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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL CAMPUS MARIA AUXILIADORA Mara Regina Pedrozo de Lima A OBRA E O CONJUNTO BIOGRÁFICO DO PROF. DR. MANOEL ISAÚ: um olhar voltado às práticas fundamentadas no valor amorevolezza, numa perspectiva sociocomunitária Americana 2017

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA

Mara Regina Pedrozo de Lima

A OBRA E O CONJUNTO BIOGRÁFICO DO PROF. DR. MANOEL ISAÚ:

um olhar voltado às práticas fundamentadas no valor amorevolezza, numa

perspectiva sociocomunitária

Americana

2017

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Mara Regina Pedrozo de Lima

A OBRA E O CONJUNTO BIOGRÁFICO DO PROF. DR. MANOEL ISAÚ:

um olhar voltado às práticas fundamentadas no valor amorevolezza, numa

perspectiva sociocomunitária

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário

Salesiano de São Paulo, como parte dos requisitos

para a obtenção do título de Mestre em Educação –

Área de Concentração: Educação Sociocomunitária.

Americana

2017

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L696o

Lima, Mara Regina Pedrozo de

A obra e o conjunto biográfico do Prof. Dr. Manoel Isaú: um olhar

voltado às práticas fundamentadas no valor Amorevolezza, numa

perspectiva sociocomunitária / Mara Regina Pedrozo de Lima. –

Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2017.

174 f.

Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – Centro Universitário

Salesiano de São Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Evangelista.

Inclui Bibliografia.

1. Educação sociocomunitária. 2. Manoel Isaú. 3. Educação Salesiana.

I. Título. II. Autor.

CDD – 370.115

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MARA REGINA PEDROZO DE LIMA

A OBRA E O CONJUNTO BIOGRÁFICO DO PROF. DR. MANOEL ISAÚ: um olhar voltado às práticas fundamentadas no valor amorevolezza, numa perspectiva

sociocomunitária

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário

Salesiano de São Paulo, como parte dos requisitos

para a obtenção do título de Mestre em Educação –

Área de Concentração: Educação Sociocomunitária.

Linha de Pesquisa:

Análise histórica da práxis educativa nas

experiências sociocomunitárias e institucionais.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Evangelista

Dissertação defendida e aprovada em 19 de junho de 2017, pela comissão julgadora:

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A Luca Pedrozo de Lima, que nos seus papéis de filho e oficial

aviador da Força Aérea Brasileira, me fornece a cada encontro,

mais e mais “bizus”1 de como enfrentar as adversidades da vida.

Ao Sensei Anderson, meu companheiro há... (ele sempre

esquece há quantos anos!) por compartilhar comigo essa incrível

experiência de se tornar “Mestre”,

Aos meus pais José (in memoriam) e Eliza, por me mostrarem,

respectivamente, a importância da alegria e da disciplina.

1 Palavra comumente utilizada entre os militares e que significa “dica”.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Francisco Evangelista, orientador deste trabalho que, ao praticar a “alegria

salesiana”, orientou-me em qual posição deveria estar o seu nome na lista dos

agradecimentos... E eu, orientanda obediente, procuro aqui, superar as suas expectativas! Agradeço por sua salesianidade, que me conquistou.

A Manoel Isaú Souza Ponciano dos Santos (in memorian), personagem inspirador deste

trabalho e que fez do nosso "encontro" uma possibilidade de aprendizado inesquecível.

Aos Professores Doutores Guilherme do Val Toledo Prado e Renato Kraide Soffner, pelo

olhar cuidadoso e pelas contribuições valiosas a este trabalho.

Ao Padre Edson Donizetti Castilho, por sua acolhida tão repleta de amorevolezza.

À Maria Amélia dos Santos e à Maria do Carmo dos Santos Natarangeli, irmãs de Manoel

Isaú, que tão gentilmente me receberam e compartilharam comigo as lembranças desse

“mano” tão especial.

À Profa. Dra. Maria Luísa Bissoto, por identificar nas minhas inquietações, uma possibilidade

de pesquisa e por todo apoio durante esta jornada.

Ao Prof. Dr. Luís Antonio Groppo, por compartilhar comigo suas crônicas que, além de

apresentarem o Padre Doutor, ensinam como cultivar uma amizade.

Ao Prof. Dr. Paulo de Tarso Gomes, pela sua prontidão e pelas respostas tão enriquecedoras.

Ao Prof. Dr. Severino Antonio que, mesmo não estando presente fisicamente na banca

examinadora deste trabalho, estará sempre presente em meu coração e em minha memória,

como exemplo de sensibilidade e de sabedoria.

À Profa. Dra. Sueli Maria Pessagno Caro, por sua abertura e gentileza.

À Heloisa Modolo, por praticar comigo um dos ensinamentos de Carl G. Jung, quanto à

importância do encontro das “almas humanas”.

Aos professores, com os quais compartilhei discussões tão enriquecedoras durante as aulas e

que me ajudaram a identificar naquele ambiente, os valores salesianos de Dom Bosco.

Aos colegas Anamélia Freire, Ana Paula Leone, Anderson Bizarria, Bianca Scalon,

Claudemar Trevizam, Danielas Jeronymo e Suniga, Elisete Viana, Erica Bellon, Flávio

Marcos, Helaine Cia, Karol Rossini, Leila Fernandes, Leonardo Zarpellon, Lídia Bizo, Luiz

Frezzarin, Renan Teixeira, Robert Nascimento, Sérgio Giacomassi, Vagner Ferreira,

Wellington Aires e outros, que mesmo fugindo da minha memória neste momento, estão em

meu coração, por tornarem esta jornada tão especial.

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À querida Vaníria Felipe, por todo apoio durante esta jornada tão significativa.

Aos queridos amigos Prof. Dr. Alexandre Janota Drigo e à Profa. Dra. Juliana Cesana, pelo

apoio incondicional.

Aos “narradores” que fizeram parte deste trabalho e que me confiaram suas histórias e suas

vivências com Manoel Isaú.

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Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais:

somos também o que lembramos e aquilo que nós

esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos

que cometemos, os impulsos a que cedemos 'sem querer'.

Sigmund Freud

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RESUMO

O presente estudo nasce de uma inquietação e, ao mesmo tempo, de uma crença... Uma

inquietação quanto às diferenças que um educador pode fazer na vida daqueles que com ele

convivem. Uma crença de que as pessoas, com suas particularidades e diferenças, podem

impactar positivamente outras e estimulá-las a fazer o mesmo em suas comunidades. Essa

inquietação aliada a essa crença, encontra na pesquisa biográfica, referencial metodológico

deste trabalho, possibilidades de revisitar essas particularidades e oportunizar reflexões e

aprendizados. O meu Memorial de Formação, que integra este estudo, traz histórias vividas

que consideram esse olhar para as diferenças, além de representar um ponto de partida para

este trabalho. O encontro com o personagem principal, Manoel Isaú Souza Ponciano dos

Santos, também acontece num cenário que destaca as suas particularidades, como

pesquisador, educador e sacerdote. Mas, quais seriam essas particularidades? Como

impactaram as pessoas que com ele conviveram nas várias atividades que realizou? E como

transformar essas experiências em novas oportunidades de aprendizado? A busca por essas

respostas tem início com a apresentação do referencial metodológico que, a partir das

concepções de autores como Bertaux e Delory-Momberger, dentre outros, identifica na

condição biográfica, possibilidades de apreensão dos significados das práticas e das obras de

Manoel Isaú. Os relatos obtidos com pessoas de sua convivência familiar, acadêmica e

religiosa através das entrevistas narrativas, e também, a interpretação de alguns documentos

pessoais são os instrumentos utilizados neste estudo a partir de uma abordagem biográfica. A

educação salesiana e os valores que a norteiam em especial, a amorevolezza, auxiliam na

percepção do contexto em que viveu o personagem e tiveram como referencial teórico, além

dos livros de autoria do próprio Manoel Isaú, autores como Braido, Scaramussa, Lenti,

Auffray, dentre outros, que se dedicaram a estudar as práticas e o estilo pessoal de Dom

Bosco. O estudo também referencia a educação sociocomunitária, considerada por Manoel

Isaú, como a iluminação da educação salesiana na atualidade e definida como área de

concentração do Mestrado em Educação do UNISAL. As contribuições de Manoel Isaú como

pesquisador e educador no reconhecimento de um campo de pesquisa em educação

sociocomunitária, também compõe o foco deste estudo. As suas práticas, observadas a partir

dos relatos de algumas pessoas que com ele conviveram, demonstram atos de amorevolezza;

atos estes considerados essenciais para intervenções no campo da educação sociocomunitária.

Palavras-chave: Manoel Isaú. Educação Salesiana. Educação Sociocomunitária. Pesquisa

Biográfica.

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ABSTRACT

The present study arises from a moment of concern and, at the same time, from a popular

belief ... It’s about a discomfort with respect to differences that an educator can make in the

lives of those who live with him. A belief that people, with their particularities and

differences, can positively impact others and encourage them to do the same in their

communities. This concern, combined with this belief, finds in Biographical research,

methodological frame of this work, possibilities to revisit these particularities and enhance

reflections and learnings. My Memorial of training, which is part of this study, brings stories

lived that consider this look at the differences, as well as represent a starting point for this

work. The encounter with the main character, Manoel Isaú Souza Ponciano dos Santos, also

happens in a scenario that highlights their particularities, as a researcher, educator and cleric.

But what are these peculiarities? How overwhelming was it for the people who lived with him

in the various activities held? Also, how to turn these experiences into new learning

opportunities? The search for these answers begins with the presentation of the

methodological referential, reminded from the conceptions of authors like Bertaux and

Delory-Momberger, among others, identifies provided biographical possibilities of seizure of

the meanings and practices of Manoel Isaú. The reports obtained with people of his family,

academic and religious coexistence through the interviews, narratives and also, the

interpretation of some personal documents are the instruments used in this study from a

biographical approach. The Salesian education and the values that guide it, in particular the

amorevolezza, aid in the perception of the context in which the character lived and had as

theoretical background, besides the books authored by Manoel Isaú himself, authors such as

Baron, Scaramussa, Lenti, Auffray, among others, who dedicated themselves to study the

practices and the personal style of Don Bosco. The study also references the socio-

communitarian education, considered by Manoel Isaú, as the illumination of the Salesian

education at present and set to the area of concentration of the master's degree in education

from UNISAL. Manoel Isaú's contributions as a researcher and educator in the recognition of

a field of research in the socio-communitarian education, also forms the focus of this study.

His practices, observed from the accounts of some people who lived with him, demonstrate

acts of amorevolezza which were considered essential to interventions in the field of socio-

communitarian education.

Keywords: Manoel Isaú. Salesian Education. Socio-communitarian Education. Biographical

Research.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Fases da Vida............................................................................................ 50

Figura 2 Páginas do livro “Os sete saberes necessários à educação do futuro”..... 53

Figura 3 Documento: Agenda - páginas do dia 23 e 24/02/2007........................... 54

Figura 4 Filho mais velho de Família de Dez Irmãos............................................. 93

Figura 5 Um dos “bilhetinhos” preparados por Manoel Isaú................................. 97

Figura 6 “Bilhetinho” entregue por Manoel Isaú.................................................... 97

Figura 7 Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe......................................... 102

Figura 8 Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe......................................... 103

Figura 9 Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe......................................... 103

Figura 10 Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe......................................... 104

Figura 11 Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe......................................... 104

Figura 12 Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe..................................... 105

Figura 13 Cartão entregue a Manoel Isaú pela Mãe................................................. 106

Figura 14 “Ordinandos 1959” .................................................................................. 107

Figura 15 Mudança de Casa...................................................................................... 112

Figura 16 Escola Agrícola São José......................................................................... 113

Figura 17 Oratório Festivo “Dom Bosco” de Recife................................................ 114

Figura 18 Em frente a casa nova da Mãe.................................................................. 116

Figura 19 Dentro da casa nova da Mãe..................................................................... 116

Figura 20 Manoel num encontro em família............................................................ 117

Figura 21 O Educador............................................................................................... 119

Figura 22 O Religioso............................................................................................... 120

Figura 23 O Pesquisador........................................................................................... 121

Figura 24 Formação em Pedagogia.......................................................................... 122

Figura 25 Formação em Pedagogia.......................................................................... 123

Figura 26 Lançamento do livro “Lições de Administração Escolar”....................... 125

Figura 27 Lançamento do livro “Lições de Administração Escolar”....................... 126

Figura 28 Lançamento do livro “Luz e Sombras – Internatos no Brasil”................. 127

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

HIPE História da Práxis Educativa Social e Comunitária

HISTEDBR Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil

IAVE International Association for Volunteer Effort

ONG Organização Não Governamental

P. Padre

PPGE Plano de Pós-Graduação em Educação

RH Recursos Humanos

SDB Salesianos de Dom Bosco

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

UNISAL Centro Universitário Salesiano de São Paulo

USP Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO – MEMORIAL DE FORMAÇÃO................................................ 12

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 23

PARTE I – O REFERENCIAL METODOLÓGICO: POR QUE, COMO E COM

QUEM COMPARTILHAR AS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS, OBSERVADAS E

DOCUMENTADAS?.......................................................................................................

29

1.1. A Pesquisa Biográfica: contexto, possibilidades e recursos........................................ 32

1.2. A Educação Sociocomunitária: uma “casa” propícia para acomodar um “Baú de

Histórias”? .........................................................................................................................

44

1.3. Os Documentos: quais histórias eles “narram”?......................................................... 48

PARTE II ̶ A EDUCAÇÃO SALESIANA................................................................... 56

2.1. Histórico...................................................................................................................... 56

2.2. Pensadores................................................................................................................... 62

2.3. Conceitos / Diferenciais.............................................................................................. 68

2.4. Propagação.................................................................................................................. 76

2.5. Razão de Ser ‒ o que justifica abordar e propor a Educação Salesiana...................... 83

2.6. A Educação Salesiana Hoje......................................................................................... 87

PARTE III ̶ O PERSONAGEM: MANOEL ISAÚ SOUZA PONCIANO DOS

SANTOS............................................................................................................................

92

3.1. Quem foi Manoel Isaú?............................................................................................... 92

3.2. Caminhos de Vida e Atuação...................................................................................... 102

3.3. O Perfil do Personagem nos Papéis de Educador e Formador, Religioso e

Pesquisador.........................................................................................................................

118

PARTE IV – A INTERPRETAÇÃO: UM OLHAR SOBRE OS DADOS................. 129

4.1. As Entrevistas Narrativas, seus relatos e os depoimentos escritos.............................. 132

4.2. As Obras do Personagem............................................................................................ 139

CONSIDERAÇÕES FINAIS... OU SERIAM INICIAIS?........................................... 145

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 151

APÊNDICES..................................................................................................................... 156

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APRESENTAÇÃO – MEMORIAL DE FORMAÇÃO

Comecei a pensar no meu Memorial de Formação no dia 02 de setembro de 2015, um

dia que para mim, é especial... É o dia do meu aniversário!

Achei bastante significativo, não apenas ter iniciado nessa data, mas também porque,

escrever a meu respeito é uma ideia que vem povoando a minha mente há algum tempo.

Encontrei tempos atrás em casa, um antigo diário que escrevi durante alguns anos da

minha adolescência e cheguei inclusive, voltar a escrever, mas num arquivo no Word, forma

esta que não me pareceu empolgante.

Numa das visitas a uma livraria, quase comprei um diário, o qual continha indicações

para que você registrasse momentos significativos da sua vida, por exemplo, espetáculos

assistidos, com espaço inclusive para colagem do ingresso. Essa ideia também não me seduziu

a ponto de comprá-lo.

Quando comecei a ter contato com informações sobre o memorial de formação, foi

como se na minha cabeça, aparecesse a seguinte frase: É isso!

Dentre essas informações, a leitura do texto memorial de formação, do autor

Guilherme do Val Toledo Prado, foi revelador e gerador de enorme estímulo! Escrever

sempre foi prazeroso para mim, agora, escrever como forma de contribuir para a formação é

fantástico. Não quero dizer com isso que tenho a pretensão de que os meus escritos revelem

novos conhecimentos aos possíveis leitores, mas não tenho dúvidas do quanto contribuirão

com a minha reflexão e aprendizado.

Questões voltadas ao aprendizado sempre estiveram presentes na minha vida. Lembro-

me de que quando criança, ainda com 06 seis anos, eu pedia à minha mãe para ir à escola, mas

a uma escola de verdade, ou seja, eu não queria ir ao jardim da infância da época, mas sim,

ingressar no 1º ano do curso primário. E assim aconteceu...

Completei 06 anos em setembro e no mês de fevereiro do ano seguinte, eu já estava

matriculada, em caráter excepcional, no 1º ano. Minha irmã, que era Professora na Escola

Estadual Prof. Octávio Soares de Arruda do bairro Nova Americana, em Americana, SP, onde

morávamos e onde moro até hoje, falou com a Diretora e como havia vagas, fui aceita, mesmo

sem ter 7 anos.

Minha Professora, Dona Mercedes, uma senhora de cabelos grisalhos e presos em

forma de um coque, tornou-se quase uma segunda mãe. Chegava a pegar-me no colo nos

horários de intervalo, chamados de recreio, onde lia para mim algumas histórias e em troca,

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recebia meus abraços e beijos. Chegou a me presentear com alguns livros de história, cuja

dedicatória lembro-me com muito carinho: Ao meu pinguinho de gente mais querido, uma

lembrança da Professora Mercedes.

A lembrança de tal momento me faz pensar na diferença que algumas pessoas fazem e

que com essa diferença, ajudam a direcionar o olhar para aspectos da vida que se tornarão tão

significativos.

Digo isso porque, como a Dona Mercedes, outras pessoas na minha vida também

contribuíram para direcionar o meu olhar e quando penso nelas, de forma geral, vejo que essas

pessoas iam além do cumprimento dos seus papéis, ou talvez não, talvez sejam essas pessoas

que cumpriam seus papéis como deveriam... E por quê?

Quais fatores levam alguém a doar-se mais que os outros em prol de uma causa? Quais

fatores geram maior aproximação entre as pessoas?

Outro dia ouvi uma Professora que passei a admirar muito (porque percebo que ela vai

além e doa-se muito) dizer que algumas pessoas despertam o que ela tem de melhor, e outras,

não. Como as nossas ações e omissões afetam os outros, gerando aproximações, afastamentos,

lembranças ou esquecimentos?

Algumas pessoas às vezes me dizem de situações que compartilhamos e que eu não

tenho a menor lembrança. Outras, porém, embora ocorridas há muitos anos, estão tão vivas na

minha mente, a ponto de eu conseguir descrever as cenas com detalhes.

Na verdade, essas são as grandes questões que me levaram ao Mestrado... Mas, lá eu

encontraria as respostas? E eu também poderia falar sobre as experiências que já tive a

respeito? Eu temia que não, pois eu havia aprendido um pouco sobre as “ciências duras” e

parecia-me que havia espaço apenas para os dados objetivos, passíveis de generalizações. Mas

as narrativas já me seduziam...

Lembro-me com total clareza, da Professora que me influenciou a fazer o curso de

Psicologia. Eu fazia o curso Magistério, no Instituto Educacional Presidente Kennedy de

Americana, e a Professora Marilde, lecionava a disciplina Psicologia da Educação. Com a sua

forma de ministrar as aulas, sempre ilustradas com histórias da própria vida, sem omitir

situações que não deram certo, despertou em mim, o encantamento pelo ser humano,

querendo entendê-lo mais e mais.

Esse é um fator que sempre me atraiu a algumas pessoas: o fato de falarem sem medo,

da própria história. Mas, quando digo sem medo, não me refiro à questão da coragem, mas a

uma questão de humildade. Mostrar-se humano, com todas as imperfeições que nos remetem

a essa condição, e utilizá-las como reflexão para o desenvolvimento, representa para mim uma

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característica fascinante e que me atrai. Essa atração tem o sentido real de aproximação, não

necessariamente física, mas de ideias, crenças e propósitos.

E será que essa aproximação entre as pessoas, pode tornar-se um componente

facilitador do processo ensino aprendizagem? No meu caso, com certeza! Desde a Professora

Mercedes, que com suas histórias e sua forma carinhosa de contá-las, instigou-me a querer

saber mais e mais, e passando pela Professora Marilde, que me contou a história da educação

e da psicologia, contextualizando-as na sua história. Acredito que essas citações, por si já

explicam a utilização da pesquisa biográfica no estudo que me propus a fazer. No tempo em

que convivi com as Professoras Mercedes e Marilde eu ainda não sabia sobre a pesquisa

biográfica e sobre as narrativas, mas eu já as sentia como possibilidades de aprendizado.

A aproximação com essas Professoras tão especiais deixaram em mim, marcas do

querer saber, que até hoje, me estimulam a estudar, mas que direcionam o meu olhar também

para o professor que me ensina... Quem é essa pessoa? Como será a nossa relação? Será que

daqui a alguns anos ele (a) também estará presente na minha memória? Que histórias e

aprendizados serão gerados a partir da nossa relação? Eu contarei essas histórias aos meus

netos? E ele (a), falará de mim aos seus?

Da mesma forma que tenho lembranças tão positivas da Dona Mercedes e da

professora Marilde, também existem lembranças que hoje são resgatadas com bom humor,

mas que na ocasião, causaram-me grande tensão. Estou a lembrar de “Mestre Eliseu”. O

título de mestre não se refere ao título acadêmico desse professor, pois sinceramente não me

recordo se ele o possuía, mas sim, de uma denominação que lhe foi dada, por uma amiga

muito próxima desde a época da faculdade e que percebia o incômodo que a relação com ele

me causava.

Foi através do tal mestre Eliseu que eu tive o primeiro contato com a disciplina

Psicologia Dinâmica e com os conceitos iniciais da Psicanálise. Tive imensa dificuldade nessa

disciplina: estudava horas e horas para obter pouca ou nenhuma compreensão dos conceitos,

que deveriam ser resgatados na hora da prova, preferencialmente com alguns dividendos,

como se fosse uma operação bancária.

A dificuldade foi seguindo e eu cada vez mais, com medo do mestre e da sua

disciplina. Como que um psicólogo que se preze não consegue entender de psicanálise e nem

do pai dela, o Sr. Freud? Foi um ano difícil, que terminou com a minha reprovação na

disciplina; consegui tirar a menor nota da minha vida: 3,5, numa prova que valia nota 10.

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Fui então, para uma última chance antes do veredicto de que estaria de dependência

nessa disciplina; havia o tal do exame, que contemplaria o conteúdo do ano todo. Chego a

ficar ofegante só de lembrar, primeiro das lágrimas e depois de todo esforço.

O esforço foi muito bem sucedido, não apenas pela nota obtida na prova (9,5), que não

sei como, transformou-se depois numa nota final 10 para a disciplina, mas pelo aprendizado

que a situação gerou. Na época, minha autoestima melhorou (Ufa! Eu já poderia ser uma

psicóloga como as outras... eu sabia alguma coisa de psicanálise e do pai dela...) e eu percebi

que as lágrimas são importantes, principalmente, se ajudarem a compor a argamassa de uma

nova construção.

Essas lágrimas foram acolhidas, não pelo mestre Eliseu, que nem imaginava que elas

existissem, mas por alguns amigos da faculdade, que até hoje, as amparam e pelo meu

namorado na época (que me aguenta até hoje!) e que foi comigo ao exame.

Sobre meus amigos da faculdade, quero ressaltar uma em especial, que com sua

sabedoria e sensibilidade me ensinou tanto e me ensina até hoje. Essa amiga/irmã utilizava do

seu bom humor contagiante para ampliar meu olhar sobre aquela situação e inclusive foi ela, a

autora da denominação de mestre para o tal Eliseu. Foi num 2 de setembro que ela me deu,

dentre as opções de escolha para o meu presente de aniversário, uma foto autografada dele!

Até hoje, dou boas risadas com essa situação; recentemente, por ocasião do meu

aniversário saímos para um café, e fatalmente nos lembramos desse “causo”. Ainda bem que

ela nunca me presenteou com a foto autografada dele, mas me presenteia sempre com sua

presença, mesmo de longe...

Agora me dou conta do quanto falo do meu aniversário... Realmente, acho que nascer

é um verbo importante na minha vida e nascer em setembro, é especial. Eu sempre disse aos

meus amigos que os fatos importantes da minha vida aconteceram nesse mês: meu filho

chegou à minha vida nesse mês!

Penso também que há várias formas de nascer ou renascer e percebo que o

conhecimento pode ter essa função. O renascer da ideia de um simples diário, através de um

memorial de formação é exemplo desse fato.

Facilitou-me o reencontro com figuras importantes: Dona Mercedes, Professora

Marilde e porque não, mestre Eliseu? Talvez, para eu perceber o engajamento das duas

professoras na minha formação eu precisasse ter conhecido o mestre Eliseu. Como professora

hoje, no Lato Sensu, nas disciplinas voltadas a Gestão de Pessoas, eu discuto com meus

alunos a importância daqueles líderes que mesmo com seus impactos negativos nos ajudaram

na reflexão de como desempenhar e de como não desempenhar esse papel.

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Por falar em líderes, esse também é outro tema muito presente na minha vida. Os

primeiros que conheci, meus pais, tinham estilos diferentes: meu pai (José) conseguia alterar

comportamentos de direção e apoio que, na linguagem da Teoria da Liderança Situacional

idealizada por Paul Hersey e Ken Blanchard, o permitia ora dirigir meu comportamento (dizer

o que, quando e como fazer) e ora, apoiar-me (ouvir e encorajar). Minha mãe (Eliza),

extremamente disciplinada (característica que herdei totalmente), tinha maior habilidade para

me dizer o que, quando e como fazer. A sua habilidade para planejar e organizar as atividades

eram impecáveis e o seu alto padrão de exigência era praticado conosco com o mesmo rigor

que ela cobrava de si mesma. Meu pai, ao mesmo tempo diretivo e até autoritário em alguns

momentos, contagiava a todos com sua alegria, otimismo e autoconfiança. Aproveitava todas

as ocasiões para fazer uma boa piada e arrancar boas gargalhadas dos que estavam sua volta.

Das suas principais características creio ter herdado e aprendido, a alegria e o otimismo.

Tenho dúvidas quanto à autoconfiança; talvez a tenha aprendido em situações onde a

disciplina tenha me permitido treinar exaustivamente alguma habilidade, mas em situações

novas, certamente ela não se expresse.

Percebo que escrevi a palavra herdar acompanhada da palavra aprender... Sempre a

questão do aprendizado, é claro. E o meu aprendizado sobre liderança seguiu, a partir dos

meus pais e dos professores já destacados.

Sobre os professores, não posso deixar de destacar o professor Roberto, chamado por

nós de “Doutor”, talvez pela formação em Medicina e Psiquiatria e que resgatou em mim, o

gosto pelo aprendizado da psicologia dinâmica e da psicanálise. Esse gosto foi resgatado, mas

não a ponto de tornar-se a minha opção de especialização. Percebo que o Dr. Roberto deixou

em mim, marcas da sua própria pessoa e não da psicanálise propriamente. Com seu jeito

carinhoso, que por tantas vezes interrompia sua fala para examinar meus olhos, por suspeitar

de um estado anêmico, transmitia-me a sua preocupação com a minha pessoa, mas do que

com os conceitos que ensinava.

A ética que me perdoe, mas quanta diferença de mestre Eliseu! Essa mesma ética, que

me faz pensar tanto (às vezes demais) antes de falar sobre algo, me fez ficar em dúvida se

deveria mencionar esse mestre, mas, dessa vez, sem pensar muito, decidi fazê-lo! Achei que

valeria a pena trazer as informações guardadas em minha memória, como fonte de reflexão e

aprendizado.

Penso que escrever sem censuras, permitirá ao leitor, ter uma percepção mais próxima

da realidade quanto ao contexto da minha formação. Se eu mesma já declarei admirar pessoas,

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que a exemplo da Professora Marilde, partilharam experiências que não foram bem sucedidas,

porque eu, não deveria fazer o mesmo e ainda, com riqueza de detalhes?

Detalhes a parte, ao pensar no ensino da disciplina psicologia dinâmica, flagro

novamente a questão dos diferentes impactos que as pessoas, com suas particularidades,

causam em nós. A mesma disciplina, com conceitos mais avançados (psicologia dinâmica II)

era transmitida para mim com tanto cuidado pelo Dr. Roberto, que mesmo não havendo

grandes identificações entre eu e o pai da psicanálise, me despertava para aprender os seus

conceitos agora ampliados.

O Dr. Roberto também trazia suas histórias e algumas com muito humor. Falava-nos

sobre a pessoa do terapeuta o que me faz lembrar Carl G. Jung, que enfatizava que muito além

da técnica, o processo terapêutico deveria ser um encontro de “almas”.

Aos poucos percebo que vou trazendo neste Memorial, características de pessoas que

tanto me influenciaram e que em síntese, demonstravam uma preocupação além do resultado

esperado, pois cuidavam do caminho a ser trilhado na busca desse resultado. Esse conceito

que para mim é a base da liderança, tem sido abordado por mim nas minhas aulas no Lato

Sensu, através de tentativas disciplinadas de mostrá-los na prática.

Por falar em mostrar através da prática, também me lembro de outra Professora da

Graduação, que me apresentou a Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers.

Creio que o Dr. Roberto, Professoras Marilde e Mercedes eram Rogerianas, mesmo

sem saber... Pobre mestre Eliseu deve ter fugido dessas aulas! Não sabe o que perdeu. (Nem

eu acredito que escrevi isso...)

Mas, enfim, voltando à professora que ministrava as aulas de Terapia Rogeriana (uma

das disciplinas que escolhi fazer no 5º ano da faculdade), seu nome era Vera; a chamávamos

de Vera Rogers. Por várias vezes eu me referi a ela para outras pessoas, mencionando como

ela nos ensinava sobre empatia (conceito muito discutido na abordagem Rogeriana): ela era

empática conosco. Sempre? Provavelmente não. Mas, certamente, procurava exercitar a

empatia, principalmente nos momentos onde essa habilidade mostrava-se vital.

Essa questão me remete a outro aspecto essencial da liderança: a questão da perfeição.

Esse ponto foi abordado por um dos alunos do Lato Sensu, a partir de um filme de sucesso

que assistimos num contexto de cine pipoca, ou seja, mediante um roteiro de perguntas sobre

a disciplina e acompanhado de algumas guloseimas. Esse filme mostrava um líder, que como

todo ser humano, cometera vários erros. Esse aluno me forneceu feedback de que o filme

havia sido essencial para que ele entendesse que ao abordar o tema liderança, não cabe

abordar a questão da perfeição.

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Esse aluno permitiu-me incluir na discussão com a turma a questão da consciência,

pois essa sim é fator essencial no exercício da liderança. A consciência do contexto, das

pessoas envolvidas e de si mesmo como líder, serão essenciais para que se perceba como

conduzir a situação. Agora é hora de dirigir ou de apoiar? Ou há necessidade de ambos? A

empatia será essencial para distinguir os momentos? Com certeza, mas provavelmente eu não

consiga demonstrá-la em todos os momentos. Mas, em quais deles eu não posso deixar de

demonstrá-la? E como saberei se a demonstrei na medida necessária? Essas são dúvidas para

as quais só teremos resposta a partir da aproximação das pessoas, processo que precisa ser

facilitado. Dr. Roberto sabia fazê-lo, pois até a composição dos meus lanches eu chegava lhe

contar, após prometer que faria os exames para checar uma possível anemia.

A habilidade de gerar aproximações ou distanciamentos entre as pessoas, também me

faz lembrar o tema da minha monografia na Graduação, na área da Psicologia das

Organizações: A resistência da Média Chefia nas situações de mudança. Em 1983, ano em

que eu e minha grande amiga (aquela que nomeou o Eliseu como mestre) concluímos a

monografia, a velocidade das mudanças não era tão acentuada e mesmo assim, se não fossem

bem planejadas e conduzidas, as mudanças fatalmente seriam alvo de resistências.

Planejar e conduzir mudanças requer aproximação das pessoas envolvidas. Somente

com proximidade verdadeira (não sei existe proximidade falsa, mas talvez eu me refira a um

“fazer de conta”) é que as pessoas sentir-se-ão à vontade para falar dos seus receios sobre as

mudanças.

Na época eu fazia estágio na primeira empresa para a qual fui contratada

posteriormente e a relação com as pessoas, principalmente entre líderes e liderados já me

instigava. Essa empresa despertou-me uma paixão pela área de Recursos Humanos, em

especial, pela área de Treinamento e Desenvolvimento. Elaborar programas de treinamento,

buscando discutir as possibilidades de um melhor relacionamento para uma gestão eficaz e a

geração de ganhos para a empresa e para os profissionais, passou a ser a minha missão

pessoal.

Nesse período, a faculdade de Psicologia (eu cursava o 4º ano), principalmente a

disciplina psicologia das organizações, deixava muito a desejar. Eu era aquela estagiária que

precisava do conhecimento acadêmico para dar as respostas ao meu desafio profissional (Eu

já me sentia profissional, mas era apenas uma estagiária). E essas respostas não vinham... Eu

queria discutir como elaborar programas de treinamento para as Lideranças e a professora nos

trazia para a aula como elaborar treinamento para um grupo de babás!!! Por incrível que

pareça essa era a realidade.

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Essa professora que nem me lembro do nome, também havia fugido das aulas sobre a

abordagem centrada na pessoa, de Carl Rogers. Nas aulas, diante de uma plateia em sua

maioria, com outros interesses, eu fazia muitas perguntas das quais ela fugia. Já nesse período

eu pensava em lecionar psicologia das organizações do meu jeito. E hoje tenho feito,

abordando principalmente, a questão da Gestão das Pessoas, que a meu ver, é o maior desafio

de todas as organizações, talvez, principalmente, de uma organização escolar.

Ao abordar a questão de uma organização escolar e o seu possível maior desafio, na

questão da gestão das pessoas, já não me sinto tão à vontade, pois a minha vivência é apenas

de uma professora solitária, que vem para a faculdade, ministra suas aulas, sem maior

proximidade com os demais colegas. Mas quero crer que os desafios sejam similares, ou

melhor, maiores, uma vez que o resultado gerado impactará diretamente (ou pelo menos,

deveria) na formação das pessoas.

Tenho a expectativa de unir essas experiências (da empresa e da escola), de forma que

uma possa agregar à outra, estreitando (ou ampliando, ainda não sei) esse olhar, com foco na

melhor forma de contribuir para o desenvolvimento das pessoas.

Quando penso no desafio de gerir pessoas, penso principalmente no desafio de alinhá-

las, não no sentido de que pensem de forma semelhante, mas no sentido de que usem as suas

diferenças para um propósito maior, o qual deve estar alinhado entre o grupo. Numa

organização escolar, que conte com tantos estudiosos sobre os mais diversos assuntos, que

com suas experiências e traços de personalidade, percebam esses assuntos de formas

diferentes, o desafio da gestão é torná-los mais eficientes e eficazes, enquanto grupo; não

basta para nenhuma organização contar com os melhores profissionais se estes não agirem

como tal, enquanto grupo.

Uma das cenas de filme de sucesso, que eu gosto de trabalhar com os alunos ou com

os líderes em treinamento, é quando Al Pacino, como técnico de uma equipe de futebol, no

filme “Um domingo qualquer”, fala ao time que ou nos mantemos como equipe, ou

morreremos como indivíduos. Dá pra sentir o tamanho do desafio e da importância de um

líder bem preparado...

Eu senti o desafio e a importância ao vivo e em cores, durante muitos anos (acho

melhor não dizer quantos...) nas empresas privadas nas quais trabalhei na área de Recursos

Humanos. Atuei em vários papéis, ora como liderada, ora como líder, ora como apoio de

todas as lideranças.

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Foram experiências extremamente gratificantes! Conheci modelos fantásticos,

semelhantes aos Professores Mercedes, Marilde, Roberto e Vera... Também conheci alguns

como mestre Eliseu.

Resgato rapidamente dessas experiências alguns momentos tão sofridos de alguns

líderes que acreditavam não poder demonstrar dúvidas ou inseguranças; e nessa condição,

como poderiam desenvolver-se? Talvez esse também fosse o caso de mestre Eliseu...

Algumas dessas pessoas se obrigavam a saber tudo e a dar a melhor resposta no

momento em que eram inquiridas, como se não tivessem o direito sequer de respirar antes de

responder. Alguns me diziam que pedir um tempo para responder significava falta de

competência naquele assunto. E daí? Temos que saber tudo? Como assim?

Por outro lado, conheci líderes que não fugiam das pessoas e das suas perguntas. Pelo

contrário, buscavam-nas. E quanto mais o faziam, mais eram admirados e procurados.

Lembro-me de um Gerente de uma área Produtiva, que mesmo após ter se desligado

da empresa, foi citado pela antiga equipe e por equipes de outras áreas, como modelo de

liderança num dos exercícios de um treinamento.

Se a liderança requer reconhecimento dos outros, principalmente daqueles que foram

alvo dessa influência, podemos dizer que esse Gerente era realmente um líder.

Tive a oportunidade de presenteá-lo com um livro na ocasião do seu desligamento e

lhe escrevi uma dedicatória da qual não me lembro, mas que deve tê-lo tocado, pois tempos

depois, ele me disse que nem seria necessário o livro, apenas a dedicatória bastaria.

Pessoas que impactam positivamente outras pessoas, oportunizando aprendizados, em

situações nem sempre favoráveis, pelo contrário, às vezes diante de intensa pressão, sempre

tiveram minha admiração e reconhecimento.

Resgato mais dois casos (prometo serem os últimos, pelo menos por ora...): mais um

Gerente de Produção, este que reconhecia sua dificuldade de relacionamento e que sem

nenhum tipo de receio, pedia ajuda. O seu processo de desenvolvimento que eu acompanhei

de perto me permitia fornecer-lhe vários feedbacks, sobre as suas atitudes que não favoreciam

a liderança e sobre as mudanças que passou a perseguir na relação com as pessoas.

O segundo caso, que de todos os líderes que tive, marcou-me profundamente, não

apenas pela integridade, que já seria um requisito essencial a destacar para a atividade de

liderança, mas também pelo desejo de estudar. Com formação em Administração de

Empresas, esse líder, Diretor de uma empresa, conheceu a psicanálise (não através do “Mestre

Eliseu”, é claro...) e se encantou com essa nova forma de olhar para o ser humano.

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O seu perfil, aliado a essa nova formação que concluíra, tornou-o ainda mais

procurado pelas pessoas, que como eu, tinham a percepção de que ele saberia aconselhar por

maior que fosse a dificuldade. Mas, esse aconselhar, obviamente era a segunda parte da sua

intervenção, que era precedida de um acolhimento Rogeriano, fundamentado numa ampla

escuta empática.

Também esse líder fora muito reconhecido pelos outros. Recentemente, encontrei um

antigo liderado seu que também testemunhou sobre a sua integridade e habilidades de escuta.

Identificar pessoas que se tornaram diferenciadoras na vida de outras, é para mim um

grande fator motivador. Já o fiz tantas vezes, principalmente com o objetivo de reconhecê-las

e de motivá-las a prosseguir em suas jornadas. De alguma forma, aproveitei este memorial

para alguns desses reconhecimentos.

Porém, neste momento da minha vida, essa motivação se amplia para além do

reconhecimento, em direção à busca do entendimento de vários porquês, como, onde e

quando...

Essa ampliação vem com o objetivo de clarificar essas diferenças, de maneira

nenhuma para fazer julgamento de qualquer comportamento ou de qualquer pessoa, mas para

apontar caminhos, através de um olhar e de uma reflexão conjunta.

Acredito no aprendizado e não reconheço outra forma de aprender, se não em grupo. E

aprender em grupo, requer aproximação entre as pessoas, com permissão para tratar de acertos

e erros, de forma suave e preferencialmente, bem humorada. Existe maior sinal de

aprendizado do que rir dos próprios erros? É claro que aprender com eles é essencial, mas

quem disse que não é possível, aprender brincando? Aí estão as crianças e os adultos sábios,

que podem ensinar muito a esse respeito.

Eu acredito que este memorial, além de ter se tornado uma experiência pessoal de

aprendizado, ao possibilitar o resgate de pessoas que marcaram a minha formação, possibilita

o reconhecimento de características diferenciadoras no campo das relações interpessoais. E eu

acredito que é neste campo que coexistem as experiências mais significativas de

aprendizagem e de desenvolvimento do ser humano.

Ao chegar ao Mestrado, com as inquietações já relatadas e ao deparar-me com um

personagem cujas ações e obras, mostravam-se a princípio, um campo fértil para uma

pesquisa, com possibilidades de aprofundar a minha própria vivência, incentivou-me a iniciar

o percurso. Esse percurso já trazia muitos porquês que aos poucos, vinham seguidos de

respostas e de novas indagações, ou seja, um terreno fértil para um pesquisador interessado

nesse tema.

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Essa possibilidade de pesquisa, aliada ao contexto de uma instituição salesiana,

também marcada por um diferencial, através das ações Dom Bosco e do seu sistema

preventivo, trazem, em minha concepção, oportunidades de revisão de uma práxis educativa

voltada à formação integral do indivíduo.

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INTRODUÇÃO

Eis aqui um teste para verificar se a sua missão na terra está cumprida:

Se você está vivo, não está.

Richard Bach (1977)

Nesta epígrafe, Richard Bach traz o tema missão, que, na verdade, representa um

convite à reflexão. A missão reflete as respostas a alguns porquês que cercam cada um de nós.

Por que você quer fazer isso? Quais as reais razões que o levam a querer fazer isso?

Na minha experiência profissional, na área de Recursos Humanos (RH) de algumas

empresas, tive muitas oportunidades de ajudar os profissionais na busca dessas respostas e já

a partir dessa atividade encontrei muitas diferenças entre eles. Com relação à questão da

missão, muitos com os quais convivi a entendiam como o início de uma jornada, outros

achavam impossível identificá-la, e outros ainda, negavam-se a pensar no assunto. Essa

situação faz parte das diferenças. Diferenças na forma de pensar, de sentir e de agir. Parece

que em toda a minha trajetória profissional e de vida (que para mim trata-se de “estradas”

convergentes) as diferenças me encantavam, não necessariamente porque eu as procurava,

mas, sem querer, eu estava diante delas.

E a minha missão? Eu a defini há alguns anos num programa de formação para

consultores de RH... Ou será que não? Será que a defini quando nasci? Já não sei precisar,

mas o que sei é que quero continuar a interagir com pessoas, seja num contexto

organizacional (no ambiente de uma indústria, de onde venho) ou num contexto educacional,

onde também atuo. Esses contextos podem parecer diferentes, mas para mim, representam

mundos semelhantes. Afinal, não seria o contexto organizacional em que habita o mundo do

trabalho uma grande escola? Onde se aprende um ofício e principalmente, onde se aprende a

lidar com todos os tipos de problemas? No mundo do trabalho, a vida acontece na prática,

com todas as suas nuances. E não seria no contexto educacional, onde se deveria aprender

tudo, ou a maior parte do tudo, o que se precisa para viver no mundo do trabalho e nos outros

mundos também?

Penso que a minha missão seja fazer perguntas e colocar reticências no lugar das

respostas, para então, abrir espaço para formular novas perguntas. E foi com esse foco que

cheguei ao Mestrado em Educação do UNISAL de Americana. Cheguei para fazer perguntas

e buscar respostas, a partir de uma trajetória que me permitiu observar pessoas impactando a

vida de outras, deixando marcas e também sendo marcadas. A minha própria formação foi

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marcada por algumas pessoas que estão destacadas no meu Memorial de Formação, em que

descrevo um pouco dos porquês e dos como. Contudo, o que faz uma pessoa marcar a vida de

outra ou de outras, a ponto de ser lembrada por algumas ações específicas? E como

transformar essa inquietação e ao mesmo tempo essa crença de que esse fato existe, em

conhecimento?

Esse questionamento encontrou eco durante o processo seletivo para o Mestrado e um

projeto de pesquisa começou a ser arquitetado. Por que então, não aproveitar o contexto

salesiano e identificar particularidades nas formas de atuação e os consequentes impactos nas

pessoas? Nesse momento, acontece o meu primeiro “encontro” com o personagem envolvido

neste estudo: Manoel Isaú Souza Ponciano dos Santos. Identificado por praticamente todas as

pessoas que falaram a seu respeito como Padre Manoel Isaú, o personagem é tratado como

Manoel Isaú ou apenas como Manoel em virtude deste estudo abordar também os seus demais

papéis, como educador e pesquisador.

Eu não conhecia Manoel Isaú, nem de nome, mas já nessa situação ele me chamou a

atenção, pois foi abordado por alguns dos professores do Mestrado, durante a fase de seleção,

como alguém, cuja obra, mereceria um estudo. Saí desse encontro com várias interrogações,

mas a principal delas continha um ou vários por quês.

Por que esse personagem foi citado? Quais seriam as suas diferenças ou

particularidades? E quais poderiam ser as contribuições desse estudo? As minhas inquietações

uniram-se a uma possibilidade de pesquisa na busca de respostas, a partir da obra e do

conjunto biográfico desse educador, pesquisador e religioso.

Entender as contribuições de alguém ou de uma teoria sempre é para mim um fator de

grande motivação, seja a partir de observações, de estudos ou de interação com as pessoas.

Mas essa busca atenderia às minhas inquietações? Essa reflexão requer algumas

considerações. O UNISAL como instituição já era conhecido e reconhecido por mim, pois

atuo como professora das disciplinas voltadas à Gestão de Pessoas, no Campus Maria

Auxiliadora, para as turmas do Lato Sensu, desde o ano de 2008. Cito esse fato porque existe

uma relação de confiança entre nós. A instituição me permite representá-la perante aos alunos

e agora, no trajeto até o Mestrado, divide comigo uma possibilidade de pesquisa. Eu precisava

pelo menos investigar essa possibilidade e, então, escolher um caminho.

E é com essa visão iniciei uma breve sondagem sobre o personagem. Busquei

documentos a seu respeito, procurei pelas suas obras, observei os livros que faziam parte da

sua própria biblioteca e também, conversei inicialmente, com algumas pessoas com as quais

ele conviveu. Essa fase envolveu vários sentimentos, dentre eles, a ansiedade, esperada para

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um momento de busca e também, uma satisfação, ao perceber que existia material para a

pesquisa. Existia material escrito por ele – e em grande quantidade – pois ele produziu artigos,

livros, poemas. Existiam também pessoas que com ele conviveram pelos diversos locais onde

atuou, e que com ele se relacionaram nos seus diversos papéis – como educador, pesquisador,

sacerdote, filho, irmão, colega de trabalho. E cada um com uma história... Uma história

particular? Sim, mas em alguns aspectos semelhantes! Mas quais? E como podem ser

entendidos?

A partir dessas informações, as inquietações iniciais transformam-se num problema da

pesquisa, que visa identificar no conjunto biográfico e na obra do Padre Manoel Isaú, as suas

formas de conceber cada um dos elementos que integram o tripé ou tríade, como são

chamados os valores Razão, Religião e Amorevolezza. Além de identificar possíveis

particularidades dessas concepções e analisá-las para compreender a influência e o estilo

desse pesquisador e educador para a Educação Salesiana, a busca também é centralizada nas

suas práticas. E essas práticas são observadas a partir de um valor específico, a amorevolezza,

por ser considerada a base da educação salesiana e por envolver uma dualidade de ações

aparentemente contraditórias. Digo isso porque o próprio Manoel Isaú a entende como um

“misto de racionalidade e compreensão humana que transforma o ambiente de educação”

(SANTOS, 2000, p. 173).

Delimitado o problema de pesquisa, o personagem também é confirmado para trilhar

comigo um caminho conhecido por ele, o caminho da pesquisa, pois afinal esse foi um dos

papéis que desempenhou. Mas e o meu encontro com esse personagem, qual a razão de ter

sido articulado? Novamente, eu e minhas perguntas... Um colega querido do Mestrado

respondeu-me essa questão num dos eventos do qual participamos juntos. Diante de um

banner com a apresentação do então projeto de pesquisa, ele me disse: “Manoel Isaú também

escolheu você, Mara”. Simples assim.

A trajetória de Manoel Isaú e a amplitude das atividades que realizou, levou-me a

observar as suas práticas que, embasadas pela amorevolezza, pudessem ser observadas nos

principais papéis que desempenhou na Congregação Salesiana.

Então, era hora de seguir em frente e propor os objetivos principais para o estudo, os

quais foram sintetizados através das seguintes ações:

- Apresentar a vida e a obra de Manoel Isaú, pela sua relevância humana e teórica para

a Educação Salesiana e para a Educação Sociocomunitária.

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- Identificar as práticas adotadas por Manoel Isaú, buscando relacioná-las ao valor

amorevolezza, como forma de ampliar a compreensão desse elemento diferenciador da

Educação Salesiana.

A partir desse contexto inicial, foi identificado o referencial metodológico para este

estudo, tratado na Parte I, que encontrou na pesquisa biográfica, possibilidades de diálogos

por meio das entrevistas narrativas. Trago as contribuições nessa parte do trabalho, de alguns

autores como Evangelista e Cruz, Delory-Momberger e Bertaux, dentre outros, que discutem

as possibilidades do método biográfico e as possíveis limitações, quando colocado diante das

chamadas “ciências duras”. Ainda com relação à metodologia, buscou-se ampliar as

informações coletadas através da interpretação de alguns documentos e de algumas obras do

personagem, considerados relevantes para a busca dos objetivos propostos. A interpretação

dos documentos utilizou a fundamentação teórica de Flick e sua abordagem quanto aos

significados, cuidados e limitações da utilização dos mesmos como dados. E, igualmente, fez

uso da concepção de Bertaux para a discussão dos dados obtidos através dessa interpretação.

Ainda na Parte I do trabalho, é apresentada uma abordagem sobre a educação

sociocomunitária, como um “campo fértil” para utilização da entrevista narrativa, não apenas

como instrumento de coleta de dados, mas como oportunidade de aprendizado, pela revisita a

acontecimentos significativos guardados na memória.

Outra oportunidade de revisão de significados e também de aprendizado, é o Memorial

de Formação, que inicia este trabalho, com a função de apresentar e situar o

pesquisador/narrador no contexto da pesquisa.

Percebo no Memorial de Formação, parâmetro essencial para uma pesquisa de caráter

biográfico, como o início dos diálogos, não apenas com relação ao contexto do vivido, mas,

principalmente, quanto às pessoas que o impactaram. Vale aqui o relato de mais uma história

envolvendo a escrita do meu memorial... Ele foi preparado durante a disciplina “Educação

História e Memória”, conduzida pelo Prof. Dr. Francisco Evangelista, quando o projeto de

pesquisa ainda estava sendo revisado. Algum tempo depois, ao reler o seu conteúdo foi

possível perceber a sua relação com a escolha do objeto de estudo. A essência do projeto de

pesquisa já constava do Memorial de Formação, bastava escolher o personagem principal...

E a escolha do personagem também trouxe consigo a escolha do referencial teórico, a

educação salesiana, o contexto histórico e social do seu surgimento e os valores nos quais ela

se apoia. O conteúdo do referencial teórico referente à educação salesiana, abordado na Parte

II deste trabalho, visa trazer o contexto da época, mas principalmente, as particularidades de

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um sistema preventivo de educação, singularizado por Dom Bosco, a partir do seu estilo

pessoal, como tratam alguns autores. Na tentativa de cumprir tal objetivo, além das obras

escritas pelo próprio Manoel Isaú, foram consultados autores, como Braido, Scaramussa,

Lenti, Auffray, dentre outros. Os referenciais teóricos da Abordagem Centrada na Pessoa, de

Carl Rogers e da Psicologia Analítica, de Carl G. Jung, também estão brevemente

contemplados, tendo em vista a possibilidade de diálogo de tais correntes com uma

abordagem humanista de formação do indivíduo, e consequentemente, com a educação

salesiana.

A Parte III do trabalho traz o personagem principal, seus caminhos de vida e de

atuação, buscando contemplar os papéis de educador, pesquisador e sacerdote. A abordagem

parte de um documento da Congregação Salesiana, escrito pelo Padre Narciso Ferreira (2015),

denominado “Carta Mortuária” que descreve a trajetória do salesiano após o falecimento.

Deste documento constam também, alguns depoimentos de pessoas que conviveram com o

personagem nos diversos locais em que atuou. Tais depoimentos são mencionados como

forma de exemplificar e contribuir, para o entendimento da atuação do personagem nos seus

diversos papéis. Nesta parte também são considerados como exemplos os trechos dos relatos

que fiz a partir da entrevista narrativa com duas irmãs e trechos de um texto escrito por um

dos irmãos. Existem também nesta parte fragmentos de outros relatos de pessoas do convívio

com Manoel Isaú. As respectivas interpretações, tanto dos relatos obtidos como das obras

utilizadas, considerando os objetivos propostos, são abordadas na Parte IV deste estudo,

seguidas das Considerações Finais.

Este estudo, intitulado “A obra e o conjunto biográfico do Prof. Dr. Manoel Isaú: um

olhar voltado às práticas fundamentadas no valor amorevolezza, numa perspectiva

sociocomunitária” pretende, conforme diz o verbo, estabelecer um olhar, de forma a

contribuir para uma ampliação das perspectivas voltadas a um processo de formação integral e

humana dos indivíduos.

Damas (2002) complementa esse “olhar”:

Na metáfora do ‘olhar’ não pretendo superestimar o racional e o consciente, mas

abranger o ser humano por inteiro, do racional ao emocional, do espiritual ao

afetivo. Quando o ser humano se manifesta, manifestam-se nele suas pulsões; e o

desejo materializa-se na paixão-ação que lhe permite humanamente viver. A partir

daí infere-se que existe um jeito salesiano de olhar a vida, um jeito salesiano de

rezar, um jeito salesiano de confrontar-se com as dificuldades, e um jeito salesiano

de educar, baseados na práxis deixada por Dom Bosco (DAMAS, 2002, p. 5).

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O propósito deste estudo, portanto, é ampliar o entendimento quanto ao olhar

salesiano, a partir de um valor diferenciador das suas práticas.

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PARTE I – O REFERENCIAL METODOLÓGICO: POR QUE, COMO E

COM QUEM COMPARTILHAR AS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS,

OBSERVADAS E DOCUMENTADAS?

(...) O como se diz revela uma escolha, sem inocências,

do que se quer falar e do que se quer calar.

António Nóvoa (2001)

Além dos porquês, o como tem sido alvo de atenção em toda a minha trajetória, e

provavelmente por essa razão eu tenha escolhido a epígrafe de Nóvoa (2001).

Acredito que apresentar o referencial metodológico deste trabalho como a Parte I

também reforce essa atenção ao como e ao porque da pesquisa.

Esta pesquisa, a meu ver, não poderia utilizar outro referencial metodológico que não

envolvesse a pesquisa biográfica por tratar-se de um método que, como ensinam Finger e

Nóvoa (2010), permite uma “atenção muito particular e um grande respeito pelos processos

das pessoas” (FINGER; NÓVOA, 2010, p.23). Essa observação dos autores comunga com as

crenças, com as motivações e com as práticas que sustentaram a minha trajetória e que são

reforçadas pelo entendimento de Souza (2006) com relação à metodologia: “a interação deve

ser entendida como uma constante no trabalho com a abordagem biográfica (...)” (SOUZA,

2006, p. 145).

A pesquisa biográfica, denominada por alguns autores de pesquisa (auto) biográfica

tem como ponto de partida as histórias ou narrativas de vida e considera as percepções do

pesquisador /narrador em relação à pesquisa, considerando a subjetividade envolvida como

oportunidade e não como um problema. Até porque, ao envolver as pessoas numa pesquisa da

qual não são apenas “objetos”, inicia-se um processo de revisão de conceitos que vai além do

campo dos conhecimentos e habilidades e chega ao campo dos significados. Souza (2006)

amplia o entendimento do maior propósito envolvido nessa abordagem:

O sentido e a pertinência do trabalho centrado na abordagem biográfica e de seu

enquadramento como uma prática de investigação-formação justifica-se porque não

cabe uma teorização a posteriori sobre a prática, mas sim uma constante vinculação

dialética entre as dimensões prática e teórica (...) (SOUZA, 2006, p. 140).

Com relação à nomenclatura, neste trabalho é priorizada a denominação da opção

metodológica como pesquisa biográfica, embora outros termos possam ser mencionados para

ampliar o entendimento e/ou para citar as concepções dos autores referenciados.

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Para introduzir conceitualmente essa abordagem, utilizo as colocações de Antunes

(2015):

Do ponto de vista da investigação o método autobiográfico, também denominado de

histórias de vida, é um instrumento de investigação que privilegia a recolha de

informações contidas nas histórias de vida pessoal de um ou mais informantes,

apostando, assim, na valorização da oralidade e dos testemunhos vivos. As histórias

de vida são um testemunho único, relatos de experiências vividas pelos sujeitos que

as narram, nos quais encontramos evidenciadas as relações, os acontecimentos e os

contextos mais significativos do percurso de vida. Esta metodologia parte do

pressuposto que os indivíduos são detentores de saberes sobre as suas práticas,

detêm uma bagagem social reveladora da forma como interpretam a realidade à luz

dos significados que lhe atribuem (ANTUNES, 2015, p. 369-370).

Penso que promover um espaço para as histórias de vida também permite identificar

inquietações, crenças e experiências, e a possibilidade de transformá-las e compartilhá-las,

parece-me a alternativa possível “em realizar pesquisas que busquem os sentidos e os

significados das temáticas que evidenciam” (EVANGELISTA; CRUZ, 2016).

Considero a busca de sentidos e significados, como o caminho essencial para a

realização plena de uma atividade. Entendo o conceito de pleno, como uma atividade que ao

mesmo tempo, permita que o indivíduo realize as suas potencialidades, também contribua

para o desenvolvimento da comunidade em que atua, considerando que ambos se encontram

em constante movimento. Moita (1995) discute a relação entre o indivíduo e o meio social sob

essa perspectiva e considera que a pesquisa autobiográfica "põe em evidência o modo como

cada pessoa mobiliza seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando

forma à sua identidade, num diálogo com os seus contextos" (MOITA, 1995, p. 116).

Acredito que esse método permita ir além do “o que” e possibilite o aprofundamento de

aspectos ligados ao “como” o fato é abordado, em que contexto e quais são as relações

estabelecidas. Penso que ao abordar o “como” também é possível perceber o impacto dessas

relações no outro.

Através dessa perspectiva, o presente trabalho quer abordar a obra e o conjunto

biográfico de Manoel Isaú, e apresentar possibilidades de discussão e de atuação num

processo educacional fundamentado nos valores de Dom Bosco e que se amplia e se atualiza

numa perspectiva sociocomunitária.

O contato com a pesquisa biográfica e com as narrativas, enquanto instrumento de

coleta de dados, chega para mim como uma resposta e um estímulo para a realização do

trabalho. Aprender que as histórias podem ser transformadas em conhecimento, o qual está

diretamente associado ao autoconhecimento é um grande diferencial à minha experiência

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voltada ao trabalho com adultos. Nóvoa (2001) aborda o que chama de mercado de trabalho

com adultos e discute qual o seu verdadeiro foco:

Mas perderemos uma oportunidade única se dirigirmos a atenção apenas às questões

do ‘emprego’ e das ‘tecnologias’. A nossa matéria são as ‘pedras vivas’, as pessoas,

porque neste campo os verbos conjugam-se nas suas formas transitivas e

pronominais: formar é sempre formar-se (NÓVOA, 2001, p. 22).

Se eu já gostava de contar histórias e já o fazia (e estimulava os outros a fazerem) na

minha atividade profissional, como ponto de partida para o conhecimento, a possibilidade de

compartilhá-las e entrelaçá-las com outras trajetórias e assim, gerar novas formas de pensar (e

por que não de agir?), completam um “feixe” de motivações voltadas a esse referencial

metodológico. Entendo que a motivação alimenta o caminho do querer, mas que

principalmente no campo da pesquisa, é preciso uni-lo ao saber. Busco, então, referenciais

teóricos que amparem essa metodologia como uma possibilidade de entender e expandir o

conhecimento para além do campo do saber. Trago também para essa discussão, alguns

pontos abordados a partir da atuação do pesquisador no campo da educação sociocomunitária,

como caminho possível para a expansão do saber. O destino é então o ser? E porque não?

Mas, além do destino (e talvez principalmente), o caminho percorrido.

A educação sociocomunitária está presente neste trabalho de forma ampla, pois além

de, em meu entendimento, representar um campo fértil para a pesquisa biográfica constitui a

área de concentração de pesquisa do Programa de Mestrado em Educação do UNISAL, e foi

objeto de estudo de Manoel Isaú, que teve participação ativa no reconhecimento do programa,

tema que será tratado posteriormente. Por ora e para efeito desta introdução vale ressaltar

alguns diálogos da educação sociocomunitária. Diálogos com a educação social, com a

educação formal e com a educação não formal, assim como o faz com a educação salesiana.

Com relação a essas “educações”, não vou me deter a defini-las, por entender não ser o foco

deste estudo e por compactuar das observações feitas por Gadotti (2012) e Caro (2006):

E não se trata de uma dessas educações tentar tutelar outra, pois não teria sentido,

não só porque cada uma tem sua própria história, mas porque, partindo de uma visão

emancipadora, cada uma, no seu campo próprio de atuação, de forma autônoma,

contribui para com a mesma causa (GADOTTI, 2012, p. 10).

Quando se distingue a educação informal, formal e não formal, em princípio, a

distinção está fazendo referência àquele que educa, ao agente, à situação ou à

instituição, onde se situa o processo educativo. Essa classificação não se completa,

como todas as possibilidades do universo educativo; é somente uma tentativa de

marcar fronteiras, que vêm gerar outras discussões (CARO, 2006, p. 20).

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Introduzida a concepção metodológica, e situado inicialmente o campo da educação

sociocomunitária, sigo com algumas considerações que têm por objetivo ampliar o

entendimento de ambos os temas, bem como, de relacioná-los. Encerra esta parte, uma

abordagem sobre a utilização de documentos como dados que, ao serem interpretados, podem

contribuir como um referencial metodológico complementar, tendo em vista o problema de

pesquisa delimitado para este estudo.

1.1. A Pesquisa Biográfica: contexto, possibilidades e recursos

Eu sou eu e minha circunstância,

e se não salvo a ela, não me salvo a mim.

José Ortega y Gasset (1967)

Aquilo em que cada um se torna

é atravessado pela presença de todos aqueles de que se recorda.

Pierre Dominicé (2010)

Utilizo as duas epígrafes como referência para seguir com a abordagem biográfica

destacando o papel do contexto, aqui denominado por Ortega y Gasset (1967) como

“circunstância” e também, destacando o impacto de algumas pessoas, que guardados na

memória, contribuem para a transformação individual, como sugere Dominicé (2010).

Reconheço ambos os aspectos em minha formação e em minha experiência profissional (e de

vida – afinal, será possível separá-las?) conforme descrito em meu memorial e a partir dessa

referência, também passo a observar as pessoas no desempenho dos seus vários papéis.

Com relação à observação do contexto, Souza (2006, p.141), ressalta que a escrita das

narrativas, além de possibilitar o encontro com os aprendizados que a “vida ensinou”, também

permite um olhar para as “circunstâncias da vida dos sujeitos em processo de formação” O

reconhecimento dessas circunstâncias pode ajudar no entendimento quanto às particularidades

no pensar e agir de cada sujeito.

Delory-Momberger (2012a) discute a relação entre indivíduo e o meio social,

estabelecendo estreita ligação entre as narrativas: “De qualquer modo, não podemos impedir

que as histórias que contamos sobre nós mesmos sejam, ao mesmo tempo, histórias de

sociedade”. Sim, a relação entre o indivíduo e o meio social, que inclusive mediatiza os

processos de aprendizagem no decorrer da vida, é um cenário significativo para as discussões

das pesquisas envolvendo os seres humanos. Mesmo com essa relação tantas vezes

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considerada pelas pesquisas na área da educação, a autora argumenta que a pesquisa

biográfica prioriza identificar, a partir dos fatos observados e relatados, as suas funções na

relação entre indivíduo e meio social, sem a preocupação de categorizá-los, em subjetivo

individual e objetivo social. Ou seja, a abordagem biográfica não tem como foco a validação

do material obtido, até porque, não espera comprovações a partir do mesmo. O foco parece-

me estar muito mais voltado às perguntas que esse material desperta, do que para as respostas

que possam ser formuladas. A questão biográfica volta-se, então, para “ajudar a melhor

compreender os laços e os mecanismos de produção e de construção recíproca dos indivíduos

e das sociedades” (DELORY-MOMBERGER, 2012a, p.44).

O contexto discutido como cenário da pesquisa biográfica aliado à minha

circunstância, neste momento, me conduz a perceber este método como aquele que abarca as

minhas inquietações, crenças e desafios. Inquietações que me acompanham durante toda a

minha atividade profissional e que encontram eco no Programa de Mestrado, quanto a

possíveis caminhos que comunguem o individual e o social num processo educativo que

contribua para a autonomia. Crenças no indivíduo como um ser que possui ao mesmo tempo,

dúvidas e necessidades, mas que também possui certezas e caminhos. E desafios, na

identificação de uma obra e de um conjunto biográfico, que sustentados pelos valores

salesianos, possam fortalecer o caminho iniciado por Dom Bosco como uma opção para os

itens anteriores.

Essa circunstância também abarca as preocupações que cercam a pesquisa biográfica;

quanto mais eu estudo o tema, mais o meu foco se volta às possibilidades dessa abordagem!

Duas faces de uma mesma moeda? Muito provavelmente. E sigo, enfatizando aspectos que, a

partir do meu olhar, podem contribuir com reflexões sobre os desafios envolvidos na pesquisa

biográfica, desafios que, em minha concepção, estão presentes no viver.

Recorro à Evangelista e Cruz (2016) que ponderam a questão das preocupações,

apresentando inicialmente uma reflexão sobre o que “significa ou não fazer ciência”:

Linhas teóricas alertam para os perigos de afirmações que, sem comprovações

empíricas, explicitação e análise imparcial dos dados, quantificações, neutralidade

do pesquisador, distanciamento adequado do objeto de pesquisa, descrição correta

do fenômeno investigado, análises referenciadas e legitimadas, poderão ou não

oferecer convalidação de determinado conhecimento como verdade devidamente

comprovada (EVANGELISTA; CRUZ, 2016, p. 163).

Aliança (2011) recorre a Paulo Freire e complementa a concepção anterior ao “afirmar

que o método biográfico resolve uma velha falácia acadêmica: a de que a ciência é neutra e

objetiva.” (FREIRE apud ALIANÇA, 2011, p. 205). Josso (2010, p.201) completa, acerca das

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discussões estimuladas pelo método biográfico, que as mesmas podem aparentar uma

transgressão ao que a ciência considera como “objetividade”. Penso que a neutralidade e a

objetividade da ciência são enfrentadas, no método biográfico, por um narrador/pesquisador,

considerado como papéis complementares, que se dispõe a revisitar fatos e acontecimentos,

em busca de aprendizados tendo em vista o objeto de pesquisa ou a sua trajetória de formação.

Essa revisita estimulada a partir de um instrumento de coleta de dados denominado como

entrevista narrativa, não visa a descrição dos fatos e acontecimentos, mas sim, o entendimento

dos seus significados para o narrador, num contexto específico, marcado também por

condições relacionadas ao tempo e ao espaço.

Delory-Momberger (2012a) traz elementos que ajudam no entendimento das

dimensões do tempo e espaço que, às vezes, são utilizadas como sinônimos e considerados

como coadjuvantes das experiências.

E mesmo quando emprestamos palavras como percurso, trajetória, carreira, que

tomamos emprestado ao vocabulário do espaço, nós as utilizamos de maneira

metafórica para designar uma parcela de tempo. (...) não se deve considerar o espaço

e o tempo como estando um ao lado do outro, como constituindo dimensões

autônomas e separadas da experiência.

(...) Essa concepção do espaço reduzido a um pano de fundo ou a um suporte de

cena não dá conta da complexidade da dimensão espacial das nossas experiências. O

espaço não é apenas um continente, um receptáculo de nossos estados e de nossas

ações, ele é parte integrante de nossa experiência. (...) o espaço é constitutivo da

experiência na medida em que fornece a ela orientações e conteúdos que são de

ordem ao mesmo tempo material e ideal. Não existe espaço neutro (...) (DELORY-

MOMBERGER, 2012a, p. 65-67).

Mesmo não tendo um papel coadjuvante nas experiências vividas pelo indivíduo, não

se pode dizer, em contrapartida, que o espaço seja o ator principal das trajetórias percorridas.

Existe um movimento que os entrelaça havendo uma troca entre ambos e que gera impactos

recíprocos. Delory-Momberger (2012a) considera que:

No próprio cerne das nossas práticas mais socializadas, agimos no espaço e fazemos

agir o espaço, conferindo-lhe significados e valores que se acham ligados à nossa

pessoa, à nossa história, às nossas emoções e aos nossos sentimentos, etc.

(DELORY-MOMBERGER, 2012a, p.69).

O percurso que se faz, no tempo e no espaço, através do relato das experiências, pode

ser comparado a uma ou mais viagens, por meio das quais se percorre curtas ou longas

distâncias... É o narrador quem fará as delimitações. E essas delimitações tornam-se mais

significativas do que o próprio local de chegada. Esse provavelmente seja um dos aspectos

que faça Souza (2006) abordar sobre a “fecundidade” oferecida pela pesquisa biográfica.

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Penso que ao caracterizá-la dessa forma, o autor se refira à possibilidade de, a partir das

narrativas, ampliar percepções e favorecer diálogos que por si só já podem contribuir para os

processos de aprendizagem. Essa fecundidade talvez possa ser explicitada por Josso (2010)

quando considera a experiência narrativa, oral ou escrita, como oportunidade de melhoria nas

relações intra e interpessoais, a medida que o indivíduo ao “aprender a expor as suas

sensibilidades”, pode impulsionar “relações mais abertas e profundas” (JOSSO, 2010, p. 206).

Delory-Momberger (2012a) segue na ampliação do sentido das narrativas e se apropria

da concepção de Bruner (2000), que “considera a narrativa como um modo de pensamento e

de inteligibilidade do mundo: através da narrativa aprende-se a analisar a realidade, a

organizar e a compreender o mundo no qual se vive, tanto o mundo natural quanto o mundo

social” (BRUNER, 2000 apud DELORY-MOMBERGER, 2012a, p. 36).

Neste momento me vem à mente uma expressão de admiração: mas esse aprendizado é

muito! Compreender o mundo? É possível? Mas o meu entendimento da concepção dos

autores é quanto ao destaque para o caminho: o caminho da análise, da organização e da

identificação entre os mundos, interno e externo.

Outro aspecto tratado por Delory-Momberger (2012a) quanto à importância das

narrativas, utiliza a concepção do psicólogo Pierre Janet (1936) que as denomina de

“conduta” e ao tratá-las dessa forma, observa os ganhos obtidos tanto para a fase infantil

como para a idade adulta. Penso que Janet (1936) pondera as condutas de narrativa

observando um ganho essencial para as relações interpessoais: a possibilidade de exercitar a

empatia (JANET, 1936 apud DELORY-MOMBERGER, 2012a, p. 40). Afinal, se as

narrativas pressupõem o contato com sentimentos, intenções e ações num determinado

contexto, como fazê-lo sem o exercício da empatia?

Apesar dos ganhos que o indivíduo pode obter ao envolver-se numa experiência

narrativa, seja com foco na pesquisa ou num processo de formação, vale uma reflexão sobre

as dificuldades envolvidas. Quais seriam, se é que existem, as dificuldades ao narrar sobre

trajetos percorridos e sobre si mesmo?

Silva (2010) pondera que “narrar é algo constitutivo do humano. De alguma forma a

narrativa está sempre presente em nossa vida. Narramos fatos, feitos, fenômenos. Tentamos

traduzir sentimentos e experiências por meio de narrativas” (SILVA, 2010, p.2).

Souza (2006) aborda outro ângulo de uma suposta dificuldade envolvida nas narrativas

no contexto da pesquisa biográfica, referindo-se a uma dualidade necessária, que envolve

simultaneamente, processos de “distanciamento e implicação” (SOUZA, 2006, p. 140). Penso

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que esses processos envolvendo o afastar-se e o aproximar-se, geram possibilidades e

necessidades, elucidadas pelo autor como:

O distanciamento marca a autonomia e a possibilidade do ator narrar, através de sua

escrita, variados aspectos, lembranças, memórias e representações da sua trajetória

de vida e formação. A implicação configura-se através da empatia, da escuta

sensível, da confiança, da reciprocidade e do envolvimento ético-profissional com o

projeto formativo ou com as entradas que as histórias de vida comportam. (SOUZA,

2006, p. 141).

Ainda com o intuito de seguir com o tema, Proença (2015), aborda as narrativas e

discute uma questão crucial da época contemporânea: a prática. Observa a autora:

A pesquisa narrativa, na área das ciências da educação, tem se constituído numa

possibilidade de diálogo reflexivo entre o que se vive na realidade das instituições

escolares e a sistematização de conhecimentos produzidos a partir das experiências

com estas instituições. Ou seja, uma oportunidade concreta de relacionar teoria e

prática, sem hierarquizar conhecimentos, mas numa construção democrática e

dialógica (PROENÇA, 2015, p. 171).

Souza (2006) traz uma ampliação da concepção de Proença (2015) e menciona a

expectativa quanto à questão da “objetividade e da verificação de hipóteses” no campo da

pesquisa biográfica. Esclarece não existir uma função de verificação, mas sim, de revelação

de “diferentes contornos e dimensões quando se potencializa o valor das interações e das

intersubjetividades (...)” (SOUZA, 2006, p. 141). Percebo uma valorização do caminho, e do

processo de busca da aprendizagem, a qual reflete as lembranças, os significados, os

momentos e que, portanto, não trazem em si uma conclusão que possa ser comprovada,

contudo trazem alguns elementos influenciadores do indivíduo.

Mas, então, existe a possibilidade de aproveitar e utilizar os conhecimentos subtraídos

dessas experiências de vida? Souza (2006) argumenta que na busca daquilo que faz sentido

para o indivíduo é possível obter, através das experiências narradas e compartilhadas,

“possibilidade de conhecimento e de formação ao longo da vida”. O autor aprofunda os

processos de buscar sentidos pelas narrativas ao focar duas etapas envolvidas. Uma delas

volta-se à formação do sujeito, a partir das particularidades das histórias percebidas

considerando o que viveu. E a segunda etapa tem como foco o conhecimento, que “possibilita

ao sujeito questionar-se sobre os saberes de si a partir do saber-ser ‒ mergulho interior e o

conhecimento de si – e o saber-fazer-pensar sobre o que a vida lhe ensinou”. Embora repleta

de significados, as narrativas não tem a pretensão de esgotar as vivências e as aprendizagens

que permitem, mas sim, abarcar o que foi escolhido pelo sujeito como conhecimento de si e

como impactante nas suas experiências com o entorno (SOUZA, 2006, p. 143-144).

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E o que mais é possível dizer sobre o entorno? Como é possível tratar da relação do

indivíduo com o meio social?

Josso (2010) completa que a relação com o entorno pode colocar o sujeito diante de

um impacto forte sobre o produto das suas narrativas, a partir do momento que se

“materializam” ao tornarem-se, em contato com os outros, objetos externos a ele: [...] “visto

que permite lançar um olhar sobre o seu conteúdo, quando o ‘eu’ se torna leitor de si próprio

[...]” (JOSSO, 2010, p. 209).

Ainda quanto às relações do indivíduo com o meio social, Delory-Momberger (2012a)

menciona a transformação dos sistemas políticos e sociais e seus impactos na capacidade de

centralizar e assim integrar os indivíduos. A autora considera essa mudança importante na

contextualização da condição biográfica: (...) “as instituições não tem mais a mesma

capacidade de integração e demandam cada vez mais dos indivíduos que encontrem em si

mesmos as forças propulsoras de sua ação no interior do espaço social” (DELORY-

MOMBERGER, 2012a, p. 20). Penso que as colocações da autora ao abordar as

transformações da contemporaneidade, trazem por certo, as dificuldades de uma sociedade

que não facilita a integração entre os indivíduos, mas, por outro lado, e mesmo de uma forma

não adequada, estimulam uma responsabilização individual. Parece-me coerente por esse

prisma considerar o indivíduo como o agente da sua vida que, ao entender os processos a sua

volta e atuar sobre eles, pode exercitar a essência da condição humana. É fato observar a

demanda por uma atuação individual de maior extensão e complexidade que permita

considerar o contexto, mas buscar em si mesmo, os recursos para interpretar a realidade e

tomar ações que comunguem interesses individuais e coletivos. Esse comungar envolve tomar

ações que para ele façam sentido.

É nesse contexto que o indivíduo deverá desenvolver-se sob todos os aspectos, em

alguns momentos sendo obrigado a tornar-se um ser único e em outros, sendo direcionado a

seguir padrões considerados socialmente e/ou profissionalmente aceitos. Quando o mercado

de trabalho, por exemplo, especifica um determinado padrão, com relação ao o que fazer, por

vezes não esclarece o como fazer, até porque, essa orientação pode ser impossível de ser

praticada.

E como considerar as narrativas, enquanto instrumento de pesquisa ou de formação

nesse contexto? A relação entre as narrativas, produto da experiência individual, e o grupo

com o qual o indivíduo se relaciona também pode ser discutida na interface entre o privado e

o público. A principio narrar pode parecer uma atividade particular, mas é uma ação feita para

o público. Prado e Soligo (2007) completam que “narrar tem, portanto, essa característica

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intrínseca: pressupõe o outro. Ser contada ou ser lida: é esse o destino de toda história.”

(PRADO; SOLIGO, 2007, p.3). E a própria história, também requer público? Sim, o primeiro

público é o próprio narrador, ao eleger fatos que merecem o “palco” das suas memórias.

O narrar enquanto atividade voltada a uma “cultura de si”, conforme Delory-

Momberger (2012a) é despertado, na atualidade, mais através de uma imposição do que por

um estímulo à subjetividade. Mesmo os desejos individuais, tornam-se praticamente

institucionalizados, pois são pensados com base nas demandas exteriores. No mundo do

trabalho, em especial nas empresas, a cultura de si é reforçada a partir de um discurso voltado

à empregabilidade, mas que na verdade, tem como foco principal a eficácia de um sistema

econômico (DELORY-MOMBERGER, 2012a, p.57).

Penso que essa situação, pelo menos em parte, seja real, embora, na minha trajetória,

presenciei vários profissionais imbuídos em ampliar suas competências e buscar ampliar sua

empregabilidade. E acredito que o profissional deva realmente ser o agente da sua carreira, da

mesma forma, que o aluno deve ser o agente do seu processo de aprendizagem. Porém,

acredito que ser o agente e utilizar as narrativas de vida como oportunidade de (re) conhecer-

se, requer um espaço favorável para fazê-lo. Ou seja, em minha concepção, há limites para a

cultura de si de forma isolada e como imposição. Narrar ou (auto) biografar requer reflexão,

que em minha concepção, necessita de ajuda. Não consigo conceber um processo reflexivo

sem uma direção apropriada. Chego a pensar numa criança, que colocada de castigo, é

orientada a refletir... Mas sobre o que? Penso que com alguns adultos, em situações

profissionais e abandonados a uma condição de narrar-se ou “vender-se”, a situação seja

semelhante.

Além das dificuldades envolvidas no contexto citado e que podem ampliar as

dificuldades para narrar a própria história, pode existir também o medo, ou uma crença de que

as experiências vividas são pouco relevantes, o que talvez caracterize o mesmo sentimento, o

medo. Mas uma experiência que pode contribuir para o exercício do narrar a própria história é

o Memorial de Formação.

Um memorial de formação é acima de tudo uma forma de narrar nossa história por

escrito para preservá-la do esquecimento. É o lugar de contar uma história nunca

contada até então – a da experiência vivida por cada um de nós.

Um memorial (...) é o registro de um processo, de uma travessia, uma lembrança

refletida de acontecimentos dos quais somos protagonistas.

Um memorial de formação é um gênero textual predominantemente narrativo,

circunstanciado e analítico, que trata do processo de formação num determinado

período – combina elementos de textos narrativos com elementos de textos

expositivos (os que apresentam conceitos e ideias, a que geralmente chamamos

‘textos teóricos’) (PRADO; SOLIGO, 2007, p.7).

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Engajar-se na história vivida implica trazer temas e situações silenciadas, esquecidas

ou guardadas na memória. A memória, objeto de discussões e estudos no cenário da pesquisa

biográfica não é aprofundada neste trabalho, mas vale como reflexão, a referência apresentada

por Nunes (2003, p.4): “Arrumamos a memória de acordo com nossos sentimentos e crenças e

realizamos um grande investimento para esquecer parte das nossas vivências, talvez até maior

do que o esforço para mantê-las”.

Como ilustração de memória “arrumada por sentimentos e crenças”, neste momento,

resgato o meu memorial de formação e me lembro do meu pai, um exímio narrador... Ele

conseguia transformar situações problema em grandes “causos” e mesmo que o tema não

favorecesse, ele os revestia de alegria. Mas não uma alegria escrachada ou facilmente

percebida; uma alegria disfarçada que, por se mostrar-se inicialmente velada, fazia com que

os ouvintes permanecessem atentos, se divertissem e aprendessem como ele havia resolvido

aquela situação, aparentemente difícil. Ele permitia que se biografasse o seu jeito de ser.

Delory-Momberger (2012a) elucida essa situação ao ponderar que:

(...) é na linguagem e na lógica da narrativa que ‘vivemos’ as mais raras e singulares

aventuras e os fatos mais cotidianos e rotineiros. Não cessamos de nos biografar,

isto é, de inscrever nossa experiência nos esquemas temporais orientados que

organizam mentalmente nossos gestos, nossos comportamentos, nossas ações,

conforme uma lógica de configuração narrativa (DELORY-MOMBERGER, 2012a,

p.41).

Realmente, todos são narradores, personagens principais de uma pesquisa biográfica.

E para seguir com a conversa sobre essa metodologia, considero importante um olhar sobre o

que “constitui o seu projeto epistemológico específico”, necessidade apontada por Delory-

Momberger (2012). A autora aborda como questão central, as inter-relações entre o indivíduo

e seu contexto e os impactos no processo de tornar-se um ser único.

Logo, essa questão convoca muitas outras concernentes ao complexo de relações

entre o indivíduo e suas inscrições e entornos (históricos, sociais, culturais,

linguísticos, econômicos, políticos); entre o indivíduo e as representações que ele

faz de si próprio e das suas relações com os outros; entre o indivíduo e a dimensão

temporal de sua experiência e de sua existência (DELORY-MOMBERGER, 2012,

p. 523).

A inter-relação tem nas linguagens aqui especificadas pela autora como “códigos,

repertórios, figuras de discurso” (...) os principais recursos para que os indivíduos percebam e

troquem entre si, as suas percepções sobre os fatos e experiências. E esse processo de atribuir

significados específicos às experiências e “tornar-se único”, constitui o objeto da pesquisa

biográfica (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 524).

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E a abordagem desse objeto de pesquisa, conta com recursos contemplados por essa

metodologia nos quais é possível perceber a presença da linguagem, seja na sua utilização

direta do recurso, seja para expandir a sua compreensão ou mesmo para resgatar aquele fato

guardado na memória:

A pesquisa autobiográfica - Histórias de Vida, Biografias, Autobiografias,

Memoriais - não obstante se utilize de diversas fontes, tais como narrativas, história

oral, fotos, vídeos, filmes, diários, documentos em geral, reconhece-se dependente

da memória. Esta é o componente essencial na característica do (a) narrador (a) com

que o pesquisador trabalha para poder (re) construir elementos de análise que

possam auxiliá-lo na compreensão de determinado objeto de estudo (ABRAHÃO,

2003, p. 79).

Os recursos utilizados na pesquisa biográfica implicam na existência de uma relação

de interdependência entre o indivíduo e o seu entorno, enfatizado por Delory-Momberger

(2012):

Nessa interface do individual e do social – que só existem um por meio do outro,

que estão num processo incessante de produção recíproca – o espaço da pesquisa

biográfica consistiria então em perceber a relação singular que o indivíduo mantém,

pela sua atividade biográfica, com o mundo histórico e social e em estudar as formas

construídas que ele dá à sua experiência (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 524).

Alheit (2011) considera a atividade biográfica como “a capacidade de combinar os

processamentos internos com as condições externas de sociabilidade” (ALHEIT, 2011, p. 31).

Trata-se de um caminho de conexão entre “o pensar e o agir humanos”, num determinado

tempo e espaço escolhidos pelo narrador. Delory-Momberger (2012) comunga com Alheit

(2011) e destaca a atividade pelo seu caráter processual. Completa que “remetem a todas as

operações mentais, comportamentais e verbais pelas quais o indivíduo não cessa de inscrever

sua experiência e sua ação em esquemas temporais orientados e finalizados” (DELORY-

MOMBERGER, 2012, p.525).

Um dos instrumentos utilizados para identificar pistas do caminho percorrido entre o

pensar e o agir do personagem foco deste estudo são as narrativas. Essa abordagem é

conciliada com a análise documental, considerando as características específicas do

personagem quanto a sua produção acadêmica.

O objetivo da entrevista ou pesquisa narrativa não é obter as “verdades” sobre

determinado fato. Até porque, não se espera extrair elementos que possam ser transformados

em regras. Mas então, o que esperar de uma abordagem com tais características? Silva (2010)

relata uma expectativa inicial quanto a esse instrumento não condizente com as pesquisas nas

áreas das Ciências Humanas:

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Inicialmente tínhamos a perspectiva de que as narrativas constituíam a mais

fidedigna descrição dos fatos e era esta fidedignidade que estaria ‘garantindo’

consistência à pesquisa. Logo nos apercebemos que as apreensões que constituem

as narrativas dos sujeitos são a sua representação da realidade e, como tal, estão

prenhes de significados e reinterpretações (SILVA, 2010, p. 9).

A princípio pode parecer que as narrativas tem menor representatividade perante o

universo da pesquisa que conforme o entendimento das “ciências duras” requer comprovação.

Mas será pouco o compartilhar de experiências guardadas na memória e reconhecidas pelo

indivíduo como significativas e que possam ser acolhidas por outros com experiências

semelhantes? Em minha concepção, as narrativas abordam processos que por si só já se

revelam complexos: a percepção da realidade e a coragem de compartilhar o que é percebido.

O ato de contar histórias, aquelas que para o indivíduo são verdadeiras e que

representam o seu retrato da realidade, constituem o material que é trazido para o contexto da

pesquisa biográfica. O conhecimento é único, ou seja, nasce de uma experiência singular, que

embora parta de um contexto e da relação do indivíduo com o seu meio social, é reconhecida

por ele através das suas lentes as quais não se preocupam em ser emprestadas para que outros

indivíduos reconheçam outras situações. Além dessa singularidade é necessário reconhecer o

processo envolvido como ensina Santos (1987), ao considerar que “o ato do conhecimento e o

produto do conhecimento eram inseparáveis” (SANTOS, 1987, p.50).

Bertaux (2010) nesse contexto pondera sobre a utilização das narrativas:

O objeto da pesquisa é elaborar progressivamente um corpo de hipóteses plausíveis,

um modelo baseado em observações, rico em descrições de mecanismos sociais e

em proposições de interpretação (mais do que explicação) dos fenômenos

observados (BERTAUX, 2010, p. 31).

Evangelista e Cruz (2016) corroboram a posição de Bertaux (2010) e reforçam que

“com as narrativas podemos compor contextos históricos reveladores para a discussão do

objeto da pesquisa” (EVANGELISTA; CRUZ, 2016, p. 181). Os autores citados abordam a

amplitude das narrativas no sentido de contemplarem as “singularidades e generalidades”. A

amplitude das narrativas não indica, porém, que em algum momento haja um afastamento do

foco, entendido por Bertaux (2010), como “as funções das narrativas de vida”. O autor reforça

a “intenção de conhecimento e a intenção analítica” presentes nesse tipo de instrumento

(BERTAUX, 2010, p. 65).

Com essas intenções claras penso ser importante para o pesquisador preparar-se para

abordá-las junto aos entrevistados, aliás, no caso deste trabalho o esclarecimento das

intenções era aguardado com certa ansiedade pelos envolvidos.

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A primeira função cumprida é denominada por Bertaux (2010), de “função

exploratória”: “nessa fase, as primeiras entrevistas têm a função principal de iniciá-lo (no

caso, o pesquisador) nas particularidades do terreno ou do fenômeno que ele escolheu para

pesquisar” (BERTAUX, 2010, p. 67). Relato em seguida, como ilustração dessa função

exploratória, algumas informações obtidas nessa fase do presente trabalho e que serão

consideradas para interpretação numa parte específica.

As atividades realizadas permitiram uma sondagem sobre o personagem, suas ações e

suas obras. Inicialmente foram feitos alguns contatos individuais e a partir de cada um, novas

indicações de pessoas potencialmente “narradoras” eram feitas. Os contatos individuais foram

informais, ou seja, sem um roteiro com perguntas planejadas, e com abertura para que o

entrevistado fizesse a sua abordagem sobre o personagem. Essa fase contou com uma

abordagem, através de convite, para 06 pessoas do meio acadêmico, que conviveram com

Manoel Isaú em Americana e 04 pessoas do meio religioso que conviveram com ele em São

Paulo e na região de Campinas. Esses contatos iniciais geraram novas indicações para a fase

posterior das entrevistas, inclusive indicações de pessoas da família de Manoel, até então não

conhecidas. Nos contatos com pessoas do meio acadêmico, as habilidades de Manoel como

pesquisador e como salesiano foram destacadas e sua preocupação com a educação dos jovens

também foi bastante ressaltada. A abordagem inicial feita com pessoas do meio religioso

restringiu-se à disponibilização de material sobre o personagem.

Outra oportunidade, que mesmo sem ter sido planejada com esse objetivo, contribuiu

para a fase exploratória da pesquisa, foi quando fiz uma apresentação do Projeto de Pesquisa,

ainda em sua fase inicial, e em formato de banner, na Mostra Acadêmica no UNISAL de

Americana. Destaco o formato porque nessa situação o material fica exposto e os

participantes, dentre eles alunos, professores e o próprio avaliador do trabalho, tem acesso ao

conteúdo. Essa situação traz, a meu ver, uma marca especial, pois as pessoas que tiveram

acesso ao conteúdo e o comentaram, o fizeram espontaneamente, ou seja, sem nenhum

questionamento. A expressão de algumas pessoas era de surpresa, mas também eram

acompanhados de alguns comentários marcantes: “ele merece uma pesquisa, ele fez muito

pelos alunos, eu assisti a sua última aula e jamais o esquecerei, ele sempre tinha uma palavra

motivadora para os alunos, ele era muito humilde, ele me entregou certa vez um bilhetinho

com uma mensagem que ainda tenho guardado...”. Nesse momento, três relatos espontâneos

foram mais marcantes e uma das pessoas declarou ter tido uma convivência com Manoel que

gostaria de compartilhar posteriormente. Essa situação, envolvendo principalmente o

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elemento espontaneidade, muito me estimulou a seguir na busca das percepções sobre esse

personagem, suas obras e suas singularidades.

A próxima fase, a partir da seleção de pessoas do convívio com Manoel no Estado de

São Paulo, segue com as narrativas, com base em perguntas tidas como referências. Flick

(2009) reforça a importância do foco das perguntas:

Se a intenção for fazer surgir uma narrativa que seja relevante para a questão de

pesquisa, deve-se formular a pergunta gerativa de narrativa com clareza, mas que

esta seja, ao mesmo tempo, específica o suficiente para que o domínio experimental

interessante seja dotado como tema central (FLICK, 2009, p. 165).

Mesmo pensadas previamente é importante ressaltar que as perguntas não representam

um roteiro rígido de questões, mas sim, um ponto de partida, com determinado foco. O

Apêndice I tem a finalidade de mostrar o conteúdo prévio do roteiro de perguntas.

Delory-Momberger (2012) reforça essa característica das narrativas: “a finalidade da

entrevista é mesmo colher e ouvir, em sua singularidade, a fala de uma pessoa num momento

x de sua existência e de sua experiência” (DELORY-MOMBERGER, 2012, p.526). E os

depoimentos colhidos trazem situações singulares, vividas em tempos e locais diferentes.

As narrativas coletadas neste trabalho tem algo em comum: são repletas de muitas

histórias a contar sobre o personagem. E não são quaisquer histórias, ou seja, não se tratam de

histórias ouvidas, mas histórias vividas e em alguns casos, sofridas, que compartilhadas com

Manoel, tornam-se experiências marcantes. Todos os relatos encontram-se nos Apêndices (II

a IX) e seguem abordados na fase da interpretação dos dados.

Existiram relatos obtidos e aqueles que, apesar de algumas buscas, não se realizaram.

As informações obtidas, como também as não obtidas, serão posteriormente interpretadas

como alertam Evangelista e Cruz (2016, p.181) ao diferenciarem a metodologia da pesquisa

biográfica da metodologia das chamadas “ciências duras”: “a falta de dado também é um dado

e trabalhamos com ela”. Até porque, numa pesquisa de caráter biográfico, um dado ou a falta

dele traz consigo uma história, construída a partir de uma experiência compartilhada e repleta

de significados. Vale adiantar que, no contexto religioso, embora sucessivas tentativas tenham

sido feitas, apenas uma pessoa do convívio com Manoel Isaú, se dispôs a compartilhar a sua

convivência.

Os autores completam sobre o objetivo maior da pesquisa:

A investigação narrativa, enquanto método de pesquisa possibilita ao

pesquisador/narrador mais do que rever a prática pedagógica, isto é, rever o seu

pensar e o seu fazer, mas promove um movimento reflexivo e dialógico, a partir da

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inter-relação entre suas escolhas pessoais e as que o levaram ao estudo e à pesquisa e

na investigação da prática profissional (EVANGELISTA; CRUZ, 2016, p. 184).

Esse objetivo maior é referenciado através de um dos depoimentos em que o

entrevistado observa que “falar sobre o Manoel significa resgatar a sua própria história”.

E como favorecer com que essas histórias sejam revisitadas? Afinal, o tempo é outro,

o local é outro e o indivíduo, talvez não seja outro, mas talvez tenha um novo olhar. Um olhar

que priorize não os erros ou acertos, mas sim as reflexões e as lições que possam contribuir

para o processo educativo praticado nas instituições salesianas. E como compartilhar essas

lições e revertê-las em aprendizado? Penso na necessidade de um “fio condutor” que as

direcione nesse sentido. Os valores salesianos?

1.2. A Educação Sociocomunitária: uma “casa” propícia para acomodar um “Baú de

Histórias2”?

A intervenção em seres humanos é algo que se faz por convite,

jamais por invasão.

Manoel Isaú (2000, p. 21)

A epígrafe utilizada para o início deste subitem foi extraída da introdução ao livro

“Luz e Sombras” (2000), de autoria do personagem principal deste trabalho. O contexto

envolvido é a discussão sobre a educação e as formas de abordagem ao indivíduo ou ao grupo.

Chama-me a atenção a questão do “convite”, porque em minha concepção, traz em si, a

necessidade de algumas condições que o favoreçam. Condições estas que envolvam uma

proximidade no sentido de facilitar o entendimento de particularidades da situação, percebidas

pelos indivíduos como oportunidades de intervenção. Penso que essa aproximação, numa

situação educacional ou de pesquisa que, numa abordagem biográfica coexistem, torna-se a

base para um sentimento de confiança e, dessa forma, desencadear um convite. Para o autor

há ainda que se considerar o “princípio da autoridade” que aliado ao “princípio de equilíbrio”,

favorece intervenções que não são impostas, mas sim, dialogadas (SANTOS, 2000, p. 21).

Penso ser esse o sentido do convite, ou seja, o resultado gerado a partir de uma aproximação

planejada e que permite através de uma relação, que aos poucos se caracterize pela confiança,

a identificação de situações percebidas pelo indivíduo ou pelo grupo, como oportunidades de

melhoria e/ou aprendizado.

2 O termo referencia o livro intitulado “Um Baú de Histórias - Narrativas e Formação”, organizado por Adriana

Alves Fernandes Vicentini e Francisco Evangelista (2014).

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Pensar em intervenções conforme a concepção abordada é a meu ver, pensar num

campo de pesquisa em educação sociocomunitária, aqui considerado como contexto favorável

a uma abordagem biográfica como opção metodológica. É pensar também na linguagem,

como recurso essencial para a atuação envolvendo ambos os temas, cuja relação pode ser

reforçada por Souza (2006), ao abordar que o distanciamento envolvido em momentos do

narrar, também é “marca de autonomia”, foco da atuação no campo da educação

sociocomunitária (SOUZA, 2006, p. 143).

Outro aspecto que me vem à mente é uma conversa em uma das aulas do Programa de

Mestrado, em que um colega mostra-se desconfortável com a palavra “intervenção”. Entendo

que mais relevante do que o sentido dessa palavra é a forma de fazê-la. E no campo da

educação sociocomunitária acredito que exista apenas uma forma: em conjunto! Ao tratar

desse conjunto, Antonio (2012), destaca o papel do pesquisador em educação

sociocomunitária, “concebido como interlocutor e como intérprete dos sujeitos pesquisados,

tanto no trabalho de investigação, como no de elaboração lógico-expositiva” (ANTONIO,

2012, p. 54).

Para tornar-se “interlocutor” é necessário a princípio, aproximação e interesse para

construir algo em conjunto, e a partir desse início, exercitar e alternar entre o narrar e o

escutar.

Para tornar-se “intérprete”, penso ser importante antes, conforme os debates durante as

aulas do Mestrado, o resgate do sentido da palavra “interpretar”, que envolve discussão acerca

dos valores. Discutir o sentido de alguma coisa requer considerar as “várias acepções que esse

vocábulo tem: sensação, sentimento, significado, rumo” (ANTONIO, 2012, p. 56). E é

também com esse sentido que Scheler (2012) discute a questão dos valores, a partir das ações

do “observar e do sentir” (SCHELER, 2012, p. 145). Observar parece uma ação recomendável

numa situação de pesquisa e intervenção. Mas e o sentir? Numa relação de intervenção

conjunta há que se considerar o sentir, até porque, ao pensar nos sentimentos, resgato a

palavra emoção e encontro “movimento” através da sua raiz, movere. É necessário ponderar

que não me refiro à emoção que advém de sentimentalismos, combatida por Dom Bosco,

personagem inspirador das ações e das obras de Manoel Isaú, mas uma emoção que mova o

conjunto, a partir das necessidades percebidas pelos envolvidos em situações de intervenção,

mas necessidades percebidas com racionalidade, conforme a concepção salesiana.

Acredito ser importante também, fazer um breve resgate de conceitos que permeiam o

campo da educação sociocomunitária, considerando a amplitude de significados que os

envolvem, e as transformações sociais, como ensina Morais (2006). Apesar da complexidade

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envolvida, pois como completa o autor, “há termos que nascem para uma rica trajetória”, o

mesmo percebe a situação com positividade para as pesquisas nesse campo: “Palavras

conceituais e ricas em articulações como educação, cultura, sociedade e comunidade, por

exemplos, só assustam a investigadores de pouca disposição, pois, na verdade, são

apaixonantes convites à reflexão” (MORAIS, 2006, p. 35).

Não é objeto deste trabalho uma discussão teórica sobre o campo da educação

sociocomunitária3 mas sim, uma discussão da abordagem feita por Manoel Isaú nas suas obras

e nas ações que praticou, conforme percepção de algumas pessoas que com ele conviveram,

nos diversos contextos. Essa discussão será feita na parte deste trabalho destinada à

interpretação das informações coletadas.

Sigo com algumas considerações que ajudem a contextualizar essa área de pesquisa,

que apesar de jovem, desperta a crença das suas contribuições para um processo educativo de

caráter não formal.

Morais (2006) reconhece os avanços teóricos na área, principalmente quanto ao

“sentido sócio-político de comunidade”. O autor traz elementos que permeiam a discussão de

desse tema em que o caminho traçado parte, em alguns momentos de uma percepção simplista

e em outros, segue através de extensas teorizações, distantes da realidade mais próxima.

Penso que esse fato também ocorra na discussão de outros temas de complexidade semelhante

e que uma forma de evitar os extremos citados e ampliar as perspectivas de entendimento é a

busca de uma abordagem sistêmica. Morais (2006), ao citar a concepção de Buber (1983), em

que considera “o ser humano como um ser de relações” este ressalta as interações intra e

interpessoais e que podem ajudar na busca dessa abordagem:

Vejamos que a vida humana, do orgânico ao psicoespiritual, é um sistema de trocas

com o entorno. Já se tem dito que o denominado estado de sanidade (a saúde) se dá

quando o nosso organismo faz perfeitamente todas as trocas necessárias com o

ambiente físico; que a situação doentia (doença) ocorre quando nosso sistema de

trocas se encontra comprometido; que o envelhecimento se dá quando tais câmbios

vão ficando crescentemente deficitários e difíceis e que, a morte é a situação na qual

o corpo se torna incapaz de trocas (MORAIS, 2006, p. 47).

A visão de Morais (2006) me remete ao modelo bioecológico de Urie Bronfenbrenner

(1977), pelas semelhanças de concepção quanto ao desenvolvimento humano, como produto

das relações entre o indivíduo e o seu entorno. Bronfenbrenner (1977) percebe essas relações

sob a ótica de quatro fatores, definido por ele como, “processos, pessoas, contexto e tempo”.

3 Para aprofundamento consulte: ISAÚ, Manoel. Da Educação Social à Educação Sociocomunitária e os

Salesianos. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.26, –24, jun. 2007 - ISSN: 1676-2584.

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Não é objeto deste estudo o aprofundamento desses fatores, mas um dos aspectos ressaltados

pelo autor é a interação entre os mesmos e os impactos dessa conjugação no desenvolvimento

do indivíduo:

O processo de desenvolvimento implica em mudanças na vida da pessoa que não são

nem efêmeras, nem pré-determinadas: são resultantes da reorganização da pessoa, e,

numa via de mão dupla, também daquele contexto no qual ela vive, processo que

continuamente transcorre num determinado espaço/tempo (BRONFENBRENNER,

1977, p.2-3).

Morais (2006) ao discutir a concepção de Buber (1983), mantém o foco na relação

entre indivíduo e seu entorno, embora não seja específico quanto aos fatores que a permeiam

como o faz Bronfenbrenner (1977).

O fato fundamental da existência humana não é nem o indivíduo enquanto tal nem a

coletividade enquanto tal. Ambas estas coisas, consideradas em si mesmas, não

passam de ser formidáveis abstrações. (...) O fato fundamental da existência humana

é o homem com o homem (MORAIS, 2006, p. 46).

Penso que mesmo com abordagens específicas ou generalistas, os autores comungam

de concepções semelhantes quanto à necessidade da ampliação das perspectivas para o

entendimento do desenvolvimento do indivíduo, processo este mediado socialmente. Segundo

Jung (1987) é na relação humana que o conhecimento vai circular; “ser, é ser com...”. Nessa

relação emerge o sentido do que é social e que pode tornar-se comum a partir de necessidades

e de ideias que se comungam. E como comungar esses conceitos no campo da educação

sociocomunitária, sem buscar definições que os distingam?

Morais (2006) aborda a questão da complementariedade entre os conceitos de

sociedade e comunidade e destaca a característica de “síntese”, e não de “somatória”,

atribuída ao termo sociocomunitário:

Sociedade e comunidade, nem no nível do senso comum e nem no de concepções

filosóficas, epistemológicas ou científico-sociais são realidades iguais; como lembra

Bohr, são complementares exatamente por serem diferentes e, no recíproco efeito de

complementação, originam uma terceira instância do real: a do sociocomunitário

(MORAIS, 2006, p. 55).

Em minha concepção, Morais (2006), posiciona essa complementariedade e ao mesmo

tempo resgata os conceitos de sociedade e comunidade, ao observar que, “se a sociedade

voltar a ser constituída por células comunitárias, competiremos menos e nos solidarizaremos

mais. Haverá finalidade mais elevada para a educação?” (MORAIS, 2006, p. 57). Certamente

não. Esse é o foco maior de um processo educativo. E um processo educativo no campo da

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educação sociocomunitária? Pode ser mediado tendo em vista relações mais solidárias e

menos competitivas? E como as narrativas podem tornar-se um instrumento que ampliem tais

perspectivas?

Retorno à analogia inicial e na busca de respostas, percebo sim, no campo da educação

sociocomunitária, uma morada propícia para um “Baú de Histórias”. Histórias que a memória

destaca e que, impregnadas de sentidos, estão prontas para serem narradas e compartilhadas

com outros indivíduos e num dado momento, podem representar um estímulo a novas

perspectivas de atuação. Acredito, portanto, que a educação sociocomunitária é um campo

fértil, inclusive, para a utilização da pesquisa biográfica e das narrativas. Entendo como um

reforço a essa percepção as palavras de Antonio (2012), ao argumentar que,

(...) as pesquisas em educação sociocomunitária revelam-se também experiências

educativas, para quem pesquisa e para quem é pesquisado, que reciprocamente se

educam. Experiências de diálogo, de descoberta e constituição de conhecimento em

que os sujeitos aprendem e ensinam, uns com os outros e uns aos outros. Assim, a

ciência é necessária, mas não é suficiente: a pesquisa se entretece como encontros

humanos, que precisam de arte e poesia em sua criação e recriação de sentido

(ANTONIO, 2012, p. 55).

Essa troca entre as pessoas que as narrativas favorecem, seja através da linguagem

verbal ou escrita, é também evidenciada na obra e nas ações do personagem deste estudo,

Manoel Isaú, aspectos que serão explorados na parte destinada à interpretação dos dados.

Além das narrativas, este trabalho também conta com a análise documental de

algumas obras deste personagem, na busca das suas contribuições e das suas particularidades.

1.3. Os Documentos: quais histórias eles “narram”?

Sigo a abordagem acerca do referencial metodológico, na busca de instrumentos

complementares que me auxiliem no entendimento do personagem, que é um pesquisador,

escritor e um apaixonado pelos livros. Deparo-me com uma biblioteca, a qual alguns

depoimentos referenciam, e que realmente é bastante vasta, tanto em quantidade de material

como também, quanto à diversidade dos temas. Pude constatar esses dados, através de visitas

à biblioteca do Campus Maria Auxiliadora em Americana, local onde estavam armazenados

os livros e também, através de um levantamento que discriminava todos exemplares que

compunham a biblioteca de Manoel Isaú.

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Além dos livros, encontro no Colégio Dom Bosco, também em Americana, mais

documentos: as últimas agendas, algumas fotos, alguns cartões. Tais documentos são em

menor quantidade, quando comparados àqueles disponibilizados pela família.

Esse contexto por si só, já contribui para a escolha de mais um instrumento de coleta

de dados para a pesquisa: a análise documental.

Mas o que todos esses documentos “dizem” a respeito deste personagem? E o que eles

“omitem”?

O objetivo deste item é discutir um breve referencial teórico quanto à utilização de

documentos como dados e apresentar reflexões iniciais acerca de alguns, como possíveis

caminhos para a fase da interpretação dos dados.

Primeiramente, acredito que seja necessário entender a “linguagem” dos documentos,

posicionando-os como comunicadores de uma percepção sobre o personagem. No caso deste

trabalho, os documentos são utilizados como elementos complementares aos depoimentos e

entrevistas narrativas, mas sem a expectativa de que possam validá-las. Flick (2009)

considera que os “documentos devem ser vistos como uma forma de contextualização da

informação” e acrescenta que a maioria das pessoas produz, durante sua vida, inúmeros

documentos, como fotos, diários e correspondências. (FLICK, 2009, p. 230-234). Manoel é

um exemplo, pois, além de guardar fotos, cartões, textos, agendas, os mesmos parecem ter

sido preparados e ordenados para contar uma história. As fotos são identificadas com data,

local, evento.

A foto “Fases da Vida” retratada na Figura 1 mostra Manoel na infância, no ginásio,

como sacerdote e também, as fotos da sua madrinha e de seu padrinho de batismo. Percebo

que essa sequência de fotos mostra o início de sua vida, o início de sua formação, ele como

sacerdote e as imagens dos padrinhos, presentes num momento muito significativo para os

católicos, o batismo. Seriam essas as fases mais marcantes de sua vida? Qual o significado

desse documento através dessa foto? Sim, os documentos possuem significados, que vão além

de uma simples representação física e que podem ser utilizados para a pesquisa, quantitativa

ou qualitativamente, mesmo não tendo sido produzidos para esse fim (FLICK, 2009, p. 232).

Bertaux (2010) alerta para as diferenças de percepção conforme o papel daquele que

se dispõe a extrair significados que contribuam para a ampliação do contexto biográfico: (...)

“as significações de um texto se situam no encontro de dois horizontes, o do sujeito e o do

analista. O que está além do horizonte do analista não pode ser percebido por ele”. O autor

exemplifica ao dizer que as leituras de um “psicanalista e de um sociólogo” do mesmo

material apresentarão “horizontes semânticos diferentes” (BERTAUX, 2010, p. 107).

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Figura 1 ‒ Fases da Vida

Fonte: Acervo da Família

Outro aspecto a destacar sobre a produção de documentos é quanto ao contexto

envolvido: Por que foi produzido? Quem o produziu? Em quais condições? Flick (2009,

p.233) ressalta também, a importância da verificação das “intenções pessoais ou

institucionais” com relação ao documento. Resgato neste momento, a carta mortuária, escrita

por Ferreira (2015) que, inclusive, é um documento de referência para esta pesquisa e lembro-

me que esta me foi apresentada como um resumo feito da vida do salesiano logo após ele

falecer e que é enviado às outras casas salesianas. Penso nas intenções desse procedimento.

Quais serão? Penso também que só conheço o documento escrito sobre Manoel Isaú, do qual

constam vários depoimentos. Terão as demais cartas mortuárias o mesmo formato? Em que a

carta mortuária de Manoel Isaú o singulariza? São perguntas que talvez a única possibilidade

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de resposta seja na comparação desses dados com algumas das práticas do personagem, a

serem observadas a partir das entrevistas narrativas, tema para a fase de interpretação dos

dados.

Diante de vários documentos e de várias possibilidades de obter dados que ajudem no

entendimento do objeto de pesquisa, há uma fase que deve preceder a interpretação, a fase da

seleção dos documentos. Selecionar pressupõe critérios para fazê-lo e Flick (2009) enumera

quatro deles, a partir da contribuição de Scott (1990). Os critérios tratam da “autenticidade,

credibilidade, representatividade e significação” de um documento (SCOTT, 1990 apud

FLICK, 2009, p. 233). O primeiro critério, a “autenticidade” “refere-se à questão sobre se o

documento é um documento primário ou secundário”. A partir dos esclarecimentos fornecidos

pelo autor, entendo, por exemplo, a carta mortuária sobre Manoel como um documento

primário, pois retrata a sua trajetória na Congregação e também, conta com depoimentos de

pessoas que com ele conviveram. Por essa mesma justificativa, percebo que esse documento

também atende ao segundo critério, a “credibilidade” pelo fato do autor também ter convivido

com Manoel, e ao assinar o documento que reúne as informações, responsabiliza-se pelo seu

conteúdo. O terceiro critério, a “representatividade”, busca alertar para a observação do

documento quanto à sua “tipicidade”.

O autor ressalva que para o pesquisador pode ser importante saber se determinado

documento contém os registros “típicos” quando comparado a outros com funções

semelhantes. A descrição geral do que representa a carta mortuária não fornece elementos

para essa distinção, apenas aqueles que retratam a trajetória específica do salesiano em

questão. Mesmo assim, entendo que o resultado dessa apuração pode fornecer um caminho

para a abordagem do quarto critério, a “significação”. Essa “significação” pode ser observada

através dos diferentes impactos nos leitores envolvidos quando comparados aos objetivos

iniciais do autor quando o produziu. O autor ressalva ainda a possibilidade dessa

“significação” ser diferente para o pesquisador, fato este a ser considerado na fase da

interpretação dos dados, a partir da comparação com as demais informações que indiquem

para as práticas do personagem.

Na discussão da análise de documentos como dados, também é necessário ponderar os

possíveis problemas advindos dessa opção. Um deles pode ser a falta de acesso a elementos

significativos. No caso da análise de documentos do personagem a falta de acesso ao seu

computador, por não ter sido localizado, pode representar um fator limitante, pelo fato dele

ser um escritor e pelo fato da informática ser considerada uma de suas últimas paixões. Ainda

com relação aos problemas que podem ser enfrentados, há a questão da legibilidade de

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documentos escritos à mão. No caso desta pesquisa essa dificuldade está presente, por

exemplo, nas legendas de fotos, cartões e algumas páginas de agenda.

Busco exemplos que forneçam elementos para uma caracterização inicial do

personagem e encontro numa das agendas, do ano de 2001, uma pauta de reunião no Colégio

Santa Terezinha, zona norte de São Paulo. Chama-me a atenção nessa pauta, uma primeira

disposição de Manoel para ouvir os pais dos alunos. As perguntas planejadas para a reunião

são: “Por que escolheram esta escola? O que esperam dela? Quais as expectativas em relação

ao trabalho a ser desenvolvido?”.

Nas páginas da agenda também aparece uma regra clara: “não é permitida a entrada

dos pais com os alunos”. É o salesiano que acolhe, mas que também estabelece as regras.

E mais um documento é encontrado e desta vez, no interior dessa mesma agenda,

próximo às páginas que notificam a reunião citada. Trata-se da cópia de duas páginas do livro

“Os sete saberes necessários à educação do futuro”, que inclusive, consta da relação de livros

existente em sua biblioteca. São partes de um capítulo intitulado “Ensinar a compreensão”,

como mostra a Figura 2.

Algumas frases do texto em referência estão grifadas: “Educar para compreender (...)”

e (...) “ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade

intelectual e moral da humanidade”. Trechos utilizados para reunião com pais?

Provavelmente... Percebo como sinais de um salesiano que planeja e se prepara para uma

reunião com os pais, que conduzida por ele ou não, terá a contribuição daquela que talvez seja

a sua maior competência4, os estudos na área da educação. A preocupação com a preparação e

o planejamento das atividades, pode ser observada no desempenho dos vários papéis que

marcam a trajetória de Manoel. Essa preocupação parece ir além da execução da atividade

em si. Por exemplo, como sacerdote, alguns relatos enfatizam a sua preocupação com a

preparação das missas, que tinham as suas mensagens ampliadas, através da entrega de

“bilhetinhos” ao final das celebrações. Esses “bilhetinhos”, aqui utilizados como exemplo de

documentos que reforçam a sua preocupação com a questão da preparação, serão explorados

na fase de interpretação das informações. Outro aspecto a ser observado é no desempenho

dos papéis de pesquisador e educador, em que a preparação e o planejamento das atividades

também parecem ser a sua marca e concentram-se na busca do conhecimento, que é utilizado

para a fundamentação das suas posições. Por exemplo, na sua contribuição para o

4 Utilizo o termo competência considerando a atuação do individuo, a partir dos seus conhecimentos e

experiências, contemplada num fluxo integrado por intenções, ações e resultados, segundo preceitos de David

McClelland (1973). Cf. BRUNO, Marcos Luiz. Seleção por competências. Treinamento In Company. Instituto

Pieron. São Paulo, 2011.

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reconhecimento do Mestrado em Educação de Americana, tema que também será explorado

na fase da interpretação das informações.

Figura 2 ‒ Páginas do livro “Os sete saberes necessários à educação do futuro”

Fonte: Colégio Salesiano Dom Bosco Americana, SP

E os registros na agenda seguem e envolvem reuniões e demais especificações das

atividades com os alunos, como viagens e teatros, e outras com os pais, por exemplo,

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palestras. Atividades tipicamente salesianas, que utiliza os mais diversos recursos para o

aprendizado e que mantém o cunho familiar, ao trazer os pais para a escola.

Continuo a citar exemplos de manuscritos a partir das agendas de Manoel e mesmo

com a dificuldade de entendimento de algumas palavras, acredito que para o objetivo deste

trabalho, seja essencial reconhecer o contexto em que foram escritas. Faço essa abordagem

com relação ao contexto para citar algumas páginas, de mais uma agenda, mas esta, de um

período significativo, do final do mês de fevereiro de 2007. Dias que antecedem o seu

falecimento. Abrem essas anotações a descrição do dia 23/02, conforme a Figura 3, as quais

transcrevo:

Figura 3 ‒ Documento: Agenda - páginas do dia 23 e 24/02/2007

Fonte: Colégio Salesiano Dom Bosco Americana, SP

“Hospitalizado na Unimed, entrei pela manhã. Fui medicado imediatamente e entrei

para uma série de exames cardiovasculares”. O registro segue no dia 24/02 em que são

relatados novos exames e uma visita médica: “atendeu-me o Dr. Maranhão que me atendeu

muito bem (...) recebi visita de todos os SDB e muito obrigado, obrigado de todo o coração

pela carinhosa caridade”.

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Chama-me a atenção essas narrativas descritas na agenda, porque mesmo com o relato

da dor, também descrita, o maior foco é para a relação com as pessoas: o bom atendimento

médico e a ênfase ao agradecimento por aqueles que o visitaram. As relações com as pessoas

mostram-se muito mais fortes e mais significativas do que a dor física. As narrativas desse

período seguem nessa agenda e serão revisitadas na fase da interpretação dos dados.

Como contribuições finais com relação à observação de documentos como dados,

algumas questões ainda se fazem relevantes quanto aos pontos de atenção e ganhos na sua

utilização. Inicio pelos pontos de atenção e observo a necessidade de considerar também,

além do conteúdo, o contexto, a utilização e função dos documentos.

Mas, esse ainda não parece ser o maior desafio, o qual está centrado na habilidade do

pesquisador em compor um cenário que contemple “as relações entre o conteúdo explícito, o

significado implícito e o contexto de funções, bem como o uso e a forma de considerá-lo”. Do

ponto de vista da contribuição metodológica, os “documentos muitas vezes permite que se vá

além das perspectivas dos membros no campo”, além de possibilitarem a aplicação de

“métodos de codificação e de categorização, assim como abordagens analíticas” (FLICK,

2009, p. 236).

Penso que para ponderar pontos de atenção, ganhos e desafios, não apenas com

relação à interpretação de documentos, mas também com relação às narrativas, no contexto da

pesquisa biográfica, deve se considerar o material obtido sobre o personagem, como alguns

dos “(guar)dados da trajetória de vida, de estudo e de trabalho” (RODRIGUES; PRADO,

2015, p. 97). A expectativa é que esses “(guar)dados” sejam entendidos como um ponto de

partida e não de chegada, na percepção de algumas das particularidades do personagem em

sua atuação, considerando o contexto e o grupo com o qual se relacionou, numa dimensão do

tempo e do espaço. E que essas particularidades, que despertaram a motivação inicial para

este estudo, possam representar caminhos a ser trilhados para a continuidade de uma

educação, que nascida como salesiana, se amplie e se atualize num campo de pesquisa da

educação sociocomunitária.

Com o objetivo de explicitar o contexto e suas dimensões quanto ao espaço e o tempo

envolvido, sigo com uma abordagem sobre a educação salesiana e sobre algumas das

variáveis, que do ponto de vista histórico e social, impactaram o seu surgimento e propagação.

Considero que esse trajeto seja importante para o entendimento das obras e da atuação do

personagem nos papéis contemplados por este estudo, tendo em vista os objetivos definidos.

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PARTE II – A EDUCAÇÃO SALESIANA

(...) Possuir um conhecimento histórico não implica ter uma ação mais eficaz,

mas estimula uma atitude crítica e reflexiva.

António Nóvoa (1999, p. 13)5

Partindo da reflexão proposta por Nóvoa (1999), inicio esta seção, tendo como foco a

discussão do contexto geral e seus impactos no processo educativo, principalmente no que se

refere ao cenário que contribui para o nascer e o frutificar de um sistema educativo

caracterizado como preventivo pelo seu fundador, João Bosco ou Dom Bosco, como é

conhecido.

2.1. Histórico

O Projeto da Educação denominado como Salesiana, é uma homenagem de Dom

Bosco a São Francisco de Sales e fundamenta-se em valores alinhados numa tríade composta

pela “razão, religião e amorevolezza”, palavra esta, sem tradução para o português. A obra

educativa de Dom Bosco tem início com uma obra denominada como “Oratório” de Valdoco,

em que reunia jovens carentes para atividades que, alinhadas aos seus interesses, eram

transformadas em recursos de aprendizagem.

Para abordagem das principais características do sistema preventivo conforme a

concepção de Dom Bosco, trago no decorrer deste estudo, autores que considero apropriados

para esta conversa, mas, priorizo o olhar do salesiano Manoel Isaú, buscando identificar, já na

sua percepção do cenário e do próprio sistema educativo, as particularidades que contribuem

para a formação do seu conjunto biográfico e da sua obra.

Entendo ser importante esta parte para o estudo em referência, pois ao abordar a

educação salesiana, contribui para o alinhamento do contexto que tanto influenciou as

concepções e as práticas do personagem principal da pesquisa.

Por falar em particularidades, além de abordar o contexto em si, e os principais

acontecimentos sociais, econômicos e políticos que marcaram sua época e que, igualmente,

impactaram as demandas educativas, esta parte do trabalho também apresenta aspectos

específicos da atuação de Dom Bosco.

5 Apresentação a Franco Cambi. História da Pedagogia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, p.13.

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A vida de Dom Bosco transcorre entre 16 de agosto de 1815 e 31 de janeiro de 1888.

O seu nascimento coincide com a data que marca a definitiva passagem da Europa

do antigo regime para a idade contemporânea, em função das convulsões sociais

impressas ao curso histórico pela Revolução Francesa e pelo Império Napoleônico

(1789-1814) (DAMAS, 2002, p.12).

Braido (2008) se atenta à relação de Dom Bosco com seu tempo, oportunizando

momentos de troca entre ambos, ou seja, propõe uma análise das suas realizações naquele

período, mas, também, observa as contribuições que recebeu. O autor destaca que o próprio

Dom Bosco nos seus escritos, referencia momentos significativos do período e os impactos

sobre suas ações.

Motto, Prellezo e Giraudo (2015) reforçam essa troca.

Do seu tempo ele (Dom Bosco) herdou concepções, hábitos, heranças históricas e

aspirações de diversos tipos; por sua vez, deixou nele o sinal de sua passagem , das

suas realizações e dos seus sonhos. Turim, o Piemonte e a Itália da segunda parte do

século XIX teriam sido diferentes sem a presença ativa da Obra Salesiana nascida

em Valdocco; inclusive a própria Obra Salesiana, no mundo, assumiria uma feição

certamente diversa, caso tivesse surgido em outro contexto histórico e geográfico.

(...) Nesse amplo mosaico, sua figura assume um relevo específico, revela os traços

que o caracterizam, deixa entrever os refolhos mais íntimos da sua alma, as luzes e

as sombras que o assemelham a outros personagens do seu tempo ou que deles o

distinguem (MOTTO; PRELEZZO; GIRAUDO, 2015, p. 10).

Damas (2002) argumenta que contexto é importante sim, mas observa que mesmo

tendo sua vida e seus sonhos impactados por um “momento político, econômico, social e

eclesial bem determinado”, Dom Bosco consegue demonstrar o seu estilo próprio, quando

“escolhe a saída da prevenção pedagógica”6. A escolha pela prevenção implica num

compromisso com a formação integral do homem, retratada na visão de Dom Bosco, por meio

de uma relação que reflete a sua própria trajetória: “o bom cristão corresponde ao honesto

cidadão” (DAMAS, 2002, p.12).

Penso que tanto Motto, Prellezo e Giraudo (2015) como Damas (2002), convergem na

questão dos impactos mútuos entre Dom Bosco e seu entorno, como também, das ações que o

individualizam quando comparado a outros agentes do processo educativo naquele período.

Porém, Damas (2002) apresenta, a meu ver, uma reflexão adequada a questão do “estilo

próprio” quando cita o pensamento de Halbwachs (1990): “[...] a individuação surge e sempre

se impõe ao coletivo, pois não se dilui na trama coletiva da existência” (HALBWACHS,1990

apud DAMAS, 2002, p.13).

6 Para maior aprofundamento com relação às características preventivas do sistema educativo, conforme a

concepção de D. Bosco consulte: SANTOS, Manoel Isaú Souza Ponciano dos. Luz e Sombras Internatos no

Brasil. São Paulo: Ed. Salesiana Dom Bosco, 2000. 524 p.; BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir: o sistema

educativo de Dom Bosco. São Paulo: Editora Salesiana, 2004. 375 p.

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Gosto de pensar na questão da individuação dessa forma, talvez pelo fato de colocar

em evidência o ser humano com suas particularidades, ideia que converge com o objeto deste

estudo. Como complemento a essa ideia, Silveira (1981), resgata a concepção de Jung7 no

processo de individuação. A autora destaca a tendência do indivíduo ao desenvolvimento,

através da percepção consciente dos momentos de “conflito e colaboração”, que contribuem

para a “realização de um indivíduo específico e inteiro” que não implica num indivíduo

perfeito, nem tampouco, num indivíduo com traços de egocentrismo. Trata-se de um processo

que visa um completar-se, com possibilidades de atuação que permitam a realização daquilo

que é mais singular no indivíduo (SILVEIRA, 1981, p.87).

A discussão do conceito da individuação reflete, a meu ver, características específicas

do objeto deste estudo: as possíveis particularidades demonstradas por um salesiano, Manoel

Isaú, a partir de um conjunto de outras particularidades, entrelaçadas por Dom Bosco no seu

projeto educativo. A relação do indivíduo com o seu contexto e as diferenças na sua atuação,

refletindo aspectos da sua singularidade também são incorporadas por Jung (1987) no

conceito da individuação:

A individuação, no entanto, significa precisamente a realização melhor e mais

completa das qualidades coletivas do ser humano; é a consideração adequada e não o

esquecimento das peculiaridades individuais, o fator determinante de um melhor

rendimento social. A singularidade de um indivíduo não deve ser compreendida

como uma estranheza de sua substância ou de seus componentes, mas sim como

uma combinação única, ou como uma diferenciação gradual de funções e faculdades

que em si mesmas são universais. Cada rosto humano tem um nariz, dois olhos, etc..,

mas tais fatores universais são variáveis e é esta variabilidade que possibilita as

peculiaridades individuais (JUNG, 1987, p.49-50).

A discussão do conceito da individuação, na concepção de Jung (1987), possibilita

uma perspectiva de atuação do indivíduo em que as suas particularidades possam não apenas

ser acolhidas pelos demais em seu contexto, mas que também possam ser aproveitadas ao

máximo, em prol de um aprendizado que somente é possível pela mediação social.

Pensar num ser humano que reconhece num determinado contexto, aspectos que

convergem com as suas crenças e propósitos e que, ao atuar nele, desperta os demais para

uma ação conjunta, favorecendo as relações sociais, me chama a atenção.

O próprio Manoel Isaú (2007) complementa tal ideia ao mencionar um dito filosófico

antigo, por meio do qual relaciona ações individuais com formas de agir, além de reforçar a

vocação social do ser humano:

7 Carl Gustav Jung (1875-1961) foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço, fundador da psicologia analítica.

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[...] a ação segue o ser e o modo de agir segue o modo de ser (VARVELLO, 1946

apud ISAÚ, 2007, p.3).

Por definição, o homem é vocacionado naturalmente a viver em grupos, em

comunidade, em sociedade: Ele é um ser de relações comunitárias, de relações

sociais (ISAÚ, 2007, p. 3).

As ações caraterizadas pelas particularidades do ser humano e sua relação com o

entorno, permeiam este trabalho nas partes seguintes, por estarem no foco da discussão do

objeto deste estudo. Neste momento, retorno o foco para o histórico, buscando elementos

que auxiliem na compreensão do surgimento da ideia da prevenção.

Retorno ao século XIX. Na Europa desse período há ocorrências impactantes em todos

os setores da sociedade: a Revolução Industrial na Inglaterra, a Revolução Francesa e o

imperialismo Napoleônico na França.

Damas (2002) recorre à citação de Kennedy (1989) para destacar a diferença desses

momentos na França: “a revolução francesa, com a força das ideias e o imperialismo

Napoleônico, com a força das armas” (KENNEDY, 1989 apud DAMAS, 2002, p.14).

A revolução Francesa, cujas ideias básicas foram transmitidas por Napoleão ao resto

da Europa Ocidental, junto com a experiência da Itália sob o governo de Napoleão

no campo político, social, militar, econômico e ideológico, influenciaram o

pensamento italiano e a evolução futura do Ressurgimento (LENTI, 2012, p. 126).

Lenti (2012) estabelece um contraponto quanto à influência Napoleônica na Itália. Se,

por um lado, a atuação de Napoleão e suas tropas impactaram a Itália marcando-a com alguns

danos, por outro, contribuiu para um início de profissionalização a partir de administradores

que poderiam ser considerados “competentes”, ou seja, “eficientes e não corruptos” (LENTI,

2012, p.126).Vale observar que a ausência de corrupção nas ações dos profissionais aparece,

já nesse período, como atrelada à competência, mesmo que talvez fosse mais apropriado,

conceitualmente, caracterizá-la como um traço de caráter.

Outro aspecto importante a ser destacado, considerando-se a influência francesa, foi o

seu impacto no modelo mental do povo italiano. O modelo francês influenciou o povo, de

forma que pudesse “imaginar a Itália” como uma nação (LENTI, 2012, p.127).

A alteração de um modelo mental, embora não seja fácil de ser realizada, é essencial

para desencadear ações em prol de um objetivo. Num modelo mental são encontradas as

crenças sobre as ações que são julgadas como possíveis ou não de serem realizadas, tanto em

âmbito individual quanto no coletivo. É no pensamento que são gerados os “embriões”, que

podem estimular ou restringir as ações futuras.

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Motto, Prellezo e Giraudo (2015) ressaltam o que intitulam de “um biênio que

significa uma guinada (1848-1849)” e enfatizam os principais focos de atuação da Inglaterra,

França e Itália.

Às vésperas de 1848, enquanto a Inglaterra realiza a revolução industrial que resulta

em fortes prejuízos humanos, na França e no império austro-húngaro a economia se

torna mais próspera, na Itália cresce também entre o povo o ideal patriótico nacional

e o anseio pela unificação política dos diversos estados (MOTTO; PRELEZZO;

GIRAUDO, 2015, p. 12-13).

E acontece na Itália, o movimento chamado “Ressurgimento”. A base do movimento

fundamenta-se na questão da “renovação”, tanto no campo das ideias quanto no campo das

ações, através de projetos nas áreas civil, política, cultural e religiosa (SANTOS, 2000,

p.136).

O objetivo desse movimento é libertar a Itália da dominação estrangeira, situação que

impacta diretamente no processo educativo.

A Itália estava dividida em grande numero de pequenos estados independentes.

Discutia-se o problema político como problema de educação. Era preciso formar o

espírito de cidadania, de que careciam os italianos, ao contrário dos franceses,

ingleses, espanhóis e portugueses (SANTOS, 2000, p. 137).

Julgava-se impossível formar a Itália como Estado nacional sem educar os Italianos

para os ideais de independência e de liberdade (SCIACCA, 1966 apud SANTOS,

2000, p.137).

O campo educativo é alvo de intenso questionamento social, pois existe a

consciência geral de que a educação popular é premissa necessária e indispensável

para a formação da consciência política, nacional e social (PRELLEZO;

LAFRANCHI, 1995 apud DAMAS, 2002, p.14).

O movimento do Ressurgimento ocorre a partir da “anexação” dos estados regionais,

como bem ensina Lenti (2012). Tal objetivo era compartilhado quanto ao resultado a ser

obtido, mas não com relação à forma de fazê-lo. A ajuda da França, embora motivada por

interesses pessoais de Napoleão III, contribuiu para a unificação.

As mudanças desse período caracterizavam-se principalmente por uma diferença na

percepção e na concepção das relações entre governo e povo. O chamado “fenômeno francês”

declarava como finita a relação egóica que marcava as relações internacionais até então. Um

“novo tipo de agenda política e econômica” começa a ser discutida a partir do Congresso de

Viena e da Santa Aliança. Uma nova discussão, mas com características já conhecidas: as

contradições (DAMAS, 2002, p.15).

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E nesse período de dificuldades e contradições, mas também de ganhos, quanto à

possibilidade de um projeto educacional de maior amplitude e impacto, Dom Bosco inicia

suas atividades.

Dom Bosco nasceu e cresceu no Piemonte e recebeu toda a sua educação e formação

no período da Restauração, antes da Revolução Liberal de 1848. Ele teve de aceitar

a realidade da Revolução Liberal, mas nunca se solidarizou com os movimentos

liberais e o Ressurgimento; principalmente, porque os liberais começaram a atacar a

Igreja e o papado (LENTI, 2012, p. 137).

Lenti (2012) alerta para o significado de alguns termos políticos no período da

Restauração e do Ressurgimento, os quais diferem do significado nos tempos atuais.

Os liberais opunham-se à ‘ordem divina’ da realeza. Como consequência, recusavam

o ‘princípio da legitimidade’, princípio que defendia a ideia de que somente um

membro da dinastia podia exercer a autoridade de modo legítimo. A Revolução

Liberal era um ato de força dos liberais com o objetivo de por fim ao regime

absolutista e estabelecer uma nova ordem política (LENTI, 2012, p. 135).

À medida que a Europa se envolvia nas revoluções, também se iniciava um espaço

para a sua evolução, como aponta Braido (2008). Penso que tanto num determinado ambiente

ou contexto, ou mesmo sob a perspectiva do próprio indivíduo, os momentos de evolução são

desencadeados previamente por situações, às vezes, consideradas como crises ou revoluções.

A obra educativa e religiosa do Oratório de Valdocco, no bairro de Turim, onde se iniciou a

obra matriz da Congregação Salesiana, foi idealizada por Dom Bosco para acolher os jovens

marginalizados e talvez, possa ser um exemplo de uma crise que, em alguns momentos,

amplia o olhar sobre as necessidades que existem ao redor. Ao expulsar o jovem Bartolomeu

Garelli da sacristia “a vassouradas”, pelo fato dele recusar-se a ajudar na missa por não saber

fazê-lo, o sacristão José Comotti, a meu ver, contribuiu para tornar ainda mais evidente para

Dom Bosco, a necessidade de acolher, proteger e encaminhar os jovens para a doutrina cristã,

visando promover a salvação dessa juventude. Uma desavença oportuniza que Dom Bosco

mostre toda a sua compreensão e estimule o jovem Bartolomeu a iniciar suas atividades

religiosas pela catequese. E tem início o Oratório, que impregnado do estilo de Dom Bosco,

demarca o início de uma atividade de extremo impacto social e educativo que, futuramente,

rompe as fronteiras da Itália.

O Oratório, bem como todo o sistema preventivo, não representam atividades inéditas,

e sim particulares, ou seja, contém características específicas dos traços de Dom Bosco e das

suas experiências vividas. Lenti (2012) esclarece que os oratórios, por exemplo, traziam

diferenças essenciais, uma vez que se destinavam aos meninos carentes e não àqueles que se

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destacavam. Já o sistema preventivo, conforme a concepção e práticas adotadas por Dom

Bosco refletem as suas crenças e valores, os quais serão tratados mais a frente.

Fundamentado em características específicas, esse projeto educativo surge num

momento marcado por profundas mudanças socioeconômicas e políticas, em que a

necessidade de uma educação que contemplasse a formação e a profissionalização era

premente.

(...) depois alguns acenos sobre nações antigas próximas e alguns novos estados

surgidos na América Latina, nos quais o educador subalpino aventurou-se

pessoalmente ou com suas instituições e seu eficaz empenho diretivo e animador

(BRAIDO, 2008, p. 19).

Ao pensar na profissionalização é importante considerar o contexto da época e suas

necessidades, que com o início do processo de industrialização, gera mudanças impactantes

na questão dos ofícios até então, restritos a operações artesanais e de domínio dos envolvidos.

Reconhecer o contexto e as necessidades de uma população jovem e carente é uma das

características de Dom Bosco considerada diferenciadora. A sua vivência das várias formas de

trabalho desde a infância parece ter se tornado um elemento facilitador, em que consegue,

paralelamente, agir para a melhoria das condições de vida e de trabalho e perceber novas

necessidades através da aproximação dos jovens. Motto, Prellezo e Giraudo (2015)

completam essa ideia observando que após sua ordenação, Dom Bosco segue com sua

formação, não apenas através dos estudos, mas novamente através do trabalho no exercício

pastoral. É o trabalho que com seu viés prático, permite ao mesmo tempo, um diagnóstico já

acompanhado de uma intervenção, situação que me parece tão comum na trajetória de Dom

Bosco.

2.2. Pensadores

(...) o educador é sempre um homem ocupado com a prática (...)

(...) é o homem que, voluntária ou involuntariamente, influi na vida espiritual de

seus semelhantes, elevando-os a um estado mais perfeito.

Mario Casasanta (1934, p. 25-26).

O resgate do histórico envolvendo o contexto das ações educativas também requer um

resgate dos autores do período. Ao pensar nesse item uma pergunta, ou melhor, várias,

começam a ecoar em meu pensamento, dentre elas: quais as principais influências recebidas

por Dom Bosco para a formatação do seu projeto educativo? Qual a dimensão da influência

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de cada pensador nesta obra iniciada em Turim e que veio a ganhar o mundo? A abordagem

quanto à influência dos pensadores objetiva ampliar o contexto em que viveu Dom Bosco,

mas não visa classificar a relação humana como produto dessas influências. Penso que as

influências acontecem como já abordadas, numa situação de troca entre os indivíduos e

também, a partir da forma como são percebidas e vivenciadas por eles. Não há como sair ileso

de uma relação interpessoal principalmente se esta remete a ideais comuns, mesmo que os

caminhos escolhidos para chegar até eles sejam diferentes.

Scaramussa (1979), alerta para a observação do sistema educativo de Dom Bosco

considerando aspectos do contexto, em específico as necessidades de uma juventude

abandonada, aspectos relacionados à sua própria “identidade de sacerdote católico”.

No caso de D. Bosco a experiência educativa se identificava com a atividade

salvadora e santificadora da igreja. Adquiriu, no entanto, características muito

pessoais: tornou-se um estilo de vida, um método educativo vivido intensamente, e

apenas em parte, formulado (SCARAMUSSA, 1979, p.72).

Essas observações reforçam, para o autor, a “originalidade” de Dom Bosco:

Um balanço completo da sua experiência educativa revela que sua doutrina e prática

pedagógicas organizavam-se de modo autônomo e independente do movimento

educacional de seus contemporâneos (...). Pode-se mesmo afirmar que Dom Bosco

foi ‘inventor’ e criador do seu método: ele o pôs em vigor em tempos e ambientes

onde estava quase totalmente sufocado; enriqueceu-o com experiências de todos os

tipos e ainda, com um modo particular de manusear os elementos constitutivos e

também com uma disposição nova e pessoal de ideias e técnicas (SCARAMUSSA,

1979, p. 101).

O autor reforça a unicidade do sistema educativo de Dom Bosco pela amplitude de

conteúdos e por uma metodologia que se diferenciava pela “racionalidade humana”.

Na prática, a experiência de Dom Bosco constituiu uma integridade educativa onde

o conteúdo e método eram dois elementos inseparáveis e interdependentes, onde a

ausência de um comprometia a eficácia do outro. Noutras palavras, não existia o

momento do conteúdo e o momento do método: o conteúdo estava todo no método,

que se tornava assim muito mais que simples estratégia (SCARAMUSSA 1979, p.

72).

A partir dessas colocações do autor, surge em minha cabeça uma questão: em quais

situações não é possível perceber, com clareza, o método utilizado no processo educativo? A

princípio pode parecer por tratar-se da abordagem de uma prática tão simples que não

possibilite a percepção do caminho percorrido. Mas, não acredito nessa hipótese. Acredito que

quando a prática se sobrepõe, não é porque seja uma prática simples, mas sim, por mostrar-se

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coerente. Há um encontro entre fala e ação e uma percepção da coerência desse encontro. O

mesmo talvez ocorra entre conteúdo e método. Quando existe um entrelaçamento entre

ambos, provavelmente seja um sinal de profunda congruência8 entre o “o que” é dito e a

prática daquele ensinamento.

Na busca por referenciais bibliográficos que ajudem a ampliar essa discussão, recorro

também à biblioteca pessoal de Manoel Isaú. E dentre um universo com títulos dos mais

variados, encontro um livrinho já com as páginas muito amareladas, chamado “Dom Bosco

Educador”, de Mario Casasanta. Percebo nele algumas anotações do próprio Manoel que

também o utilizou na sua obra “Luz e Sombras”, um dos principais referenciais teóricos para

este trabalho.

Ainda sobre o livro de Casasanta (1934), lembro-me da minha experiência na área de

RH em uma indústria de papel, em que um dos desafios da área produtiva era garantir que as

folhas não fossem impactadas pelo tempo e que não ficassem amarelas, pois essa situação

reflete um produto de qualidade questionável. Ao folhear o livro sem nenhuma preocupação

com a qualidade do papel, deparo-me com questões instigantes, como por exemplo, “Dom

Bosco foi um educador?”. A resposta a essa pergunta a princípio pode parecer óbvia, mas o

autor passa a fazer considerações sobre as características e particularidades de um educador e

analisa Dom Bosco sob essa perspectiva.

A abordagem do autor está alinhada ao objeto desta pesquisa e com possibilidades de

discutir um tema que me inquieta no decorrer destes anos, ou seja, a questão das diferenças

que alguns fazem na vida de outros num contexto educativo e que me motivam ainda mais a

conhecê-lo.

Outro elemento motivador para a abordagem do livro de Casasanta é o fato desta obra

também ter “tocado” Manoel... Quais as razões? Estaria ele igualmente em busca de outras

particularidades do sistema preventivo de Dom Bosco?

Sigo com a abordagem proposta por Casasanta (1934) que apresenta inicialmente as

“duas grandes alas de educadores”. Considero que essa análise pode ajudar na ampliação do

olhar quanto às diferenças de atuação. A diferença básica estabelecida pelo autor é justamente

no que se refere à atuação ou a falta dela. Ele os distingue em duas categorias: “os educadores

teóricos e os educadores práticos”. Os teóricos, na visão do autor, dedicam-se mais a um

8 Conceito de Carl Rogers (1902-1987), psicólogo norte-americano, precursor da psicologia humanista, que

define “congruência” como o “grau de exatidão entre a experiência da comunicação e a tomada de consciência”.

“Um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que você está expressando), a experiência (o que

está ocorrendo em seu campo) e a tomada de consciência (o que você está percebendo) são semelhantes. Suas

observações e as de um observador externo seriam consistentes” (FADIMAN; FRAGER, 1979, p. 227).

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trabalho de análise e busca de parâmetros, que denomina de “alguns princípios gerais”. Esses

chamados “teóricos” contam, talvez, com as próprias experiências, pois a ausência de contato

direto com os envolvidos no processo educativo não lhe permitem observações, reflexões e

diálogo, componentes essenciais para o desenvolvimento das ações realmente necessárias ao

contexto e à população que colabora para a sua construção. O autor completa ao afirmar que

“os primeiros fazem ciência, os segundos praticam a ciência. Os primeiros assentam as leis da

educação, os segundos fazem a educação real” (CASASANTA, 1934, p. 28). Numa

abordagem biográfica o entendimento dessa relação com o “real” é percebida de outra

forma... Souza (2006) fundamenta essa diferença a partir do estudo das narrativas.

(...) representa a forma como nós, seres humanos, vivenciamos e experimentamos o

mundo. Desta ideia geral, pode-se apreender que a educação é a construção e a re-

construção de histórias pessoais, sociais, coletivas e individuais dos atores que

constroem o cotidiano, a cultura escolar (SOUZA, 2006, p. 136).

Apesar do contraponto apresentado à concepção de Casasanta (1934), a partir da

abordagem biográfica, considero importante examinar a concepção do autor sob a ótica da

distância entre aquele que planeja e aquele que executa uma atividade. Por exemplo, alguma

relação dessa distância ao pensar nas reformas propostas para a educação brasileira,

principalmente nas intervenções propostas através das Leis de Diretrizes e Bases? A distância

entre aquele que planeja e aquele que executa, é no geral, nos diversos segmentos, uma

grande dificuldade a ser vencida. O interesse genuíno pela atividade, a disposição e abertura

ao diálogo e o conhecimento do impacto futuro das mudanças propostas a partir desse

diálogo, parecem-me requisitos essenciais para a redução dessa distância.

Essa distância em minha percepção, não implica numa descaracterização dos vários

papéis envolvidos numa atividade. Ou seja, alguns podem identificar-se mais com atividades

voltadas à análise e planejamento, que impliquem em estudos às vezes realizados

isoladamente. E outros, por sua vez, podem identificar-se mais com atividades que envolvam

observação, acompanhamento e diálogo com os envolvidos. Reconhecer-se nas diferentes

atividades e extrair de cada uma delas os aprendizados e os respectivos significados, parece-

me o mais relevante num contexto educativo.

Sigo com algumas observações, mais com o intuito de entender o papel de Dom Bosco

como educador, do que de identificar as influências recebidas por ele. Casasanta (1934) cita o

professor Georg Kerschensteiner (1854-1932), um estudioso de Rousseau, que não menciona

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66

Dom Bosco em sua obra, talvez porque o educador salesiano não tenha deixado um “Emílio”9.

Essa observação do autor não implica na negação da contribuição de Rousseau, “não

neguemos, porém, o lugar a Rousseau (...). Refuguemos os seus erros, aprendamos com seus

acertos” (CASASANTA, 1934, p. 32).

Manacorda (1989)10 reforça a percepção de Casasanta (1934), citando uma reflexão de

Rousseau (1762), acerca da obra “Emílio”:

Posso ter errado sobre o que é preciso fazer; mas acho não serem erradas as

observações que eu fiz sobre o sujeito a ser trabalhado. Comecem, então, estudando

melhor seus alunos, porque tenho certeza que não os conhecem absolutamente; ora,

se lerem este livro nessa perspectiva, eu acho que lhes será de grande utilidade

(ROUSSEAU, 1762 apud MANACORDA, 1989, p. 243).

A abordagem de Rousseau contribui para que seja possível seguir com a identificação

dos diferenciais, na atuação de Dom Bosco. Por exemplo, quando Rousseau coloca o aluno

como foco do processo e enfatiza a importância do educador conhecê-lo, é possível

estabelecer uma relação imediata dessa concepção com as ações praticadas por Dom Bosco na

sua trajetória educativa. “Dom Bosco aprendeu a conhecer, como ninguém, a natureza

humana” (CASASANTA, 1934, p. 55).

Conhecer a natureza humana, em minha percepção, é reconhecer que existem anseios,

dificuldades e imperfeições, sem surpreender-se com as últimas, mas procurando acolhê-las e

utilizá-las como chave para o desenvolvimento. Dom Bosco não apenas conhece os seus

meninos, pela relação tão próxima e de natureza familiar que mantinha com eles, mas

provavelmente, utiliza as suas próprias vivências, em condições semelhantes e guardadas em

sua memória, como facilitadores dessa interação.

Casasanta (1934) corrobora com essa ideia, destacando a importância do processo

educativo vivenciado pelo educador para o desenvolvimento dos alunos:

Fazendo a sua própria educação, perlustrando por si próprio os passos da

aprendizagem, o professor se prepara, melhor do que por outro modo, para levar a

cabo a educação dos seus alunos (CASASANTA, 1934, p. 52).

(...) Por isso não é possível conseguir a realização nos outros, antes de havermos

conseguido realizá-la em nós mesmos... (KERSCHENSTEINER, s.d. apud

CASASANTA, 1934, p. 52).

9 Obra escrita por Jean-Jacques Rousseau, em 1762, que na visão de Manacorda (1989), “revolucionou

totalmente a abordagem da pedagogia (...) Pela primeira vez, ele enfrenta com clareza o problema, focalizando-o

do lado da criança”. 10

Manacorda, (1989, p.7), em seu livro “História da Educação: da antiguidade aos nossos dias”, apresenta sua

obra com a intenção de “compreender como de época em época o objetivo da educação e a relação educativa

foram concebidos em função do real existente e de suas contradições”.

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67

Entendo a posição dos autores citados não como uma abordagem da necessidade de

perfeição com relação aos educadores, como se tivessem que já haver solucionado todas as

suas dúvidas e inquietações, para então, iniciar o desafio de educar. Percebo que nos alertam

para a importância do educador ter clareza do caminho e da necessidade de perceber

constantemente o cenário e a situação dos envolvidos. É um papel de intérprete e de

mediador, conforme concepção da educação salesiana e que posteriormente, chega ao

Mestrado em Educação do UNISAL, integrando o conceito de educação sociocomunitária.

Para retornar ao foco deste item, penso ser importante retomar o contexto do

Ressurgimento com seu momento de grande proliferação em torno das discussões voltadas à

educação e cultura de forma geral. Santos (2000) relata que na ocasião, o Rei Carlos Alberto

designa Ferrante Aporti (1791-1867), como responsável pela “reorganização da instrução

popular e educação infantil, nos asilos infantis e nas novas escolas do método, (mais tarde

escolas normais e de magistério)” (SANTOS, 2000, p. 136).

Manacorda (1989) não percebe inovações no trabalho de Aporti, mas valoriza a sua

contribuição para a educação infantil: “Aporti não elabora grandes teorias (...), mas trabalha

com afinco a fim de que a primeira idade seja não somente protegida, mas também educada e

instruída” (MANACORDA, 1989, p. 281).

Em contrapartida, Manacorda (1989), valoriza Friedrich Froebel (1782-1852) e

reconhece em sua visão, influências de Pestalozzi11:

Mente de maior visão do que Aporti (...) espírito religioso, filho de um pastor

protestante. Estimulado para o interesse pedagógico por uma vista à Pestalozzi em

Yverdon, dele soube captar plenamente a ideia da necessidade de iniciar a educação

desde a primeira infância e, com base nessas ideias, elaborou um novo processo

(MANACORDA, 1989, p. p.261-263).

Santos (2000) relata que em seu “Manual de educação e ensino para as escolas

infantis” (1832), a orientação de Aporti, é para que as crianças sejam preparadas a “primeiro

observar e depois pensar” (...). Posteriormente, as aulas de método, suportadas por esse

manual, são frequentadas por um aluno, que provavelmente se influencia por essas

orientações, além de tornar-se amigo de Aporti. Esse “aluno” é Dom Bosco (SANTOS, 2000,

p. 136).

Considero a observação e o pensamento essenciais, pois ao antecederem as ações,

podem contribuir para reflexão e entendimento acerca das necessidades dos envolvidos num

11

Para Manacorda (1989, p.261-263), embora J.H. Pestalozzi, educador suíço, (1746-1827), tenha aproveitado a

“trilha aberta por Rousseau”, ele considera o homem , seu contexto e incentiva uma “ pedagogia fundada no

espírito da benevolência e da firmeza”.

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determinado contexto. Penso na contribuição das narrativas para esse processo que,

principalmente no contexto da educação sociocomunitária, poderá contribuir para a

construção de um caminho para o desenvolvimento dos indivíduos e da comunidade que

integram. Poderia ser este um dos diferenciais do sistema preventivo de Dom Bosco?

2.3. Conceitos / Diferenciais

(...) Sem amor não há desejo de conhecer,

mas sem conhecimento não se cresce no amor.

P. Pascual Chávez Villanueva (2015, p. 08).

O Sistema Preventivo de Dom Bosco12 mostra-se a princípio, pautado no “mais

elementar bom senso, não ligado, necessariamente, a um sistema científico ou filosófico”.

(SANTOS, 2000, p. 118).

Ao descrever os comportamentos esperados pelo educador nesse contexto, parece-me

que também, aplica-se a questão da prevenção, uma vez que as regras são previamente

esclarecidas, buscando-se evitar as repreensões.

Por outro lado, sabemos que descrever atitudes e comportamentos esperados não é

suficiente para que sejam praticados. Tais atitudes e comportamentos precisam realmente

estar unidos por uma “argamassa” que gere verdadeiro sentido ao que será efetivamente

colocado em prática, afinal, a prática mostra-se como característica a ser destacada na atuação

do próprio Dom Bosco.

O Sistema Preventivo foi equiparado ao modelo familiar, entre os séculos XVII e

XVIII, quando na França pregava-se o equilíbrio entre “confiança e autoridade no processo

educativo” (SANTOS, 2000, p.122). Chama-me também a atenção que para descrever um

sistema cujo foco está na prevenção e não na repressão, os autores da época necessitassem

correlacioná-lo ao modelo familiar, como se não fossem possíveis atitudes que conjugassem

confiança e autoridade além dessa esfera. E mesmo no modelo familiar, muitos foram os

exemplos em momentos da história, em que as atitudes refletiam integralmente um sistema

repressor.

12

Para maiores informações consulte: SCARAMUSSA, Tarcísio. O Sistema Preventivo de Dom Bosco: Um

estilo de educação. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1979. 166p.

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69

Santos e Castilho (2003), citam uma das contribuições da obra de Braido (1999),13 em

que o autor menciona outras abordagens sobre o Sistema Preventivo, considerando que “as

condições reais, mentalidade, objetivos, disponibilidade conferem às mesmas visões ou

experiências de base acentuações e traços notavelmente diferentes.” (BRAIDO, 1999 apud

SANTOS; CASTILHO, 2003, p.264).

É possível entender que existam diferenças, afinal, mesmo que se parta do

entendimento do conceito de sistema, conforme descrevem os autores, há no interior de

qualquer atividade, uma forma de fazê-la, um processamento que está diretamente relacionado

àquele que o conduz.

Não se quer dizer com essa afirmação que um sistema possa prescindir de regras e de

normas, que estabeleçam uma sequência apropriada de atividades para o fim que se pretende

atingir. A questão é que regras e normas não são suficientes para conduzir as atividades

conforme os propósitos de Dom Bosco.

Santos (2000) cita a ampliação do tema por Eugenio Ceria (1955):

O sistema preventivo na educação da juventude mal se aprenderia somente pelos

Regulamentos, se D. Bosco não tivesse transmitido aos seus discípulos o seu espírito

animador... Esse espírito não se saberia precisar em que consiste. Mas o fato é que,

transmitido pela tradição, circula nos ambientes salesianos, de modo que se respira

quase inconscientemente como o ar. Dom Bosco devia pensar em tal espírito

informador, quando escreveu que hoje o verdadeiro Regulamento está na atitude de

quem deve pô-lo em prática (CERIA, 1999 apud SANTOS, 2000, p. 115).

Ao falar em atitudes, realmente a atuação se amplia, e não se pode esperar estimulá-las

apenas com regras. As atitudes, ligadas ao âmbito do querer e não apenas do fazer, requerem

observação, empatia, dentre outros comportamentos essenciais a um processo de influência,

característico de um processo educativo.

Santos e Castilho (2003), abordam o sistema preventivo de Dom Bosco como “o

cuidado pedagógico pelo ser humano em crescimento” fundamentado num processo de

influência que acontece através:

(...) da busca da persuasão, ancorada no respeito e numa atitude dialógica (...). É

por isso que o sistema se chama ‘preventivo’: oferece condições, estabelece ritmos e

indica ações que favoreçam aos educandos, no exercício de um saudável

protagonismo, ‘a impossibilidade de cometerem falhas’ (SANTOS; CASTILHO,

2003, p. 265).

13

BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir: o sistema educativo de Dom Bosco. São Paulo: Editora Salesiana,

2004. 375 p.

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70

As condições descritas pelos autores implicam que exista, por parte dos envolvidos na

condução do processo educativo, uma crença na capacidade do ser humano. Essa crença

favorece que o educador se faça presente, mesmo que se ausente e permita nessas ausências

planejadas, o surgimento de dúvidas e questionamentos que são tão necessários ao

desenvolvimento humano. Essa situação permite um exercício de confiança, do educador no

educando e vice-versa, condição essencial para o aprendizado de ambos, através de uma

relação interpessoal madura.

A confiança recíproca acalantará a ansiedade do educador, entendendo o risco

calculado como momento de aprendizado e estimulará o educando a expressar-se sem medo,

pois sabe que encontrará acolhimento, entendimento e orientação.

As atitudes esperadas do educador no sistema preventivo de Dom Bosco são

sustentadas e inspiradas pelos valores definidos como razão, religião e amorevolezza. Ainda

de maneira sucinta, vale uma conceituação inicial de cada um desses componentes, a fim de

que nos auxilie no entendimento da diferença desse modo de educar, que embora com

características essencialmente práticas, vai muito além do cumprimento de normas e

regulamentos.

A razão, no contexto educativo, traz em si uma forma de atuação definida com clareza.

Refiro-me à clareza da situação, dos propósitos que a embasam e principalmente, clareza

quanto às necessidades dos envolvidos. Essa clareza não é construída por deduções ou

imposições, mas através de um diálogo, a partir de uma escuta presente.

Todas essas características não se opõem à emoção, às vezes percebida nos dias atuais,

como um componente contraditório a uma suposta razão. Pelo contrário, essa razão extrai do

componente emocional todas as possibilidades que favorecem a aproximação numa relação

interpessoal, possibilitando movimento e fazendo jus à etimologia da palavra emoção,

“movere”.

O movimento também é condição essencial para a presença do educador na vida do

educando, componente também diferenciador no sistema preventivo de Dom Bosco. Essas

condições nos remetem às necessidades de atuação do educador salesiano, as quais são

demandas pelos próprios jovens envolvidos no processo.

Não se pode negar: há uma exigência de autonomia e de autenticidade que invade a

vida dos jovens. Contraditórios, em sua condição juvenil exigirão do educador

perspicaz paciência, prudente tolerância, suave firmeza, transparente testemunho de

vida e consistente formação humano-técnica-pedagógica. Razão, nesta perspectiva,

implicará numa busca de apoiar os jovens a construir, pela reflexão e vivência, suas

convicções, valores, opções, superando toda a tentação de imobilismo e

conformismo (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 267).

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A mescla entre razão e emoção a que me referi anteriormente parece ser característica

de outro componente que fundamenta a educação salesiana: a amorevolezza. Palavra sem

tradução direta para o português era utilizada com cuidado por Dom Bosco, que buscava nas

ações equilibradas e mescladas pela razão, demonstrar afeto pelos seus meninos. Demonstrar

afeto sincero requer conhecimento e compreensão da realidade humana de cada um.

Scaramussa (1979) cita um estudo de Ronco (1976)14 em que o autor utiliza

contribuições da psicologia para ampliar as perspectivas quanto ao entendimento desse valor

salesiano. Não é foco detalhar tais contribuições, mas mencionar alguns aspectos relevantes

do afeto, conforme as teorias psicológicas consideradas pelo estudo, para uma maior

compreensão desse valor que diferencia as ações educativas no contexto salesiano. Além da

percepção da amorevolezza como amor demonstrado, o autor também observa que esse valor

envolve “o estilo educativo da compreensão e aceitação incondicional como facilitador do

desenvolvimento de pessoas criativas e felizes”. Além dos dois aspectos citados trago

também, para a abordagem da amorevolezza, a partir do referido estudo, a questão da

“identificação do educando com o adulto significativo para ele e os problemas e

consequências educativas desse fato” (RONCO, 1976 apud SCARAMUSSA, 1979, p. 108-

109). A amplitude de ações e impactos envolvidos a partir do valor amorevolezza reforça a

busca deste estudo quanto às possíveis práticas do personagem a ele relacionados, tema a ser

tratado no momento da interpretação dos dados coletados.

Além da razão e amorevolezza, o valor religião completa a tríade de valores que

sustenta o sistema preventivo conforme concebido por Dom Bosco. Para Dom Bosco, a

religião não se resumia às práticas dos sacramentos, mas, a uma “consciência afetiva” que

facilitasse uma “fé esclarecida”, como ensina Scaramussa (1979, p. 75).

Sigo abordando a questão dos diferenciais e resgato a partir da tríade de calores, a

disposição para compreender o outro, com a consciência de que essa ação é essencial e que

deve ser contínua para a construção de um relacionamento, que ao mesmo tempo em que

expõe os envolvidos, gera oportunidades para o estabelecimento de confiança. E a confiança é

um dos aspectos destacados pela literatura como componente característico do relacionamento

de Dom Bosco com os seus meninos.

Auffray (1946) cita uma situação que aborda a questão da confiança, ao relatar uma

conversa em que Dom Bosco ensina como construí-la:

14

RONCO, A. O afeto, Princípio metodológico da Educação Salesiana à luz da Psicologia Contemporânea.

Cadernos Salesianos, nº 3. São Paulo, Editorial Dom Bosco, 1976, p.16-26.

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Certa manhã em Roma, quando lá esteve pela primeira vez, em 1858, discorrendo

com o Cardeal Tosti sobre o modo de melhor educar a juventude, repetia o seu

grande princípio:

- Veja, Eminência, é impossível educar bem a juventude, se não se lhe conquista a

confiança.

- Mas como consegui-lo? Perguntou o Cardeal.

- Fazendo tudo o que pudermos para que os meninos se aproximem de nós,

quebrando todas as barreiras que possam conservá-los afastados. - E como conseguir

que se aproximem de nós?

- Aproximando-nos deles, Eminência (...) (AUFFRAY, 1946, p. 286).

A confiança, em qualquer relacionamento, requer construção diária e cuidadosa. A

construção da confiança demanda tempo, acompanhamento e consciência da sua fragilidade.

Ou seja, o tempo excessivo que a sua construção demanda é inversamente proporcional ao

tempo necessário para sua ruptura. É como aquele vaso bonito que ao se quebrar, por um leve

descuido, já não mais enfeitará a sala de estar, mas será transferido para um cômodo dos

fundos da casa, pois já não merece ser admirado.

É possível perceber que a relação de Dom Bosco com seus meninos transcendia uma

prática pedagógica que pudesse ser descrita num manual de procedimentos. Santos e Castilho,

(2003) completam que Dom Bosco, “procurou sempre deixar claro que seu estilo de

convivência e cordialidade para com os jovens não é simples técnica pedagógica: trata-se de

real, profundo e, ao mesmo tempo, sobrenatural afeto” (SANTOS; CASTILHO, 2003, p.

268).

Dom Bosco percebe a necessária integração entre formação e preparação para o

trabalho. A sua infância humilde ensinou-o a valorizá-lo desde cedo, possibilitando-lhe o

custeio dos seus estudos e o consequente aperfeiçoamento na forma de realizá-lo.

Como a prática era um aspecto que se destacava em suas ações, pode-se observar que

Dom Bosco vivenciou a relação estudo-trabalho, percebendo oportunidades nessa relação e

que as aplicou posteriormente, num projeto educacional voltado à profissionalização.

No Brasil, a partir do ano de 1826, foram percebidas iniciativas do Estado e de

instituições particulares, na tentativa de implementar escolas voltadas ao ensino das artes e

ofícios. Vale citar os governos de Afonso Pena (1906) e Wenceslau Braz (1914), que

conhecedores da experiência salesiana, perceberam o ensino profissional como recurso

provedor da subsistência da população e do seu afastamento da ociosidade e da criminalidade.

Daí por diante, outras iniciativas do Estado, motivadas pelo preparo da população para

ampliação dos níveis de produtividade, tem na criação do Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial (SENAI) e das escolas federais, durante o governo Vargas (1942), elementos que

contribuíram para alteração da percepção quanto ao ensino profissionalizante. Santos e

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73

Castilho (2003) abordam essa mudança: “a educação profissional foi assim reconhecida

oficialmente e passou a ter status no contexto da sociedade brasileira. Hoje ter uma profissão

definida já é símbolo de certa posição social. Não ter profissão implica em exclusão”

(SANTOS; CASTILHO, 2003, p.23)

Um dos aspectos essenciais de uma escola profissionalizante que fundamente o seu

projeto de ensino numa formação integral, estimulada pela educação salesiana, é a discussão

sobre a questão do trabalho, não apenas como um recurso que provê a nossa subsistência, mas

também, como oportunidade de convivência e aprendizado. Santos e Castilho (2003)

reforçam essa ideia:

Toda a vida e pedagogia de Dom Bosco é dominada pela trilogia: oração, trabalho e

alegria. (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 26).

Testemunham-no o otimismo, a docilidade, a confiança e o entusiasmo dos alunos

por ele educados, que viam no trabalho valorização, a prevenção do vício e a chave

da sua posição social (CAMPI, 1999 apud SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 26).

Ao pensar no trabalho pode-se ter a tendência inicial de pensar na questão da prática,

em alguns momentos definidos como “o fazer”, então produto de uma situação de

adestramento. O trabalho em si, conforme discussão anterior e de acordo com a perspectiva

salesiana, nada tem a ver com uma realização mecanicista e pontual, desprovida de sentido,

mas sim, como possibilidade de gerar transformações na vida do indivíduo e da sua

comunidade.

Agrada-me muito tratar do tema trabalho. Afinal, a minha escolha profissional

fundamentou-se nos desafios gerados pelo contexto do trabalho na indústria que, a meu ver,

nos confronta a todo instante, com uma das percepções sobre essa atividade: será que o

trabalho é mesmo um fardo? Em minha percepção, não!

De volta à minha infância, lembro-me de minha mãe, que colocava o trabalho como

razão principal de nossa existência. E como ela trabalhava! Contava que era levada à lavoura

para auxílio nas atividades de plantio e colheita; e havia prazer na sua fala. E foi esse prazer

que ela nos ensinou, como fez D. Bosco com seus meninos. E como o exemplo de minha mãe

me marcou; certamente como marcou os meninos e os demais que conviveram com D. Bosco.

Meu pai também trabalhava bastante, mas ao contar-nos suas experiências, enfatizava

a alegria e as relações com colegas e chefes, entrelaçadas por piadas e “causos”.

D. Bosco pareceu utilizar os dois recursos como estímulo ao trabalho, o qual

equiparava à oração em termos de importância. Utilizou o exemplo e escreveu orientações

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74

que constavam do regulamento dos Oratórios15, enfatizando a importância do trabalho e

também utilizou a alegria, como contraponto a algumas visões do trabalho como um fardo. O

mesmo parece ter ocorrido com Manoel Isaú na sua atuação como educador, pesquisador e

sacerdote. A busca pelas suas práticas será abordada na parte voltada à interpretação dos

dados.

Dom Bosco realmente tornou-se uma inspiração para todos que partilham da crença

num processo educativo amplo, que considere o saber e o querer fazer. Ao pensar em

inspiração, impossível não tratar daquela que deve ter sido sua primeira inspiração: sua mãe,

Margarida Occhiena. Santos e Castilho (2003) a descrevem: “Margarida Occhiena era uma

mulher de caráter enérgico, reto, com um profundo senso de justiça: equilibrada e piedosa,

firme e paciente, foi a grande educadora da família” (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 250).

A descrição da mãe de Dom Bosco pode trazer, a princípio, componentes

contraditórios, como “firme e paciente”, por exemplo. Essa aparente dualidade representa a

necessidade de adequação daqueles que buscam influenciar outras pessoas a partir de um

propósito claro.

Outra similaridade que me ocorre, ao pensar na forma de agir de Margarida Occhiena,

é o quanto suas ações eram impregnadas de amorevolezza. Uma demonstração de amor, mas

com doses de razão e com foco no que precisa ser feito. Santos (2000) complementa a

definição desse valor como sendo um “misto de racionalidade e de compreensão humana,

paterna e fraterna e que transforma o ambiente de educação em uma família. É a alma do

sistema preventivo (...)” (SANTOS, 2000, p.173).

Margarida parecia fazer essa adequação nos seus comportamentos e como as ações

educativas acontecem muito mais através das ações práticas, que podem ser aprendidas mais

pelo exemplo do que por preleções, provavelmente essas influências representem o marco

inicial de um sistema educativo que mais tarde Dom Bosco conceberia.

Santos e Castilho (2003), também se referem à Margarida como uma mulher, que

embora “iletrada”, era também muito “sábia”. E essa sabedoria a fez orientar Dom Bosco

quanto à importância do que chamou de “virtudes” na ocasião em que ele se tornou

seminarista e recebeu sua batina. O alerta, em minha percepção, era para a responsabilidade

que a batina representava e que esta por si só, não bastaria para o cumprimento dos seus

deveres como sacerdote, mas sim, a congruência das suas ações no percurso do caminho que

havia escolhido.

15

“O Oratório Festivo de Dom Bosco é uma proposta de educação no tempo livre, através do esporte, da

catequese, de normas básicas de educação e de higiene (...)” (ISAÚ, 2007, p. 8)

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O trabalho, escolhido por Dom Bosco trazia em si muitos deveres, mas jamais a

conotação de fardo. Sendo assim, vale ampliar essa discussão quanto ao significado do

trabalho, que se pode não ser um fardo, então, o que seria? Santos e Castilho (2003), ilustram

essa questão, como sendo aspecto essencial da fala do Comendador Gabriel Cotti aos

formandos do Curso Profissional do Liceu Coração de Jesus no ano de 1927: “a parte mais

importante de seu discurso talvez seja aquele em que tentava conceituar o que era e o que

não era o trabalho” (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 29).

Nas palavras do Comendador, retratadas pelos autores, é possível observar que a ideia

do que “não era trabalho”, apresenta-se com sentimentos de competição entre as pessoas,

competição esta que estabelecia uma corrida contra o tempo. Portanto, a chegada era o

elemento mais importante, independente de como era alcançada.

Em contrapartida, a ideia do que “era trabalho”, trazia componentes que eram

incongruentes à ideia de fardo: “o trabalho é aquele (...) a que nos entregamos

voluntariamente com constância e generosidade” (...) (SANTOS; CASTILHO 2003, p. 30).

“Entrega voluntária, com constância e generosidade”: ações embasadas por

amorevolezza? Vale então, uma reflexão: em que tipo de atividade eu conseguiria me

comportar dessa forma e ter atos de amorevolezza? É possível uma atuação com essas

características numa atividade profissional? Ou apenas numa atividade voluntária, muito

disseminada nos últimos anos por diversas Organizações Não Governamentais (ONGs)? Nas

práticas adotadas por Manoel Isaú existem atos dessa natureza?

Penso que inclusive, esse poderia ser um teste para a decisão quanto à atividade

profissional a seguir: você a faria de forma voluntária? Ou seja, sem obter retorno financeiro?

Porque outros retornos, voltados ao desenvolvimento pessoal, certamente serão obtidos.

Ao rever a definição de voluntariado, encontro essa atuação como uma atividade,

como bem estabelece a Declaração Universal do Voluntariado, aprovado pela International

Association for Volunteer Effort (IAVE), em 1990:

(...) baseada numa escolha e motivação pessoal, livremente assumida, sendo uma

forma de estimular a cidadania ativa e o envolvimento comunitário (...). A finalidade

é a de dar respostas aos grandes desafios que se colocam para a construção de um

mundo melhor. A prática do voluntariado pode ser exercida em grupos, geralmente

inserida em uma organização (IAVE, 1990).

Ao reler os componentes dessa definição como, por exemplo, “escolha e motivação

pessoal” ou “dar respostas aos grandes desafios que se colocam para a construção de um

mundo melhor”, não consigo deixar de pensar que uma atividade profissional também os

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requer. E tanto a atividade profissional como a atividade voluntária, os requer de forma

planejada e organizada. O trabalho voluntário não se realizará por completo se contar apenas

com o coração, como também, o trabalho profissional não se realizará por completo se não

contar com a emoção de quem o realiza.

O trabalho, como atividade que provê o ser humano dos recursos necessários para sua

sobrevivência, só parece ter sentido se conseguir atraí-lo para a sua realização por inteiro:

mente, corpo e coração. Sendo assim, penso que ambas as atividades, profissional e

voluntária, demandem as mesmas atitudes e que em alguns momentos se apresentarão juntas e

misturadas. E que bom que seja assim.

Volto à questão central deste item e penso num dos diferenciais da educação salesiana

e percebo que D. Bosco fez da sua principal atividade, como educador, uma enorme ação

voluntária. Utilizou sua mente, corpo e coração numa relação que resultou num pensar, sentir

e agir congruentes e adequados às demandas do seu tempo e que se propaga até os dias de

hoje.

2.4. Propagação

E Dom Bosco segue sua missão. A partir dos valores vivenciados desde sua infância e

das lições aprendidas com sua mãe, inicia em 1841, no bairro de Valdocco em Turim, sua

obra educativa.

Sua atuação, de caráter essencialmente prático, parte de uma análise da situação, do

entendimento das necessidades e da implementação de ações tidas como prioritárias. Atuação

prática não implica em ações empíricas. Santos (2000) descreve a atuação de D. Bosco com

ênfase no seu modo de ser particular, que embora não direcione o foco das suas ações por

técnicas específicas, não prescinde delas: “Trata-se de grandes ideias, de amplas diretrizes

pedagógicas, de conclusões e de orientações conscientes e precisas, sem técnicas definidas,

frutos de reflexões espontâneas” (SANTOS, 2000, p.118). Percebo nessa citação aspectos que

considero essenciais para uma atuação, não apenas no campo educacional, mas nele

principalmente: a questão das diretrizes, que devem preceder as técnicas, pois estabelecem a

direção maior, e a questão da consciência, essencial para identificar as necessidades do

público, acompanhar os resultados das ações planejadas e utilizar o que se tem de melhor em

prol das anteriores.

Mesmo sem ter como foco estabelecer teorias educacionais, D. Bosco reconhece na

história, a utilização dos Sistemas Repressivo e Preventivo e percebe em cada um, ações

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características por parte dos educadores que neles fundamentam suas ações. Ele reconhece no

Sistema Preventivo, pelo qual opta para fundamentar a sua obra pedagógica, ações que a

partir de uma comunicação clara e contínua, criem as devidas condições para que exista um

processo educativo perene.

Santos (2000) apresenta o entendimento de Dom Bosco sobre o Sistema Preventivo

que adota:

Ele consiste em fazer conhecer as prescrições e os regulamentos de um Instituto e

depois vigiar de modo que os alunos estejam sempre sob os olhos vigilantes do

Diretor ou dos assistentes, que como pais amorosos falem, sirvam de guia em todos

os eventos, aconselhem e amorosamente corrijam o que equivale a dizer: pôr os

alunos na impossibilidade de cometer faltas (SANTOS, 2000, p.119).

Quero comentar dois aspectos do trecho citado. Um deles, quanto à “impossibilidade

de cometer faltas”, que provavelmente não seja possível na esfera humana. Creio, porém, que

o entendimento dessas faltas, pode gerar novos aprendizados, a partir de uma comunicação

clara que permita o entendimento das suas causas. O outro é sobre a vigilância, que a meu ver,

nesse contexto, implica em acompanhar o aluno, a partir de regras previamente combinadas.

Considero essas ações imprescindíveis para o processo educativo.

Percebo também no Sistema Preventivo, conforme descrito por Dom Bosco, a

necessidade da presença, tão enfatizada pela pedagogia salesiana. Só consegue acompanhar

aquele que, fisicamente, se faz presente na vida do outro. Mas a presença, a meu ver, requer

um valor que a sustente. Ou seja, porque se fazer presente é importante? Acredito que as

razões podem fundamentar-se nos aspectos já apresentados sobre o valor amorevolezza.

Ainda com relação à presença, penso que se planejada adequadamente, considerando

determinados elementos da situação e da pessoa envolvida, possa aos poucos, incentivar um

afastamento que favoreça o desenvolvimento da autonomia.

Com relação ao sistema preventivo, ha que se considerar também, o contexto histórico

que o favorece, ou seja, o momento europeu, que após os movimentos revolucionários, volta-

se à perspectiva da prevenção. Uma prevenção que acontece até certo ponto, uma vez que não

consegue deter o êxodo rural, consequência de outra revolução, a revolução industrial.

O impacto sobre as pessoas é logo percebido através de situações geradoras de

desemprego e exploração. Os jovens, carentes das orientações básicas, desde aquelas voltadas

a higiene, disciplina e da convivência em grupo, são profundamente atingidos e tornam-se o

foco da atenção de D. Bosco.

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Para atender as necessidades dessa população tão jovem e com tantas carências, Dom

Bosco idealiza um sistema, a meu ver, completo e complexo. Completo porque envolve ações

que tem como foco a formação integral dos jovens. E complexo, por não se tratar de um

manual de procedimentos com etapas a serem seguidas. Santos (2000, p.161), completa essa

ideia ao observar certa aversão de Dom Bosco pela descrição de um método. Entendo não

como aversão, mas como impossibilidade. Ou seja, como transformar ações, que se

fundamentem muito mais em atitudes do que em conhecimentos específicos, num manual de

procedimentos?

A partir dessas considerações, Dom Bosco enuncia o seu sistema preventivo, que tem

como base a tríade já abordada, razão, religião e amorevolezza, e que mais do que elementos,

podem ser considerados como valores salesianos. É possível perceber uma total relação entre

eles sendo difícil em alguns momentos, separá-los, mesmo que conceitualmente. A

abordagem agora, quanto aos valores tem como objetivo estabelecer breves relações entre

ambos, até porque, um deles, a amorevolezza, que permeia os demais, será foco de

interpretação dos dados na busca das práticas adotadas pelo personagem.

O valor ligado à razão, que embora esteja presente em todo o processo educativo, tem

seu lugar de destaque já no início: “na forma de pré-aviso leal e sem ambiguidade”

(SANTOS, 2000, p. 165).

Conhecer as regras no início de um processo de aprendizagem é um momento propício

para pensar em como direcionar os esforços no sentido apropriado e inclusive, para

administrar possíveis frustrações. Santos e Castilho (2003) descrevem o momento de

divulgação das regras, que conforme a tradição salesiana, é mantida nas escolas:

(...) a leitura do regulamento logo no início do ano escolar. Leitura essa que será

renovada durante o ano, quando for necessário. E a promulgação da lei é a

recordação dessa mesma lei, tão facilmente esquecida pela índole do jovem. Dom

Bosco realizava até uma ‘Festa do Regulamento’, ou seja, após estudo e

conhecimento das razões que fundamentavam as normas e sua necessidade para o

bom andamento da obra, todos recebem o regulamento e esse momento era

celebrado de forma simples, mas marcante (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 266)

A razão nesse contexto pressupõe conversa explicativa e escuta, de forma a facilitar o

entendimento daquilo que se acordou seguir. Um eventual “não seguir o que foi combinado”

também deve ser tratado, primeiramente com o entendimento dos porquês, seguido de

reorientação. Santos (2000), completa que razão implica em: “Seguir o normal, o natural, é

evitar artifícios, exageros e complicações. Razão é também, isenção de formalismos e

distanciamentos (até mesmo institucionais)” (SANTOS, 2000, p. 165).

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Razão por sua vez, implica em influência, base para uma atuação com autoridade e

disciplina, componentes essenciais num processo educativo, principalmente num contexto de

necessidades tão básicas, como a dos jovens atendidos por Dom Bosco. Mais uma evidência

da relação entre os valores é que a disciplina também está presente como ação de

amorevolezza.

Na visão de Scaramussa (1979), a razão é um “elemento essencial do conteúdo

humanista” do sistema preventivo de Dom Bosco (SCARAMUSSA, 1979, p. 83). Não a

percebo como um elemento contraditório à emoção, mas sim, como um direcionador de

esforços no sentido do que realmente precisa ser feito. Scaramussa (1979) elucida essa

característica do sistema salesiano: “Dom Bosco detestava o sentimentalismo e o pietismo.

Preocupava-se com os interesses imediatos dos jovens, com sua situação social, sua

profissionalização e suas responsabilidades futuras” (SCARAMUSSA, 1979, p. 83). Penso se

essas características também podem ser observadas em Manoel Isaú.

Sigo com a discussão sobre o sistema preventivo de D. Bosco buscando estabelecer

relações entre mais valor que o sustenta: a religião. Penso numa abordagem que permita

perceber esse valor como mais um elemento norteador das ações de desenvolvimento do

indivíduo, e também, sem desconsiderar o seu impacto nas ações de Dom Bosco, enquanto

sacerdote católico.

Ao pensar na palavra religião e em seu sentido etimológico, “re-ligar” ou “tornar a

ligar”, considero importante resgatar a concepção de Jung (1987), que extrai da sua

experiência como psicoterapeuta, observações sobre o impacto da “atitude religiosa” nas

doenças: “Todos, em última instância, estavam doentes por ter perdido aquilo que uma

religião viva sempre deu em todos os tempos a seus adeptos, e nenhum curou-se realmente

sem recobrar a atitude religiosa que lhe fosse própria” (JUNG, 1987, p. 141-142).

A meu ver, as observações de Jung coincidem com o entendimento anterior sobre a

religião como elemento norteador, mas não referenciada num sentimento envolvendo o medo,

mas como mais uma oportunidade de relação com o entorno e ampliação da consciência.

Santos e Castilho (2003) complementam essa ideia ao comentar que a religião permite

ao jovem, perceber “o sentido último e definitivo da sua existência”. E perceber o sentido da

sua existência, impacta as suas escolhas e as suas formas de agir, consigo e com os outros. Na

visão de Dom Bosco, relatada pelos autores, um dos maiores significados da religião pode ser

percebido no “envolvimento comunitário, lugar onde se pode celebrar a vida pessoal e

compartilhar a vida dos tantos irmãos” (SANTOS; CASTILHO, 2003, p.276).

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O livro “Fontes Salesianas” (2015)16

aborda o elemento religião sob a ótica da

caridade. Considera a caridade como o principal alicerce do sistema preventivo de Dom

Bosco e que integra o valor amorevolezza. Justifica, dessa forma, que somente o cristão pode

aplicar com êxito o sistema preventivo.

Se a religião implica em caridade, esta por sua vez, pode fazer pensar numa das

formas de demonstrá-la, através das orações. A oração pode remeter a um ato rotineiro e até

mecanicista. Santos e Castilho (2003), ensinam que a visão de Dom Bosco é justamente

oposta: “a oração deveria ser atraente”. E os autores seguem mencionando as expectativas de

D. Bosco com relação às orações:

Gostava das orações criativas, muitas vezes ao ar livre, nos amplos pórticos dos

colégios ou no contato com a natureza. Isso também para mostrar aos jovens a

necessidade de rezarem em toda parte e em todas as circunstâncias da vida

(SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 277).

O sistema preventivo de Dom Bosco, caracterizado pelas suas ações, é também

praticado através do amor que sentia e demonstrava pelos seus jovens. Esse amor, retratado

pela expressão amorevolezza, talvez não possua tradução na língua portuguesa pelo fato de

que seja desnecessária uma tradução em palavras, apenas em atos...

Os dois componentes da expressão italiana amorevolezza, já apresentados por Santos

(2000, p.173) como um “misto de racionalidade e de compreensão humana”, podem

aparentemente, mostrar-se contraditórios. Mas na verdade, esses componentes se

complementam e possibilitam unir amor e firmeza, num contraponto ideal que permite

acolher e se necessário, corrigir o aluno.

Mas existe mais uma forma de entender o conceito de amorevolezza. É a forma

apresentada pelo Padre Pajola17

, que numa das aulas do Mestrado, utiliza a alegria, tão

presente na comunidade salesiana, para ensinar sobre o significado dessa expressão. Para que

não haja dúvidas, ele primeiramente adverte sobre o que essa palavra não representa: “amor e

moleza”. Essa é mais uma evidência que a alegria só contribui para o aprendizado... Aprendi

sobre esse valor salesiano tão diferenciador de forma prática e permaneço estimulada a querer

aplicá-lo cada vez mais.

Sigo com a abordagem sobre a atuação de Dom Bosco e observo que o seu empenho

pelo reforço do espírito de comunidade, se estende através das escolas profissionais e da

16

Fontes Salesianas. Dom Bosco e sua obra: coletânea antológica. 17

Padre José Antonio Pajola, durante aula ministrada como convidado, na disciplina “História da Educação

Salesiana e Sociocomunitária”, no dia 05 abr. 2016.

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inserção dos jovens no mundo do trabalho. Sua atuação se amplia ao utilizar das próprias

habilidades de negociação com o intuito de proteger os jovens de explorações na realização

das atividades profissionais.

Para evitar que fossem explorados pelos patrões instituiu os primeiros contratos de

trabalho da história. Ele mesmo negociava com esses patrões alcançando acordos

favoráveis aos seus jovens, que podiam assim trabalhar sem prejudicar os estudos.

(ISAÚ, 2007, p.9)

Mesmo tendo o indivíduo como centro, é fato a sua inter-relação com o entorno num

processo de mediação do seu aprendizado. Isaú (2007, p.7) reforça esse aspecto da educação

salesiana: (...) “em Dom Bosco, a educação está impregnada do social”.

O mesmo autor entende que a mediação do processo educativo parte de uma educação

realizada numa comunidade e que se amplia para o âmbito social, situação que desperta para

a formatação do conceito de uma educação sociocomunitária. Esse conceito, que na visão do

autor segue em ascensão, torna-se a área de concentração do Programa de Mestrado em

Educação do UNISAL (ISAÚ, 2007, p. 18). Manoel Isaú torna-se um aliado na construção

desse conceito como um reflexo da educação salesiana na atualidade, tema a ser tratado

posteriormente.

Esse contexto e essa crença que posiciona o ser humano, e em especial o jovem, como

centro torna-se um diferencial nas ações educativas e consequentemente, exige do educador

salesiano, posturas que a considerem.

Se o nosso comportamento individual é resultado de nossas experiências, percepções e

crenças, um dos desafios da educação é gerar oportunidades de reflexão acerca desse

percurso, conforme discutido pela abordagem biográfica.

No caso da educação salesiana, as crenças e propósitos estão claros, uma vez que a sua

vocação está voltada ao ser humano, em especial ao jovem. A partir da perspectiva de

Marques (2016), propósitos são caracterizados por ações que, “representam a razão da sua

existência; a força interna e a sua motivação para prosseguir nesta caminhada profissional,

pessoal e espiritual” (MARQUES, 2016, s.n.)

O ponto de partida do processo educacional praticado por Dom Bosco era a sua crença

na capacidade do ser humano de desenvolver-se e a partir de ações educativas adequadas,

tornar-se o responsável pelo seu próprio desenvolvimento. Nesse aspecto, a tríade da

educação salesiana, razão, religião e amorevolezza, representa mais do que a sustentação

desse modelo educativo; é também um direcionador de atitudes e comportamentos para os que

nele atuarem.

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Santos e Castilho (2003), nos alertam sobre essa questão:

Assumir um posicionamento assim exigente e desafiador requer uma atitude e

constante reelaboração de uma práxis que procura salvaguardar a fidelidade ao

genuíno carisma salesiano, conforme vivido e proposto por Dom Bosco e os

primeiros salesianos, e garantir, ao mesmo tempo, uma abertura aos novos sinais e

desafios que o contexto apresenta, de tal forma que a proposta salesiana seja ainda

eloquente aos ouvidos, mentes e corações dos adolescentes e jovens (SANTOS;

CASTILHO, 2003, p. 249).

É impossível conceber um educador, conforme as necessidades identificadas de

atuação pelos autores, sem abordar a importância de determinadas características desse

profissional na relação interpessoal. Como ele se comunica? Como se faz presente? Como se

preocupa em entender a realidade e as necessidades dos envolvidos no processo educativo?

As escolas salesianas com seus projetos político-pedagógicos, embasados nos

ensinamentos de D. Bosco e presentes em diversos países, trazem em si, desafios que quanto à

necessidade de adequação às realidades específicas. Essa adequação, que pode ser entendida

como uma resposta a partir de um entendimento da realidade e não como acomodação,

somente é possível de ser realizada a partir de propósitos congruentes e que estejam

disseminados entre os principais agentes do processo educativo.

Embora os alunos também sejam os “agentes” do próprio processo educativo, aqui me

refiro aos educadores na condição de “agentes”, até porque, são estes que precisam a

princípio, estabelecer os caminhos gerais a serem trilhados e convidar os educandos para fazê-

lo. O foco na atuação dos educadores tem início a partir do momento que a obra salesiana

começa a expandir-se e chega a uma concepção de internato, como mais uma resposta às

necessidades da época.

O incremento dos colégios, a partir daqueles anos, é um dado de fato que é preciso

ter em consideração para compreender as orientações da mentalidade de Dom Bosco

e alguns dos elementos que caracterizam a pedagogia preventiva e a espiritualidade

salesiana. De agora em diante, o Santo pensará sempre mais nos salesianos como

educadores de colégios (MOTTO; PRELLEZO; GIRAUDO, 2015, p. 19).

Buscar o entendimento de uma realidade, ponto de partida da atuação de Dom Bosco,

desde os primórdios de sua atuação em Turim junto aos “seus meninos”, é sempre um desafio

em qualquer projeto em que se proponha uma intervenção.

Não é fácil, mas vale a pena, como dizia o próprio Dom Bosco...

E o que faz algo valer a pena? Penso que os significados percebidos podem ser uma

possibilidade de resposta.

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2.5. Razão de Ser - o que justifica abordar e propor a Educação Salesiana

Esta seção tem como função instigar uma reflexão sobre a educação salesiana quanto à

sua aplicabilidade. Ou seja, ainda há espaço, após tantos anos da sua concepção, para ações

embasadas pelos valores salesianos? Mas o mundo mudou. Ou não? Será que o ser humano

ainda carece das mesmas coisas? Ele ainda precisa de algumas condições, planejadas

previamente, que favoreçam o seu aprendizado? Penso que sim. Embora eu não me refira às

condições impostas de forma homogênea, sem considerar o contexto e sem considerar as

“vozes” dos envolvidos no processo educativo.

Esse tema também foi abordado no programa de mestrado, sob a ótica das

“Tecnologias Educacionais e Práticas Educativas”, numa aula da referida disciplina,

conduzida pelo Prof. Eduardo Chaves (2014). Na ocasião, discutiu-se que mesmo com as

evoluções tecnológicas, o processo de aprendizagem formal ainda ocorre em condições

semelhantes no decorrer da história: alunos, professor, um conteúdo preestabelecido e um

quadro negro (ou mesmo digital). Penso que o processo de aprendizagem, formal ou não

formal, depende, e muito, da qualidade da relação interpessoal, que se sobrepõe à qualidade

visual ou funcional do material utilizado.

Se a dependência da qualidade da relação é um fato, então, é o educador, que a

princípio precisa preparar-se, certamente não apenas do ponto de vista técnico, com relação

aos conteúdos a serem ministrados, mas principalmente, com relação às questões emocionais.

Nesse aspecto penso que o indivíduo deva agir “egoisticamente” num primeiro momento, isto

é, pensar em si próprio no sentido de reconhecer-se através de um processo contínuo de

autoconhecimento e em seguida, pensar nos impactos das suas ações, das respectivas

causalidades e dos impactos nas relações com os outros.

A partir dessa reflexão inicial, embasada na minha própria crença e experiência de

vida, acredito que valha a pena olhar para Dom Bosco, suas características de personalidade,

suas ações e assim, buscar referenciais que possam ser utilizados na atualidade para

“justificar” a continuidade da proposta salesiana.

Um dos caminhos para o entendimento das características de personalidade de um

personagem pode ser a análise das suas motivações. Ou seja, por que o envolvido age de

determinada forma? O que o motiva e, portanto, o faz querer agir assim?

Braido (2004) parte dessa análise inicial para abordar a questão da personalidade e

estilo de D. Bosco:

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A motivação profunda da ação de Dom Bosco é a caridade: o amor de Deus e do

próximo, fundado coerentemente em sua fé católica e em sua vocação sacerdotal,

como que nascida com ele. Há, todavia, traços de personalidade que conferem à sua

consagração e ação caritativa aspectos e tonalidades típicas, transferindo-se também

para o ‘sistema preventivo’ nelas assumido. Pôr em evidência alguns desses traços

se torna, portanto, um dever inevitável de quem queira compreender e reevocar as

linhas da sua experiência pedagógica, uma vez que esta se entrelaça e até mesmo se

confunde com a sua personalidade e com o seu estilo de vida (BRAIDO, 2004, p.

153-154).

Chama-me a atenção nas observações de Braido (2004), dentre outros fatores, a inter-

relação entre os traços de D. Bosco, as suas crenças, a sua vocação católica e a construção de

sua experiência educativa. Parece-me ser possível unir todos os fatores citados, e até mesmo

confundi-los, como diz o autor, mas ao mesmo tempo, é possível conseguir visualizar as

diferenças e particularidades que o educador salesiano imprimiu no seu sistema. Onde e como

tem início as ações de Dom Bosco no chamado sistema preventivo? Ou será que sempre

existiram, e foram apenas reconhecidas como tal?

Braido (2004) reforça que a inspiração de Dom Bosco nasce dos incômodos que a

situação dos jovens lhe provoca e que o estimulam a agir de forma realista e rápida, sem se

preocupar em tecer projetos de maior amplitude. Mesmo sem a intenção de elaborar um

projeto educacional teoricamente embasado, as ações tomadas por Dom Bosco e os impactos

no público e no contexto, encarregam-se de articular esse projeto. Ao iniciar ações pontuais

como respostas a uma realidade desfavorável e ter suas contribuições reconhecidas em prol de

uma população jovem e inicialmente sem perspectivas, Dom Bosco nos ensina também, lições

essenciais para a construção de um projeto educacional sustentável. O entendimento do

contexto, mediado por valores e crenças congruentes, parecem constituir as primeiras dessas

lições. O projeto educativo de Dom Bosco nasce, portanto, da sua sensibilidade e da sua

vivência, situação nada comum na articulação dos projetos nos dias de hoje, inclusive (e

infelizmente) os educacionais.

De volta ao foco desta seção e na busca de justificativas para o diálogo com os

princípios da educação salesiana nos dias atuais, encontro em Scaramussa (1979) a

denominação de “Programa de Vida” para as recomendações de Dom Bosco aos jovens.

Nesse programa, Dom Bosco deixa claras as formas de agir esperadas pelos seus jovens e o

faz, não apenas através de orientações teóricas, mas os inspira através das suas ações e dos

seus exemplos. Esses exemplos envolvem ações que contribuem para um processo educativo

amplo, que contempla aspectos da vida em grupo, dos estudos e do trabalho. Vale observar

também, como nos ensina esse mesmo autor, que tais ações tinham como base o “trinômio,

alegria, estudo e piedade” (SCARAMUSSA, 1979, p. 80-81). Esse trinômio parece contar

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com elementos importantes para facilitar a aproximação de uma população ainda em

formação e que carece, principalmente, de exemplos que estimulem a formação de hábitos

que favoreçam o seu próprio desenvolvimento e daqueles que o cercam.

Um dos hábitos considerados importantes não apenas para o próprio sustento, mas

também como oportunidade de desenvolvimento pessoal e de contribuição para a comunidade

onde atua, é o hábito de trabalhar. O trabalho para D. Bosco é percebido como uma amplitude

de ações que envolvem também os estudos e todos os demais deveres para a vida em

sociedade (SCARAMUSSA, 1979, p. 84).

As informações apresentadas e que caracterizam as ações de D. Bosco nos ajudam a

refletir sobre a sua forma de estimular, por exemplo, o hábito de estudar. A sua facilidade de

comunicação, completada por elementos não verbais como o sorriso, provavelmente são

elementos diferenciadores na relação dialógica tão essencial no processo educativo. Fazer

perguntas, instigar a pensar, dramatizar e representar, são ações utilizadas por Dom Bosco e

que trazem em si uma crença de que o aluno quer e pode participar do seu processo de

formação e desenvolvimento.

Essas ações também desencadeadas por necessidades intensamente influenciadas por

um contexto a que já me referi, não simplificam a criatividade de Dom Bosco. Se por um lado

suas práticas respondem ao contexto, estas também ocorrem independentemente dele, pois se

diferenciam de outras correntes, como nos alerta Scaramussa (1979). O autor reforça as

particularidades de Dom Bosco em suas práticas educativas mesmo considerando o contexto:

Pode-se mesmo afirmar que Dom Bosco foi ‘inventor’ e criador do seu método: ele

o pôs em vigor em tempos e ambientes onde estava quase totalmente sufocado;

enriqueceu-o com experiências de todos os tipos e ainda, com um modo particular

de manusear os elementos constitutivos e também com uma disposição nova e

pessoal de ideias e técnicas (SCARAMUSSA, 1979, p.101).

Braido (2004) complementa a abordagem sobre as particularidades de Dom Bosco e

traz duas características que em minha percepção, a princípio, se antagonizam: “modernidade

e tradição”. O autor, porém, destaca que em Dom Bosco a convivência de ambas acontece

com “extrema naturalidade”. A tradição católica presente durante toda a sua vida não o

impede de perceber o contexto com todas as suas nuances e de adaptar-se a ele, sem, no

entanto, abrir mão das convicções que guiam suas ações. Já a modernidade, mesmo não

representando a principal característica de Dom Bosco, segundo o autor, causa choque em

alguns observadores. Penso se esse choque descrito por Braido (2004) não se relaciona com a

mesma ressalva feita por Manacorda (1989), ao observar um Dom Bosco que articula e se

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relaciona com diversas personalidades da época e que mesmo sem comprometer-se

politicamente, obtém recursos e reconhecimento para suas obras educativas. Braido (2004)

reconhece nas ações de Dom Bosco aspectos comuns à sua condição de padre católico, mas

também sinaliza particularidades:

O juízo sobre os acontecimentos de seu tempo não é, fundamentalmente, diferente

dos demais amplamente difundidos no mundo católico. Distingue-se, talvez, pelo

modo realista de acolhê-lo ou enfrentá-lo ou de retificá-lo, algumas vezes até com

uma tática quase atrevida, mas sempre substancialmente correta (BRAIDO, 2004, p.

155).

Abordar a educação salesiana hoje e um sistema preventivo conforme concebido por

Dom Bosco, implica numa ampliação do olhar. Isto significa um entendimento da

impossibilidade de imitá-lo, até porque, o contexto e as necessidades tão considerados por ele

são muito diferentes do período em que viveu. Mas significa também, buscar elementos que

possam ser utilizados para o entendimento de todas as variáveis que tanto impactam os

processos educativos nos dias de hoje. Scaramussa (1979) nos aponta um caminho para

reflexão:

Toda ação educativa está condicionada por determinada visão de homem e de

mundo. No caso de Dom Bosco, poder-se-ia afirmar que sua ação educativa tinha

por base uma antropologia teológica, marcada decisivamente por sua mentalidade

religiosa e por sua espiritualidade. Essa antropologia Dom Bosco não chegou sequer

a exprimi-la explicitamente, como uma teoria-base orientadora de sua experiência

pedagógica. Ação e reflexão seguiam-se e fecundavam-se reciprocamente, numa

dialética construtiva, sem muita sistematização, mas unificadas por princípios

fundamentais bem claros e por uma orientação de fundo indubitavelmente cristã-

católica, com as particularidades próprias da personalidade de Dom Bosco e do seu

ambiente (SCARAMUSSA, 1979, p.105) .

Penso que alguns pontos destacados por Scaramussa (1979) quanto às ações de Dom

Bosco, por si só já justificam uma abordagem da educação salesiana nos dias de hoje. E essa

justificativa vai além da mentalidade religiosa, ideia corroborada por Evangelista (2017) ao

observar que a santidade de Dom Bosco reside na sua humanidade. Então, o aspecto essencial

da sua atuação parece ser o fato de fundamentar-se num conjunto de princípios voltados ao

bem maior e que possibilita a conciliação de práticas essenciais ao processo educativo: a ação

e a reflexão, ou seja, a práxis educativa.

A época contemporânea tem estimulado e mesmo demandado infindáveis ações em

todos os segmentos. Ações diversificadas que muitas vezes são exigidas das pessoas sem o

adequado contexto que favoreça a aprendizagem. Ações também em alguns momentos, sem

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conexão entre si e principalmente, sem propósitos claros que as justifiquem e direcionem.

Santos e Castilho (2003), caracterizam essa época:

Vivem-se os tempos dos curtos/fragmentados relatos nos quais as cosmovisões com

pretensões totalizantes de dar uma explicação coerente e uma visão integrada do

mundo e das diferentes dimensões da vida humana são rejeitadas; dogmas e

princípios tidos como perenes são duramente questionados. Os projetos educativos

das escolas salesianas, no âmbito dos valores, tentam responder a esse contexto, mas

sem abdicar da identidade salesiana (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 284).

O reflexo desse cotidiano precisa, portanto, encontrar nos processos educativos,

formais ou não formais, oportunidades de discussão e reflexão. Mas para que as ações sejam

consequências de um processo de reflexão precisam ser amparadas e guiadas por um educador

consciente do seu papel e da sua visão de homem e de mundo. Essa visão é composta pelas

experiências, crenças e valores. Santos e Castilho (2003) reforçam a importância da clareza

dos valores na elaboração dos projetos educativos. E seguem suas considerações com foco na

introjeção de valores que, ao tocar afetivamente os agentes do processo educativo, os

envolvem em ações educativas que considerem não apenas as metas a serem atingidas, mas

que também, aproveitem todo o caminho, conciliando ação, reflexão e necessidade de ajustes.

Apesar da complexidade de um processo educativo e da não existência de “receitas” que

garantam o seu êxito, os autores ponderam: (...) Sem a definição do “por que” será ainda mais

difícil construir o “como” (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 285).

E quais os “porquês” da educação salesiana hoje? Será que essas respostas estão

inseridas na visão do educador salesiano? E como esse educador traduz essa visão em ações

congruentes? A educação salesiana hoje depende fundamentalmente, da ação dos educadores

que nela atuam através da atualização e transformação dos princípios educativos de Dom

Bosco em práticas educativas.

2.6. A Educação Salesiana hoje

Não existe maior convite ao amor do que prevenir amando.

Santo Agostinho

Sim, é inegável a importância do educador no processo educativo. E no processo

educativo salesiano é vital. Reforço que essa importância não se trata de priorização do papel

de educador em detrimento ao papel daquele que é seu foco principal, o aluno. Essa

importância representa o “pensar” do processo educativo de forma que se alinhe às

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necessidades do indivíduo e da comunidade onde atua. Alinhar um projeto às necessidades de

um indivíduo ou grupo, implica na realização de ações prévias que fatalmente podem

representar os fatores causais da sustentabilidade desse projeto. Essas ações requerem

embasamento profundo, requisito que só pode ser obtido a partir de valores que sustentem as

ações de desenvolvimento e também, educadores que reconheçam nesses valores, as maiores

justificativas para as suas ações.

O entendimento do contexto e das suas necessidades parece-me ser o grande eixo

norteador do sistema preventivo de Dom Bosco, que aliado ao seu carisma, torna-se um

diferencial no processo educativo. Villanueva (2013) o aborda como um “estilo de vida que se

transformou em proposta educativa que se estende até hoje”. Se o diferencial encontra-se na

conjugação desses dois fatores, é possível ainda nos dias de hoje, trazê-los de volta?

Scaramussa (1979) fala da importância de “atualizar Dom Bosco” e para tanto, cita a

necessidade de “identificar-se com ele, o que não significa imitá-lo materialmente”. O autor

esclarece que essas observações significam “fazer hoje o que ele (Dom Bosco) faria e não o

que ele fez” (SCARAMUSSA, 1979, p. 104).

Villanueva (2013) complementa que o sistema preventivo de Dom Bosco deve ser

atualizado à cultura globalizada. Ou seja, a situação atual requer uma nova leitura, até porque,

os quadros sociais são outros. Essa ideia é reforçada por Lenti (2012):

Como qualquer conceito histórico, também as ideias e realizações de Dom Bosco

relacionavam-se com o ambiente sociocultural em que surgiram e, embora

mantivessem para os Salesianos um ‘núcleo’ válido constante, era preciso

‘interpretá-las’, expressando-as em linguagem nova, ‘moderna’ (LENTI, 2012,

p.55).

Penso que essas observações dos autores citados representam uma ênfase no

entendimento das necessidades dos indivíduos e seus contextos. Somente dessa forma é

possível atualizar ações e transformá-las em práticas sustentáveis. Para uma nova leitura,

talvez seja necessária a adequação das “lentes dos óculos”, que podem já não estar mais em

condições de distinguir imagens e acontecimentos que precisam ser entendidos. Atualizar

essas lentes não significa desconsiderar tudo o que foi aprendido, mas sim, rever, reescrever,

adaptar, mas também reconhecer aqueles propósitos que representam a direção maior das

nossas ações.

Villanueva (2013) propõe três perspectivas para “reinterpretar as orientações do

método” proposto por Dom Bosco:

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A primeira perspectiva chamada pelo autor de “relançamento do honesto cidadão e

bom cristão”, enfatiza a necessidade de um trabalho voltado ao despertar da vocação do

jovem. Entendo que numa sociedade em que a velocidade é fator determinante, o educador

salesiano tem a missão de facilitar a compreensão dessa realidade e auxiliar no

desenvolvimento integral dos jovens e da comunidade em que atuam.

A segunda perspectiva destacada pelo autor e que se relaciona intimamente com a

primeira, é a questão da “qualificação”. Entendida como um estado de busca intensa e às

vezes, inatingível nos dias de hoje, a qualificação na educação salesiana é muito maior do que

um aprendizado voltado ao executar determinadas atividades. O autor acrescenta que a

educação salesiana parte do conhecimento dos jovens, que permite identificar as suas

necessidades de acordo com os tempos, confrontando-se com os traços da cultura atual. Para

responder a uma realidade de tamanha complexidade (mas não em menor grau do que a

realidade vivida por Dom Bosco) há grande exigência por parte desse educador, num

movimento contínuo de entendimento e atuação compartilhada.

A terceira perspectiva considerada importante para uma releitura da educação

salesiana é destacada pelo autor a partir da crença de Dom Bosco de que a “educação deve

ser considerada como algo do coração”. O autor cita uma expressão utilizada por D Bosco

para mostrar a ligação que tinha com os jovens: “vocês são todos ladrões, roubaram meu

coração”. Penso que ao falar do coração, Dom Bosco traz a questão emocional ao processo

educativo como componente essencial a um relacionamento interpessoal maduro, que parte

das necessidades e possibilidades presentes para um determinado público, num determinado

contexto. O autor reforça que nada havia de “paternalismo” nessa relação, mas sim, a

representação de uma “entrega total do educador”, considerando a pessoa de cada educando.

Penso que alguns pontos já abordados podem ser reunidos numa outra possibilidade de

releitura da educação salesiana ao considerarmos algumas das ações adotadas por Dom Bosco

como um processo de influência. Essa linguagem pode parecer mais usual num contexto

organizacional, mas a meu ver, aplica-se também a um contexto educativo, em que é possível

reconhecer influências recíprocas entre educador e educando. Afinal, acredito ser inegável a

influência exercida por Dom Bosco nos vários segmentos com os quais se relacionou na busca

dos seus ideais de educação. Santos (2000) reforça o quanto a experiência educativa salesiana

“deixou influências bem características nas pessoas que a frequentaram” (SANTOS, 2000, p.

26). E certamente, também foi influenciada por aqueles que dela participaram.

Scaramussa (1979) mostra essa influência mútua através da “Dedicatória” expressa em

seu livro: “Á juventude pobre e abandonada, que tornou Dom Bosco educador e que é a razão

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maior de ser do Sistema Preventivo”. A dedicatória feita por Scaramussa (1979) também abre

duas perspectivas quanto ao olhar para essa “juventude pobre e abandonada”: um público que

representa um problema e ao mesmo tempo, uma oportunidade de desenvolvimento de um

sistema diferenciado de educação.

Essa oportunidade requereu também de Dom Bosco, o desenvolvimento de uma

habilidade que Villanueva (2013) chamou de “flexibilidade”, ao envolver estruturas como a

igreja, a sociedade e as camadas populares, no escopo das suas intervenções.

Volto ao foco deste item na busca de elementos de atualização da educação salesiana

numa perspectiva da educação sociocomunitária. Antes de retomar o conceito em si, que

como ensina Isaú (2007), encontra-se em construção, acredito ser interessante contextualizá-

lo. O Professor Paulo de Tarso Gomes18

, em seu depoimento escrito sobre o tema, relata

acreditar que a expressão pode ter surgido sob a forma de "educação social e comunitária",

inserida no Capítulo Inspetorial dos Salesianos de São Paulo por volta dos anos 2000-2001. E

a partir dessa base, tem início uma discussão entre o corpo docente do Programa de Mestrado

do UNISAL da época, do qual fez parte Manoel Isaú. O grupo define como área de

concentração para o Programa, a Educação Sociocomunitária. O Professor Paulo de Tarso

cita a biografia e os volumes de Dom Bosco no século da liberdade, para fundamentar suas

colocações quanto ao entrelaçamento das ações pontuais de Dom Bosco na solução dos

problemas dos jovens de Turim e sua atuação em prol da unificação de Itália. Nesse momento,

a ação salesiana assume de forma articulada, características de um movimento comunitário e

social, conforme reforça o Professor.

Ao observar a abrangência das ações de Dom Bosco a partir de sua atuação junto aos

seus jovens em Turim, é possível também observar essa mesma intenção como elemento que

favorece a continuidade dos seus ideais, através da área de concentração do Mestrado em

Educação do UNISAL.

Isaú (2007) observa que os salesianos vivenciaram a educação sociocomunitária,

desde o início das suas ações, e que o Mestrado em Educação representa o “aprofundamento

da teoria e a iluminação da prática na atualidade para a formação de pesquisadores

capacitados (...) ” (ISAÚ, 2007, p. 4).

Não é objeto deste estudo, detalhar diferenças conceituais que auxiliem na

compreensão do termo comunidade, mas acredito que dois aspectos merecem ser citados: a

18

Atuou como Professor e como Coordenador do Programa de Mestrado em Educação do UNISAL de

Americana, com participação efetiva no reconhecimento do programa junto a Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior (CAPES). As informações citadas foram extraídas do seu depoimento obtido via e-

mail, no dia 12 abr. 2016, sobre a origem do termo “educação sociocomunitária”.

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questão do que é comum aos envolvidos e também, a questão da necessidade da direção, os

quais são reforçados por Isaú (2007): “Assim a união de muitos com o objetivo de alcançar a

realização do fim comum com as forças construtivas de todos é o que constitui a comunidade

em sentido estrito. Não se dispensa uma direção (autoridade)” (ISAÚ, 2007, p.6).

Percebo nos conceitos apresentados a integração entre o indivíduo e a comunidade em

que atua. Essa comunidade pode ser representada por alguém que exerça poder ou autoridade

sobre o grupo, no papel de professor, líder comunitário, gestor ou governante. De qualquer

forma essa interação existe e pode ser aproveitada para o desenvolvimento conjunto. Isaú

(2007) contextualiza as ações de desenvolvimento no âmbito das comunidades e da

sociedade:

(...) entendemos que a sociedade é a integração das comunidades em um organismo

mais vasto, o ‘mundo social’, ou ‘superorganismo’. Em ambos os casos a educação

individual só se concebe integrada nas duas estruturas, para a própria realização

individual. Por isso chamamos de educação sociocomunitária (ISAÚ, 2007, p. 7).

O caminho para a contínua difusão da educação salesiana segue com os desafios da

época contemporânea, desafios estes possivelmente não de maior amplitude daqueles

vivenciados por Dom Bosco junto aos seus meninos. No âmbito das características que

distinguem a atuação salesiana, é possível encontrar na “educação sociocomunitária” um

caminho que traz possibilidades para o enfrentamento desses desafios rumo à busca de uma

maior autonomia a ser construída em conjunto com os indivíduos e suas comunidades.

Encerro estas considerações com a citação de duas, das seis qualidades pessoais que

Kloos et al. (2012), citam como importantes para “a participação cidadã e o empoderamento”,

as quais considero determinantes para o desenvolvimento da autonomia:

Consciência crítica - emerge de três fontes: experiências de vida com injustiças,

reflexões sobre as próprias experiências e as lições aprendidas, e o diálogo com

outros (KLOOS et al., 2012, p.6).

Compromisso e valores participativos – (...) a participação é frequentemente iniciada

e sustentada pelo compromisso com valores profundamente enraizados (KLOOS et

al., 2012, p. 8).

Percebo na atuação de D. Bosco a presença dessas qualidades...

E com relação ao personagem foco deste estudo? Quais das qualidades foram

percebidas através das suas práticas?

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PARTE III – O PERSONAGEM: MANOEL ISAÚ SOUZA PONCIANO

DOS SANTOS

O meu gosto pela história

Tem esta explicação:

Lá nos idos de criança

Já era minha paixão!

Manoel Isaú (1994)19

Acredito que essa evocação já nos fornece pistas iniciais sobre o personagem principal

deste trabalho. Pistas estas significativas, pois mostram o seu gosto pela escrita e pela história

já nos seus primeiros anos de vida. Mas afinal...

3.1. Quem foi Manoel Isaú?

Procurar “defini-lo” não é uma tarefa simples. Aliás, definir alguém é uma tarefa

complexa e um tanto pretensiosa, mas identificar particularidades que possam contribuir para

um descortinar de caminhos voltados às intervenções educativas pode ser desafiador e

instigante.

No caso deste personagem, utilizo a sua obra e depoimentos de algumas pessoas que

com ele conviveram, conforme esclarecido na Parte I, para identificar em suas práticas, ações

características do elemento amorevolezza e também, correlações com a abordagem que adota

para delimitação do campo de pesquisa em educação sociocomunitária.

Para este item específico, trago trechos de relatos a título de ilustração para as

considerações, os quais serão consolidados na fase da interpretação. Os relatos a que me

refiro, foram redigidos a partir da minha percepção durante as entrevistas e encontram-se em

sua formatação completa nos Apêndices (II a IX) desta dissertação. A formatação completa à

que me refiro é a existência de um relato meu para cada entrevistado, sem a gravação dos

conteúdos. Nos relatos, as expressões com aspas tem o sentido de mostrar uma maior

aproximação com as falas dos sujeitos, mas, mesmo assim, representam os meus relatos.

Além dos relatos, utilizo as informações extraídas da Carta Mortuária, escrita por

Ferreira (2015)20, que contribuem para o entendimento da sua trajetória e que serão abordadas

na fase da interpretação dos dados.

19

Extraído dos escritos denominados pelo autor de “Evocações Infantis”. 20

A “Carta Mortuária” é um documento preparado pelos Salesianos por ocasião do falecimento de um irmão da

Congregação em que são relatados os principais fatos da sua trajetória.

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É comum nos relatos obtidos, as pessoas destacarem as suas habilidades como

historiador. Mas agora, ele torna-se o personagem principal dessa história...

Inicio pelo ano de nascimento de Manoel Isaú: 1930. Ano de revolução, caracterizada

por Sousa (2016), como:

Interpretada como a revolução que pôs fim ao predomínio das oligarquias no cenário

político brasileiro, a Revolução de 30 contou com uma série de fatores conjunturais

que explicam esse dado histórico (...). Cada vez mais, a modernização das

economias nacionais, inclusive a brasileira, só era imaginada com a intervenção de

um Estado preocupado em implementar um parque industrial autônomo e

sustentador de sua própria economia. Em contrapartida, o capitalismo vivia um

momento de crise provocado pelo colapso das especulações financeiras que,

inclusive, provocaram o “crash” da Bolsa de Nova Iorque, em 1929 (SOUSA, 2016,

p.1).

O cenário, já de muitos desafios para o Brasil e para o mundo, recebe na cidade de

Cubatão (SP), no dia 12 de outubro de 1930, o menino Manoel Isaú Souza Ponciano dos

Santos. O seu nome, como o dos demais irmãos, é atribuído pelo pai, Isaac Ponciano dos

Santos e todos tem sentido bíblico. As três irmãs, todas “Marias” tem seus nomes atribuídos

pela mãe, Maria Virgínia dos Santos. Manoel é o filho mais velho de uma família de dez

irmãos.

Figura 4 ‒ Filho mais velho de Família de Dez Irmãos

Fonte: Acervo da Família

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Descrevo a seguir trechos do relato que redigi a partir do encontro com duas das irmãs

sobre o irmão Manoel. A partir da evolução do texto e de sua ampliação no entendimento dos

demais papéis desempenhados por Manoel Isaú, trago novos trechos, que pretendo entrelaçar

com demais informações obtidas sobre ele.

O contato com as irmãs foi me indicado pelo P. Edson Donizetti Castilho21, que

articulou o contato com a Sra. Maria Amélia dos Santos, irmã Salesiana e que reside

atualmente na “Casa das Irmãs”. Essa casa, local onde vivem algumas irmãs da Congregação

Salesiana fica ao lado do Instituto de Educação, uma escola salesiana situada na cidade de

Guaratinguetá (SP).

A partir da articulação inicial, a própria Maria Amélia encarrega-se de envolver a irmã

Maria do Carmo nesse encontro, marcado para os dias 13 e 14/11/2016. Descrevo o contexto

desse encontro e algumas informações obtidas que considero importantes para este item e o

relato, em sua íntegra encontra-se no Apêndice IX.

Chego ao Colégio Nossa Senhora do Carmo seguida de chuva, que agora se mostra

mansa, mas que me acompanhou durante todo o trajeto em intensidades diferentes. Sou

atendida ao interfone por uma voz já conhecida de contatos telefônicos anteriores. É a Maria

Amélia, irmã mais velha de Manoel Isaú, que me recebe com expressão preocupada pelo meu

atraso. Justifico pela chuva e entro naquele local, a “Casa das Irmãs Salesianas”. Na

sequência, chega Maria do Carmo. Olho para aquelas “Marias” e reconheço em cada uma

alguns traços comuns irmão Manoel, traços para mim já conhecidos a partir das fotografias

dele.

A sala, um local simples, confortável, mas acima de tudo muito acolhedor,

característica que já me parece comum aos ambientes salesianos. Na mesa, ao lado da janela,

um material muito organizado: álbuns com fotos, textos, livros; “tudo” sobre Manoel parecia

estar ali, sobretudo na memória daquelas Marias. Tem início um encontro de dois dias,

entrelaçado por muita emoção...

Percebo que a cada contato que tenho para falar da minha pesquisa, há uma

inquietação no ar com relação ao “porque” da investigação desse “objeto”. E com as Marias

não foi diferente. E eu, com a minha vontade de explicar tudo, resgato o meu processo

seletivo para o mestrado, em que, ao mostrar meu interesse em estudar as particularidades que

algumas pessoas podem utilizar para influenciar outras, chego ao personagem Manoel Isaú.

21

Chanceler e Inspetor Salesiano.

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As Marias olham para mim com uma expressão de surpresa e um franzir de testas e me

dizem que imaginaram que eu havia sido aluna de Manoel Isaú. Aluno formal ou aluno

agregado como tantos que ele teve. Nem um caso nem outro. Talvez o que eu tenha em

comum com os alunos agregados é o fato de eu estar em “apuros” com minha pesquisa, como

bem descreve o Prof. Dr. Paulo de Tarso Gomes22, ao citar o fato de Manoel Isaú auxiliar os

alunos na elaboração dos seus trabalhos. Vale esclarecer que esses “apuros” à que me refiro,

devem-se ao fato da extrema responsabilidade em relatar uma história vivida em tantos

lugares e através de diversos papéis. Papéis diversos que à medida que se descortinam à

minha frente, parecem me mostrar aspectos comuns entre si e também, suas particularidades.

Esclarecidos os “porquês” da pesquisa, começo ouvir as Marias, que espontaneamente,

começam a me contar do irmão. Elas quase que se “atropelam” ao tentar me descrever o

“mano”. Referem-se a ele na maior parte do tempo como o “Padre Manoel”, como se o papel

de sacerdote fizesse parte da sua essência maior. Aos poucos a conversa segue para o papel de

educador, de filho e de irmão. E o papel de professor? Permeia todos os demais.

A primeira referência ao irmão é quanto à sua “persistência ou perseverança”,

características designadas pelas irmãs para descrever a atitude de Manoel que parecia não se

importar com as dificuldades, às vezes geradas pela forma com que as pessoas se

comportavam diante das suas ações. Apesar das reações, ele seguia o caminho que acreditava.

E quais razões podem determinar um caminho que se planeja trilhar? E quais razões podem

levar alguém a persistir no trilhar desse caminho? Resgato neste momento, com o objetivo de

refletir sobre essas questões, algumas informações obtidas a partir de conversas, planejadas ou

espontâneas, com algumas pessoas que com ele conviveram. Busco evidências de alguns

comportamentos seus que possam ser caracterizados como algumas das suas práticas. E aqui,

exercito também o meu papel de psicóloga, que quer não apenas trazer as evidências, mas

identificar o contexto que cerca o indivíduo e, principalmente, entender os seus “porquês”.

Resgato algumas informações obtidas, mas sem estabelecer qualquer critério de importância

entre elas, apenas observando a similaridade entre os discursos dos envolvidos. Uma das

informações que me vem à mente, são relatos sobre o quanto Manoel defendia suas ideias,

fossem elas em favor da igreja católica, do papa ou de algum tema que o instigasse naquele

momento.

22

Foi Professor e Coordenador do Programa de Mestrado em Educação do UNISAL. Conviveu com Manoel

Isaú nos últimos seis anos de sua vida em Americana. A citação consta do texto escrito pelo Prof. Paulo de

Tarso, por ocasião do falecimento de Manoel Isaú em 2007 e consta da Carta Mortuária. Cf. FERREIRA, Pe.

Narciso. Carta Mortuária. Arquivo Inspetorial da Inspetoria Salesiana de Nossa Senhora Auxiliadora. São

Paulo. 2015. 29 p.

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Essa defesa “ferrenha”, para utilizar um adjetivo empregado por um dos envolvidos,

não o impedia de ouvir opiniões divergentes, ao mesmo tempo em que cobrava solidez quanto

aos argumentos do seu interlocutor. Essa prática me leva a pensar num valor que

provavelmente sustente tais ações: a amorevolezza! Considerada como um valor que

representa a base do sistema educativo de Dom Bosco, é entendida por Manoel como um

“misto de racionalidade e de compreensão humana...” (SANTOS, 2000, p. 173). Será o

entrelaçamento desses dois componentes, “racionalidade e compreensão”, que permite esse

alternar entre ouvir e defender “ferrenhamente” uma posição?

Outra evidência trazida a partir de alguns depoimentos é a sua “presença no pátio”,

prática esta, reconhecida pelos relatos e caracterizada como essencialmente salesiana. E foi

nesse mesmo pátio que Manoel proferiu um dos aconselhamentos que impactou

profundamente a vida pessoal e profissional de um dos entrevistados. Novamente, evidências

do valor amorevolezza? Entendo que sim, se o percebermos como o “amor demonstrado” e

que, por vezes, precisa ser acompanhado de firmeza. Manoel reforça essa ideia ao observar

que “o ideal da amorevolezza devia harmonizar-se com a disciplina” (SANTOS, 2000, p.

144).

E por falar em firmeza e disciplina, há também indícios dessas características nas

ações de Manoel, conforme exemplifica um dos entrevistados, ao narrar uma situação em que

ele agiu rapidamente, decidindo manter a capela do colégio aberta apenas nos momentos de

celebração, em virtude de alguns alunos a terem utilizado para tomar lanche. Por outro lado,

também é para Manoel um dos comentários feitos espontaneamente: “Ele tinha um grande

coração; fazia questão de compartilhar todas as suas descobertas, desde um livro novo até um

calçado que havia comprado e que era confortável”. Esse “grande coração” talvez possa ser

relacionado à questão da prática da caridade, que era citada por Dom Bosco como o

“fundamento metodológico da amorevolezza” e que, por sua vez, é a “lei de seu sistema

educativo” (SANTOS, 2000, p. 173).

Ainda para ilustrar a “persistência ou perseverança” do irmão, as Marias abordam a

questão dos “bilhetinhos” que Manoel preparava e entregava após a missa ou aos alunos no

pátio. Esses “bilhetinhos” desencadeiam a princípio, “gozações”, nas palavras de uma das

Marias, ou indiferença por parte de outros. Mas Manoel persiste, dizem as Marias. O Prof. Dr.

Paulo de Tarso, no texto já citado, escrito em homenagem ao amigo Manoel, por ocasião do

seu falecimento, reforça essa persistência e também, a mudança na reação dos alunos que

recebem os bilhetinhos:

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97

Se de início eles eram vistos com alguma ironia, aos poucos passaram a ser

procurados e o que se ouvia era adultos barbados pelos corredores, indo atrás dele

como crianças: “Padre Manoel, cadê meu bilhetinho?” (FERREIRA, 2015, p. 21).

Figura 5 ‒ Um dos “bilhetinhos” preparados por Manoel Isaú

Fonte: Acervo da Família

Figura 6 ‒ “Bilhetinho” entregue por Manoel Isaú

Fonte: Prof. Francisco Evangelista (2017)

Além de fotografar o bilhetinho que tem em sua carteira para enviar-me, o Prof.

Francisco Evangelista escreve através do aplicativo “WhatsApp”:

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[1:37PM 30/01/2017] Chiquinho: Carrego está mensagem bíblica comigo há mais de

10 anos e me foi entregue pelo padre Manuel Isaú.

[1:37PM 30/01/2017] Chiquinho: A mensagem fica dentro da minha carteira de

documentos do carro.

[1:40PM 30/01/2017] Chiquinho: Desde que ganhei dele eu não me separo desta

passagem, que tem significado especial para mim (Enviado por Samsung Mobile).

Esses bilhetinhos realmente parecem ter se tornado uma “marca” sua. Lembro-me que

desde os primeiros contatos com pessoas que conviveram com ele, todos de forma

espontânea, fazem referência aos bilhetinhos. Um dos entrevistados, que como outros,

dispuseram-se espontaneamente a falar comigo sobre Manoel, teve uma fala semelhante com

relação aos bilhetinhos entregues. Esse entrevistado disse que certa vez questionou Manoel se

valeria a pena manter os bilhetinhos, pois em sua visão, as pessoas pareciam não se importar

com as mensagens. O padre respondeu que se fizesse diferença para uma pessoa já teria

valido a pena.

Os bilhetinhos são reconhecidos por Manoel como um “ato de amorevolezza”, que

apoiados na “confiança e no coração”, poderiam ser utilizados também como mecanismo

educativo, nas situações em que havia necessidade de “correção dos faltosos” (SANTOS,

2000, p. 167). Sejam como reforço às mensagens do evangelho, sejam como oportunidade de

revisão de um ato que precisaria ser corrigido, ou como mensagem de apoio, os bilhetinhos

que se tornaram uma marca das práticas de Manoel Isaú, são também percebidos por suas

irmãs como marcas de “persistência ou perseverança”. Mas no contexto do sistema educativo

salesiano, representam muito mais que uma prática, por refletirem “atos de amorevolezza”,

considerada como principal valor para a congregação.

As irmãs seguem a contar-me sobre o irmão e também referenciam a sua característica

da “obediência”. E apresentam um novo exemplo que também ilustra, em suas visões, o

“desapego” ao material demonstrado por Manoel. Em visita à família certa vez, conta-me

uma das irmãs que precisou adverti-lo pela forma como estava vestido. Ela brinca que aquela

roupa não era adequada para uma viagem. Ele a obedece e passa a se cuidar melhor nesse

aspecto. Maria Amélia reforça que Manoel obedece não apenas a Maria do Carmo, que foi

quem lhe advertiu sobre a roupa, mas também, os seus superiores. Essa característica também

é tratada em sua Carta Mortuária em alguns momentos (FERREIRA, 2015). Um deles,

extraído da Revista HISTEDBR23 ao noticiar o seu falecimento:

23

Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR), criado em 1986 e

com sede na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Disponível em:

http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/apresentacao.html.

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99

Faleceu esta manhã (14 de março de 2007), em Piracicaba, o nosso professor e

amigo P. Manoel Isaú, do PPGE do UNISAL – Salesianos – de Americana-SP,

membro do GT Americana do Histedbr. Há aproximadamente quinze dias ele havia

sofrido um enfarte, e embora isso não fosse novidade para ele, pois das outras vezes

driblou a morte com alguma facilidade, desta vez, o ‘céu salesiano’ requisitou sua

presença e ele, obediente como sempre, partiu. (Revista Histedbr On-line,

Campinas, n. 25, p. 289-291, mar 2007 – ISSN: 1676-2584 apud FERREIRA, 2015,

p. 16).

A obediência também é retratada como uma característica do personagem nos demais

relatos ouvidos a seu respeito. Talvez uma exceção tenha sido presenciada pelo Prof. Dr.

Paulo de Tarso que, com bom humor, relata a situação no texto já citado:

Em 2005 tivera já um enfarte – então era o segundo – e muitos previam que não

retornaria ao trabalho. Para os que conheceram o Prédio do Divino Salvador, em

Americana, a sala dele ficava no segundo piso, após dois lances de longa escada.

Como Coordenador, eu era também seu ‘superior’ e embora a comunidade salesiana

insistisse para ele se aposentar, ele veio ter comigo para dizer que queria continuar

trabalhando no Mestrado, ‘desde que não nos atrapalhasse’.

Eu o proibi terminantemente de subir as escadas, avisei ao Diretor Geral dos

Salesianos em Americana que providenciaria uma sala para ele no térreo e tudo se

arranjaria. Em quinze dias de trabalho, ele já estava animado, subindo para o

segundo piso...

Quando me deparei com a ‘desobediência’, perguntei brincando onde estava sua

fidelidade ao voto! Ele me respondeu que o ajudasse a cumprir o final de sua

vocação salesiana, que era o de morrer trabalhando pela educação dos jovens

(FERREIRA, 2015, p. 22).

A empolgação em seguir com o trabalho no Mestrado em Educação talvez tenha

colaborado para que Manoel “esquecesse” as ordens superiores. Pelos demais relatos, essa

parece ter sido uma exceção com relação à obediência...

Se em alguns momentos a obediência pode transmitir uma imagem de subserviência,

essa possibilidade não se aplica ao nosso personagem. Novamente, trechos do texto do Prof.

Paulo de Tarso apresentam elementos que contribuem para que, aos poucos, possamos

completar este item: afinal, quem foi Manoel Isaú?

Sempre salesiano, sempre padre, não deixava de lado uma boa polêmica, sempre se

posicionando em favor da escola católica, sem, contudo, perder a capacidade crítica,

polemizando principalmente com os historiadores da educação católica e salesiana.

Quem esteve nas jornadas do Histedbr, na Anpedinha e na ANPED, sempre o viu,

de público, polemizando e, pessoalmente, cercado das mais variadas pessoas,

fazendo perguntas, buscando informações e bibliografia, e, sempre, passando seu

entusiasmo com a história da educação.

Para nós que convivemos estes seis últimos anos cotidianamente com o padre

Manoel, foi um privilégio aprender que uma pessoa pode ser ao mesmo tempo

inflamada e humilde, ter posicionamentos bem definidos e ainda assim ser capaz de

ouvir o outro (FERREIRA, 2015, p. 22).

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100

As características descritas também são reforçadas por Groppo e Martins (2009) numa

dedicatória24: “A memória do amigo Manoel Isaú (1930-2007), acima de tudo padre, mas

sempre um apaixonado professor e excepcional pesquisador da história da educação”.

O Prof. Groppo ao abordar o conteúdo dessa dedicatória fala das convicções de

Manoel e é ele quem define o personagem como um “ferrenho” defensor da educação

salesiana e da igreja. Completa que da mesma forma era “aberto ao diálogo” com todos, sabia

ouvir. Ouvia os novos membros e os antigos.

Ainda com relação a essa característica de argumentar, mas também ouvir, outro

depoimento sobre Manoel reforça as percepções anteriores. O depoimento aborda várias

conversas entre o entrevistado e o Manoel que se conheceram no Mestrado. A partir desse

encontro, as conversas entre ambos tornaram-se uma prática. As conversas tinham como foco

as “generalidades e os fundamentos teóricos de praticamente tudo”. O entrevistado

considerava Manoel uma pessoa “culta, singular, autêntica e congruente” (nas palavras do

entrevistado). As ações do Manoel, na visão do entrevistado, refletiam o que ele acreditava e

faziam-no percebê-lo como uma pessoa acessível, proativa e que sabia ouvir. As suas

intervenções eram feitas com muita propriedade; suas ideias eram amalgamadas. Ele

contrapunha ideias com “acidez” quando os argumentos do interlocutor eram frágeis.

Outros depoimentos apontam uma não aceitação do tipo de abordagem feita por

Manoel em algumas situações. Outra pessoa ouvida chega a dizer espontaneamente, ao saber

deste estudo, que Manoel era “amado por uns e odiado por outros”. Seria influência dessa

“acidez” mencionada anteriormente?

Num novo contato de sua convivência no Mestrado, o entrevistado relata inicialmente

essa “acidez” numa abordagem feita por Manoel e confessa que essa situação não lhe fez

bem. Essa foi a primeira informação trazida por esse entrevistado, que completada por suas

expressões não verbais, demonstra que a situação realmente não lhe agradara. À medida que a

conversa segue, o entrevistado lembra-se de uma situação diferente, em que Manoel o

incentiva num determinado momento da sua carreira. Completa dizendo que não imaginava

que teria tanto a dizer sobre a relação com ele e que ele tivesse “cuidado” dessa relação. É

como se o entrevistado tivesse adquirido essa consciência naquele momento.

Ferreira (2015), num trecho da Carta Mortuária, provavelmente, contribua para a

elucidação da discussão anterior: “Padre Manoel, não parecia, mas era um homem de muitas

amizades e de grande sensibilidade” (FERREIRA, 2015, p.12).

24

Dedicatória do livro “Introdução à Pesquisa em Educação”. Piracicaba, SP: Biscalchin Editor, 2009.

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101

É uma discussão possível, entre o “ser e o parecer”. Como alinhá-los, de forma que se

consiga mostrar realmente o que é importante? E como se fazer entender? Novamente só

consigo vislumbrar essa possibilidade quando se abre uma perspectiva para o diálogo. Um

diálogo que permita informar aquilo que agrada e aquilo que não agrada e que a partir desses

fatos, seja possível direcionar o olhar para aquilo que mais importa. Penso que o último

entrevistado citado, ao encerrar nossa conversa, redimensiona o fato que inicialmente o havia

desagradado na abordagem feita por Manoel e que provavelmente, repense a sua percepção

dessa relação. E num contexto educativo, situações como esta podem gerar elementos para

um novo pensar e um novo agir? Acredito que sim e inclusive, essa foi uma das crenças que

me estimulou a “cuidar” deste trabalho a partir da abordagem biográfica. Seria um cuidado

semelhante ao que Manoel imprimia às suas práticas? Mas como ele aprendera esse cuidado,

que representa uma das características dos atos de amorevolezza? As Marias lembram que o

pai também se preocupava em “cuidar” daqueles que o circundavam. Visitava os doentes,

aconselhava os casais em momentos de desentendimentos e que se dispunha a aconselhar os

vizinhos do bairro. As Marias e as irmãs salesianas cuidaram muito bem de mim nos dois dias

em que ficamos juntas: preocupação com o meu tempo, café com bolo, orações na capela em

prol do meu trabalho. No caso do Manoel e suas irmãs, parece-me que a prática voltada ao

cuidado amorevolezza foi aprendido em família. Família Santos e Família Salesiana: famílias

que se encontram para “cuidar”...

Novos relatos das irmãs de Manoel serão trazidos nos demais itens desta parte a fim de

ilustrar os demais papéis desempenhados por ele em sua trajetória.

Sigo com a abordagem dos demais aspectos da vida desse personagem, mas antes de

fazê-lo, acredito que uma nova citação do Prof. Paulo de Tarso, completa essa discussão não

apenas sobre “quem foi” Manoel Isaú, mas também, sobre o impacto da sua ausência:

Ele fará falta, porque era o educador de estilo salesiano. Não era e não precisava que

fosse perfeito – pois não era um jesuíta – bastava que fosse bom, bastava que, de

algum modo, se fizesse querido pelas pessoas. E isso ele fez e muito bem, sem

ocultar suas imperfeições, sem escamotear ou ser hipócrita em relação aos seus

defeitos, mas cativando a todos por sua honestidade e sinceridade (FERREIRA,

2015, p. 23).

Penso que o Prof. Paulo de Tarso, através da constatação da “falta” que Manoel fará,

define um pouco “quem foi” o seu amigo Manoel. Ao falar de traços como “honestidade e

sinceridade”, que caracterizavam as suas ações, sem preocupar-se em aparentar o que não era,

mostra que mesmo denotando em alguns momentos, certa “acidez”, o personagem revela,

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102

acima de tudo, coerência entre as suas práticas e os valores salesianos, que durante a sua

trajetória, aprendeu a reconhecer.

3.2. Caminhos de Vida e Atuação

Pensar os caminhos percorridos por este personagem faz me retornar ao seu contexto

familiar na busca do início. Já no seu nascimento, contam-me as irmãs, que a mãe, Maria

Virgínia, ouvira de uma índia no local onde moravam, que o seu filho Manoel seria um

grande homem. As irmãs atestam que esse fato torna-se realidade.

O interesse pelo sacerdócio nasce num contexto familiar de muita religiosidade, e aos

13 anos, a partir da visita de D. Ladislau, um padre amigo da família, a trajetória de formação

se inicia. A família acolhe essa vocação com grande alegria. As irmãs reforçam essa

observação ao compartilhar o depoimento da mãe ao fazer 80 anos: “sou uma mãe feliz, pois

tenho um filho sacerdote”. E a mãe, Maria Virgínia, recebe do filho sacerdote uma missa

especial, em comemoração ao seu aniversário de 80 anos.

Figura 7 ‒ Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe

Fonte: Acervo da Família

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103

Figura 8 ‒ Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe

Fonte: Acervo da Família

Figura 9 ‒ Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe

Fonte: Acervo da Família

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104

Figura 10 ‒ Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe

Fonte: Acervo da Família

Figura 11 ‒ Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe

Fonte: Acervo da Família

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Figura 12 ‒ Missa em Comemoração aos 80 Anos da Mãe

Fonte: Acervo da Família

Planejar e preparar-se para as atividades, já eram verbos muito presentes nas ações

realizadas por Manoel e para a missa especial, ele utiliza todos os cuidados presentes nos atos

de amorevolezza, além de comemorar com seus familiares, valendo-se da alegria, sentimento

também muito valorizado pelos salesianos de Dom Bosco.

Retomo a sua trajetória para o sacerdócio com o pedido para ingresso no noviciado25

em 21 de novembro de 1948. O pedido é acolhido:

25

Chamamento atual para a vocação. Disponível em: http://www.salesianos.com.br/vocacional/> Acesso em: 30

set. 2016.

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106

Lendo e analisando serenamente os diversos pedidos do candidato à vida salesiana e

sacerdotal, para o noviciado, as diversas profissões religiosas e as ordens sacras,

lemos nas entrelinhas a intenção do candidato, sua disposição, sua abertura, sua

devoção, seu objetivo claro de estar com Dom Bosco sempre e sob a direção de seus

superiores.

Manoel entendeu o ‘Eu repreendo e educo os que eu amo. Esforça-te, pois,

converte-te’ (Ap 3,19). Não temeu, por isso, construiu uma vida salesiana muito

bonita, não sem dificuldades. Lutou com garra. Foi perseverante. (FERREIRA,

2015, p. 5)

A “perseverança” novamente atestada segue presente na vida do noviço Manoel que

no ano seguinte, faz o seu “pedido para a primeira profissão trienal dos votos na Congregação

Salesiana”. Aprovado, torna-se salesiano de Dom Bosco, em 31 de janeiro de 1950

(FERREIRA, 2015, p. 6).

Em visita à família, recebe da mãe um cartão significativo: D. Bosco e “Ela que tudo

fez”.

Figura 13 ‒ Cartão entregue a Manoel Isaú pela Mãe

Fonte: Acervo da Família

Como estudante do curso de Filosofia e já atuando nas obras salesianas da cidade de

Natal (RN), faz seu pedido para renovação dos votos. O pedido é aceito em 21 de janeiro de

1953, com as seguintes observações a seu respeito: “(...) ele é piedoso, estudioso, diligente

nos seus deveres, saúde um pouco frágil” (FERREIRA, 2015, p. 6).

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107

As atividades seguem e agora, envolvem preparar e ministrar aulas que devem ser

previamente planejadas. Os depoimentos das irmãs relatam a extrema preocupação de Manoel

com a questão do planejamento das atividades, fossem estas de cunho acadêmico ou religioso.

A preparação para as atividades, acompanhada de um alto nível de exigência consigo mesmo,

são características do Manoel, exemplificadas pelas irmãs. O seu envolvimento com a

educação era tamanho, que os livros eram seus companheiros de viagem. A mesma

preparação também ocorre para a celebração das missas. A irmã Carminha, como era

chamada por ele, compara sua preparação como a de um “cantor que quer encantar a plateia”.

Manoel parece querer, do seu jeito, demonstrar seu amor. E “amor demonstrado” representa

amorevolezza, base do “jeito salesiano” de ser.

A sua atuação segue com a renovação dos votos perpétuos26 em 1955 e em 1956, inicia

em São Paulo, os estudos de Teologia. Na sequência, novos pedidos são feitos por Manoel

para receber as ordens de “Tonsura, Ostiriado e Leitorado, Exorcitado e Acolitado” que

seguidas das ordens de “Subdiaconado e Diácono”, culminam com o alcance da sua meta:

“ser sacerdote para sempre na Congregação Salesiana”.

Figura 14 ‒ “Ordinandos 1959”

Fonte: Acervo da Família

26

Etapa final da formação salesiana em que o jovem consagra toda a sua vida a Deus, trabalhando em favor da

juventude. Vídeo das etapas de formação de um Salesiano. Disponível no site da Inspetoria Salesiana Nossa

Senhora Auxiliadora, SP. Acesso em: 29 set. 2016.

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108

Em paralelo a essa descrição algumas observações fazem referência à fragilidade da

sua saúde, à sua facilidade para os estudos, a sua dificuldade de dicção, a sua aderência à vida

religiosa e ao seu “temperamento nervoso” (FERREIRA, 2015, p.8-9).

Sobre as características citadas, vale ressaltar alguns dos depoimentos coletados a fim

de buscar um maior entendimento. O “temperamento nervoso” talvez possa ser clarificado a

partir de alguns depoimentos que relatam uma total “sinceridade” para fazer observações aos

outros. Algumas pessoas diziam que era muito “direto” naquilo que julgava ser necessário ser

dito. Quanto à questão da dicção, é enfatizada por alguns como uma suposta dificuldade para

a comunicação. Outras, nem a mencionam. Um dos entrevistados diz que Manoel tinha

consciência dessa dificuldade e que certa vez lhe disse que se comunicava melhor por escrito.

O entrevistado reforça o que lhe disse na ocasião, ou seja, que sua forma de

comunicar-se era “motivadora” fosse verbal ou escrita. Esse entrevistado é uma das pessoas

do convívio acadêmico e que teve do Manoel toda a atenção para o seu projeto de pesquisa,

que ainda estava sendo articulado. Talvez seja possível entender essa percepção desse

entrevistado pelo fato do Manoel ter lhe fornecido na ocasião aquilo que ele precisava.

Volto à questão da dicção e caracterizo-a como suposta dificuldade porque alguns a

explicam como sendo o efeito de uma fala muito rápida, como se o pensamento atingisse uma

velocidade que a pronúncia não consegue acompanhar. Outros acreditam que essa

“dificuldade” era um dos motivadores para a preparação dos bilhetinhos que entregava. Será?

Acredito que valha um contraponto com relação às suas habilidades e dificuldades como,

também, um olhar mais atento sobre a questão da dicção, considerando alguns relatos,

embora essa situação tenha lhe causado alguns inconvenientes para atuar como professor no

Mestrado em Educação em Americana, assim que foi convidado a atuar no programa no ano

de 2002.

Por outro lado, Manoel passa a ser reconhecido pelas suas habilidades como escritor e

pesquisador, principalmente na área da história da educação. O seu texto “Da Educação Social

à Educação Sociocomunitária e os Salesianos”, publicado na Revista HISTEDBR On-line

(2007), além de representar uma referência essencial para este estudo, teve grande

representatividade no processo de reconhecimento do Programa do Mestrado em Educação,

tema que será ampliado na fase da interpretação dos dados.

Era colunista de alguns jornais, nas cidades de São Paulo e de Americana, em que

abordava os mais diversos temas. A sua sala, como descrevem algumas pessoas que com ele

conviveram, era uma pequena biblioteca e que continha material sobre todos os temas. Um

dos entrevistados, impregnado pelo “espírito salesiano” interrompe seu depoimento e se

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dispõe a me levar ao local onde tantas conversas aconteceram. Essa sala, no Campus Maria

Auxiliadora em Americana, era num local de passagem e de parada, de professores e alunos,

que buscavam orientações, sugestões ou conselhos, como relata o Prof. Paulo de Tarso em seu

artigo:

(...) foi orientador informal de inúmeros Trabalhos de Conclusão de diferentes

cursos, pois no apuro os alunos iam atrás dele pedir uma sugestão ou uma

bibliografia e ele sempre tinha alguma sugestão, fosse de administração, direito,

turismo ou educação, ou ainda, simplesmente ouvir o pai, o irmão mais velho, o

amigo e o conselheiro, que ele sabia ser, apesar da sua conhecida dificuldade em

pronunciar as palavras com calma, dificuldade que desaparecia quando se tratava de

uma conversa pessoal e quando se tratava de aconselhar alguém (FERREIRA, 2015,

p. 22)

Mais um trecho do texto do Prof. Paulo de Tarso, que a meu ver, traz exemplos das

práticas do personagem, práticas estas que transitam no campo dos conhecimentos e das

habilidades, mas que encontram nas atitudes a sua principal razão de ser. O que faz alguém

orientar um aluno que não é da sua turma e que precisa fazer um trabalho cuja área não se

relaciona com você? Apesar da facilidade para as pesquisas, ser um ponto comum nos relatos

obtidos sobre o personagem, não acredito que as suas práticas se devessem apenas aos seus

conhecimentos e habilidades. Esse interesse pelos alunos como seres humanos, que excedia as

situações envolvendo os trabalhos por fazer, reúne em minha concepção, as melhores

habilidades do Manoel em todos os papéis que desempenhou, seja como sacerdote, como

pesquisador ou como educador. E essas habilidades eram demonstradas e parece-me que se

sobressaía a quaisquer dificuldades que ele certamente possuía e que alguns relatos inclusive

tratam.

Outro depoimento coletado confirma esse fato ao observar que quando ele queria,

conseguia se expressar com precisão. Parece-me, portanto, que o grande motivador para a

escrita não era apenas a dificuldade para expressar-se verbalmente, mas sim, um interesse em

saber, investigar, divulgar conhecimentos, comportamentos inerentes a um pesquisador. Por

outro lado, a velocidade da fala também era ajustada se necessário fosse para aconselhar,

cuidar...

E esse ajuste, em situações que envolviam tensão, era motivo de preocupação para

Manoel como relatam as irmãs. Ele se preocupa para ministrar as aulas e também, para a

defesa da tese de doutorado. Relatam que o irmão se empenha na fonoaudiologia e no

autocontrole e obtém, apesar das arguições, o título de doutor em Educação pela USP. Motivo

de orgulho e comemoração entre os irmãos, ressaltado pelo irmão Imisaac num dos trechos do

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texto em homenagem ao mano, agora um doutor: “Foi bonito ver o mano sendo sabatinado

por uma turma de leões ferozes, que queriam achar uma vírgula errada para colocá-lo em

cheque. E o mano só que respondia todas as perguntas” (...).

As irmãs completam que durante a defesa o irmão recebe as arguições, as quais se

comparam com “pedradas” e entrega como resposta, a “suavidade”. As irmãs continuam a

reafirmar o respeito e a admiração pelo irmão “Padre Doutor”. Essa reação da família é

confirmada por outro depoimento, observado durante um evento em homenagem a ele no

Colégio S. José no ano do seu falecimento em 2007. O entrevistado disse que alguns dos seus

familiares estiveram presentes e que pôde observar o quanto era admirado e até “endeusado”

pela família. Na percepção das irmãs, o irmão padre não era valorizado como deveria perante

a Congregação, o que talvez explique (ou justifique) essa idealização ou o “endeusamento”

dele num evento, que mesmo sendo uma homenagem, parece não ter sido percebido como

uma ação de valorização.

Mas as suas histórias sobre o irmão continuam e são interrompidas algumas vezes...

Interrupção é ruim? Essas não! As interrupções são das outras irmãs que vivem na casa com

Maria Amélia e que vinham me conhecer e cumprimentar. Alegres e muito carinhosas para

comigo, dizem-me que eu estava sendo ansiosamente aguardada. “Não sei por que”, mas

essas atitudes me remetem ao “espírito salesiano”, que estava ali presente, nas atitudes das

Marias, das irmãs salesianas, e porque não, nas lembranças do Manoel.

E com o “espírito salesiano”, as Marias seguem com suas histórias...

E essas histórias mostram como esse personagem é percebido pela família, a partir do

olhar dessas duas irmãs Marias. Ele é tido como o conselheiro de todos. Emotivo, reservado,

questionador e ao mesmo tempo, alegre e rápido; alguém que detestava a ociosidade.

Carminha o adverte ao chegar para as visitas à família com a mala cheia de livros para ler.

Maria Amélia brinca comigo em vários momentos, mas com uma expressão facial séria e eu

pergunto se esse bom humor “disfarçado” se parece com o humor do Manoel. Ela responde

que sim e sorri. Sua expressão talvez se transforme e mostre a alegria, pela semelhança com o

irmão, semelhança que vai além dos traços físicos. Carminha acrescenta que a irmã é também

“corajosa”, traço comum ao irmão, que enfrenta os desafios guiados pelas suas convicções.

Maria Amélia segue a falar sobre o irmão e cita uma característica que em sua

percepção, também é marcante: o fato de querer fazer tudo ao mesmo tempo e não medir

esforços para “cuidar”. Cuidar dos irmãos, dos pais e mais tarde dos alunos e “agregados” que

o procuram. Ações que caracterizam a amorevolezza? Sim, um dos aspectos desse valor, tão

amplo quando se pensa em identificar as ações nele contidas. Numa tentativa de ampliar o seu

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entendimento recorro aos ensinamentos do próprio Manoel, que complementa que a

amorevolezza “expressa-se nas palavras, nos atos e até na expressão dos olhos e do rosto”.

Quanto à questão da caridade, encontra-se presente nos atos de amorevolezza, mas não é

suficiente para abrangê-la. Manoel esclarece ao citar uma observação em que Dom Bosco

constata que: “Já aos padres, com quem mantinha relacionamento quando seminarista, não

faltava caridade e sim amorevolezza” (SANTOS, 2000, p. 173-174).

Outros aspectos presentes na amorevolezza referem-se à comunicação e alegria. A

comunicação é enfatizada como recurso para explicitar o amor. Manoel relata que numa das

cartas de Dom Bosco aos jovens, ele escreve “quem quer ser amado, é preciso que faça ver

que ama”. Já a alegria, considerada como “necessidade natural do menino”, é favorecida por

meio de todos os recursos lúdicos que amparem o processo educativo, como o teatro, a música

e os passeios (SANTOS, 2000, p. 176-177).

E como Manoel praticava a amorevolezza? Durante o trajeto deste trabalho, estou em

busca de identificar tais práticas. Por ora, resgato que mesmo com seu jeito “reservado” como

alguns o definem, é possível perceber em algumas observações já feitas neste texto, exemplos

desse valor que ele praticava. É possível perceber também, a complexidade que envolve esse

valor, que representa a base e talvez a particularidade do sistema educativo de Dom Bosco.

Ao abordar a questão caracterizando-a pela sua complexidade, não pretendo torná-la

inatingível, mas além de reforçar a sua escolha como um dos objetivos deste trabalho, gerar

oportunidades de reflexão que favoreçam a sua prática.

E na busca de outras práticas do personagem, sigo o caminho da sua trajetória,

marcada por uma diversidade de atividades realizadas em vários locais distintos. Descrevo a

seguir alguns dos locais em que atuou e as principais funções exercidas em cada um, a fim de

que se componha um pouco da sua trajetória.

Uma vez consagrado sacerdote salesiano, retorna para a Inspetoria de São Luiz

Gonzaga com sede em Recife e nesse ano de 1960, participa do curso de Pastoral, conforme

comunicado intitulado “Mudança de Casa”

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112

Figura 15 ‒ Mudança de Casa

Fonte: Acervo da Família

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113

O caminho segue e o destino agora é Juazeiro (CE) para atuar como coordenador na

Escola Agrícola São José e Aspirantado27.

Figura 16 ‒ Escola Agrícola São José

Fonte: Acervo da Família

27

Aspirantado é o período para aprofundamento da intuição vocacional envolvendo estudos sobre a vida cristã e

a missão salesiana e algumas experiências de trabalho apostólico com os jovens de forma mais sistematizada.

Disponível em<http://www.salesianos.com.br/vocacional/>Acesso em: 30 set.2016.

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114

Na sequência Manoel segue para atuar numa Obra Salesiana com Oratório, onde

permanece até 1967. Um exemplo de sua atuação é evidenciado pelo documento em que

solicita prendas para o Natal dos jovens carentes atendidos pelo Oratório.

Figura 17 ‒ Oratório Festivo “Dom Bosco” de Recife

Fonte: Acervo da Família

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115

Chega o ano de 1968. Esse ano marca a transferência de Manoel para a Inspetoria

Salesiana de São Paulo, com destino ao Colégio São Joaquim em Lorena, a terceira Casa

Salesiana fundada no Brasil (1890). No período em que permaneceu em Lorena, concilia as

atividades de Conselheiro com suas atividades acadêmicas: conclui o curso de Orientação

Educacional e a licenciatura em Filosofia (1970). Em 1974 inicia o Mestrado e em “1976 já

tem o Projeto de sua tese de Doutorado (...)” (FERREIRA, 2015, p. 11). As suas obras serão

tratadas posteriormente.

E as mudanças continuam. Sua morada agora é em Mariana (MG), onde permanece de

1977 a 1983 com atribuições que contemplam aulas na Universidade de Viçosa, como

professor contratado e também, o auxílio em duas paróquias da cidade.

As irmãs lembram-se desse período em que Manoel se afasta da Congregação

Salesiana para lecionar na Universidade Federal de Viçosa. Obtém aprovação no concurso e

solicita licença aos salesianos para exercer tal atividade. Alguns, na ocasião, questionam a sua

vocação para o sacerdócio em virtude do pedido de licença. Penso que esse questionamento

advindo da Congregação também possa ser percebido como “cuidado” dos Salesianos com a

continuidade da missão assumida por Manoel.

As irmãs seguem esclarecendo o que, na percepção delas, foi a principal razão dessa

mudança. Segundo elas, foi a necessidade de gerar recursos financeiros para realizar um

sonho da mãe, que nessa época, já debilitada tinha um desejo especial: morar numa casa

próxima a uma igreja. Ao enfatizar que essa justificativa trata-se da percepção das irmãs,

quero observar também possíveis justificativas, talvez não trazidas para a consciência, do

próprio Manoel. Penso que nessa ação, existe sim o cuidado com o desejo da mãe, mas,

talvez, um cuidado com ele mesmo, gerado pela oportunidade de exercer um dos papéis que

tanto lhe agradava: o papel de educador. Resgato a dedicatória que lhe foi feita pelo Prof.

Groppo em seu livro, que o caracteriza como “um apaixonado professor” (GROPPO;

MARTINS, 2009, n.p.).

O trabalho em Viçosa possibilita a atuação como professor e também, a compra da

casa, cujo espaço permite acomodar toda a família para os encontros que acontecem

anualmente, ou em situações pontuais, seja por razões de comemoração ou de necessidade de

conforto. Seja qual for à situação, Manoel comparece e é recebido pela família com fogos de

artifício, um hábito do pai, Sr. Isaac, definido pelas Marias como alguém muito festivo. A

vocação para cuidar é novamente evidenciada: o pai que “cuida” da vindo do filho e o filho

sacerdote que segue cuidando dos que precisam. Novamente exemplos de práticas da

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amorevolezza, retratadas pelo filho que se faz presente, fisicamente inclusive, pela alegria do

pai que comemora e dos cuidados recíprocos entre os membros dessa família.

Figura 18 ‒ Em frente a casa nova da Mãe

Fonte: Acervo da Família

Figura 19 ‒ Dentro da casa nova da Mãe

Fonte: Acervo da Família

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117

Figura 20 ‒ Manoel num encontro em família

Fonte: Acervo da Família

E as práticas de Manoel seguem para novas moradas: em São Paulo, no Liceu Coração

de Jesus, onde permanece até 1989. Em 1990, segue para a Escola Salesiana São José, em

Campinas e na sequência, retorna para a Casa Inspetorial em São Paulo. Permanece por um

período de um ano em cada local para em seguida, no ano de 1993, seguir para Roma para

pesquisas no Instituto Histórico. De volta ao Brasil, permanece de 1994 a 2001, no Colégio

Santa Teresinha em São Paulo. Não foi objeto deste estudo investigar os porquês de tantas

mudanças, mas sim buscar evidências que relacionem as práticas e as obras do personagem na

diversidade dos papéis desempenhados.

Em 2002 inicia na cidade de Americana a fase final da sua missão salesiana. A Carta

Mortuária descreve essa obra salesiana da cidade como grandiosa, por contemplar uma

“paróquia e uma escola muito grande para a educação infantil, ensino fundamental e médio e

Centro Universitário” (FERREIRA, 2015, p. 12). E é em Americana, que o “Padre Doutor”,

como alguns o chamavam, se envolve com o Mestrado em Educação, que se tornaria a sua

grande paixão. Esse tema, considerado um dos focos deste trabalho, será tratado também na

parte destinada à interpretação dos dados.

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118

3.3. O Perfil do Personagem nos Papéis de Educador e Formador, Religioso e

Pesquisador

Falar do Manoel no papel de educador já não me parece algo novo, mas penso que

ainda haja muito a dizer. Acredito já ser possível perceber, por meio de alguns relatos, o seu

empenho em educar, no sentido mais amplo da palavra, que em meu entender, implica em

aproximação, escuta, reflexão e que independe da condição do interlocutor no momento:

como seu aluno, seu professor, seus irmãos, seus pais. Até porque, o ensinar e o aprender são

atividades que coexistem e que são processuais durante uma trajetória.

As irmãs contam que era comum ouvir Manoel dizer, “ofereço minha vida pelos

estudantes”, tal como ensinou Dom Bosco. E as irmãs perceberam várias vezes evidências

dessa fala, enquanto ele dedicava-se à preparação dos conteúdos e lhes contava dos

atendimentos que fazia àqueles que o procuravam. Os relatos reforçam essa fala nas várias

situações narradas. Ainda com relação ao papel de educador, a irmã Maria do Carmo, a

Carminha como Manoel a chamava, relata a sua volta aos estudos até a pós-graduação, a

partir das orientações do irmão. Além do apoio aos estudos é também incentivada e ensinada

por ele, a cantar no coral, atividade que realiza até hoje na igreja de sua cidade. O irmão

Imisaac, no texto escrito em homenagem ao irmão, lembra-se das lições de canto para os

irmãos, do seu aprendizado para ser coroinha e até das respostas em latim que teve que

aprender para participar das missas. Ressalta que “não foi fácil”, mas outro desafio quanto ao

seu aprendizado ainda estava por vir: tocar sanfona! No texto ele relata que a havia comprado,

mas que não sabia tocar. Ao receber a visita do irmão Manoel, que ao olhar para a sanfona em

seguida já começa a tocá-la, Imisaac relata que pensou: “achei um professor de música!”. O

professor se aproxima, mostra o que pode fazer e o aluno aparece... Alguma similaridade com

as ações de Dom Bosco para aproximar-se dos seus meninos?

Outro aprendizado relatado por Imisaac é aquele que consegue diminuir a distância

entre ele e o irmão: a informática. Ele relata que os ensinamentos do irmão permitem várias

“conversas entre eles através do computador”. É o início da atuação de Manoel como

professor? Provavelmente não, pois nessa época, o ensino já fazia parte da sua vida.

Além de todos esses ensinamentos relatados pelos irmãos, um deles parece ser o mais

impactante quando se pensa no papel de educador. O ensinamento através do exemplo. E é

justamente esse que ecoa mais alto na memória dos irmãos. Penso que ao considerar um

processo de aprendizagem envolvendo adultos e tendo como referência as concepções da

abordagem biográfica, a questão do exemplo do educador assume uma característica

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diferenciada. Ou seja, deixa de ser algo a ser imitado para ser algo observado e pensado, que

pode vir a tornar-se um modelo se aquele que se dispõe a aprender algo assim o quiser e

reconhecer como experiência significativa a ser, portanto, guardada na memória.

Relatam (as Marias em seus depoimentos durante nosso encontro e o irmão Imisaac

em seu texto escrito para homenagear o “mano”), sobre o impacto que teve sobre eles, o fato

do Manoel empenhar-se tanto para controlar, por exemplo, a questão da dicção e enfrentar

uma banca para obtenção do título de doutor em educação. Ou então, os vários outros

exemplos que deu aos irmãos, mesmo à distância, ao superar as dificuldades vividas para

seguir com suas vocações para o sacerdócio, para a educação e para a pesquisa. Os exemplos

citados são utilizados pelas irmãs também com o intuito de ressaltar a facilidade de Manoel

para os novos aprendizados. Reforçam a sua facilidade para extrair a essência dos livros e

para disseminá-las entre os alunos, ex-alunos e entre os fiéis. Nessa facilidade, os papéis de

educador e formador, pesquisador e religioso parecem encontrar-se.

Figura 21 ‒ O Educador

Fonte: Colégio Salesiano Dom Bosco Americana, SP

Penso que os ensinamentos mais significativos são aqueles que tocam as pessoas não

apenas do ponto de vista cognitivo, até porque, aprender implica em mudar, que requer muito

mais do que cognição para que ocorra. Percebo que as ações “educativas ou formativas”

realizadas por Manoel, mesmo em situações em que a sua diretividade é percebida como

excessiva, conforme trechos de relatos citados, passam a fazer sentido para algumas pessoas,

ao ponto de marcarem muito suas vidas. Trago trecho de um dos testemunhos em que a

pessoa ressalta a prontidão e relevância da orientação que lhe foi oferecida por Manoel:

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Gostaria de terminar essa breve partilha narrando uma experiência fraterna muito

significativa para minha vida vocacional. Após alguns meses no voluntariado, passei

por contundentes questionamentos, algo normal no processo de avaliação e

discernimento vocacional. Foi me pedido um relatório minucioso sobre minhas

experiências e motivações. Partilhei o escrutínio com P. Manoel Isaú. Prontamente

se dispôs a dirigir-me espiritualmente. Um conselho seu ficou gravado em minha

mente: ‘faça um bilhetinho com seus pedidos e coloque debaixo da imagem de

Nossa Senhora Auxiliadora que fica na capela da casa. Alguns duvidam, mas tenha

fé, acredite’. Segui a sua orientação e pude experimentar o consolo Daquela que

tudo fez, segundo nosso Pai e Mestre, Dom Bosco (FERREIRA, 2015, p. 27).

Figura 22 ‒ O Religioso

Fonte: Colégio Salesiano Dom Bosco Americana, SP

Novamente, um consolo encaminhado a partir de um “bilhetinho”... Oportunamente,

outros relatos obtidos evidenciarão outras marcas no relacionamento entre Manoel e pessoas

que com ele conviveram. Por ora, considero importante refletir sobre o que faz alguém marcar

a vida de outros, mesmo sendo percebido em determinado momento como excessivo em sua

orientação? No campo das relações interpessoais é comum dizer que o “o que” a pessoa disse

é adequado, mas o “como” o fez é que gerou insatisfação no interlocutor. Atrelar o “o que” ao

“como” é um constante desafio. O caminho inicial é ter clareza naquilo que se pretende. E as

pretensões, principalmente no campo educacional, precisam estar devidamente amparadas por

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valores sólidos. Os valores de um salesiano! As irmãs relatam que, por exemplo, a sua

preocupação com os ex-alunos, retratada numa das suas obras, deve-se ao fato da sua

convicção de que a educação salesiana, fundamentada nos valores ensinados por D. Bosco, é

um aprendizado para a vida. E esses valores, parecem acompanhar Manoel por toda a sua

trajetória e nos diversos papéis que ocupou.

Sigo agora com o intuito de explorar outro papel desempenhado por Manoel: o de

pesquisador, aquele que lhe rendeu a referência como “Padre Doutor”.

Figura 23 ‒ O Pesquisador

Fonte: Colégio Salesiano Dom Bosco Americana, SP

Durante os contatos iniciais para definição do projeto de pesquisa a informação do seu

interesse pela pesquisa e pelos livros foi uma constante. Na Carta Mortuária essa referência

também é mencionada: “Manoel Isaú sempre demonstrou grande inteligência” (p. 5). “(...)

demonstra espírito eclesiástico e apostólico, ótimo nos estudos” (p. 8). “(...) muito observante

da vida religiosa e sai-se muito bem nos estudos” (FERREIRA, 2015, p.5; 8)

Dois dos testemunhos também reforçam esse interesse:

De pronto me chamou a atenção o seu amor pelo estudo, pela pesquisa e pelo

magistério (FERREIRA, 2015, p. 25)

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(...) Edificante que tenha feito dos estudos, da docência, da pesquisa e das

publicações na área da História da Educação, uma forma de viver, em alta medida, o

seu ministério como religioso salesiano-sacerdote (...) (FERREIRA, 2015, p. 27-

28).

A “carreira” de pesquisador é também amparada por uma formação sólida, composta

por três graduações: em Filosofia, Teologia e Pedagogia.

Figura 24 ‒ Formação em Pedagogia

Fonte: Acervo da Família

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Figura 25 ‒ Formação em Pedagogia

Fonte: Acervo da Família

Complementam essa formação o mestrado e o doutorado em Educação,

respectivamente, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade

de São Paulo.

Manoel transforma toda a sua formação, as suas experiências e as suas inquietações

em contribuições, retratadas em seus livros e artigos publicados:

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Tem publicado várias obras, como Lições de Administração Escolar, Liceu Coração

de Jesus: uma escola numa cidade em constante transformação, Externato Santa

Teresinha, Luz e Sombras: internatos no Brasil (tese de doutorado), Com Dom

Bosco e com os tempos, pesquisa histórico-biográfica contemplando os 50 anos da

Escola Salesiana de Campinas (SP), além de trabalhos publicados em revistas

nacionais e no exterior (FERREIRA, 2015, p. 16).

Destaco a seguir algumas das suas obras, que além de contribuírem para este trabalho

possam também contribuir para o entendimento de algumas características do seu autor e

trazer elementos para a busca de respostas aos objetivos deste estudo.

A Primeira obra de Manoel, “Lições de Administração Escolar” é lançada no ano de

1965, período em que vive no Nordeste. A página inicial desse livro, intitulada “Uma

explicação”, além de apresentar a obra, nas palavras do próprio autor, também mostra traços

da sua humildade, característica já evidenciada por alguns depoimentos a seu respeito. Penso

tratar-se de uma qualidade também essencial ao pesquisador:

Jamais tive a intenção de publicar estas aulas. Faltava-me coragem. Foi a bondade

insistente do Dr. José Newton Alves de Sousa, Diretor da Faculdade de Filosofia do

Crato, que me obrigou a fazê-lo (ISAÚ, 1965) (grifos do autor).

O livro tem “características de uma compilação” como explica o próprio autor e traz, a

partir de uma base da administração geral e científica, princípios que podem ser considerados

para o planejamento das atividades escolares a partir de uma abordagem da educação como

um processo, que requer clareza e divisão de responsabilidades. Essa clareza no início do

processo assemelha-se à “razão”, um dos valores salesianos e que permeia os demais.

O primeiro contato que tive com essa obra do Manoel me surpreendeu pelo foco ser

em administração, mesmo tratando-se de uma contribuição para a área escolar. A partir desse

momento, confesso que fiquei feliz ao perceber no autor, um interesse por uma área que me

instiga há tantos anos, não pela atividade em si, mas pelo seu impacto na gestão das pessoas.

Ao ler a obra, é possível perceber conceitos ainda muito atuais do campo da administração e

que podem ser aplicados à gestão escolar como forma de reflexão sobre todos os pilares que a

compõe.

Apesar desses aspectos, penso que outros fatores motivaram ainda mais o personagem

a se engajar na preparação deste livro que foi a sua primeira obra. Um dos primeiros

comentários do autor ao justificar a preparação da obra é uma “tentativa de sistematizar a

matéria segundo o programa por mim adotado para a cadeira de Administração Escolar”

(ISAÚ, 1965, p.6).

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Percebo nessa justificativa uma atuação condizente ao papel de pesquisador, que busca

elementos que ampliem a sua prática, mas através de uma fundamentação a partir da pesquisa.

Percebo também, sinais de uma prática que se estenderia por toda a sua trajetória, ou seja,

buscar nos estudos, respostas que amparem os argumentos para uma situação de desafio.

Penso no desafio de seguir com um sistema educativo, gerando condições para que se

atualize, mas sem perder-se dos valores que embasaram o seu surgimento.

Uma obra que narrou um desses desafios foi “Com Dom Bosco e com os tempos”

(2003) em que o personagem, aceita o convite do P. Edson Donizetti Castilho, para juntos,

escreverem a história do Colégio São José de Campinas. A obra narra os 50 anos de uma

escola que, nascida como agrícola, se adapta às necessidades de uma época que, mesmo

marcada pelas mudanças, segue com suas práticas alicerçadas nos valores salesianos.

Figura 26 ‒ Lançamento do livro “Lições de Administração Escolar”

Fonte: Acervo da Família

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Figura 27 ‒ Lançamento do livro “Lições de Administração Escolar”

Fonte: Acervo da Família

E os desafios seguem. Manoel engaja-se na transformação da sua tese de doutorado no

livro “Luz e Sombras - internatos no Brasil” (2000). O livro, além de historiar a prática

educacional nas escolas sob regime de internato, uma alternativa educacional para a época,

também aborda o sistema preventivo salientando as características particulares da atuação de

Dom Bosco. Não teria sido esse mais um passo em direção à estruturação de um campo de

pesquisa caracterizado como sociocomunitário? Penso que essa busca pela pesquisa, na qual

se engaja o personagem, tenha atingido o seu ápice, ao utilizar a sua competência, como

pesquisador da história da educação e também da educação salesiana, como argumentos que

contribuíssem para o reconhecimento do Programa do Mestrado em Educação do UNISAL,

tema a ser tratado na parte voltada à interpretação dos dados.

Além da sua contribuição para com o campo de pesquisa, o ato de pesquisar e escrever

também parece ter se tornado um caminho de aproximação para com as pessoas possibilitando

práticas do personagem voltadas à amorevolezza. O livro “Luz e Sombras”, por exemplo, que

mostra-se conhecido por várias pessoas que com ele conviveram. A cada abordagem para

coleta de informações, seja num contato formal, marcado previamente, ou num contato

informal, através de um encontro casual, as pessoas me perguntam: você conhece o livro

dele? E ao seguir na conversa, identifico tratar-se dessa obra em específico. Algumas pessoas

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inclusive mencionam que ganharam o livro de presente e ao mostrá-lo, ressaltam a

dedicatória. Outros apenas citam que o possuem, mas também ressaltam haver uma

dedicatória. Interessante essa ênfase às dedicatórias feitas pelo autor... Mais uma prática

voltada ao cuidado, percebida pelas pessoas que com ele conviveram? E parece-me que

voltada ao cuidado com as relações interpessoais.

Figura 28 ‒ Lançamento do livro “Luz e Sombras – Internatos no Brasil”

Fonte: Acervo da Família

Ainda sobre a obra “Luz e Sombras” o autor tem a oportunidade de abordá-la, num

dos seus artigos, como um estudo que gere reflexões sobre alternativas para a questão da

violência, tema este muito discutido atualmente nas aulas do Mestrado em educação

sociocomunitária:

Hoje, a violência acompanha a vida do brasileiro. Trata-se de uma preocupação

básica e obsessiva, que afeta praticamente todas as suas atividades, na política,

família, governo, no trabalho profissional, no trânsito e até na prática escolar.

Esse tema me vinha preocupando não apenas nas práticas educativas como em

minhas pesquisas. Pretendia descobrir um caminho para, pelo menos, diminuir e

amenizar.

Resolvi então investigar, como nos internatos, este problema foi enfrentado.

(...) Este problema não se resolve com polícia, mas com vontade política, muita

dedicação e com a amorevolezza de Dom Bosco (SANTOS, 2000a, p. 12).

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Sigo com a abordagem da obra “Luz e Sombras” e observo a ênfase dada por Manoel

ao estilo próprio de Dom Bosco conferido ao seu sistema preventivo. Esse estilo, que talvez

se possa chamar de “jeito de ser salesiano”, tem a sua “morada” no campo das atitudes,

relacionando as ações envolvidas ao querer fazer, por acreditar naquilo. Manoel também

demonstra o seu próprio estilo e desencadeia reações diversas nas pessoas do seu convívio,

mas há um fato comum nessas reações: ele deixa uma marca.

E a marca deixada como sacerdote? Acredito que já é fato, pois mesmos as pessoas do

seu convívio acadêmico, referem-se ao personagem como “Padre Manoel”. As irmãs falam

sobre ele e referem-se ao “Padre” e o irmão, no texto em sua homenagem, inicia com os

seguintes dizeres: “Caro mano Pe. Manoel Isaú”.

A vocação para o sacerdócio deixa de ser um papel a ser desempenhado para tornar-se

parte da sua vida e estender-se aos demais papéis que desempenha.

Num dos relatos obtidos, um dos entrevistados reforça essa percepção. Conta que

recebeu a visita do Manoel no hospital numa ocasião em que esteve doente. Vale ressaltar que

essa informação foi resgatada pelo entrevistado, e de imediato, num primeiro contato casual.

A visita foi feita pelo amigo e pelo sacerdote, que além de confortá-lo, dispôs-se a confessar

todos os pacientes que quisessem fazê-lo. O resultado? Formou-se uma fila de interessados.

Essa situação ficou em sua memória, o que provavelmente, amplie o significado dessa visita.

Entre tantas atuações é possível identificar pontos de convergência? Acredito que sim!

Em todas, está presente o “jeito salesiano de ser”, como descreve o Prof. Paulo de Tarso num

trecho veemente do seu texto de homenagem: “(...) Se D. Bosco estivesse vivo eu poderia lhe

dizer: Ah, eu já te conheço, pois convivi muito tempo com o Padre Manoel...” (FERREIRA,

2015, p. 24).

Quais aspectos diferenciam esse “jeito de ser” dos demais, principalmente quando o

foco é a educação e a formação do indivíduo? A diferença principal parece estar situada no

entendimento da complexidade e, ao mesmo tempo, da simplicidade do processo educativo.

Complexidade pelo fato de que o processo deve considerar não apenas o indivíduo, mas a

comunidade em que atua, e que, para tanto, não existem parâmetros que por si só, sejam

suficientes para sustentar essa relação. E simplicidade, porque a partir do modelo de Dom

Bosco é possível perceber a sua atuação ágil e direcionada às necessidades dos seus meninos,

sem entraves que pudessem estagná-lo.

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PARTE IV – A INTERPRETAÇÃO: UM OLHAR SOBRE OS DADOS

(...) o narrativo é o lugar onde a existência humana toma forma,

onde ela se elabora e se experimenta sob a forma de uma história.

Christine Delory-Momberger (2012)

Inicio essa fase tão significativa, entendendo as narrativas, orais ou escritas presentes

neste estudo, que a partir da epígrafe de Delory-Momberger (2012) são consideradas como

possibilidades de elaboração e experimentação das vivências compartilhadas com Manoel

Isaú. Entendo que apenas a condição biográfica pode trazer os elementos envolvidos nas

histórias e no contexto que cercaram o personagem. Não com a pretensão de abarcar todas as

variáveis e nuances envolvidas nos papéis desempenhados e que o trabalho discute, mas com

a consciência de que representam apenas uma parte, destacada por um pesquisador que

acredita nessa abordagem e que a partir das suas “lentes”, neste momento, teve prazer em

compartilhar aquilo que percebeu como significativo para os objetivos propostos.

Essa etapa da pesquisa na abordagem biográfica tem o sentido de um olhar e não o

sentido de comprovação. Bertaux (2010) percebe nessa fase duas dimensões envolvendo o

trabalho do pesquisador: “(...) por um lado reconstituir os fatos; e por outro, relacioná-los por

meio de interpretações.” O autor completa que,

Um bom modelo é um modelo que torna inteligível uma série de fenômenos

observados; isso não implica, necessariamente, recorrer a conceitos sofisticados. O

essencial é primeiramente elaborar boas descrições, as mais aprofundadas possíveis:

é na profundidade que se encontra a via para o geral. (BERTAUX, 2010, p. 93; 132)

Os fatos obtidos a partir dos relatos, dos documentos pessoais e das obras escritas pelo

personagem são retratados por um olhar único, por tratar-se das minhas percepções. Mas

embora este texto seja o produto desse olhar ele também tem a função de estimular novas

perspectivas que possibilitem muitos outros olhares. Essa reflexão inicial cria em mim um

desejo: que o leitor deste trabalho possa revisitar as vivências voltadas à sua formação,

perceber outros significados que, por sua vez, favoreçam novas oportunidades de diálogo a

partir das ideias aqui contidas.

A partir dessa concepção e também do sentido da palavra interpretar, que implica em

muito mais do que uma tentativa de entendimento ‒ uma vez que vai além do cognitivo e o

chamado campo cognitivo está embrenhado dos demais campos que coexistem nos indivíduos

‒ inicio relatando como os dados foram coletados. Foram utilizadas as entrevistas narrativas

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envolvendo pessoas do convívio com Manoel Isaú nos diversos contextos de sua atuação.

Foram também consideradas algumas das suas obras e alguns documentos pessoais, que

permitam identificar as suas práticas, que partir da concepção do valor amorevolezza, tenham

sido percebidas como diferenciadoras, tanto nas suas contribuições aos indivíduos que com

ele se relacionaram, quanto nas suas contribuições ao programa do Mestrado em Educação,

por ocasião do seu reconhecimento junto aos órgãos reguladores. Conforme já apresentado, o

valor amorevolezza teve a minha maior atenção em virtude de, dentre outros fatores já

abordados, ser a “alma do sistema preventivo” como o próprio Manoel Isaú ensina.

(SANTOS, 2000, p. 173). E “alma”, no meu entender, traz a essência, as diferenças e as

particularidades, enfim, o foco deste estudo.

Algumas das discussões já foram iniciadas na Parte I que tratou de algumas questões

epistemológicas que envolve a pesquisa biográfica, até porque, nessa abordagem a

interpretação já tem início na própria coleta dos dados. Ou seja, a interpretação dos dados

acontece durante todo o percurso e por isso, existem fragmentos dela por todo o texto. Penso

que os fragmentos a que me refiro são considerados por Bertaux (2010) como exemplos e

dessa forma são valorizados:

É tão difícil a grande variedade dos objetos sociais, que nos parece difícil

acrescentarmos algo sobre a análise comparativa sem cair em afirmações muito

gerais. Consideramos mais instrutivo proceder por meio de exemplos. Nós os

retiramos de nossas próprias pesquisas pela simples razão que, conhecendo-os por

dentro, podemos desvendar os caminhos que nos permitiram passar dos casos

empíricos às hipóteses (BERTAUX, 2010, p. 122)

A partir da fase exploratória, já descrita na Parte I deste estudo, conforme a concepção

de Bertaux (2010) chego a um grupo de pessoas do convívio acadêmico, familiar e religioso

de Manoel Isaú para ouvi-las. As conversas estruturadas inicialmente a partir de um roteiro

de perguntas utilizado como referência, conforme Apêndice I, parte de uma contextualização

da minha trajetória e da minha chegada ao tema. A partir desse início, as perguntas são

utilizadas como ponto de apoio a fim de manter o foco nos objetivos propostos, mas com

abertura para apreender os significados das experiências narradas envolvendo o contato com o

personagem.

As situações envolvendo contatos por convite ou por manifestações espontâneas,

totalizaram nove entrevistas presenciais com pessoas dos contextos acadêmico, religioso e

familiar. Bertaux reforça que é possível identificar o que chama de “mecanismos ou lógicas

sociais” mesmo através de um número não tão amplo de relatos, até porque, essa busca não

está condicionada à dados estatísticos (BERTAUX, 2010, p. 126).

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A quantidade de relatos obtidos acerca do personagem foi especificada apenas para

efeito da percepção de cada contexto que representam. Do contexto acadêmico, foram

envolvidas oito pessoas sendo que três delas manifestaram-se espontaneamente; desse total

foram realizadas seis entrevistas. Vale observar que do total inicial de oito contatos, duas

pessoas convidadas, embora disponíveis na fase exploratória, não consideraram ter tido

convivência suficiente para fornecer depoimentos. Após a fase exploratória, mais três pessoas

se manifestaram espontaneamente o que fez com que essa categoria de entrevistados fosse

superior aos que foram convidados. Ou seja, do total de seis entrevistas realizadas, quatro

delas foi a partir de manifestação espontânea de pessoas que conviveram com Manoel Isaú

nesse contexto.

Do contexto religioso, foram contatadas quatro pessoas, não havendo manifestações

espontâneas. De todos que foram contatados, foi realizada uma entrevista presencial, que

embora tenha sido classificada nesse contexto, também retratou uma vivência com o

personagem no contexto acadêmico, como é possível observar através do relato, conforme

Apêndice VIII. Vale observar que dois casos responderam não ter informações a fornecer,

mesmo tendo convivido com o personagem e um dos casos, embora tenha inicialmente aceito,

não retornou, apesar dos vários contatos feitos.

Do contexto familiar, identificado durante a fase exploratória, foi contatada uma

pessoa, irmã de Manoel Isaú, que ao compartilhar sobre a pesquisa com outra irmã, gerou

mais uma entrevista presencial, considerada como manifestação espontânea. As irmãs

apresentaram no encontro presencial, um texto escrito por um dos irmãos, em homenagem à

Manoel Isaú, por ocasião de uma das visitas à família. Desse texto foram extraídas partes

consideradas relevantes para os temas discutidos, mas se considerou desnecessária a sua

inclusão na íntegra como anexo.

Foram feitos relatos que constam como Apêndices (II a IX) apenas dos contatos

presenciais com formato de entrevista. Alguns contatos informais breves são referenciados

dessa forma ao serem utilizados, mas não possuem relatos escritos. As demais informações

obtidas através de relatos escritos inseridos na carta mortuária foram utilizadas como

ilustrações em determinados pontos do texto e estão mencionadas nas referências

bibliográficas.

Os relatos que se encontram nos Apêndices (II a IX) são transcritos a partir das minhas

anotações e, portanto, não existem relatos gravados. Alguns estão descritos em tópicos, outros

de maneira cursiva e alguns contêm relações com outras observações que me ocorreram no

momento da escrita. Parte deles, já utilizada para exemplificar ou ampliar alguma ideia, conta

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132

com falas entre aspas que tem o sentido de gerar maior aproximação com as falas dos sujeitos,

mas que mesmo assim, representam os meus relatos. A decisão pela forma de registro sem

envolver gravações dos relatos deve-se em alguns casos, aos momentos iniciais dos contatos,

que trazem situações muito particulares, em outros, por solicitação do próprio entrevistado e

também, por preocupação do próprio entrevistador em priorizar um momento de total abertura

para as narrativas. Todos, porém, autorizam as anotações e não evidenciam preocupações

quanto a esse fato.

Nos relatos os entrevistados através de contatos presenciais, são considerados no

gênero masculino por minha opção e são identificados por uma sequência numérica aleatória

a partir de uma legenda conforme o contexto em que conviveram com Manoel Isaú: contexto

acadêmico (entrevistados da sequência de A1 até A6), contexto religioso (um entrevistado,

R1). Os relatos obtidos do contexto familiar trazem a identificação dos três irmãos. Os relatos

que se encontram nos Apêndices também estão identificados se foram obtidos a partir de

convite ou se foram espontâneos. Entendo que as entrevistas realizadas por convite ou por

iniciativa do próprio entrevistado, situações que tenho chamado de espontâneas, possam dizer

algo diferenciador sobre as relações mantidas com o personagem. Da mesma forma que a não

aceitação de um convite para a entrevista, mesmo o entrevistado tendo convivido com o

personagem a ponto de ser indicado para essa conversa, também diz algo a respeito dessa

relação.

As entrevistas transcorrem em clima de total receptividade, afinal, as manifestações

espontâneas, em meu entender, trazem um desejo genuíno de compartilhar as experiências

vividas com o personagem e mesmo aquelas que foram convidadas, aceitam prontamente.

Retomo os relatos, alguns documentos e algumas obras, entre livros e artigos do

personagem na busca de elementos, que relacionem ideias e práticas a partir do valor

amorevolezza numa perspectiva sociocomunitária.

4.1. As Entrevistas Narrativas, seus relatos e os depoimentos escritos

Penso ser importante reforçar dois aspectos ao considerar as narrativas como

instrumento de coleta de dados a partir do problema de pesquisa. O primeiro deles, trazido por

Abrahão (2003) que recorre a Fraser (1990), que declara, ao entrevistar pessoas que

participaram da guerra civil na Espanha, "Não esperava recolher dos informantes novos feitos

históricos ...” (FRASER, 1990 apud ABRAHÃO, 2003, p. 86 ). Os autores observam que o

foco de uma entrevista narrativa não reside na questão da novidade das informações. Mas

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133

então, onde estaria o foco desse tipo de abordagem? Bertaux (2010) contribui detendo-se na

questão dos significados como direcionadores do foco. Reforça que uma “narrativa não é um

discurso qualquer” e que nos momentos da interpretação, “não se trata de extrair todas as

significações que ela contém, mas somente aquelas pertinentes ao objeto de pesquisa e que

adquirem aí o status de indícios” (BERTAUX, 2010, p. 89) (grifo do autor).

Ao rever os relatos constato as considerações de Fraser (1990), Abrahão (2003) e

Bertaux (2010) acerca da possível expectativa com relação às novidades e também, da

expectativa quanto às significações dos seus conteúdos. Essa consciência parece-me muito

importante para que o pesquisador conduza suas atividades com abertura, mas sem perder o

foco. Ao resgatar os relatos percebo que alguns trazem histórias particulares compartilhadas

com Manoel Isaú e outros, trazem histórias em que narram uma atuação geral dele, seja como

educador, pesquisador ou sacerdote. Todas as histórias somente foram possíveis a partir de

uma presença marcante do personagem junto ao entrevistado. Presenças que foram além de

um estar fisicamente naquele local, mas que eram acompanhadas de observações, nem sempre

percebidas como positivas, mas que traziam em si uma mensagem considerada importante e

que deveria ser transmitida.

A forma como o interlocutor percebia a mensagem e como reagia diante dela também

me parece um aspecto a ser considerado. Para ilustrar essa questão e seguir com a abordagem

que considera a importância da ação do outro como complemento da qualidade da relação,

trago o trecho de um depoimento, extraído de uma crônica, de autoria do Prof. Groppo28. A

crônica, que tem como título “A fala do Padre Manoel” parte, como o próprio título indica, da

forma de falar desse personagem que para alguns era um problema para a comunicação, mas

que foi transformada pelo interlocutor em oportunidade para ampliação dos conhecimentos.

Como o texto relata uma viagem, penso que se, analogamente fosse comparado à um percurso

desse tipo, é possível dizer que a partida acontece a partir da fala, mas o caminho acontece a

partir de um movimento de escuta e a “chegada”, por sua vez, é marcada por um encontro de

afinidades...

Mas o padre se ressentia de nem sempre ser entendido pelos outros, principalmente

seus pares e superiores, na universidade e principalmente na sua congregação. O

Padre Manoel sabia que falava muito rápido e tinha dicção, digamos assim, não

muito boa em todas as palavras. Quando se empolgava, ainda mais acelerava e

descuidava da pronúncia. Resultado: tantas vezes um monólogo dele consigo

mesmo, com o interlocutor tão dialógico quanto uma parede.

28

Luiz Antonio Groppo. Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia. Conviveu com Manoel Isaú no

período em que atuou como Professor do UNISAL em Americana.

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134

É que um dia eu consegui entender a fala do Padre Manoel. Foi mesmo um

verdadeiro curso intensivo. Sei que isto é difícil até de conceber, mas seria o caso de

todos nós que convivíamos com ele termos feito algo parecido. Teríamos enorme

recompensa em conhecimento, experiência e paixão de viver, e o tempo gasto no

estágio seria um sacrifício bem pequeno.

Contarei como foi. Eu iria para Bauru participar de um evento sobre Educação.

Apresentaria até um trabalho. Mais por educação convidei o Padre Manoel para vir

comigo. Ele topou. E eu confesso que fiquei feliz. Era o Manoel me acolhendo no

mesmo ato em que eu o acolhia. Isto me parece ser a verdadeira amizade.

A certa altura da viagem, percebi que entendia tudo que o Manoel falava, mesmo

quando ele corria com as palavras e tropeçava nos sons. Eu havia aprendido a ouvir

seu peculiar idioleto. Eu podia entender tudo o que ele falava e dizia. Ganhei tanto

com isto. Não fui mais uma parede sorridente diante de um megafone estridente. E

ao falar, me vi perguntando muito, pedindo mesmo para o Manoel falar sobre tanta

coisa que eu não sabia. Ele sabia (GROPPO, 2009, p.1-2).

Mesmo com seu estilo rápido e direto, como os relatos descrevem Manoel Isaú, o Prof.

Groppo conseguiu entendê-lo mostrando que podem existir diferenças na relação interpessoal

conforme a reação do interlocutor. Diferenças que foram mantidas e que continuaram a ser

reconhecidas pelo Prof. mesmo em momentos delicados, como a internação do amigo, após o

problema de saúde que o levou. Esse relato consta de mais uma crônica do Prof. Groppo

dedicada ao amigo Manoel. O título que a identifica certamente não tenha agradado o Prof.:

“A morte do Padre Manoel”.

Foi operado e, em nova surpresa, se recuperara muito bem. Em poucos dias já saiu

da UTI. Fui visitá-lo e vi que conversava ao modo de sempre, ou seja, muito e

compreensível só a iniciados de sorte como eu, com sua voz enrolada e fala

apressada (GROPPO, 2009, p.1)

E seguem as diferenças na percepção dos contatos com Manoel Isaú observados nos

relatos. Um deles traz um incômodo quanto à sua forma de abordagem direta e declara que

não ter recebido bem a intervenção feita por ele. Num outro relato, o entrevistado reforça o

impacto do Manoel na mudança da sua carreira e da sua vida, por ajudá-lo a compor uma

nova visão de mundo. Penso que a atuação de Manoel Isaú nessa situação, contribuiu para a

construção de uma nova autoestima com relação à atividade profissional e que foi além do

auxílio à revisão de uma questão financeira muito difícil. O entrevistado percebeu a

demonstração de amor do Manoel Isaú e mesmo tratando-se de um adulto, parece-me que

quando o tema é autoestima, é mais comum do que parece continuar em idade educativa.

Acredito ser relevante também, utilizar do conceito de “generatividade”, discutido por

Bertaux (2010), a partir das contribuições de Erik Erikson (1963), para obter elementos que

elucidem a ação de apoiar e dividir com o outro, aprendizados considerados significativos

para a nossa experiência. Para Erikson (1963) esse compartilhamento de aprendizados

constitui um dos momentos chave do desenvolvimento da personalidade adulta e não poder

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135

realiza-lo, por qualquer razão relacionada à situação do indivíduo, pode causar grande

sofrimento (ERIKSON, 1963 apud BERTAUX, 2010, p. 129). Manoel Isaú parece ter

utilizado esse desejo de apoiar o outro e provavelmente, essa troca contribuiu para o seu

próprio desenvolvimento.

Mas, conforme já abordado, o apoio também depende da forma como o outro o

percebe. O entrevistado que citou ter revisto a sua visão de mundo a partir das trocas com

Manoel Isaú reconhece que outras pessoas não percebiam suas intervenções de forma positiva

e aborda a dualidade de sentimentos que ele despertava. Essa colocação talvez revele relações

intensas, que provavelmente caracterizem as relações estabelecidas por Manoel Isaú e

também por esse entrevistado. Se em alguns momentos essa intensidade era percebida em

algumas relações, em outras, é trazida a questão do acolhimento, seja no pátio ou na sua sala.

A sala de Manoel Isaú foi bastante abordada, seja nos relatos elaborados a partir das

entrevistas presenciais, seja em depoimentos informais ou escritos, como alguns que constam

da carta mortuária (FERREIRA, 2015). A sala é descrita como um local de estímulo para a

parada das pessoas que passavam pelo local fosse por necessidade cognitiva ou emocional. Os

relatos, porém, estabelecem diferenças de atuação do Manoel Isaú. Aquele homem que às

vezes era tão rápido e direto e que dizia palavras percebidas como duras, mostrava-se

também, capaz de ouvir, acolher e aconselhar. Seriam essas situações exemplos de atos de

amorevolezza como o próprio Manoel Isaú definia? Um “misto de racionalidade e de

compreensão humana...” (SANTOS, 2000, p. 173). Eu penso que sim, até porque, o

entrevistado que relatou que a sua intervenção “não pegou bem” talvez estivesse

“infringindo” um dos princípios da amorevolezza, a disciplina. Talvez para Manoel Isaú o fato

de ter percebido que aquela pessoa não estava cuidando da própria saúde, um aspecto que no

caso dele era frágil, tivesse sido interpretado como falta de disciplina. E para ele “o ideal da

amorevolezza devia harmonizar-se com a disciplina” (SANTOS, 2000, p. 144).

Ainda em busca de práticas a partir dos conceitos apresentados sobre o valor

amorevolezza, chego à abordagem feita pelos relatos escritos ou verbais acerca dos

“bilhetinhos” entregues por Manoel Isaú aos alunos, aos fiéis, aos colegas do Mestrado. Um

dos depoimentos caracteriza essa prática como ação de “generosidade”, pois traziam

mensagens bíblicas ou não que necessitavam ser preparadas previamente. Tratava-se de uma

atividade extra dele e que a princípio nem era valorizada, conforme relatos das irmãs e do

Prof. Paulo de Tarso em seu texto. Mas essa generosidade era acompanhada pela

“persistência”, característica marcante e reconhecida pelos irmãos. O que fazia Manoel Isaú

utilizar a sua persistência na entrega dos bilhetinhos? Talvez se possa atrelar essa ação à

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136

necessidade de demonstrar amor. Sim, porque o próprio Manoel Isaú traz em seu livro um dos

ensinamentos de Dom Bosco, que alerta para a importância de não apenas amar, mas

demonstrar, informando ao outro que é amado. (SANTOS, 2000, p. 174). Scaramussa (1979)

reforça a importância do “amor demonstrado”, como uma das ações a partir de um valor como

a amorevolezza:

Amar significa mostrar claramente apreço pelos outros, demonstrar que são

importantes, queridos e capazes e, com presença e juízo positivo, encorajá-los na

realização de si mesmos. Com efeito, a pessoa desenvolve-se realizando um projeto

que ela mesma vai lentamente definindo e construindo ao longo de sua vida. Esse

projeto, porém, está condicionado pelo conceito que a pessoa tem de si mesma. E

esse conceito por sua vez, principalmente no período da idade educativa, reflete o

apreço que os outros demonstram por ela (SCARAMUSSA, 1979, p. 108).

Interessante ou curioso, não sei bem como definir, mas, neste momento, enquanto

escrevo sobre esse tema, recebo um texto em que a médica geriatra Ana Claudia Quintana

Arantes, resgata do livro “Antes de partir: uma vida transformada pelo convívio com pessoas

diante da morte” de Bronnie Ware (2012), os cinco maiores arrependimentos das pessoas

antes de morrer sendo um deles, não ter demonstrado afeto. Mais uma razão, penso eu, para

seguir os ensinamentos de Dom Bosco, reforçados por Scaramussa e exercitados por Manoel

Isaú.

Volto à visão de Scaramussa (1979) e percebo que é corroborada por um dos relatos

em que o entrevistado relaciona a amorevolezza, à “preocupação com”, situação que demanda

empatia. Esse entrevistado considera esse valor como característico do carisma salesiano. Nos

relatos escritos ou orais, essa preocupação de Manoel Isaú com o outro aparece como uma

prática. Por exemplo, com o entrevistado que percebeu na educação um caminho para

redirecionamento da sua carreira por orientação do Manoel Isaú ou num dos breves

depoimentos orais que obtive em que a pessoa relatou que por várias vezes, Manoel Isaú lhe

perguntava se estava se alimentando corretamente devido às viagens diárias. E o que dizer da

preocupação em cuidar dos alunos que o procuravam nos momentos de “apuros”? Talvez

ambos se cuidassem nessas situações: Manoel Isaú os ajudava nos trabalhos e ao mesmo

tempo, exercitava duas das suas paixões, o pesquisar e o ensinar. Sigo com mais um exemplo

de preocupação ou cuidado com o outro que não sei se propriamente tratou-se de mais uma

situação de “apuro”, mas um dos entrevistados menciona a ajuda que Manoel Isaú lhe prestou

na definição do seu projeto de pesquisa do mestrado e define que obteve do personagem

“grande atenção”. Esse mesmo entrevistado corrobora a informação de uma das irmãs ao

relatar os incentivos para que voltasse a estudar. Além da preocupação com a irmã e com o

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137

entrevistado mencionado, Manoel Isaú agia de forma coerente a essa preocupação, pois ele

mesmo voltou a estudar várias vezes...

Outro aspecto que também me parece essencial destacar e que em minha concepção,

também reflete amorevolezza, é a observação de um dos entrevistados acerca das relações

mantidas por Manoel Isaú: “ele era alguém capaz de construir relações profundas”. Segundo o

entrevistado, Manoel Isaú não se colocava a disposição, ele ia aos locais e participava.

Praticava a “presença” que para os salesianos, implica em presença física. São vários os

depoimentos que dizem da sua participação nas bancas do mestrado, nos eventos de educação,

nas comemorações em família. E quem se faz presente, investe nas relações humanas, base

para o processo educativo. Pode por vezes acertar, em outras pode errar, mas se esteve

presente e errou, pode novamente com a sua presença, fazer melhor da próxima vez.

Um exemplo dessa possibilidade pode ser percebido no relato do entrevistado que

alegou que sua intervenção, a princípio, “não pegou bem”, mas que num momento posterior

foi apoiado e encorajado por Manoel na ampliação da sua atuação como educador. Penso se

essa situação não poderia refletir o que Delory-Momberger (2012) chama de dar “sentido ao

ocasional”, pelo poder das narrativas de “transformar os fatos” (DELORY-MOMBERGER,

2012, p. 39). Faço essa observação porque esse entrevistado chegou a dizer que ao receber o

convite, não imaginou ter tanto a dizer sobre sua relação com o personagem. Essa

transformação pareceu-me ter ocorrido durante o seu relato, ao ponto do entrevistado perceber

que além da situação que “não pegou bem”, o personagem havia contribuído para uma

ampliação de sua atuação profissional.

Bertaux (2010) também contribui para o entendimento da relação entre o “que

realmente aconteceu” e os significados atribuídos, que considera como o “núcleo comum de

todas as formas possíveis do enredo dessa história”. O autor completa que esse “núcleo

comum possui uma estrutura”, composta de uma relação temporal de “antes / depois”

tornando tais relações tão concretas quanto aos fatos em si (BERTAUX, 2010, p. 95).

Sigo com considerações que fundamentadas no valor amorevolezza, podem ser

percebidas a partir dos relatos. Uma das características que retratam esse valor é a alegria. Os

relatos das irmãs trazem o exemplo da alegria do pai, que comemorava a chegada do filho

Manoel Isaú com fogos de artifício. Mas estaria esse sentimento presente em alguém descrito

como “reservado”? Sim, um dos entrevistados traz momentos que despertavam grande alegria

no personagem: ele ficava alegre ao perceber a sua implicação na vida das pessoas (alunos,

professores), ajudava na construção de um clima rico e vibrava com o sucesso dos outros,

comportamento não muito comum, principalmente no meio acadêmico. E na visão do

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entrevistado, os impactos dessas suas ações eram bastante positivos: quando agia assim,

estimulava comportamentos semelhantes. Manoel Isaú era despojado, não almejava cargos,

era nobre e por isso se alegrava com o sucesso dos outros.

A expressão do valor amorevolezza parece ter acompanhado Manoel Isaú em toda a

sua vida. Ao observar os relatos da família, percebe-se o aspecto desse valor voltado ao

“cuidar” já nas ações do pai, que cuidava da família e dos vizinhos.

Além dos significados extraídos a partir dos relatos obtidos, acredito que valha uma

reflexão sobre aqueles que não foram obtidos, característica do contexto religioso. É passível

de observação as diferenças de respostas existentes principalmente quando comparados os

contextos acadêmico e religioso. Se no primeiro, as entrevistas foram em sua maioria,

realizadas a partir de manifestações espontâneas, no segundo, a maioria não se concretizou

nem mesmo por insistentes convites. Para buscar extrair alguns significados, recorro à

Bertaux (2010) que considera para essa fase do trabalho, duas condições importantes:

“imaginação e rigor”. Mesmo assim, considera o autor que a “prioridade é dada à imaginação,

pois se trata de imaginar, quer dizer, de formar uma representação (primeiro mental, depois

discursiva) de relações e processos que engendraram os fenômenos (...).” (BERTAUX, 2010,

p. 108) (grifo do autor).

O autor observa também que não se pode esperar que os indivíduos que narram

percebam as lógicas envolvidas nos fenômenos abordados e que o pesquisador para buscá-las

deve considerá-las como “indícios”. E cada um desses “indícios deve ser considerado como a

ponta apenas visível de um imenso iceberg” (BERTAUX, 2010, p. 109).

Resgato algumas falas muito breves de alguns do convívio religioso em encontros

informais e penso quais “indícios” elas podem trazer. Um deles reconhece, por exemplo, a

dificuldade de manter a alegria em alguns momentos, sentimento considerado inerente ao

valor amorevolezza. Novamente resgato a questão do cuidado inerente a esse valor e penso se

esse silêncio das pessoas que compartilharam do convívio religioso com Manoel Isaú também

implique em cuidado. Cuidado com as relações entre eles, cuidado com os valores da

congregação salesiana. Por outro lado, Manoel Isaú parecia perceber essa situação ao

expressar para um dos entrevistados que se sentia “tolerado” pelos irmãos da congregação.

Recorro à Bertaux (2010) que fornece uma “tentativa de classificação dos níveis de

significação” das narrativas declarando que podem situar-se em “níveis muito diversos”

como, “estruturação inicial da personalidade do sujeito em habitus, aprendizagens culturais e

profissionais, histórico das relações do sujeito com seus próximos, relações próprias de

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determinado mundo social, expectativas de conduta, conflito aberto ou não declarado... ( )”

(BERTAUX, 2010, p. 112).

Partindo de algumas das observações do autor penso que um olhar para as questões

voltadas às expectativas de atuação no contexto religioso podem trazer indícios do silêncio

dessa população. A partir de uma expectativa de atuação acredito que se possa destacar a

diferença entre o “percurso biográfico” ‒ denominação preferida por Bertaux (2010), ao invés

de trajetória ‒ ao considerar a formação de Manoel Isaú e dos demais salesianos. Manoel Isaú

encontrou nos estudos o caminho para cumprir a sua missão salesiana, fato que em alguns

momentos possa tê-lo diferenciado e/ou distanciado dos demais. Um dos depoimentos citados

em sua carta mortuária talvez possa reforçar essa diferença, ao mencionar que Manoel Isaú

“reconhecia o valor da formação intelectual como preciosa mediação para o reto exercício da

missão salesiana” (FERREIRA, 2015, p. 27).

Não pretendo com essas denominações estabelecer qualquer senso de valor, positivo

ou negativo, apenas constatar uma possível diferença entre eles, que possa ser significativa

para o silêncio da maioria desse público diante da pesquisa, seguindo os ensinamentos de

Bertaux (2010) que reforça a importância de se conhecer as particularidades de um contexto

como possibilidade de ampliar as perspectivas a respeito do seu entendimento (BERTAUX,

2010, p. 131).

Sem a pretensão de abarcar todas as significações presentes nos relatos ou na ausência

deles, sigo abordando as obras do personagem, e ao considerar alguns livros e artigos, busco

relações entre os conceitos discutidos e as suas práticas, que amparadas pelo valor

amorevolezza, possam estender-se para além de um grupo de pessoas, chegando a um campo

de pesquisa, que no mestrado em educação do UNISAL, responde pelo nome de

sociocomunitário.

4.2. As Obras do Personagem

Parte das obras do personagem já foi mencionada no texto e agora, pretendo focar

naqueles escritos que diretamente tenham impactado para o desenvolvimento do campo de

pesquisa em educação sociocomunitária. Com esse intuito, trago especificamente uma

abordagem do texto “Da Educação social à educação sociocomunitária e os salesianos”

(ISAÚ, 2007).

Como o próprio título do texto anuncia, Manoel Isaú contextualiza a educação como

“comunitária e social” (ISAÚ, 2007, p. 7). A partir dessa concepção define o foco da

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educação sociocomunitária: o indivíduo, mas em relação com o seu entorno. Afinal o homem,

mesmo com as suas particularidades (ou apesar delas) é um ser que existe no âmbito social. E

essa coexistência com outros homens é o que fornece (ou deveria fornecer) os elementos mais

consistentes para a educação.

Seguindo no percurso da contextualização do campo sociocomunitário, o próprio autor

esclarece que o desenvolvimento do indivíduo “só se concebe na integração das estruturas

comunitária e social” (ISAÚ, 2007, p. 7). Ao pensar no desenvolvimento individual e na

educação como processo facilitador, vale uma concepção que vise o longo prazo. Silva (1938)

enfatiza a questão da autonomia, como propósito maior da ação educativa: a “educação social

do jovem como parte integrante da sua formação e remate necessário da missão educadora

que só será terminada quanto o tiver colocado, bem aparelhado, no comando da vida, às

portas da sociedade” (SILVA, 1938, p.186). O conceito apresentado por Silva (1938) e citado

por Manoel Isaú (2007), remetem a um processo educativo que tenha como foco a construção

da autonomia dos indivíduos em suas comunidades. Sim, acredito numa autonomia que seja

construída em conjunto com o indivíduo envolvido e que, a partir desse movimento, existam

benefícios revertidos em prol do próprio indivíduo e da sua comunidade.

Percebo possibilidades de relação entre a autonomia, citada como foco de um campo

de pesquisa em educação sociocomunitária, com as práticas de Manoel Isaú, que são

abordadas em alguns dos relatos (orais ou escritos). Essas práticas podem ser percebidas

desde as situações, que num curto prazo, se possa chamar de mais corriqueiras, como a

orientação de diversos trabalhos escolares, ou então, numa situação de maior risco para o

envolvido e sua família, conforme relato do entrevistado, que ao enfrentar uma situação de

colapso financeiro, teve uma nova carreira reorientada por Manoel Isaú. O relato dessa

pessoa, em minha concepção, mostra a construção de uma ação autônoma e solidificada que

segue até hoje.

Ao pensar na construção de uma ação autônoma não posso deixar de mencionar sobre

as competências necessárias para estimulá-la. Uma ação como essa visa o futuro e tem como

objetivo maior estimular no indivíduo um pensar e um agir planejado, visando o seu

desenvolvimento e o da comunidade em que atua. Portanto, requer escuta empática, diálogo

e propósitos claros. Escuta empática e diálogo pode implicar na necessidade de

comportamentos diferentes por parte do interlocutor. Ou seja, a partir dessa relação o

interlocutor, aqui entendido como aquele que atua com o indivíduo num processo educativo

ou de aconselhamento (se é que se pode entendê-los como diferentes em alguns momentos...),

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pode perceber a necessidade de agir de forma mais diretiva, com orientações claras, ou então,

pode perceber a necessidade de primeiramente acolher e encorajar.

Essas observações podem remeter ao conceito do valor amorevolezza? Acredito que

sim, pois o próprio Manoel Isaú a concebeu como um “misto de racionalidade e compreensão

humana” (SANTOS, 2000, p.173). E essas características podem ser observadas nas práticas

do personagem desta pesquisa? Penso que sim, pois os vários depoimentos, a partir dos

relatos orais ou escritos mostram que o personagem embora argumentasse de maneira

“ferrenha” sobre alguns temas, também sabia ouvir a todos. E como essas práticas podem

impactar o desenvolvimento da autonomia? Penso que representam a base para

desenvolvimento de ações autônomas e que a vida de Manoel Isaú, retratada a partir dos

relatos orais e escritos, mostram-se repletas de amorevolezza e, dessa forma, contribuem para

a ampliação das perspectivas voltadas a discussão da educação sociocomunitária.

Sigo com o texto citado e percebo nele uma abordagem da educação salesiana. Mas

qual a relação estabelecida pelo autor entre as práticas adotadas pelos salesianos e uma prática

no campo do sociocomunitário? Existem intensas relações e são relações que contém um

sentido de continuidade. Foram iniciadas pelos salesianos, que conforme os exemplos de Dom

Bosco, primeiro agiram rapidamente, mas não de forma impensada. E ao traçar esse histórico,

Manoel Isaú relata que o texto se propõe a,

(...) historiar a educação sociocomunitária como a praticaram os salesianos até

chegar hoje à instituição de um programa de mestrado dedicado à construção de uma

definição e um modelo teórico que apoia a sua prática nos dias de hoje. As

dificuldades existem devidas ao fato de serem escassos ainda os estudos e uma

historiografia relativa ao assunto em tela. (ISAÚ, 2007, p. 3).

Percebo que para o autor, a história da educação salesiana representa a própria história

da educação sociocomunitária e penso que ao contextualizá-las e relacioná-las, Manoel Isaú

fornece aquela que talvez seja a sua contribuição base para o desenvolvimento desse campo e

que gerou o reconhecimento do programa de mestrado em educação do UNISAL. Chamo de

contribuição base porque a entendo como um ponto de partida, ou seja, ao utilizar uma das

suas competências mais desenvolvidas, a de pesquisador, Manoel Isaú prepara um terreno

fértil para todas as articulações que se seguiriam até o reconhecimento do programa. Um dos

relatos evidencia que Manoel Isaú foi fundamental para que o mestrado em educação fosse

reconhecido e também, para criar um grupo coeso em torno desse projeto. Esse relato traz, a

meu ver, evidências que ampliam a sua contribuição para além do embasamento teórico e

histórico do campo de pesquisa em educação sociocomunitária. Outros relatos também

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ressaltam a “presença” constante de Manoel Isaú nas mais diversas bancas de apresentação de

trabalhos do programa. Novamente a presença, como prática salesiana aprendida e

incorporada pelo personagem, é mencionada nesse e em outros relatos.

Toda a presença de Manoel Isaú nas atividades do mestrado, que já caracterizei como

sua paixão, é reforçada nas palavras do Prof. Groppo em mais um trecho de uma das suas

crônicas que, em minha concepção, reflete mais um ato de amorevolezza, sob a ótica do

“amor demonstrado”.

Eu aprendera que às vezes as pessoas teimam em deixar esta vida porque se

prendem ainda a coisas deste mundo material (..).

Da parte do meu amigo Manoel, contudo, como homem do bem e da pesquisa, eram

outros os laços que os prendiam a esta terra. Penso que seus irmãos iriam desatar nós

muito mais importantes. Mas havia um que parecia destinado para mim.

Diante do padre consciente, mas fraquinho, com um fiozinho de vida só a esquentar

seu corpo, eu disse:

- Padre Manoel, pode ficar sossegado que nós cuidamos do Mestrado!

Eu falava do Mestrado em Educação, ao qual eu e ele tínhamos dedicado tantos anos

de trabalho e afeição.

Ele tentou falar alguma coisa, talvez protestar, mas eu fui firme ainda que sereno:

- Não se preocupe Padre Manoel, prometo que o Mestrado continuará firme e forte!

Penso que o Mestrado em Educação do UNISAL nasceu forte, uma vez que foi

concebido com a missão de prosseguir com a missão salesiana. Mesmo tendo passado por

momentos envolvendo conflitos e preocupações, comuns aos projetos que nascem para ser

grandiosos, teve em Manoel Isaú um aliado que, por sua vez, o utilizou como oportunidade

para exercitar uma das suas maiores competências, a de pesquisador da história da educação.

Essa situação talvez exemplifique o fato de que os ganhos são sempre a partir do conjunto das

relações.

Manoel Isaú apresenta também no referido texto, a trajetória salesiana, como uma das

motivações para o Mestrado em Educação. “Dessa trajetória nasceu a intenção de aprofundar

os estudos sobre o assunto e a estratégia mais operacional seria a institucionalização num

curso de pós-graduação em sentido estrito, no caso do UNISAL (...)” (ISAÚ, 2007, p. 20).

O autor segue detalhando as práticas salesianas, as quais denomina de "estratégias de

educação social usadas" (ISAÚ, 2007, p. 4-7). Essas estratégias que partem da concepção das

relações formais como “meios” e não como fim da educação, envolveram desde a fundação

do Oratório, com as atividades lúdicas e educativas, até outras obras preparadas por Dom

Bosco para atendimento às demandas, principalmente da população jovem e carente da época.

Dentre as obras, quero destacar alguns livros que voltados à educação popular, destacavam-se

também pela adequação da linguagem ao público-alvo.

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143

E por falar em linguagem, quero abordar esse aspecto com relação ao personagem,

Manoel Isaú. O seu desejo de comunicar-se foi observado nos vários relatos escritos e

testemunhado pelos vários entrevistados que se dispuseram a narrar as suas histórias vividas

com ele. É importante ressaltar a importância do querer comunicar-se num campo de

intervenção sociocomunitária. A questão da intervenção, já abordada anteriormente, somente

pode efetivar-se a partir de uma construção conjunta através de diálogo constante. Essas

observações me conduzem a pensar que novamente, as práticas do personagem encontram-se

retratadas no referido texto. Não conseguiria dizer se primeiramente ele agiu dessa forma,

como fez Dom Bosco e depois resolveu registrar, ou se tais ações aconteceram quase que

simultaneamente. Mais uma semelhança com Dom Bosco, como observou o Prof. Paulo de

Tarso em seu texto? Pode ser. Mas voltando a questão da sequência, esta não importa, mas a

coerência entre a escrita e ação sim!

Outro aspecto que considero relevante abordar no sentido de estabelecer possíveis

correlações com as práticas do personagem é a estreita relação entre “educação religiosa e

educação social”. Aliás, Manoel Isaú observa que “Dom Bosco não distingue explicitamente a

educação religiosa da educação social: Para ele uma implica a presença da outra, uma vez que

somos criados para o outro, ou seja, para servir” (SANTOS, 2007, p. 15). A questão do

“servir” tão alardeada nos tempos atuais como exemplo de ação de liderança, mas ao mesmo

tempo tão difícil de ser praticada, já era abordada por Dom Bosco e não se refere à

subserviência. Algumas das citações a respeito do personagem mencionam essa sua

característica, mas é através de mais um trecho do texto do Prof. Paulo de Tarso que eu busco

evidências:

Para nós que convivemos estes seis últimos anos cotidianamente com o padre

Manoel, foi um privilégio aprender que uma pessoa pode ser ao mesmo tempo

inflamada e humilde, ter posicionamentos bem definidos e ainda assim ser capaz de

ouvir o outro (FERREIRA, 2015, p. 22).

O texto que venho abordando neste subitem do trabalho, além de fundamentar

historicamente as práticas salesianas, o faz com o principal intuito de narrar e fundamentar o

projeto salesiano do mestrado em educação sociocomunitária. Considero importante destacar

para o objeto deste estudo a concepção do Plano de Pós-Graduação em Educação (PPGE),

descrito no texto:

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144

A proposta de investigação científica cria uma via de dupla direção: tanto há

que se sistematizar a contribuição da identidade salesiana, como há o que se

aprender da ampla diversidade de práticas educativas sociocomunitárias que hoje se

apresentam nos mais diferentes ambientes e instituições (ISAÚ, 2007, p. 19).

Chama-me a atenção essa concepção pela relação de troca que estabelece entre um

sistema educativo que por mais solidificado que esteja também se encontra aberto às novas

possibilidades que certamente existem. Percebo nessa abertura um exemplo que contempla

uma citação já referenciada nesse texto e que aborda a questão do “servir”, “uma vez que

somos criados para o outro”, conforme ensinou Dom Bosco (ISAÚ, 2007, p. 15).

A partir da concepção de que o indivíduo existe para o outro, imagino que a mesma

concepção valha também para o pesquisador em educação sociocomunitária e a partir daí,

“será exigido desse profissional ainda a capacidade de atuação como intérprete e como

interlocutor” (ISAÚ, 2007, p. 21). Quero através desse conceito, buscar exemplos das práticas

de Manoel Isaú, que ao utilizar as várias formas da linguagem, expressa nos seus nos artigos,

nos seus livros e nos seus bilhetinhos, soube trabalhar com a “práxis educativa”, conforme

conceito expresso no referido texto: “Pela linguagem é possível propor o que ainda não

existe- a utopia-discutir os passos de sua construção- o projeto - e, finalmente, concretizar o

novo – a práxis” (UNISAL, 2004 apud ISAÚ, 2007, p. 21).

Manoel era um homem além da prática, mas um homem da “práxis” como ele mesmo

conceituou. E o que é necessário para ser e agir com base nesse conceito? Talvez ele tenha

dado um exemplo ao unir tudo o que aprendeu, nos diversos papéis que desempenhou, como

sacerdote, educador e pesquisador, e a partir das suas reflexões, contribuir para as

transformações que naquele contexto, percebeu como necessárias.

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145

CONSIDERAÇÕES FINAIS... OU SERIAM INICIAIS?

Justifico o título desse item com interrogação, por considerar que ao mesmo tempo em

que este trabalho se encerra, eu espero que estimule o início de novos diálogos. Diálogos que

partam ou não do mesmo contexto, que destaquem a educação e os valores salesianos, que

tragam novos olhares para o campo da educação sociocomunitária. Acredito que esse também

fosse o desejo de Manoel Isaú, afinal, um pesquisador está sempre às voltas com a busca de

novos conhecimentos. E os relatos o descrevem dessa maneira, sempre querendo compartilhar

um livro novo, um tema desconhecido, com alguém conhecido ou não, mas alguém que se

dispusesse a ouvi-lo, tal como descreveu o Prof. Groppo em sua crônica.

Essas considerações finais têm como objetivo reunir os principais dados coletados

possibilitando observar os traços comuns que se confrontam num percurso biográfico,

conforme ensina Bertaux (2010). Esse confronto pode apontar diferenças, que ao serem

encontradas, requerem uma justificativa quanto à coerência interna entre as mesmas

(BERTAUX, 2010, p. 123).

Pensando no que poderiam tornar-se os traços comuns no percurso biográfico do

personagem, volto aos objetivos deste estudo e encontro como elo entre suas obras e suas

práticas, o valor central do sistema preventivo de Dom Bosco e o elemento norteador deste

trabalho: a amorevolezza.

Observo também, ainda no âmbito dos traços comuns, a necessidade de atos de

amorevolezza, num campo de pesquisa voltado ao sociocomunitário, não apenas pela relação

estreita desse campo com a educação salesiana, mas, pela atuação esperada na condução das

intervenções. Afinal, nesse campo, são requeridos do pesquisador, os papéis de interlocutor e

intérprete, ações que, em minha concepção, demandam um “misto de racionalidade e

compreensão humana”, características já enfatizadas neste trabalho, por terem sido destacadas

por Manoel Isaú ao tratar do valor amorevolezza (SANTOS, 2000, P. 173).

Ainda na abordagem do campo de pesquisa em educação sociocomunitária e sobre a

importância de uma atuação que busque o entendimento das vozes dos envolvidos,

auxiliando-os nas transformações que identificam como necessárias, Antonio (2012) ensina

que:

A condição de interlocutores e intérpretes traz um outro aprendizado, ao despertar a

consciência da necessidade de duas lógicas em nossa convivência com os sujeitos.

Duas lógicas opostas e complementares, em unidade dos contrários: distanciamento

e pertencimento (ANTONIO, 2012, p. 63).

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Penso que o distanciar e o pertencer sejam ações necessárias e que coexistam num

campo de educação sociocomunitária, na relação com os envolvidos. As características

particulares desse campo, já discutidas neste trabalho, requerem ações a serem promovidas

unicamente pelo pesquisador que seja consciente do contexto em que está inserido e do seu

papel; assim, pode alternar intervenções que facilitem não apenas o seu próprio distanciar e

pertencer, como também, comportamentos semelhantes dos envolvidos. Comportamentos

esses que podem, em minha concepção, serem facilitados pelo entendimento e pela prática do

valor amorevolezza.

Acredito, então, ser relevante evocar novamente as considerações tecidas por

Scaramussa (1979) com base no estudo de Ronco (1976), uma vez que tal estudo permite

observar impactos mútuos e contínuos entre os envolvidos num contexto educativo, ou de

pesquisa, a partir de uma abordagem sobre a amorevolezza. Passo a comentar algumas

percepções que julgo importantes para a identificação de algumas das práticas de Manoel

Isaú, a partir desse valor que diferencia as ações educativas no contexto salesiano.

Uma das abordagens sobre a amorevolezza é quanto à demonstração de amor, ação

que impacta diretamente na autoestima do indivíduo. Acredito que os relatos orais e escritos

mostram práticas de Manoel Isaú que evidenciam a demonstração de amor e apoio às pessoas

que o procuravam. Demonstram também algumas intervenções junto às pessoas do seu

convívio mesmo quando não era procurado e em alguns casos, não percebido como

adequadas. Por outro lado, acredito que a relação entre essa demonstração e a autoestima do

envolvido pode gerar diferentes impactos na relação. Penso então, que pode ajudar no

entendimento do depoimento em que o entrevistado trouxe a informação quanto a

intervenção de Manoel que “não pegou bem” e apenas no decorrer do contato “lembrou-se”

de outra intervenção que impactou positivamente a sua carreira. Pretendo com essa

observação mostrar a relação entre quem intervém e toma a iniciativa num contato e o estado

interno do outro naquela situação.

Sigo essa linha de pensamento e trago a minha leitura da crônica do Prof. Groppo,

como exemplo de uma situação em que a disposição e abertura do interlocutor impactou

positivamente a relação com Manoel Isaú. Pretendo com essa observação, convidar o leitor a

buscar as suas percepções nos relatos sobre os comportamentos dos envolvidos nas situações

com o personagem. Teria o conceito que cada um tem de si e as consequentes reações,

impactado essa relação? Esse conceito por sua vez, tendo sido ampliado por outras relações,

teria influenciado na percepção das intervenções feitas por Manoel Isaú? Penso que sim e que

essa possibilidade pode ajudar no entendimento do porque alguns se dispuseram a entender as

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suas intervenções a ponto de aproveitá-las na reflexão de alguma dificuldade ou mesmo na

ampliação dos seus conhecimentos e outros, fixaram-se nos impactos negativos das

argumentações firmes que eram apresentadas.

Ainda aproveitando aspectos trazidos pelo estudo citado, que considero apropriados

para a identificação de atos de amorevolezza do personagem, está a questão da identificação

entre os envolvidos em termos do significado das intervenções. E esse significado depende

das atitudes contínuas e não apenas da comunicação de ideias pontuais. As principais práticas

de Manoel Isaú, observadas a partir dos relatos orais e escritos, parecem-me contínuas.

Destaco algumas que em minha percepção constituem a essência das informações coletadas,

como por exemplo, a questão da presença, que conforme o conceito da educação salesiana

trata-se inclusive da presença física. As informações obtidas trazem evidências dessa presença

do personagem. Penso que foi possível Manoel Isaú fazer tantas intervenções, envolvendo

questões específicas diretamente relacionadas aos indivíduos ou então, relacionadas ao

desenvolvimento e reconhecimento do programa do mestrado em educação do qual participou

e contribuiu amplamente, porque estava presente. E a meu ver, apenas a presença favorece a

prática de atos de amorevolezza.

Resgato da minha experiência tantos momentos em que os profissionais constatavam

a ausência daqueles que eram essenciais para a realização de suas atividades. Embora essa

presença por sua vez, possa trazer dificuldades em alguns momentos devido à divergência de

posições, a minha experiência mostrou que essa situação era mais valorizada do que a

ausência. Acredito que na maioria dos depoimentos, orais ou escritos, a presença de Manoel

foi percebida como ganho. A sua presença facilitava o acesso dos outros, pois independente

do local, na sala ou no pátio, Manoel Isaú atendia com extrema disponibilidade, sem

necessidade de marcar previamente um contato.

Penso que outro aspecto que favorece a existência de atitudes que podem ser

percebidas como contínuas é quando refletem valores consistentes por parte do educador. E

esse fato é bastante abordado nos depoimentos sobre Manoel Isaú. As informações reforçam

que ele “encarnava como poucos”, o centro do espírito educacional do sistema preventivo de

Dom Bosco e que tinha o aluno como foco e preocupação pedagógica. E ao atender os alunos

e os demais que o procuravam, fossem por questões didáticas ou religiosas, era possível

observar os atos de amorevolezza.

Quando se pensa em atitudes embasadas em valores que possam ter sido introjetados

pelo educador, é possível pensar que tais valores possam ser disseminados e assimilados pelos

alunos também. Particularmente, não acredito num processo de assimilação de valores por

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alunos ou por um grupo de indivíduos em demais situações envolvendo intervenções.

Acredito sim, na compreensão de tais valores e a posteriori, numa decisão quanto à sua

aceitação ou não. Compactuo com a posição de Scheler (1994) que reforça a ideia de que os

valores são acolhidos afetivamente pelo indivíduo e que, portanto, não envolve um processo

de assimilação como se fosse um padrão a ser seguido. Ainda nessa concepção também não

acredito que os valores possam ser obedecidos. Mesmo sendo descrito como uma pessoa

“obediente” não percebo Manoel como alguém que tenha obedecido aos valores salesianos,

mas sim, como alguém que os entendeu, acolheu, praticou e que a partir dessas práticas foi

percebido como alguém com espírito salesiano. Alguém perfeito? Não, como todos que se

engajam numa atividade educativa.

Ferreira (2015) aborda na Carta Mortuária o fato dele não esconder os seus defeitos e

de em conjunto com eles, ter cumprido com a sua missão salesiana até os últimos dias da sua

vida. E ao cumprir a sua missão, Manoel Isaú é considerado como alguém que despertou

sinergia em várias das pessoas com as quais conviveu, influenciando suas formas de agir e em

alguns casos, incentivando o ressignificar de experiências já vividas.

Penso existirem alguns aspectos essenciais para apesar dos chamados defeitos um

indivíduo poder impactar os demais favorecendo uma reflexão, às vezes difícil, mas que pode

iniciá-lo num percurso de revisão e aprendizado através das próprias experiências, aspecto

essencial de uma abordagem biográfica. Um dos aspectos que percebo relaciona-se ao

contexto. Ou seja, o que existe no contexto que pode unir os indivíduos? O que e porque se

quer realizar isso? Trata-se a meu ver, da questão da missão de cada um e de cada instituição

abordada na introdução deste estudo. E os elementos que respondem essa pergunta, numa

instituição salesiana, são os valores identificados por Dom Bosco para o início da sua obra

educativa.

O outro aspecto que percebo é com relação ao próprio indivíduo. Que decisões ele

toma a partir da sua percepção do contexto em que atua? Ele reconhece tais valores?

Identifica-se com eles? Consegue refletir sobre eles, perceber seus significados e ter práticas

que, apesar dos seus defeitos, possam ser percebidas pelos demais como coerentes?

As evidencias mostram que sim. Tanto no apoio aos indivíduos, que em seus diversos

papéis, sejam como alunos, colegas, irmãos, de sua família consanguínea ou da congregação,

o procuraram com as mais diversas dificuldades, tanto para com a instituição nos momentos

de dificuldades que a envolveram, como por exemplo, durante o processo de reconhecimento

do programa do mestrado em educação.

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E este trabalho quis demonstrar as particularidades de Manoel ao prestar tantos apoios.

E como observar particularidades sem olhar o contexto em que ele viveu? Era impossível

fazê-lo, sem considerar um sistema educativo que fez da amorevolezza, o seu diferencial de

prevenção. Ao pensar em diferencial pode se ter a ideia de complexidade. Talvez sim. Talvez

não. Explico o que quero dizer com essa posição. Entendo um diferencial como algo que

embora possa parecer complexo é simples, mas porque entendo que não é fácil ser simples...

Principalmente ao se pensar em processo educativo, seja no contexto vivenciado por Dom

Bosco, seja no contexto atual. Mas somente a partir de valores sólidos, haverá uma

oportunidade. Oportunidade que percebo existir na continuidade dos estudos que identifiquem

nos valores salesianos, possibilidades de práticas educativas realmente sociocomunitárias.

Penso que Manoel Isaú entendeu o contexto em que viveu, não apenas porque com a

sua habilidade de estudar e pesquisar, o tenha feito cognitivamente, mas porque o escolheu

afetivamente. E o escolheu com todas as dificuldades que possa ter vivido. Do seu estilo pode

se perceber características como “direto e reservado”, em alguns momentos consideradas

excessivas por alguns, mas também, uma habilidade de escuta empática e uma disposição para

acolher e aconselhar em igual medida. Essas características que a princípio podem parecer

contraditórias, em minha concepção, compõe a essência do valor amorevolezza, como o

próprio Manoel Isaú ensinou, “um misto de racionalidade e compreensão humana”

(SANTOS, 2000, p. 173).

Ainda com relação ao estilo de cada indivíduo considero interessante ponderar que,

em minha concepção, aquela característica que se destaca nele como aquilo que poderia ser

chamado do seu ponto forte, também pode ser considerada em algumas situações, como o seu

ponto fraco. Explico o porquê. A característica percebida como forte tem a tendência de ser

utilizada em vários momentos pelo indivíduo, ampliando a possibilidade de erros. Uma saída?

Utilizar todos os sentidos e a habilidade de perguntar e ouvir, para entender a situação e então,

dimensionar os pontos fortes a partir do que se percebe quanto às exigências da situação e das

pessoas envolvidas.

Manoel Isaú fez o que estava dentro das suas possibilidades e cumpriu a sua missão

até o final dos seus dias. Foi do Campus Maria Auxiliadora em Americana direto para o

hospital, onde numa sala não muito apropriada, recebeu as últimas visitas, as quais, conforme

registros em sua última agenda foram muito valorizadas. Dessa mesma sala, ainda fez um

último bilhetinho, endereçado ao amigo Paulo de Tarso e mencionado na Carta Mortuária

(FERREIRA, 2015, p.24).

.

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O bilhete reproduz “Os Sete Sapatos Sujos” (de Mia Couto):

1. A ideia de que os culpados são os outros.

2. A ideia de que o sucesso não nasce do trabalho.

3. A ideia de que quem critica é nosso inimigo.

4. A ideia de que mudar as palavras muda a realidade.

5. A vergonha de ser pobre e o culto das aparências.

6. A passividade perante a injustiça.

7. A ideia de que, para sermos modernos, temos que imitar os outros (FERREIRA,

2015, p.24).

E assim, Manoel Isaú encerrou a sua missão salesiana. O seu falecimento, no mês de

março de 2007, comprova a epígrafe citada na introdução deste trabalho em que Richard Bach

associa a missão de cada um ao fato de ainda estar vivo.

Realmente, a missão de Manoel Isaú Souza Ponciano dos Santos estava cumprida.

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APÊNDICES

APÊNDICE I ‒ PESQUISA NARRATIVA – ROTEIRO PRÉVIO

I - Abordagem inicial sobre o projeto de pesquisa – os porquês da pesquisa e uma breve “narrativa”

sobre o pesquisador

II - O contexto da relação entre o entrevistado e o personagem

III - Questões propostas

1 - Qual sua percepção inicial sobre o Padre Manoel Isaú quanto à:

1.1 - Aspectos que o diferenciaram

1.2 - Possíveis impactos gerados nas pessoas.

2 - Quais contribuições, em sua opinião, o P. Manoel Isaú forneceu à educação salesiana?

3 - Quais são, em sua opinião, as ações mais características do P. Manoel Isaú que podem ser

consideradas congruentes aos princípios do sistema preventivo, base da educação salesiana?

4 - Você acredita que o P. Manoel possa ter tido um papel inspirador na prática dos valores salesianos

(razão, religião, amorevolezza)? Por quê?

5 - Quais aprendizados você poderia dizer, que a convivência com o P. Manoel Isaú lhe

proporcionou? Percebe algum impacto desse aprendizado em sua vida?

6 - Quais informações você poderia compartilhar quanto aos papéis desempenhados pelo P. Manoel

Isaú, mencionados abaixo?

6.1 - Como educador e formador

6.2 - Como pesquisador

6.3 - Como religioso

7 - Outras considerações que queira fazer sobre a convivência com o Pe. Manoel.

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APÊNDICE II ‒ A1 - Entrevista por convite de uma pessoa do convívio acadêmico

O entrevistado caracteriza Manoel como um defensor da educação salesiana e da igreja. Da

mesma forma era “aberto ao diálogo” com todos, sabia ouvir. Ouvia os novos membros e os antigos. O

seu amor à igreja era a sua identidade.

Os salesianos têm como carisma a amorevolezza que para o entrevistado significa “estar

preocupado com...”, o que requer empatia. Cada ordem tem seu carisma. Por exemplo, os jesuítas

tinham como marca os livros.

Os “bilhetinhos” que Manoel preparava eram mensagens que ele interpretava para entregar às

pessoas seja nas missas, no pátio ou nas salas onde entrava. Questionado sobre o significado dessas

mensagens, o entrevistado disse que em sua percepção, representavam uma atitude de generosidade e

uma vontade de se comunicar. Como a dicção para Manoel era um problema, ele escrevia.

Preparar-se para dar uma aula representava um momento de tensão e ansiedade. Participar de

uma conversa, ou expor uma ideia de forma espontânea era mais tranquilo. As pessoas procuravam

poupá-lo dessas situações de stress devido à fragilidade da sua saúde. A carta mortuária traz essa

fragilidade em vários momentos de sua vida.

Manoel teve grande participação na legitimidade do programa do Mestrado em Educação do

UNISAL e grande contribuição como pesquisador, pois abriu os acervos da educação religiosa,

ampliando as perspectivas para novos estudos.

Os valores salesianos foram utilizados como respaldo num determinado momento em que se

cogitou o encerramento do programa por questões mercadológicas.

A sala do Manoel era onde funciona hoje, a “empresa júnior”, no campus Maria Auxiliadora,

em Americana. Neste momento, o entrevistado me convida para irmos juntos ver a sala... Descrevo

esse momento como fantástico!

Realmente, a sala ficava num local de passagem, mas o entrevistado disse que o

“acolhimento” era o fator estimulador das pessoas pararem lá. Sempre havia uma conversa, um livro

novo, um aconselhamento.

O entrevistado sugere que a partir da minha experiência, eu observe o estilo de liderança de

Manoel Isaú, pois ele influenciou muitas pessoas.

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APÊNDICE III ‒ A2 - Entrevista com uma pessoa do convívio acadêmico por

manifestação espontânea

O início do contato foi marcado por um grande abraço, acompanhado do tradicional “porque”

desse tema de pesquisa. E eu, que gosto de contar uma história, novamente contei... Ainda recebo com

alegria e ainda com surpresa, o fato das pessoas mostrarem-se encantadas com o meu tema de

pesquisa. Talvez a palavra “encantada” seja extensa demais para a situação, mas não encontro uma

mais apropriada. E é claro, essa palavra, extensa ou não, reflete a minha forma de olhar para esses

contatos.

Antes de iniciar a sua história, chama-me a atenção, quando o entrevistado diz que eu ficarei

“chocada”. Se a intenção foi me deixar ainda mais alerta, o objetivo foi atingido. Esse lado “intenso”

também me pareceu ser característico do estilo do entrevistado.

O início da sua história também é muito significativo, pois ele diz que conheceu Manoel Isaú,

no ano de 2004, no pátio do colégio D. Bosco.

O entrevistado havia começado a lecionar no colégio, onde suas filhas estudavam, como

alternativa para poder continuar a custear os seus estudos. Viveu uma queda financeira muito grande

que a impactou profundamente, como também, a toda a sua família.

Num dos dias em que estava no pátio com as crianças, o Manoel Isaú aproximou-se e lhe disse

que admirava a sua presença naquele local. O entrevistado diz se lembrar com clareza o quanto aquela

fala o impactou. A partir dessa situação, passaram a conversar e ele teve a oportunidade de relatar-lhe

tudo o que havia vivido, e que ainda vivia, arrebatada pela crise financeira que havia atingido a sua

família.

O entrevistado diz que a situação da família era realmente muito difícil e que não dispunham

de recursos financeiros para mais nada. Certa vez, numa das conversas com Manoel Isaú, que atendia

a todos, sem necessidade de agenda prévia e muitas vezes no próprio pátio, ele lhe disse que se

“curaria” com as crianças. E foi além, acrescentou que a educação livraria a sua família dessa situação

tão difícil que os arrebatara.

E foi exatamente o que aconteceu... As filhas seguiram com os estudos e num dado momento,

tornaram-se professoras particulares de alunos do próprio colégio. Essa renda permitiu que seguissem

para o nível superior, inclusive, com opções de escolha entre as melhores universidades da região. O

entrevistado e a família chegaram a participar de reuniões com outros pais com o objetivo de dar

depoimentos sobre as histórias de superação que viveram.

E o caminho da educação também continuou a ser trilhado pelo próprio entrevistado ao

perceber que precisava ampliar sua formação com outra graduação, posteriormente uma pós-

graduação lato sensu e finalmente, o Mestrado em Educação.

O entrevistado aborda também o jeito direto de Manoel Isaú. Ele dizia o que julgava ser

necessário e gerava em alguns, reações nem sempre boas. Num contato anterior que tivemos, em que o

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entrevistado se dispôs a me fornecer o seu relato para a pesquisa ele havia me dito que Manoel era

“amado” por uns e “odiado” por outros.

Os bilhetes, as palavras ou as frases, ditas por Manoel Isaú “eram recheados de profundidade”.

Podem não ter impactado as demais pessoas naquele pátio, mas para o entrevistado, foram vitais, pois

o ajudou a construir uma nova visão de mundo. E é somente assim, “a partir de uma nova visão, que as

mudanças efetivas acontecem”.

Interessante constatar o quanto palavras semelhantes, às vezes geram reações tão diversas.

Não é possível analisar as palavras como se estivessem “soltas ao vento”, mas há que se perceber o

contexto, que compreende a situação e aquele que as recebe, com todas as suas particularidades.

Lembro-me neste momento de uma pessoa com quem trabalhei que dizia um antigo ditado: “quando o

discípulo está pronto, o mestre aparece”.

E a história desse entrevistado me faz pensar que ele estava pronto, e favorecido pela sua

dificuldade poderia escrever uma nova história. E provavelmente por isso, ele relate o quanto as frases

ditas por ele impactaram. Disse lembrar-se da sua voz, do seu sotaque.

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APÊNDICE IV ‒ A3 - Entrevista com uma pessoa do convívio acadêmico por convite

Na conversa com esse entrevistado me dei conta da minha preocupação com a questão da

gravação das conversas, embora essa observação não se relacione com essa entrevista específica. A

preocupação que me tomou foi, por um lado uma insegurança quanto a não obter todos os dados e por

outro lado, a preocupação que a gravação gerasse menor liberdade.

Percebo que algumas pessoas, às vezes, começam seus relatos com certas “reticências”,

situação que tenho muita facilidade de entender e acolher. Afinal, estão diante de uma pessoa estranha,

que revestida do papel de pesquisador, inicia suas indagações que, embora revestidas de cuidados para

não ser invasiva, quer obter percepções acerca de um personagem.

O entrevistado começa contando que atua nas escolas Salesianas há muitos anos e que passou

a atuar em Americana no mestrado, a partir do ano de 2004, quando conheceu Manoel Isaú.

Resgata a sua 1ª lembrança com Manoel numa situação em que ele, ao presenciar a sua

respiração ofegante ao subir as escadas do campus do UNISAL (que na ocasião funcionava no prédio

chamado “Divino Salvador”) o advertiu da necessidade de cuidar melhor da saúde, caso contrário,

“morreria”. O entrevistado relata que essa fala dele “não pegou bem”. Sua expressão nesse momento

reforça essa fala.

Por outro lado, o entrevistado reconhece o aspecto positivo da presença de um padre na escola,

pois trazia a visão salesiana; entende essa visão como “presença”, proximidade dos jovens e facilidade

de relacionamento. Quando se revestia do papel de padre e utilizava a “salesianidade”, a sua conversa

tinha um tom adequado. Ele tinha como se colocar como salesiano e falar sobre D. Bosco, afinal, era

um padre.

Percebe pontos positivos dessa presença de um padre, que no caso de Manoel Isaú, reforçava

as mensagens através dos bilhetinhos que distribuía. Mesmo assim, quando questionado, diz que as

dificuldades de relacionamento existiam, e atribui essas dificuldades ao fato da maioria dos padres

serem pessoas “simples”, como percebia o próprio Manoel. Complementa que essa simplicidade

também era evidenciada pelo seu jeito de falar (pergunta-me se ele havia nascido na região Nordeste).

A maioria dos padres vem de famílias humildes e sem muitas oportunidades de convívio social ou de

acesso a eventos culturais.

Lembra-se da homenagem que foi feita a Manoel Isaú no Colégio São José, em Campinas, no

ano de 2007, que contou com a presença de alguns dos seus familiares. O entrevistado observa o

quanto ele era “endeusado” pela família.

O entrevistado observa que Manoel Isaú como um pesquisador era esplêndido e como pessoa

era “muito sincero”.

Lembra-se de que o P. Edison foi buscar nele o apoio para escrever a história do Colégio São

José, o que provavelmente era também uma forma de “protegê-lo”.

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Diante do meu questionamento quanto aos diferentes papéis desempenhados por Manoel e as

diferentes percepções que gerava, o entrevistado aborda a diferença entre os salesianos (padres) e os

acadêmicos. O entrevistado identifica uma hipótese a esse respeito, ou seja, talvez fosse mais

respeitado pelos últimos pelo fato de representar a figura do “chefe”.

O entrevistado disse perceber com clareza os elementos da “razão e religião” em sua obra, mas

a princípio tem dificuldade de perceber a amorevolezza. A partir do momento em que conversamos

sobre o viés do cuidado presente nesse valor salesiano, o entrevistado lembra-se do apoio que Manoel

forneceu para sua vinda para Americana e dos incentivos para a sua atuação no mestrado. Reconhece

nessa ação, o cuidado demonstrado.

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APÊNDICE V ‒ A4 - Entrevista com uma pessoa do convívio acadêmico por

manifestação espontânea

O entrevistado conheceu Manoel Isaú logo que foi admitido para trabalhar no UNISAL,

quando funcionava no prédio do “Divino Salvador”, há aproximadamente 14 anos. O entrevistado

iniciou suas colocações sem praticamente necessidade de intervenções ou perguntas. Disse que falaria

sobre Manoel sem preocupar-se em descrevê-lo, mas procurando trazer o que em sua percepção,

representava a essência desse personagem.

Conheceu Manoel na sala dos professores - o padre era o inspetor daquele campus naquela

época, onde também funcionava o mestrado. Iniciaram uma conversa e o padre lhe deu uma cópia da

sua tese de doutorado para que ele lesse.

A partir daí, as conversas entre ambos tornaram-se uma prática. As conversas tinham como

foco as generalidades e os fundamentos teóricos de praticamente tudo. Manoel Isaú era muito “culto,

singular, autêntico e congruente”. As suas ações refletiam o que ele dizia e acreditava. Era também

acessível, proativo, sabia ouvir e suas intervenções eram feitas com muita propriedade; suas ideias

eram “amalgamadas”. Ele contrapunha ideias com “acidez” quando os argumentos do interlocutor

eram frágeis.

Manoel tinha uma “clareza mental” incrível – fazia com que as coisas parecessem simples.

Certa vez o entrevistado abordou sobre o relacionamento dele com os outros padres,

imaginando haver respeito devido ao seu nível intelectual e conhecimentos, mas Manoel respondeu

que sentia-se “tolerado”.

Manoel tinha um “grande coração” e tudo que fazia, fazia pensando no “bem maior”.

Interessante observar que essa questão do “grande coração” também já havia sido observada num

encontro casual com outra pessoa do contexto acadêmico ao referir-se ao Manoel.

O entrevistado disse ter havido grande sinergia entre ele e Manoel. Tiveram momentos de

troca muito bons e sentia grande identificação com ele. Sabe que deixou um pouco da sua pessoa em

Manoel Isaú e este por sua vez, deixou muito de si no entrevistado.

Certa vez o entrevistado questionou sobre a eficácia dos bilhetinhos que distribuía e o Manoel

respondeu que se fizesse diferença para uma pessoa já teria valido a pena.

Outra informação trazida pelo entrevistado foi sobre o fato do personagem saber agir no

momento necessário. Cita exemplo de uma situação em que alguns alunos haviam lanchado na capela

e deixado faíscas de pão. Manoel decidiu então mantê-la aberta apenas nos horários das missas e

passou em todas as salas avisando da decisão. Não se preocupou em identificar os culpados.

Manoel certa vez visitou o entrevistado no hospital numa ocasião em que esteve doente. Nesse

contato o entrevistado não enfatizou essa visita, mas num contato anterior, informal, ele a colocou

como uma das únicas visitas recebidas. Além de visitá-lo, o Manoel dispôs-se a confessar todos os

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pacientes que quisessem e formou-se uma fila de interessados. As missas seguintes, na capela da

escola, sempre tinham como pedido pela recuperação do entrevistado.

Quanto à questão da dificuldade de dicção o entrevistado diz que quando Manoel queria,

conseguia se expressar com precisão. Na visão do entrevistado não havia dificuldade de dicção, mas

sim uma fala muito rápida. A percepção de que quando necessário Manoel conseguia expressar-se

com clareza, coincide com a visão do Prof. Paulo de Tarso, que em seu texto diz que a dificuldade de

dicção desaparecia nas situações em que era necessário aconselhar alguém.

O entrevistado reforça que Manoel era um “educador salesiano típico” porque sempre estava

no meio dos alunos: “sabia que era igual a eles, mas que não era um deles”.

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APÊNDICE VI ‒ A5 - Entrevista com uma pessoa do convívio acadêmico por

manifestação espontânea

O entrevistado cita como elemento diferenciador nas ações de Manoel para com ele quando

buscou informações para desenvolver seu projeto de mestrado. A proposta era voltada a refletir sobre

o cooperativismo, buscando formas de minimizar a desigualdade social. Manoel ofereceu destacada

atenção, mostrando-se pessoa humilde, que se preocupa com o próximo, especialmente aqueles

desfavorecidos socialmente. Se mostrava inquieto e desejante de uma vida melhor para todos em uma

sociedade mais justa.

Acredita que era um exemplo para a continuidade dos estudos, percepção reforçada pela irmã

Maria do Carmo que retoma os estudos a partir dos estímulos do irmão.

Ajudar as pessoas a acreditar em si mesmas e na possibilidade de viver em um mundo melhor,

pensando sempre nas crianças e nos jovens era um dos seus diferenciais.

O entrevistado ressalta a característica de biblioteca que a sua sala tinha.

Quanto às contribuições de Manoel Isaú para a educação salesiana, o entrevistado as

caracteriza como “grandiosas”. O tema de mestrado e do doutorado do Manoel foram centrados na

salesianidade. Era um “salesiano convicto, cristão, sem jamais perder a postura crítica”.

Para o entrevistado, as ações mais características de Manoel Isaú e que podem ser

consideradas alinhadas aos princípios do sistema preventivo são o seu próprio modo de ser, o seu

desejo de comunicar-se, as tentativas infindáveis de estímulo aos que o cercaram. Ele parecia "ser

parte do sistema preventivo”.

Quanto a inspirar outras pessoas a agirem de forma alinhada aos valores salesianos, o

entrevistado diz que a “sua figura inspirava tais valores”. Era um padre crítico e preocupado com

aqueles menos favorecidos socialmente.

Sobre os aprendizados que obteve com seu professor Manoel Isaú, o entrevistado diz que um

deles foi “acreditar na possibilidade da redução de desigualdades sociais, especialmente pela

educação, pelo convívio e pelas práticas que ele adotava”.

Como educador Manoel Isaú , buscava estimular com palavras de incentivo os alunos que o

cercavam, sempre guiando-se pelos valores salesianos. Como pesquisador, foi referência nacional e

também internacional nas questões da salesianidade. E como religioso, um cristão dedicado aos

jovens.

O entrevistado considerava Manoel Isaú um grande motivador, pois sempre tinha uma palavra

nesse sentido. Era muito humilde e achava que se comunicava melhor por escrito. Chegou a fazer esse

comentário certa vez com o entrevistado que discordou, pois o achava bom para comunicar-se das

duas formas. Disse ter assistido à última aula ministrada por Manoel no Mestrado e que jamais

esquecerá.

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APÊNDICE VII ‒ A6 - Entrevista com uma pessoa do convívio acadêmico por

manifestação espontânea

O entrevistado cita espontaneamente e de forma objetiva as lembranças mais marcantes a

respeito de Manoel Isaú.

O primeiro aspecto abordado é sobre o relacionamento que Manoel mantinha com os alunos

no prédio do antigo colégio Divino Salvador, através de bilhetinhos que continham mensagens,

bíblicas ou não. Era uma forma particular de relacionar-se com os jovens estudantes, que a partir do

recebimento dos bilhetinhos, iam procurá-lo. Segundo o entrevistado, alguns que recebiam os

bilhetinhos observavam que as mensagens que continham eram adequadas ao momento, como se

fossem “bilhetinhos da sorte chinesa”.

Independente dessa crença de alguns os bilhetinhos tornaram-se uma marca de Manoel Isaú

que passou a atrair os jovens para as missas que celebrava. Ele conseguia falar da religião sem utilizar

uma linguagem formal e sem ser chato.

Manoel fez uma carreira acadêmica sólida: foi professor de Universidade Federal e inclusive,

concluiu o doutorado na USP. Tinha uma biblioteca pessoal com muitas obras, que eram procuradas

para consulta dos alunos e dos professores.

Costumava assistir espontaneamente as Bancas do Mestrado, participando ativamente com

suas observações. “Sua erudição era marcante, pois era latinista”.

Destacava pela sua habilidade de pesquisador, inclusive, sua contribuição foi fundamental

para o reconhecimento do Mestrado em Educação no UNISAL. Não demonstrava habilidades para

trabalhos administrativos.

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APÊNDICE VIII ‒ R1 - Entrevista com uma pessoa do convívio religioso por convite.

Obs. Essa pessoa também conviveu com Manoel Isaú no contexto acadêmico, conforme

relato.

Ao chegar ao local, chama-me a atenção o porteiro, empenhado em me fazer andar o mínimo

possível, uma vez que o prédio é grande. Enfim, chego ao local e a recepcionista me indica uma sala

para que eu aguardasse. Uma sala simples, mas muito acolhedora.

Em poucos minutos aproxima-se de mim, uma pessoa ainda jovem, que me cumprimenta

sorrindo, me beija e já me pede licença para carregar meus pertences para o andar superior. Essa foi

minha primeira imagem do entrevistado – uma pessoa encantadora.

Seguimos pelo elevador, enquanto o entrevistado me contava que estava numa reunião, mas

que já havia planejado ficar apenas no início, até porque, a condução caberia à outra pessoa. E neste

momento já uma lição prática, uma das marcas dos salesianos: disse-me que já desempenhara a

atividade dessa pessoa, a quem delegou a condução dessa reunião e que seu superior lhe dava

liberdade para conduzir esse tipo de situação. Eu lhe disse que isso significa deixar os outros

trabalharem, frase que obteve a sua concordância prontamente.

Chegamos à sua sala, um local também muito simples, mas muito acolhedor. Penso que um

local torna-se mais ou menos acolhedor, a partir da ação daquele que nele habita.

A nossa conversa começou com a minha apresentação pessoal: profissional com atuação na

área de RH e que observou por muitos anos, pessoas impactando outras pessoas, positiva ou

negativamente. E ao observar esses impactos, sempre vinham as indagações sobre as razões e também,

sobre o que essas pessoas tinham em comum.

Seguindo com meu relato, disse-lhe que trouxe essa inquietação para o mestrado e que na

minha banca no processo seletivo, devido à minha área de interesse, houve a sugestão para que eu

estudasse a obra de Manoel Isaú, pela sua relevância para os salesianos.

Relatei que me surpreendi com a biblioteca vasta e variada de Manoel Isaú e também com os

livros escritos por ele. Mas essa foi minha menor surpresa... A medida que eu contava para as pessoas

do que se tratava a minha pesquisa, passei a me surpreender também com o interesse das pessoas, ou

em contribuir, ou então, em me parabenizar pela escolha do tema. Realmente, parecia que eu havia

encontrado um exemplo claro, de alguém que impactou várias pessoas e também impactou à sua

maneira, um modo já solidificado de educar.

Após ouvir com muita atenção esse meu relato, o entrevistado valorizou a pesquisa que estava

sendo iniciada. Gostei muito de ter ouvido sobre essa sua alegria com relação à pesquisa; a sua

manifestação me motivou ainda mais a seguir, evidenciando a importância e até mesmo a novidade

envolvida.

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Feitas essas considerações, conversamos um pouco sobre o resumo do projeto de pesquisa e o

entrevistado então, iniciou seus comentários sobre Manoel Isaú.

Obs. Os pontos em negrito foram colocados apenas para facilitar a visualização dos temas

tratados.

- Manoel foi fundamental para que o mestrado em educação fosse reconhecido e também,

para criar um grupo coeso em torno desse projeto. Falou do empenho para aprovação do curso com o

reconhecimento da CAPES. Contou que como alternativa para um momento em que a instituição

precisaria contratar por 40 h um grande grupo de professores doutores, propôs o aproveitamento do

Manoel, que já era doutor pela USP. O entrevistado disse que essa sua proposta foi uma ação para

aproveitar o que Manoel tinha de melhor: ele era um estudioso e com uma bagagem que certamente

contribuiria. O entrevistado disse que considera importante aproveitar o que cada um tem de melhor.

Disse também, que Manoel não era muito valorizado pelos salesianos;

-Era alguém que defendia de forma “intransigente” a educação católica; essa percepção

coincide com outras percepções, mas também existem alguns contrapontos nesse aspecto, reforçando

que Manoel também sabia ouvir;

-Ele era alguém capaz de construir relações profundas. Manoel não se colocava a

disposição, ele ia aos locais e participava. Praticava a “presença” que para os salesianos, implica em

presença física – para receber os alunos, professores, orientar nas diversas situações, escolares ou de

outras áreas da vida. A presença física favorece relações diferenciadas, que ele construía. E ele teve no

mestrado, essa oportunidade;

-Entendia a educação como um processo de relação humana e para tanto, prezava pelo

diálogo. Nesse momento, pergunto sobre a questão da dicção do Manoel, até então, não mencionada

pelo entrevistado. Ele disse que realmente era fato e que nos momentos de ansiedade se agravava.

Disse que nos últimos anos percebeu melhoras, a partir de um tratamento odontológico que fez.

Percebi que no relato do entrevistado que essa questão da dificuldade de dicção não foi enfatizada. O

entrevistado conviveu com Manoel desde o ano de 1983 até o ano da sua morte, em de 2007;

-Ele vibrava mais com a educação em si do que com a sua história. Ele contou a história da

educação salesiana, até porque, a história não representa apenas uma relação de fatos, mas as suas

relações com o contexto social, político e econômico.

-Ele era um bom cronista, mas olhá-lo apenas sob essa vertente é muito pouco para o que ele

representou.

Sobre as particularidades de Manoel o entrevistado observou:

-A presença física – era o ponto forte dele; se fazia presente e a presença física conta muito.

O entrevistado exemplifica citando uma mãe que não consegue estar presente na vida do filho e que

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precisa deixá-lo aos cuidados de uma excelente babá; mas quando precisa levá-lo ao médico, tem que

levar a babá junto, pois ela é quem sabe como está o cocô, o xixi, etc.

Ele ficava alegre ao perceber a implicação na vida das pessoas (alunos, professores).

-Ele ajudava na construção de um clima rico – distribuía os seus bilhetinhos, que

contribuíam para os sentimentos de renovação e de estímulo (ações de amorevolezza), compartilhava

com o entrevistado as dificuldades e problemas das pessoas, mas de forma muito responsável e

respeitosa.

Ele vibrava com o sucesso dos outros – comportamento não muito comum, principalmente

no meio acadêmico. E quando agia assim, estimulava comportamentos semelhantes. Ele era

despojado, não almejava cargos, era nobre – por isso se alegrava com o sucesso dos outros.

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APÊNDICE IX ‒ Relato do encontro com Maria Amélia e Maria do Carmo dos Santos,

irmãs de Manoel Isaú

Obs. Uma entrevista por convite e uma considerada espontânea. Maria Amélia foi

indicada para o contato pelo P. Edson Donizetti Castilho, Chanceler e Inspetor Salesiano. Maria

Amélia contatou a irmã Maria do Carmo que se deslocou de Campo Grande (MT) para o nosso

encontro

Relato do encontro com Maria Amélia e Maria do Carmo dos Santos, irmãs de Manoel

Isaú, realizado no Instituto de Educação Nossa Senhora do Carmo, em Guaratinguetá, SP, nos

dias 13 e 14/11/2016

Chego ao Colégio Nossa Sra. do Carmo seguida de chuva, que agora se mostra mansa, mas

que nos acompanhou durante todo o trajeto em intensidades diferentes. Sou atendida ao interfone por

uma voz já conhecida de contatos telefônicos anteriores.

É a Maria Amélia, irmã mais velha de Manoel Isaú que me recebe com expressão preocupada

pelo meu atraso. Justifico pela chuva e entro naquele local, a “Casa das Irmãs Salesianas”, que fica ao

lado do Colégio. Na sequência, chega Maria do Carmo. Olho para aquelas “Marias” e reconheço em

cada uma alguns traços comuns ao Manoel, traços para mim já conhecidos a partir das fotografias

dele.

A sala, um local simples, confortável, mas acima de tudo muito acolhedor, característica que

já me parece comum aos ambientes salesianos. Na mesa, ao lado da janela, um material muito

organizado: álbuns com fotos, textos, livros; “tudo” sobre Manoel parecia estar ali, sobretudo na

memória daquelas Marias. Tem início um encontro de 02 dias, entrelaçado por muita emoção...

Percebo que a cada contato que tenho para falar da minha pesquisa, há uma inquietação no ar

com relação ao “porque” da investigação desse “objeto”. E com as Marias não foi diferente. E eu, com

a minha vontade de explicar tudo, resgato o meu processo seletivo para o mestrado, em que, ao

mostrar meu interesse em estudar as particularidades que algumas pessoas podem utilizar para

influenciar outras, chego à Manoel Isaú.

As Marias olham para mim com uma expressão de surpresa e um franzir de testas e me dizem

que imaginaram que eu havia sido aluna do Manoel. Aluno “formal” ou aluno “agregado” como tantos

que ele teve. Nem um caso nem outro. Talvez o que eu tenha em comum com os alunos agregados é o

fato de eu estar em “apuros” com minha pesquisa, como bem descreve o Prof. Dr. Paulo de Tarso

Gomes29

, ao citar o fato do Manoel auxiliar os alunos na elaboração dos seus trabalhos. Vale

esclarecer que esses “apuros” devem-se ao fato da extrema responsabilidade em relatar uma história

vivida em tantos lugares e através de diversos papéis. Papéis diversos que à medida que se

29

Foi Professor e Coordenador do Programa de Mestrado em Educação do UNISAL. Conviveu com P. Manoel

Isaú os últimos seis de sua vida em Americana. Texto escrito por ocasião do seu falecimento em 2007e incluso

na Carta Mortuária.

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170

descortinam à minha frente, parecem me mostrar aspectos comuns entre si e também, suas

particularidades.

Esclarecidos os porquês da pesquisa, começo ouvir as Marias, que espontaneamente, começam

a me contar do irmão. Elas quase que se “atropelam” ao tentar me descrever o “mano”. Referem-se a

ele na maior parte do tempo como o “Padre Manoel”, como se o papel de sacerdote fizesse parte da

sua essência maior. Aos poucos a conversa segue para o papel de educador, de filho e de irmão. E o

papel de professor? Permeia todos os demais.

A primeira referência ao irmão é quanto à sua “persistência ou perseverança”. Não

importavam as dificuldades ou a forma como as pessoas se comportavam diante das suas ações, mas

ele seguia o caminho que acreditava. Um exemplo é a questão dos “bilhetinhos” que entregava após a

missa ou aos alunos no pátio. Esses bilhetinhos que já se tornam uma “marca” sua, pois todos com

quem converso me falam sobre eles, desencadeiam a princípio, “gozações” ou indiferença por parte de

outros. Mas Manoel persiste, dizem as Marias. O Prof. Dr. Paulo de Tarso, no texto já citado na Carta

Mortuária, reforça essa persistência e também, a mudança na reação dos alunos que recebem os

bilhetinhos:

Se de início eles eram vistos com alguma ironia, aos poucos passaram a ser

procurados e o que se ouvia era adultos barbados pelos corredores, indo atrás dele

como crianças: ‘padre Manoel, cadê meu bilhetinho?’ (FERREIRA, 2015, p. 21).

Mais uma característica do “mano”: o desapego às coisas materiais. Em visita à família certa

vez, conta-me uma das irmãs que precisou “adverti-lo” pela forma como estava vestido. Ela brinca que

aquela roupa não é adequada para uma viagem. Ele a obedece e passa a se cuidar melhor nesse

aspecto. Maria Amélia reforça que Manoel obedece não apenas a Maria do Carmo, que foi quem lhe

advertiu sobre a roupa, mas também, os seus superiores. Lembro-me de já ter lido essa observação em

sua carta mortuária.

A obediência também é retratada como uma característica do Manoel nos diversos relatos já

ouvidos. Talvez uma exceção tenha sido presenciada pelo Prof. Dr. Paulo de Tarso, que como seu

superior, após o seu primeiro infarto o proíbe de subir escadas, “ordem” esta que foi desobedecida

após duas semanas. A empolgação em seguir trabalhando pelo Mestrado em Educação talvez tenha

colaborado para que Manoel “esquecesse” as ordens superiores. Pelos testemunhos ouvidos essa

parece ter sido uma exceção...

O relato das Marias não segue nenhuma ordem cronológica, mas talvez siga ordem do

coração... Falam muito dos diversos momentos de convivência em família em que o irmão, que

continuam a chamar de P. Manoel, estava presente. Durante esse início de conversa fomos

interrompidas várias vezes... Interrupção é ruim? Essas não! As interrupções são das outras irmãs que

vivem na casa com Maria Amélia e que vinham me conhecer e cumprimentar. Alegres e muito

carinhosas para comigo, dizem-me que eu estava sendo ansiosamente aguardada. Essas atitudes me

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lembram das descrições feitas pela literatura quanto ao estilo de D. Bosco... O espírito salesiano estava

ali, presente nas Marias, nas irmãs salesianas, no Manoel. E com o espírito salesiano, as Marias

seguem com suas histórias...

Manoel é o filho mais velho de uma família de dez irmãos. O seu nome, como aos demais

irmãos é atribuído pelo pai e todos tem sentido bíblico. As três irmãs, todas “Marias” são nomeadas

pela mãe. No nascimento Manoel, a mãe ouve de uma índia que ele seria um grande homem. As irmãs

atestam que esse fato torna-se realidade. O interesse pelo sacerdócio nasce num contexto familiar de

muita religiosidade, e aos 13 anos, a partir da visita de D. Ladislau, um padre amigo da família, a

trajetória de formação se inicia. A família acolhe essa vocação com grande alegria. As irmãs reforçam

essa observação ao compartilhar o depoimento da mãe ao fazer 80 anos: “sou uma mãe feliz, pois

tenho um filho sacerdote”. E a mãe, Maria Virgínia, recebe do filho sacerdote uma missa especial, em

comemoração ao seu aniversário.

E assim Manoel é visto pela família: o conselheiro de todos. Emotivo, reservado, questionador

e ao mesmo tempo, alegre e rápido; detestava a ociosidade. Carminha o adverte ao chegar para as

visitas à família com a mala cheia de livros para ler. Maria Amélia brinca comigo em vários

momentos e eu pergunto se esse bom humor disfarçado se parece com o humor do irmão. Ela responde

que sim e sorri. Sua expressão mostra alegria, talvez pela semelhança com o irmão, semelhança que

vai além dos traços. Carminha acrescenta que a irmã é também “corajosa”, traço comum ao irmão

também, que enfrenta os desafios guiado pelas suas convicções. Maria Amélia completa com outra

característica do Manoel: o fato de querer fazer tudo ao mesmo tempo e não medir esforços para

“cuidar”. Cuidar dos irmãos, dos pais e mais tarde dos alunos e agregados que o procuram. Ações que

caracterizam a amorevolezza? Certamente...

Por falar em cuidar, Maria do Carmo se lembra do período em que Manoel se afastou da

Congregação Salesiana para lecionar na Universidade Federal de Viçosa. Foi aprovado no concurso e

pediu licença aos salesianos para exercer tal atividade. Alguns questionam a sua vocação para o

sacerdócio em virtude do pedido de licença. Mas a principal razão dessa mudança foi, segundo as

irmãs, ajudar nos cuidados com a mãe que já debilitada tinha um sonho: morar numa casa próxima a

uma igreja. O trabalho em Viçosa, conciliado com as funções de sacerdote na igreja local, possibilita a

compra dessa casa, cujo espaço permite acomodar toda a família para os encontros que acontecem

anualmente, ou em situações pontuais, seja por razões de comemoração ou de necessidade de conforto.

Seja qual for a situação, Manoel comparece e é recebido pela família com fogos de artifício, um hábito

do pai, Sr. Isaac, definido pelas Marias como alguém muito festivo. A vocação para cuidar é

novamente evidenciada: o pai que “cuida” da vindo do filho e o filho sacerdote que segue cuidando

dos que precisam. Há maior vocação que essa?

As Marias também lembram que o pai se preocupava em cuidar daqueles que o circundavam.

Visitava os doentes, aconselhava os casais em momentos de desentendimentos e que se dispunha a

aconselhar os vizinhos do bairro. As Marias e as irmãs salesianas cuidaram muito bem de mim nos 02

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dias em que ficamos juntas: preocupação com o meu tempo, café com bolo, orações na capela. No

caso de Manoel Isaú sinto que a questão do cuidado vem da família: família Santos e família

Salesiana. Famílias que se encontram para cuidar...

Mesmo com a distância da família, em alguns momentos os irmãos de Manoel também tem a

oportunidade de cuidar dele. Um dos irmãos, José Imisaac Santos, escreve um texto em homenagem

irmão e relata alguns momentos de encontros entre ambos: na defesa da tese de doutorado, numa das

visitas que fez ao Manoel em Americana numa ocasião em que adoecera e no último encontro da

família que tiveram em Campo Grande, em 2007, meses antes do seu falecimento. O texto relata parte

dos aprendizados que os irmãos têm com Manoel. Imisaac relata ter aprendido a tocar acordeom com

o irmão padre e lembra dos cantos que entoavam com os demais irmãos e com os pais. Esse texto

escrito por Imisaac é lido para o irmão padre nesse encontro em Campo Grande.

O sentimento de união é reforçado pela mãe, que pouco antes de falecer diz aos filhos:

permaneçam unidos. E assim acontece, mesmo à distância, aos poucos amenizada pela internet.

Imisaac relata no artigo citado sobre as conversas “pelo computador” que tem com o irmão Manoel.

Maria do Carmo, a Carminha como Manoel a chamava, diz ter aprendido vários cânticos

salesianos com ele. Acrescenta que a partir das suas orientações volta aos estudos e segue até a pós-

graduação. O incentivo aos estudos começa com os irmãos. É o início da atuação como professor?

As irmãs enfatizam o seu amor pela educação e pelos alunos. “Ofereço minha vida pelos

estudantes”, frase que conforme a literatura era proferida por D. Bosco, é também uma das frases

pronunciadas por Manoel ao dedicar-se à preparação dos conteúdos e ao atendimento aos alunos.

Carminha lembra que durante seu velório um estudante se aproxima do seu corpo e agradece-o pela

nota 10 que recebera num trabalho com a sua ajuda.

A mesma preparação ocorre para a celebração das missas. Carminha compara à atuação de um

cantor, que se prepara para encantar a plateia. Manoel parece querer além de encantar, demonstrar seu

amor. E amor demonstrado representa amorevolezza, base do jeito salesiano de ser.

A preparação para as atividades, acompanhada de um alto nível de exigência consigo mesmo,

são características do Manoel, exemplificadas pelas irmãs. Preocupava-o a dificuldade de dicção para

ministrar aulas e também, para a defesa da tese de doutorado. Relatam que o irmão se empenha na

fonoaudiologia e no autocontrole e obtém, apesar das arguições, o título de doutor em Educação pela

USP. Motivo de orgulho e comemoração entre os irmãos, ressaltado pelo mano Imisaac no texto em

homenagem ao mano, agora um doutor:

Foi bonito ver o mano sendo sabatinado por uma turma de leões ferozes, que

queriam achar uma vírgula errada para colocá-lo em cheque. E o mano só que

respondia todas as perguntas (...)

As irmãs completam que durante a defesa o irmão recebe as arguições, as quais se comparam

com “pedradas” e entrega como resposta, a “suavidade”.

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O irmão padre mais uma vez fornece o exemplo aos irmãos, dos benefícios dos estudos através

da persistência. E segue sua carreira no desempenho dos seus papéis: religioso, educador e

pesquisador. As irmãs enaltecem a sua facilidade para extrair a essência dos livros e para disseminar

entre os alunos, ex-alunos e entre os fiéis, os valores salesianos. A sua preocupação com os ex-alunos

deve-se ao fato da sua convicção de que a educação salesiana é um aprendizado para a vida.

Além dos papéis já desempenhados, outra atividade ocupa a vida do Manoel: as poesias. As

irmãs mostram diversos poemas escritos, nas diversas fases de sua vida. A primeira coletânea,

chamada “Evocações Infantis” relata experiências desde a sua infância. Já a coletânea de poemas,

intitulados “Lampejos do Coração” entregues à irmã Carminha para futura publicação, parte das suas

conversas e observações das várias situações de vida.

As irmãs percebem que a poesia reflete a vida do mano Manoel, uma vida repleta de um olhar

atento às pessoas, em todos os lugares. Na escola, o pátio é seu local preferido, onde contata crianças e

jovens os quais tem um lugar reservado no seu coração. E os idosos? Também tem sua atenção. As

dificuldades de comunicação dessa população, seja pela idade ou por alguma limitação, não o

impedem de compreendê-los e relacionar-se com eles. Ele supera as próprias dificuldades e ajuda os

outros a fazê-lo. Sejam os familiares, os alunos, os fiéis, ou os idosos. As Marias reforçam que para o

mano Manoel, não existem dificuldades. Ele trabalha com alegria para superá-las e que talvez o seu

estilo crítico e questionador não tenha sido percebido por alguns dessa forma...

Complemento de informações copiados do aplicativo “WhatsApp”, enviados por Maria do

Carmo – irmã de Manoel Isaú, a partir do meu pedido de confirmação do nome de um dos

irmãos:

[12:15PM 18/12/2016] Maria Do Carmo: Bom dia Grande Professora Mara. Desculpe meu

atraso para respondê-la. O nome do meu irmão é José Imisaac Santos.

[12:21PM 18/12/2016] Maria Do Carmo: Grande admirador do mano Pe. Manoel. Ele foi e sempre

será o nosso diferencial, incentivador conectado em mudanças, visando sempre o melhor para quem o

procurava.

[12:23PM 18/12/2016] Maria Do Carmo: É maravilhoso relembrar e falar desta pessoa que foi tão

especial para a família, para a educação e para a congregação. Bjos. Bom trabalho.

[12:26PM 18/12/2016] Maria Do Carmo: Melhor: nosso referencial...nosso apoio. Nossa alegria pela

vida religiosa que vivia com alegria e firmeza.