
população ao serviço militar.
Dentro dos navios haviam homens vindos dos quatro cantos do país, de todas as cores,
de valores e costumes dos mais variados. Nascimento observou a presença, nestes espaços, de
uma diversidade humana tal que poderia gerar laços de solidariedade, indiferença e
rivalidade. O universo marítimo impunha aos indivíduos embarcados um confronto diário
contra a exploração dos oficiais, que fundados na lógica do tribunal do convés, fugiam das
prescrições legais, ficando a seu livre arbítrio a quantidade de castigos a ser aplicada ao
infrator; geralmente o que prevalecia era a constituição física e a resistência do faltoso.
Neste ambiente, marcado por todos esses sofrimentos, restava ao marinheiro aceitar
estas condições - servindo por anos a fio a carreira militar - ou desertar. A deserção, segundo
Nascimento, foi um dos maiores problemas enfrentados pelo Estado Imperial para a
organização das Forças Armadas. O governo Imperial através de avisos, decretos e portarias
estabeleceu, em alguns momentos, punições e, em outros, perdões aos desertores. Parece que
as punições eram estabelecidas em momentos de baixa demanda por praças pelo serviço
militar, enquanto que, o perdão ao crime de deserção era concedido em momentos que o
Estado Imperial enfrentava conflitos internos e externos, resultando numa maior demanda por
homens pelas forças armadas.
Para o desertor cabia reconstruir uma nova vida, reelaborando formas de sobrevivência
dentro da ordem estabelecida, buscando proteção dos moradores locais e dos fazendeiros, e
fazendo roubos para completar a produção de suas roças. Vivendo em quilombos ou
mocambos, junto com outros excluídos sociais- como: os índios e os escravos fugidos-
acabavam construindo uma identidade comum entre eles, oriunda das suas experiências
históricas adquiridas pela situação de fugitivos na ordem colonial escravista. Do ponto de
vista da historiadora Laura de Mello e Souza, havia uma camada social de indivíduos que
conviviam estreitamente na sociedade mineira do século XVIII, composta por homens livres
pobres, escravos, artesões modestos, roceiros pobres e mineradores miseráveis. Tais
indivíduos possuíam muitas características comuns entre eles como:
a cor da pele- negra, parda, vermelha, acobreada; branca as vezes- , o nascimento bastardo, a insegurança do quotidiano, o pânico permanente ante a justiça atente e rígida , a itinerancia, os concubinatos, as infrações que cometiam e acabavam por igualá-los e colocá-los como opositores do Poder e da Ordem Constituída225.
No entanto, tais características comuns entre eles, criavam solidariedades temporárias,
mas, muitos fatores agiam em sentido contrário, desmantelando as solidariedades e
dissolvendo a consciência de grupo226 . Tais como: o desclassificado social partia no encalço
de outro desclassificado, o vadio recrutado a força delatava os homens que estavam
225 SOUZA, Laura de Mello e. Op. Cit, p.212. 226 Idem, p.212.
refugiados nos quilombolas, o homem pobre denunciava o seu igual à polícia local, tudo isso
demonstrava a fluidez desta camada social e impossibilitava uma tomada de consciência por
parte desta camada social.
Para escapar aos imprevistos do recrutamento forçado, o homem pobre livre- que não
conseguia proteção de um notável local, através da inserção nas relações patrono-cliente –
teve que aprender a viver em mobilidade dentro do território, ajustando-se a um tempo de
trabalho fluído e descontínuo que lhe rendeu a imagem de que não trabalhava ou se recusava a
trabalhar. Pode-se imaginar o quanto era difícil para esses homens viverem improvisando e
inventando arranjos para a viabilização da vida. Mas também, o quanto era difícil para seus
familiares verem seus entes queridos submetidos a esta situação, pois um recrutado era
considerado um ente morto para a sua família, dada as circunstâncias perigosas do serviço na
Marrinha de Guerra e em decorrência disso, as poucas chances de voltar para casa.
Em relação às permanências e mudanças em torno do recrutamento, observou-se que,
durante o século XIX muitos projetos entraram em discussão na Assembléia Legislativa, mas
nenhum capaz de abolir o recrutamento. Em 1874, estabelece a lei do sorteio militar que,
segundo José Murilo de Carvalho, redundou num completo fracasso, pois, o recrutamento
ainda continuou recaindo sobre homens pobres livres que não se inseriam na rede de patrono-
cliente. Talvez, a Revolta de 1910 tenha sido um momento importante no processo histórico
de mudanças em torno do recrutamento forçado e do sistema militar baseado num regime de
suplícios. Nesse momento, Arias Neto ressaltou que, a atmosfera de direitos, difundida pela
República, atingiu os marinheiros que começaram a ter consciência de seus direitos;
reivindicando-se sujeitos de direitos, pediram melhores condições de trabalho e maior
participação na Armada.
Em suma: tentou-se apontar, neste estudo, a existência de dois mundos no qual regiam
o recrutamento forçado. Em algumas vezes, talvez na maioria, o mundo das regras não
escritas se sobrepunha ao mundo das determinações legais, no entanto, o mundo das normas
legais era enfatizado em momentos em que proprietários de terras e escravos sentiam
ameaçado o direito de propriedade, postulado pelo liberalismo moderno e garantido pela
Constituição de 1824. Nesses momentos, tais proprietários se apoiavam nas normas legais,
alegando que o recrutamento forçado deveria ser realizado sem atingir as atividades
produtivas da sociedade. Observou-se então que, estes dois mundos, de índole completamente
opostas, podendo até ser caracterizados como dois extremos, coexistiam sem embaraços na
sociedade imperial do início do século XIX, tendo em vista que, aplicava-se aos homens
pobres e livres, essencialmente, a lei; aos proprietários, seus escravos e clientes as normas não
escritas.
No Império, a camada social sujeita à violência do recrutamento forçado se
constituíam de homens brancos, pretos, pobres e livres. Para encerrar esta pesquisa, buscou-se
nos versos do cantor baiano, Caetano Veloso, alguns elementos da contemporaneidade que se
assemelham a algumas práticas da sociedade imperial. Tais costumes se baseiam no emprego
da violência em homens pretos e brancos pobres. Os versos do cantor expressam atos de
extrema violência do Estado Republicano contra homens pretos e brancos pobres que o faz
associar a realidade do Brasil ao Haiti. Assim são os versos:
Quando você for convidado pra subir no adro Da fundação casa de Jorge Amado Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos Dando porrada na nuca de malandros pretos De ladrões mulatos e outros quase brancos Tratados como pretos Só pra mostrar aos outros quase pretos (E são quase todos pretos) E aos quase brancos pobres como pretos Como é que pretos, pobres e mulatos E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados [...]
Pense no Haiti, reze pelo Haiti O Haiti é aqui O Haiti não é aqui [...]
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo Diante da chacina 111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos [...]
Pense no Haiti, reze pelo Haiti O Haiti é aqui O Haiti não é aqui227.
Estes versos nos remetem ao pensamento de Marc Bloch que aponta ao historiador a
importância de não separar o estudo do passado com o presente, uma vez que estas duas
categorias de tempo devem estar em constante vaivém no trabalho historiográfico. Pois,
segundo Marc Bloch, o historiador deve compreender o passado a partir do presente e
compreender o presente à luz do passado. Nesse sentido, os versos de Caetano Veloso 227 Composição de GIL, Gilberto e VELOSO, Caetano. Música: Haiti.
mostram alguns aspectos do presente que nos remetem ao passado imperial, apontando para
permanências no processo histórico.
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b) Coleção das leis do Império do Brasil (1822-1840)
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d) Microfilmes do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro acerca da Marinha
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