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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE PEDAGOGIA INFÂNCIA CONTEMPORÂNEA E CONSUMO: UMA ALIANÇA NA SOCIEDADE NEOLIBERAL Camila Sauter Lajeado, novembro de 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE PEDAGOGIA

INFÂNCIA CONTEMPORÂNEA E CONSUMO: UMA ALIANÇA NA

SOCIEDADE NEOLIBERAL

Camila Sauter

Lajeado, novembro de 2014

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Camila Sauter

INFÂNCIA CONTEMPORÂNEA E CONSUMO: UMA ALIANÇA NA

SOCIEDADE NEOLIBERAL

Monografia apresentada na Disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, do Curso de Pedagogia do Centro Universitário UNIVATES, como requisito obrigatório para a obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia.

Orientadora: Prof. Ms. Cláudia Inês Horn

Lajeado, novembro de 2014

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AGRADECIMENTOS

Chego ao final da grande jornada chamada Trabalho de Conclusão de Curso.

Percurso durante o qual pude contar com pessoas maravilhosas que me ajudaram a

caminhar pelas tantas estradas percorridas até aqui. Caminhos e descaminhos,

encontros e desencontros, uma trajetória pautada na imprevisibilidade, na

incompletude.

De início, destaco minha querida professora orientadora Cláudia Inês Horn,

com seu jeito sereno e suas delicadas palavras. Agradeço por ter percorrido esta

trajetória ao meu lado, acreditando no meu potencial e sempre me incentivando na

busca por mais conhecimentos. Atenciosa e com uma paciência incomparável,

sempre esteve pronta para esclarecer minhas dúvidas, dedicada e super-

responsável, mostrou-me caminhos imprescindíveis para realizar uma pesquisa de

qualidade. E como esquecer os milhares de emails com palavras amigas e

motivadoras? Das conversas marcadas pela descontração e do prazer em estar

fazendo pesquisa? Dos recadinhos em meio ao texto com sugestões e elogios,

visando sempre o aperfeiçoamento do trabalho? Obrigada pela presença, pela

segurança e por ter sido tão especial em minha vida.

À incomparável examinadora da banca, professora Fabiane Olegário e seu

jeito moleque de ser, obrigada por fazer parte da minha caminhada acadêmica,

pelas aprendizagens, pelas provocações e por me orientar pelo caminho da

estimada cartografia. Em meio a tantas encruzilhadas, aqui estou, agradeço por se

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fazer presente em minha pesquisa, participando deste momento ímpar de minha

vida.

À amiga de todas as horas, Tatiane Reginatto, pelos conselhos e palavras

amigas. Obrigada por sempre me fazer acreditar que era possível, pelos incentivos e

por toda motivação. Amiga do coração que percorreu caminhos sinuosos comigo,

sem deixar o bom humor e a vontade de saber de lado.

Agradeço aos meus queridos sujeitos de pesquisa que brindaram minha

investigação com momentos inesquecíveis. Aos pais de cada criança pela confiança

em meu trabalho, contribuindo para que este fosse realizado com sucesso.

Aos colegas e demais professores do Curso de Pedagogia do Centro

Universitário Univates, agradeço por fazerem parte da minha caminhada acadêmica.

E, finalmente, sinto-me profundamente grata pela família que tenho. Agradeço

aos meus pais, Lurdes Sauter e Gilmar Luiz Sauter, pelos bons ensinamentos e

pelos esforços dedicados a mim durante toda vida. Mãe, minha amiga e

companheira de escrita, obrigada por sempre estar ao meu lado, pelas palavras de

conforto e pelo chimarrão pronto sempre que as ideias decidiam dar uma voltinha.

Obrigada por tomar conta de mim! Pai, agradeço-te pelo grande incentivo que fizeste

para que eu seguisse pelo caminho da Pedagogia, hoje compreendo tuas palavras e

sei que estou trilhando uma bela trajetória pelo campo da Educação.

Ao meu amado marido Ismael Luiz Leismann, pela compreensão e pelo apoio

neste primeiro ano de casados. Sempre carinhoso, incentivando-me e acreditando

no meu potencial. Agradeço pela paciência enquanto passava horas e horas dentro

do quarto me dedicando às leituras e escritas, bem como aos finais de semana

destinados à investigação. Foste um companheiro inigualável nesta magnífica

jornada, te amo.

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“A infância fala uma língua que não se escuta. A infância

pronuncia uma palavra que não se entende. A infância

pensa um pensamento que não se pensa”.

(KOHAN, 2007, p. 131)

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RESUMO

O presente trabalho constitui-se a partir da pesquisa de Monografia, iniciada no semestre A/2014, vinculada ao Curso de Pedagogia do Centro Universitário UNIVATES - Lajeado/RS e tem como foco investigar a infância contemporânea e os distintos modos de ser criança na sociedade neoliberal. Cada vez mais, torna-se relevante analisar a participação das crianças na sociedade neoliberalista e perceber os mecanismos que as “capturam”, inserindo-as numa cultura de consumo precocemente. O problema da pesquisa busca compreender como a infância contemporânea vem sendo capturada pelo consumo diante de uma lógica neoliberal. Os objetivos desta pesquisa são: investigar os deslocamentos da infância moderna para a infância contemporânea; analisar os modos de ser criança na sociedade neoliberal e realizar ensaios cartográficos com um grupo de crianças. A pesquisa foi desenvolvida a partir da abordagem qualitativa e utilizou a cartografia para a pesquisa de campo. A investigação foi realizada com um grupo de crianças de idades distintas, fora do ambiente escolar. Realizaram-se ensaios cartográficos em locais informais, pois a intenção era analisar a criança diferentemente do “aluno”. Nestes encontros, houve uma ferramenta aliada que foi um diário de campo, onde foram registrados falas e comportamentos das crianças envolvidas na pesquisa. Estes registros foram fundamentais para a articulação entre o material coletado e o referencial teórico selecionado para o desenvolvimento desta pesquisa. A partir dos ensaios cartográficos, pôde-se perceber que as crianças participam ativamente do mercado de consumo, ou seja, elas são consumidoras desde cedo, pois sabem escolher e qualificar os produtos. Entretanto, uma infância que ultrapassa limites, não cronológica, distante da lógica neoliberal e repleta de imprevisibilidade, cercou a investigação, a infância do devir-criança, marcada pela atemporalidade. Palavras-chave: Infância Contemporânea. Sociedade Neoliberal. Consumo.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Diário de Campo (30/07/2014)..........................................................

Quadro 2 – Diário de Campo (14/09/2014)..........................................................

Quadro 3 – Diário de Campo (14/09/2014)..........................................................

Quadro 4 – Diário de Campo (18/07/2014).........................................................

Quadro 5 – Diário de Campo (04/08/2014)..........................................................

Quadro 6 – Diário de Campo (07/09/2014)..........................................................

Quadro 7 – Diário de Campo (14/09/2014)..........................................................

Quadro 8 – Diário de Campo (10/09/2014)..........................................................

Quadro 9 – Diário de Campo (14/09/2014)..........................................................

Quadro 10 – Diário de Campo (10/09/2014)........................................................

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Fotografia através do tempo...............................................................

Figura 2 – Olhando as nuvens.............................................................................

Figura 3 – Vamos fazer uma “selfie”?..................................................................

Figura 4 – O que pode ser a infância?.................................................................

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 9 2 CAMINHOS METODOLÓGICOS ........................................................................... 15 3 EM CENA: A CONTEMPORANEIDADE E SEUS CONSTANTES

DESLOCAMENTOS ......................................................................................... 22 3.1 Consumo e neoliberalismo: grandes aliados na contemporaneidade ......... 24 3.2 Neoliberalismo e controle na sociedade contemporânea ............................. 29 4 A DESCOBERTA DA INFÂNCIA OU A INFÂNCIA DA DESCOBERTA? ............ 33 4.1 O que é a infância? É possível responder a esta pergunta? ......................... 40 5 INFÂNCIA E CONSUMO: UMA ALIANÇA CONTEMPORÂNEA ......................... 44 5.1 O indivíduo inserido na cultura do consumo.................................................. 45 5.2 A infância na contemporaneidade ................................................................... 48 6 PISTAS EM MEIO A UM EMARANHADO DE LINHAS ........................................ 57 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62 ANEXOS ................................................................................................................... 66 ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os familiares .. 67

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1 APRESENTAÇÃO

Trazer para debate questões referentes à infância contemporânea torna-se,

cada vez mais, algo relevante em um cenário neoliberal. Ciente de que as crianças

nascem nessa lógica e são convidadas a participar de uma cultura de consumo

precocemente, destaco a temática desta escrita como sendo de grande valia para

pensarmos sobre os modos de ser criança numa sociedade neoliberalista.

Sendo assim, faz-se necessária uma análise de como os indivíduos

participam desta sociedade neoliberalista, mais especificamente as crianças, e quais

mecanismos são utilizados para a “captura” desta infância contemporânea em uma

sociedade de consumo1. Bauman (2001), sociólogo polonês, em seu livro

“Modernidade Líquida”, utiliza-se da metáfora dos líquidos para caracterizar a vida

na sociedade contemporânea. O autor faz referência aos tempos passados como

modernidade sólida e nomeia os acontecimentos vindos da contemporaneidade de

modernidade líquida. Em seus estudos, Bauman (2001) nos faz compreender as

constantes mudanças ocorridas na sociedade ao longo dos tempos.

A sociedade neoliberalista oferta a seus indivíduos uma cultura de consumo e

a infância contemporânea é convidada a participar desta desde muito cedo. A

precocidade com que as crianças estão sendo inseridas numa lógica consumista

torna-se de grande relevância na abordagem desta pesquisa. “O entretenimento das

1Utilizo a expressão “sociedade de consumo” a partir de Zygmunt Bauman. BAUMAN, Zygmunt.

Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar Ed, 2001.

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crianças é um espaço público disputado, onde diferentes interesses sociais,

econômicos e políticos competem pelo controle” (SCHMIDT, 2010, p. 03, texto

digital). Há uma busca constante em envolver as crianças num jogo econômico, uma

vez que elas precisam aprender a fazer escolhas e decidir o que acham ser melhor

para elas mesmas, ou seja, a criança diante da cultura do consumo passa a ter certo

“poder” de compra.

Este projeto de pesquisa se constitui a partir das minhas angústias e

inquietações diante de um trabalho realizado no semestre A do ano de 2012, na

disciplina de Estudos da Infância II, do curso de Pedagogia, do Centro Universitário

UNIVATES. O trabalho intitulado “Infância em três tempos”2 consistia em fazer uma

investigação com três gerações e, após, analisar as distintas infâncias. Realizei o

estudo com minha avó, tia e afilhada, três gerações da minha própria família. A partir

desta investigação, principalmente ao analisar a infância de minha afilhada, percebi

o quanto as infâncias se diferem, e mais, como as crianças da atualidade estão

diretamente ligadas a questões midiáticas e consumistas. Aulas de patinação,

inglês, natação, jogos em tablet, notebook, coleção de Barbies, encontros na casa

das amigas, fazer as unhas no salão de beleza, este era o universo da minha

afilhada, uma infância “superacelerada” e cheia de compromissos.

Diante disso, passei a atentar meu olhar para questões referentes ao

consumo na infância e direcionei meus interesses a reportagens em programas de

TV, artigos em revistas e matérias nos jornais que enfatizavam o tema, bem como os

textos debatidos na disciplina de Estudos da Infância II. Aos poucos fui percebendo

que este é um assunto pertinente para a sociedade atual, pois vários estudos e

pesquisas apontam estatísticas referentes ao consumo precoce de crianças e

adolescentes. “Para 52% das crianças, os tablets também são ótimos companheiros

– na faixa etária dos 5 aos 8 anos, quatro em cada dez já tem seu próprio aparelho!”

(BASÍLIO, 2013, p. 79). O excerto é parte de uma matéria da revista Crescer (2013),

que traz na capa uma linda menina de aproximadamente dois anos segurando um

tablet, com a frase “Bebês Hi-tech”. Minhas inquietações referem-se ao modo como

2 Este trabalho foi publicado como artigo nos Diálogos na Pedagogia. SCHWERTNER. Suzana F.

Infância em três tempos. In: MUNHOZ, Angélica V. et. al (org). Diálogos na pedagogia: Infância e

outros temas. Editora Univates. Lajeado, 2012.

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a infância vem se constituindo diante de uma sociedade neoliberalista, onde tudo e

todos acabam por entrar em um fluxo econômico sem fim.

A partir disso, surgiu o interesse em aprofundar um estudo direcionado à

infância contemporânea e sua “aliança” com o mercado de consumo. Sendo assim,

o problema desta pesquisa foi investigar como a infância contemporânea vem sendo

capturada pelo consumo diante de uma sociedade neoliberal. Diante desta

temática, o estudo teve como objetivo geral compreender os mecanismos que

“apreendem” esta infância frente ao neoliberalismo. A pesquisa baseou-se na

investigação de possíveis mecanismos de ordem social, econômica ou cultural para

a inserção precoce de nossos pequenos nesta sociedade de consumidores3.

De forma a aprofundar esta investigação, os seguintes objetivos específicos

foram elaborados:

- Investigar os deslocamentos da infância moderna para a infância

contemporânea;

- Analisar os modos de ser criança na sociedade neoliberal;

- Realizar ensaios cartográficos com um grupo de crianças.

A fim de analisar os modos de vida das crianças em nossa sociedade, inicio

uma investigação trazendo autores pertinentes a esta temática e que deram suporte

a esta pesquisa. Alguns dos aportes teóricos utilizados para esta escrita possuem

significativos aspectos referentes às infâncias moderna e contemporânea, trazendo-

as para debate e problematizando-as. Ariès (2012), Buckingham (2007), Bujes

(2002; 2005); Heywood (2004), Kohan (2004; 2007; 2010 texto digital; 2011),

Larrosa (2010), Schmidt (2010, texto digital), Momo e Costa (2010, texto digital),

entre outros, são autores que ampliaram as discussões acerca da temática da

pesquisa abordada.

3 Utilizo a expressão “sociedade de consumidores” a partir de Zygmunt Bauman. BAUMAN, Zygmunt.

Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução de Carlos Alberto

Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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Além de investigar as transformações que vêm ocorrendo na sociedade,

torna-se relevante, nesta escrita, perceber como a infância vem se constituindo ao

longo dos séculos e como a criança vem sendo caracterizada pela sociedade

contemporânea. Perceber a infância como algo além do que já foi dito para nós

torna-se algo delicado, uma vez que vem sendo “estudada” há muitos séculos, e

distintos saberes são lançados sobre ela. Larrosa (2010), em o “Enigma da infância”,

apresenta-nos a infância como algo novo, algo que foge de moldes e padrões, isto é,

para ele, a infância deve ser percebida como um “outro”.

Este “outro” acaba por ser esquecido diante de uma racionalidade política

neoliberal. A criança, no cenário atual, está diretamente ligada à cultura de

consumo, pois ela nasce dentro desta e participa ativamente. Assim, é possível

observar uma infância idealizada pela sociedade atual. Bujes (2005), em seu artigo

intitulado “Infância e poder: breves sugestões para uma agenda de pesquisa”, afirma

que a infância torna-se alvo de tecnologias de poder, ou seja, que políticas de

governo moldam um ideal de criança na atualidade, pois cada vez mais elas são

“capacitadas” para o mercado de consumo.

Frente a tais problemáticas elaborou-se este projeto de pesquisa, procurando

promover um debate consistente sobre a infância contemporânea diante de uma

sociedade neoliberalista. O processo histórico, que envolve a infância e sua

constituição, as formas pelas quais as crianças de hoje tornam-se consumidoras

fiéis e os mecanismos existentes na sociedade, que envolvem nossos pequenos

num mundo regado a bens materiais, são significativos alvos de problematização

nesta pesquisa.

O capítulo intitulado Caminhos metodológicos é o ponto de partida, tendo em

mente a relevância desses caminhos na condução do referencial teórico,

direcionando rumos e olhares à pesquisa como um todo. Neste, propus ensaios

cartográficos com um grupo de crianças da faixa etária de cinco a dez anos. A fim de

dar ênfase à cartografia, utilizei os referencias de Bocco (2009), Kastrup (2007, texto

digital), Mairesse e Fonseca (2002, texto digital), Passos e Kastrup (2013, texto

digital) e Romagnoli (2009, texto digital). Bujes (2002) destaca a importância da

pesquisa para o meio social, bem como Fischer (2002), que enfatiza a importância

de nos inquietarmos com os “problemas”, buscando a investigação.

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No capítulo intitulado Em cena: A contemporaneidade e seus constantes

deslocamentos, faço uma significativa abordagem em relação às formas de vida na

sociedade atual, tendo como base os estudos teóricos de Bauman (2001; 2009;

2010). As transformações ocorridas na sociedade ao longo dos tempos, a passagem

do liberalismo para o neoliberalismo e as distinções entre sociedade disciplinar e de

controle também são expostas ao longo deste primeiro capítulo.

No capítulo seguinte, nomeado A descoberta da infância ou a infância da

descoberta, procuro expor alguns aportes teóricos destinados a pensar na infância e

na sua constituição ao longo dos séculos. As concepções que rondam a infância

desde os primórdios da idade média até os dias atuais e os saberes lançados sobre

esta, desde sempre, acarretam a necessidade de uma análise dos modos de como a

infância vem sendo pensada e caracterizada. Para isso, destaco Kohan (2004; 2007;

2010; 2011) e Larrosa (2010), que, de certa forma, abordam a infância de maneira

diferenciada, pois ambos a tratam como sendo algo novo, diferente, que não se

enquadra nos limites impostos pelos discursos produzidos historicamente. O capítulo

destaca que a infância deve ser vista como um “devir”, como aquilo que se afasta de

padrões e conceitos pré-estabelecidos, a infância é, ou pode ser, tudo aquilo que

nos escapa da “normalidade”. Neste capítulo apresento alguns fragmentos do meu

diário de campo, bem como algumas fotos dos ensaios cartográficos realizados com

o grupo de pesquisa, aliando o referencial teórico com a investigação realizada

neste estudo.

O quinto capítulo, Infância e consumo: uma aliança contemporânea busca

compreender como a infância vem sendo caracterizada na sociedade neoliberal e

que mecanismos presentes no meio social inserem as crianças numa cultura de

consumo desde muito cedo. O capítulo traz problematizações para pensar em como

a infância é constituída atualmente e de que formas as crianças participam

ativamente desta sociedade neoliberal. Alguns fragmentos do meu diário de campo

estão presentes neste capítulo também, onde procurei expor falas das crianças

participantes da pesquisa a fim de analisá-las diante do referencial teórico.

Percebe-se, dessa forma, a relevância que a temática desta pesquisa tem

para o cenário social atual. Oportunizar um debate em que possam ser

problematizadas as questões referentes à infância contemporânea e à sociedade

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neoliberal é uma válida tentativa de compreensão dos modos de vida das crianças

na contemporaneidade, bem como uma investigação criteriosa de como isso vem

acontecendo ao longo dos tempos.

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2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Pensar a infância na contemporaneidade diante do neoliberalismo é algo

central em minha pesquisa. Perceber esta criança que consome, que tem desejos e

necessidades, que sabe escolher e que é inserida no mercado de consumo desde

cedo torna-se relevante dentro da minha investigação. No entanto, preciso buscar

para além desta infância consumidora, para além destes “pequenos” clientes

participantes da roda econômica. Meus interesses de pesquisa me levam a

caminhar por estradas desconhecidas e a emaranhar-me por entre caminhos

sinuosos, a fim de perceber algo mais, que foge dos limites, que transborde nossos

conhecimentos modernos a respeito da infância.

Pesquisar requer uma ousadia de pensamentos, certa aventura de emoções,

é arriscar-se num ambiente pantanoso onde o conhecimento já adquirido torna-se

questionável. A pesquisa caminha por complexos labirintos onde verdades absolutas

são esquecidas diante de um emaranhado de informações, definições e conceitos.

Frente a tantas abstrações, o pesquisador precisa ser “afetado” pelo objeto de

investigação, a pesquisa torna-se um desassossego, ela constitui-se na inquietação

(BUJES, 2002). Conforme Bujes (2002):

A pesquisa nasce sempre de uma preocupação com alguma questão, ela provém, quase sempre, de uma insatisfação com respostas que já temos, com explicações das quais passamos a duvidar, com desconfortos mais ou menos profundos em relação a crenças que, em algum momento, julgamos inabaláveis (BUJES, 2002, p. 14).

Esta inquietação proposta por Bujes (2002) vem ao encontro do tema de

pesquisa abordado neste estudo: compreender a maneira pela qual a criança é

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desde cedo inserida num ambiente de consumo e os mecanismos sociais que a

introduzem neste jogo aleatório4 são inquietações minhas problematizadas ao longo

de minha investigação. Ciente de que o processo investigativo não acaba quando o

trabalho encerra, acrescento a ideia de Fischer (2002, p. 51) “[...] estamos imersos

nestes problemas e possibilidades, falamos e nos inquietamos a partir deles, como

simples mortais, e como pesquisadores também”.

A pesquisa foi desenvolvida a partir de um estudo teórico enfocando a

sociedade contemporânea, a infância e o consumo infantil a fim de investigar os

modos pelos quais as crianças são inseridas numa cultura de consumo diante da

sociedade neoliberal. Deste modo, me propus a investigar a partir de minhas

inquietações sobre esta infância contemporânea que vem sendo capturada pelo

consumo, com o intuito de compreender determinados mecanismos presentes na

sociedade atual, referentes ao consumo infantil. No entanto, além de compreender,

é preciso problematizar as verdades contidas nos discursos, de acordo com Bujes

(2005, p. 187) “o que é preciso pôr em questão são os regimes de verdades

estabelecidos, os raciocínios amplamente aceitos, os modos de falar corriqueiros”.

Destaco o método cartográfico, que segundo Kastrup (2007, texto digital):

...é um método formulado por G. Deleuze e F. Guattari (1995) que visa acompanhar um processo, e não representar um objeto. Em linhas gerais, trata-se sempre de investigar um processo de produção. De saída, a ideia de desenvolver o método cartográfico para a utilização em pesquisas de campo no estudo da subjetividade se afasta do objetivo de definir um conjunto de regras abstratas para serem aplicadas (KASTRUP, 2007, p. 15, texto digital).

Conforme a autora, a cartografia visa o acompanhamento de processos, ou

seja, nela não encontramos caminhos prontos, no percurso há sempre

encruzilhadas, não deixando espaço para a linearidade. A cartografia busca certa

sensibilidade de atenção, sensações que não conseguimos nomear. Conforme

Passos e Kastrup (2013, texto digital), o pesquisador participa da produção dos

dados e não apenas os coleta.

4 Faço referência à dança das cadeiras de BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Tradução Carlos

Alberto Medeiros. – 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

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Na pesquisa cartográfica, seu caráter de intervenção sobre a realidade faz com que tenhamos que redefinir o sentido habitualmente atribuído ao procedimento metodológico da coleta de dados. Preferimos, então, o termo “colheita de dados” para afirmar o caráter mais de produção do que de representação do mundo conhecido. A pesquisa colhe dados porque não só descreve, mas sobretudo acompanha processos de produção da realidade investigada (PASSOS; KASTRUP, 2013. p. 395, texto digital).

Conforme os autores, a cartografia visa ao acompanhamento de processos

para então “colher” de seus dados. Investigar a partir do método cartográfico é, de

certa forma, um cultivo de dados. Faço-me presente neste processo, desde o início,

acompanhando até o momento da “colheita”. Na minha investigação, procuro

produzir dados e não coletá-los já prontos ou pré- estabelecidos. Dessa forma, a

cartografia torna-se grande aliada do pesquisador, no sentido de auxiliar produzindo

dados e acompanhar processos, não se espera algo acabado e sim que seja

“cultivado”.

Para este cultivo realizei ensaios cartográficos com um grupo crianças da

faixa etária entre cinco a dez anos. O grupo composto por quatro crianças não foi

modificado durante a investigação. O critério de escolha baseou-se em oportunizar

uma investigação fora de espaços formais de educação, isto é, não me propus a

investigar em escolas, com alunos, e sim, propiciar um momento de pesquisa em

outros espaços, que privilegiam a informalidade, com crianças de perfis

diferenciados, como também de idades distintas. Minha intenção diante deste critério

foi poder perceber a criança diferentemente do “aluno”, as formas pelas quais ela se

constitui diante da sociedade neoliberal e como participa da cultura de consumo na

sociedade.

A partir dos estudos de Kramer (2002, texto digital), optei por colocar neste

trabalho o primeiro nome das crianças participantes da investigação, uma vez que,

conforme a autora destaca “a criança é sujeito da cultura, da história e do

conhecimento”, sendo assim um sujeito de pesquisa também (Kramer, 2002, p. 51,

texto digital). Kramer (2002, p.47, texto digital) salienta:

De antemão recusamos alternativas tais como usar números, mencionar as crianças pelas iniciais ou as primeiras letras do seu nome, pois isso negava a sua condição de sujeitos, desconsiderava a sua identidade, simplesmente apagava quem eram e as relegava a um anonimato incoerente com o referencial teórico que orientava a pesquisa.

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Como utilizei a imagem das crianças participantes da pesquisa e suas falas

também foram registradas, optei por elaborar um termo de responsabilidade, que foi

assinado por um responsável de cada criança.

Além disso, é necessário destacar que adotei um diário de campo, pois,

conforme Bocco (2009), no processo cartográfico a escrita torna-se indissociável da

investigação. “Escrever está na ordem do desejo, da paixão pelo conhecimento e

descobrimento de novos horizontes que só a elaboração produzida no próprio ato é

capaz de revelar” (MAIRESSE; FONSECA, 2002, p. 115, texto digital).

O diário de campo acompanhou-me durante os ensaios cartográficos e

posteriormente. Nele, registrei inquietações, sentimentos, tudo aquilo que me

“afetou” no momento compartilhado com os pequenos e após, durante minhas

reflexões. Destaco também a importância de registrar as falas das crianças no ato.

Além de gravar algumas conversas, detive-me a observar o que falavam e como

comunicavam-se, pois, como cita Bocco (2009, p. 66), “[...] é um registro que traz a

intensidade do acontecimento, captando os elementos da cotidianidade enquanto

estes criam novas configurações”.

O primeiro ensaio cartográfico foi realizado em uma sorveteria do município

de Lajeado/RS com duas das quatro crianças do grupo de pesquisa, Ana Clara (10

anos) e Larissa (6 anos). O local foi pensado como sendo um ambiente propício

para conversar com as crianças, onde pudessem falar sem receios ou timidez. Este

primeiro contato seria com todo o grupo, no entanto, foi divido em dois momentos,

pois os demais participantes Carolina (9 anos) e Vicente (5 anos) saíram de viagem

um dia antes da data combinada.

Sentadas e saboreando um maravilhoso sorvete, conversamos por um longo

tempo, deixei meu celular em cima da mesa e expliquei a elas que iria gravar nossa

conversa. As crianças foram questionadas sobre o que assistem na TV, qual o

canal, que programas, enfim, introduzi uma conversa sobre a televisão em geral. Em

seguida, provoquei as meninas a pensarem nas propagandas que aparecem durante

as programações, o que elas acham interessante, o que mais aparece, se há

crianças fazendo propaganda, que produtos elas oferecem. A conversa rendeu bons

registros em meu diário de campo, fui afetada a todo momento com os saberes

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infantis lançados sobre mim, tanto de canais de TV, quanto de programações e

produtos oferecidos.

Realizei o segundo ensaio cartográfico na casa dos irmãos Vicente e

Carolina, logo que chegaram de viagem. Subindo as escadas ouvi um “pode entrar”

vindo do banheiro. Era o Vicente me “recebendo” e tomando banho ao mesmo

tempo. Carolina, de roupão, esperava o irmão terminar o banho sentada na cama,

“senta aí, Camila” foram suas palavras ao me ver. Esperei uns instantes até que os

dois terminassem o banho. Comuniquei-os de que iria gravar nossa conversa com o

celular. Foram feitas as mesmas provocações do encontro com a Ana Clara e a

Larissa, no entanto, a conversa fluiu para horizontes diferenciados. Ambos citaram

propagandas e produtos, e para o meu espanto, “desconfiavam” destas.

Estes dois primeiros momentos de interação com as crianças foram de

grande relevância, pois, como pesquisadora e tendo a cartografia como método

investigativo, é preciso buscar de início algumas pistas dentro do grupo de pesquisa.

Diante disso, podemos ver a cartografia como, segundo Romagnoli (2009, p.169,

texto digital):

[...] mais do que procedimentos metodológicos delimitados, a cartografia é um modo de conceber a pesquisa e o encontro do pesquisador com seu campo. Entendemos que a cartografia pode ser compreendida como método, como outra possibilidade de conhecer, não como sinônimo de disciplina intelectual, de defesa da racionalidade ou de rigor sistemático [...].

A cartografia como método de pesquisa faz com que o pesquisador procure

respostas através de pistas que são dadas a partir da interação entre pesquisador e

objeto de pesquisa. Assim, os primeiros ensaios cartográficos valeram-se como uma

busca por indícios do consumo na vida das crianças, em outras palavras, este foi um

primeiro contato com esta infância contemporânea que é destacada nesta pesquisa.

O diário de campo foi meu aliado neste momento, pois nele foram feitos registros

significativos desses momentos iniciais, bem como transcrições das falas das

crianças tornando a investigação repleta de pistas e sem preocupações com escritas

formalizadas. Sobre o diário de campo, Bocco (2009) afirma:

O diário não pretende relatar tudo da vivência de quem o escreve, ele é apenas um traço feito de notas e experiências que se mantém longe da linguagem científica, optando por uma escrita mais literária que permite a expressão de planos difíceis de serem colocados em uma linguagem técnica ou apenas descritiva (BOCCO, 2009, p. 66).

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Além das experiências cartográficas com o grupo de crianças, o diário de

campo foi uma ferramenta indispensável para a observação e o registro de tudo

aquilo que me afetava durante o processo de investigação. Reportagens, artigos

publicados em jornais, programas de TV, falas, figuras, acontecimentos, vídeos,

enfim, o diário foi meu aliado nos momentos em que precisava relatar e/ou

descrever situações inquietantes e, de certa forma, relacionadas ao tema

pesquisado. Ao longo do trabalho, contemplarei fragmentos deste diário de campo

em caixas de texto analisando-os e problematizando-os.

Pistas e mais pistas, foram surgindo no terceiro ensaio cartográfico realizado

com todo o grupo de pesquisa em um cenário formado por uma linda praça

localizada em um clube da região. Solicitei que todos levassem algo de que

gostassem brincar para o encontro. A tarde foi especial, brincamos, fizemos

piquenique, conversamos, desta vez não foi possível gravar, pois estávamos em um

local aberto e com outras pessoas, contudo, fui registrando as falas e os momentos

mais marcantes. As crianças estavam realizadas, não conheciam o local, deixei com

que explorassem livremente, tanto os brinquedos que levaram, como o espaço em

si. Desta vez não conduzi as conversas, acredito que foi de grande relevância deixar

o grupo livre para fazer escolhas, pois pude perceber um misto de infâncias

perpassando em minha frente durante as mais de duas horas em que ficamos por lá.

Futebol, cola-cola, esconde-esconde, “selfies”, pracinha, jogos no tablet, desenhos

no papel, entre outras situações foram contempladas pelas crianças.

Durante os ensaios cartográficos, principalmente no terceiro, pude perceber a

relevância do olhar sensível que o pesquisador precisa ter em relação aos seus

investigados. Observar as falas, atitudes e comportamentos dos sujeitos de

pesquisa, sem questionários pré-definidos, é algo imprescindível, especificamente

na cartografia. É preciso deixar com que a intensidade do momento nos traga

afetações, isto é, não devemos buscá-las e sim permitir que nos atinjam das mais

variadas formas. Kastrup (2007, texto digital) salienta:

Como uma antena parabólica, a atenção do cartógrafo realiza uma exploração assistemática do terreno, com movimentos mais ou menos aleatórios de passe e repasse, sem grande preocupação com possíveis redundâncias. Tudo caminha até que a atenção, numa atitude de ativa receptividade, é tocada por algo (KASTRUP, 2007. p. 19, texto digital).

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De um modo geral, o olhar atento que tive durante os ensaios cartográficos,

tanto antes quanto depois de realizá-los – dentro do carro, no trajeto, por exemplo –

me auxiliaram a perceber aspectos importantes das crianças investigadas, uma vez

que as pistas contidas nestes momentos acarretaram uma série de

problematizações a respeito da temática de pesquisa.

Pesquisar aspectos referentes à infância contemporânea e analisá-los diante

de uma sociedade neoliberal pode acarretar uma série de constatações, no entanto,

minha intenção com a cartografia, foi trilhar caminhos desconhecidos, perceber

aquilo que se torna “invisível” diante de práticas sociais contemporâneas.

Compreender a infância como um tempo não cronológico, sem compromissos e

horários pré-estabelecidos, sem agendas superlotadas e principalmente como algo

imprevisível, de que ainda pouco se sabe. Pensar na infância contemporânea a

partir da cartografia é sair do lugar comum, alçar novos horizontes, ouvir aquilo que

não se ouve e encontrar um “outro” possível.

Nos capítulos que seguem o leitor poderá encontrar a riqueza do material de

pesquisa que obtive a partir dos encontros cartográficos com as crianças. Procurei

aliar as teorizações com a análise do material de investigação, problematizando e

fazendo conexões conforme a temática abordada. Especialmente no quarto e no

quinto capítulo trago fragmentos do meu diário de campo a fim de oportunizar o

enriquecimento do trabalho.

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3 EM CENA: A CONTEMPORANEIDADE E SEUS CONSTANTES

DESLOCAMENTOS

Podemos caracterizar a sociedade ao longo dos anos como uma

metamorfose de acontecimentos sociais, econômicos e culturais. Tais fatos nos

levam a pensar sobre como é a vida social atualmente, sendo que, há poucas

décadas, vários aspectos diferenciavam-se dos atuais. Refiro-me ao modo como as

pessoas se relacionam, como trabalham, como gastam seu dinheiro e como se

constituem na contemporaneidade.

Para pensar na sociedade atual e suas constantes variações, Bauman (2001)

nos traz os conceitos de modernidade sólida e modernidade líquida, sendo estes

peças chave para a temática abordada nesta escrita. A partir dos conceitos

produzidos por Bauman (2001), conseguimos caracterizar as mudanças sociais

ocorridas através dos tempos e percebemos que os intactos sólidos aos poucos vão

sendo “derretidos” para dar espaço à leveza dos líquidos (BAUMAN, 2001).

É possível relacionar a modernidade líquida com nosso modo de vida hoje, os

valores sólidos de antes, palpáveis, hoje vemos escorrendo por nossas mãos

(BAUMAN, 2001). “A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não

pode manter a forma ou permanecer por muito tempo” (BAUMAN, 2009, p. 07), a

sociedade acaba por configurar-se num intenso movimento. Somos caracterizados

pela incerteza, pela instabilidade e pela insegurança que os líquidos nos oferecem,

hoje tudo é temporário (BAUMAN, 2009).

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É neste contexto “movediço” que podemos relacionar a sociedade atual aos

“tempos pós-modernos” (KUMAR, 1997). A contemporaneidade traz consigo uma

variação constante, “há simplesmente um fluxo um tanto aleatório, sem direção, que

perpassa todos os setores da sociedade” (KUMAR, 1997, p. 113). É este fluxo

aleatório, como nos apresenta Kumar (1997), que inclui os indivíduos em um

ambiente “pantanoso”, longe de terras firmes, a sociedade nos tempos pós-

modernos não consegue mais adquirir formas e significados (KUMAR, 1997).

Podemos relacionar o pós-modernismo5 com a modernidade líquida que Bauman

(2001) nos apresenta em seus estudos. Ambos trazem a ideia de instabilidade e

incerteza, configurando a sociedade contemporânea em grandes deslocamentos.

Tais deslocamentos tornam-se habituais em uma sociedade pós-moderna, “os

intelectuais compreendem agora que seu papel não pode ser o de estabelecer

regras e padrões absolutos para a sociedade, de acordo com alguma ideia sobre

princípios universais de verdade e razão” (KUMAR, 1997, p. 151). Conforme Kumar

(1997), os intelectuais passam a ser intérpretes de costumes e culturas, não mais

lhe é dado o poder do conhecimento, os indivíduos agora “são muito mais livres para

moldar seus destinos” (KUMAR, 1997, p. 151).

Pensar como estamos constituindo nossas vidas hoje não é tarefa fácil, é

preciso relacionar fatores históricos referentes à política e às formas de governo com

o mundo contemporâneo. Devemos pensar para além do presente, revisitar o

passado para perceber as distintas formas de vida, governo, política, correlacionado-

as com a atualidade. Bauman (2001; 2009; 2010) – sociólogo polonês; Deleuze

(1992) - filósofo; Foucault (1997) – filósofo e professor; irão auxiliar na compreensão

e problematização das constantes transformações vividas pela sociedade. A partir

de Veiga-Neto (2000, texto digital), destaco o liberalismo e o neoliberalismo como

fatores fundamentais a serem contemplados nesta escrita, sendo ambos de suma

importância para a reflexão das formas de vida contemporâneas.

Sendo assim, podemos problematizar como estão sendo constituídos os

modos de vida das crianças na atualidade, frente às transformações ocorridas na

5 Termo utilizado por KUMAR, Krisham. Da sociedade pós-industrial a pós-moderna: novas teorias

sobre o mundo contemporâneo. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

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sociedade ao longo dos tempos. Consumo, velocidade de informações,

instabilidade, instantaneidade, rapidez, entre outros conceitos permeiam o cotidiano

das crianças hoje e acabam por produzir modos de vida infantis geralmente

caracterizados por certa “aceleração”. Aceleração no que diz respeito ao contexto

em que as crianças estão inseridas, que gira em torno da velocidade, rapidez,

instantaneidade.

“Urgência, rapidez, imediatismo são condutas que já estão incorporadas aos

modos de viver das crianças de hoje, produzindo um fenômeno que talvez

possamos denominar infância instantânea” (MOMO, 2009, p. 199). A criança torna-

se cada vez mais “adaptada” a viver num mundo transitório e veloz, constituindo

modos de vida a partir das práticas contemporâneas vigentes.

3.1 Consumo e neoliberalismo: grandes aliados na contemporaneidade

Como vimos anteriormente, vivemos em uma sociedade em que as

transformações tornaram-se constantes. A vida hoje se desloca rapidamente, nosso

tempo é curto, estamos sempre atrasados, precisamos trabalhar cada vez mais,

estudar mais, receber mais, comprar mais.

Esta busca pelo “mais” torna-se incessante, não há um fim, estamos sempre

girando em torno de nossas necessidades, vontades e desejos. Bauman (2009) nos

atenta para o que chama de dança das cadeiras, em que a competição pelo

consumo adquire papel principal na vida em sociedade. É preciso consumir para não

ser excluído, eliminando as possibilidades de perder o lugar neste jogo aleatório

(BAUMAN, 2009).

Conforme Bauman (2009) estamos sempre “jogando”, é preciso destinar parte

da vida ao jogo, conceitos como ganhar e perder permeiam nosso cotidiano.

Vivemos enraizados em práticas competitivas em que acreditamos ser sempre o

melhor aquele que vence. A competição torna-se obrigatória, conforme Bauman

(2009):

Diante de tais competições, os demais participantes do jogo, particularmente os que não estão ali por vontade própria, que não “gostam”

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de “estar em movimento” ou não podem se dar a esse luxo, têm pouca chance. Para eles, participar do jogo não é uma escolha, mas também não tem a opção de ficar de fora. Voar por entre as flores em busca da mais perfumada não é a opção deles (BAUMAN, 2009, p. 11).

Tais práticas estão sendo perpetuadas em nossa sociedade, pois o consumo

é visto como necessário e por isso cada vez mais é praticado. Por mais que sejamos

“livres”, as práticas sociais atuais nos submetem, segundo Bauman (2010), a uma

cultura de ofertas, e ainda:

A cultura de hoje é feita de ofertas, não de normas. Como observou Pierre Bourdieu, a cultura vive de sedução, não de regulamentação; de relações públicas, não de controle policial; da criação de novas necessidades/desejos/exigências, não de coerção (BAUMAN, 2010, p. 33).

Assim, percebe-se que a cultura hoje assume um papel significativo para a

sociedade de consumo (BAUMAN, 2009). Nada mais nos é imposto, consumimos

pelo simples fato de querer consumir, temos liberdade para isso, podendo

selecionar, classificar e rejeitar ofertas e produtos.

A sociedade nos delega a liberdade para consumir, acreditamos que somos

livres por podermos escolher nossos produtos, sejam eles o chocolate em pó do

supermercado, a televisão de LED da loja de eletroeletrônicos ou o automóvel

modelo top de linha da concessionária. Pensando nisso, até que ponto o ser

humano é livre na sociedade contemporânea? As práticas sociais vigentes

vislumbram o consumo como libertador, mas estamos inseridos num contexto de

competitividade, ou seja, é preciso comprar para continuar participando da “dança

das cadeiras” (BAUMAN, 2009). Contudo, na contemporaneidade o indivíduo

constitui-se como “sujeito-cliente, ao qual (se diz que) se oferecem infinitas

possibilidades de escolha, aquisição, participação e consumo” (VEIGA-NETO, 2000,

p. 11, texto digital). Assim, o sujeito torna-se capaz de escolher, e esta escolha o

leva à competição, no entanto, este deve ser um tanto competente para poder

continuar competindo e satisfazendo seus desejos (VEIGA-NETO, 2000, texto

digital).

Este consumo acelerado vem tomando grandes proporções, já que vivemos

para consumir, é preciso gastar cada vez mais para continuar transitando neste

mundo. Os produtos deste mercado de consumo (BAUMAN, 2009) são vistos como

imprescindíveis na vida humana, o desejo vai muito além da necessidade.

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Diariamente constatamos uma grande massificação produzida pela publicidade e

pelas mídias atuais, que buscam homogeneizar os indivíduos, tornando-os

compradores/consumidores.

A partir deste contexto, destaco a lógica neoliberal (VEIGA-NETO, 2000, texto

digital) e suas implicações na sociedade contemporânea. Entretanto, precisamos

revisitar o passado para compreender “o liberalismo, a partir da década de 1980,

vem sendo ressignificado na forma de neoliberalismo” (SARAIVA; VEIGA-NETO,

2009, p.188, texto digital).

O “liberalismo, uma forma de reflexão crítica sobre a prática governamental”

(FOUCAULT, 1997, p. 94), buscou, em meados do século XVIII, uma naturalização

das relações sociais e econômicas (VEIGA-NETO, 2000, texto digital). Podemos

representar o liberalismo como sendo uma crítica permanente e insatisfeita à Razão

de Estado, uma crítica que acredita ser irracional a prática de governo quando

exercida em excesso (VEIGA-NETO, 2000, texto digital).

O liberalismo parte da existência da sociedade e não do Estado para refletir

sobre as formas de governo, a questão não está mais centrada em como governar –

governar também pelo menor custo possível - e sim, por que é preciso governar?

(FOUCAULT, 1997). A reflexão liberal parte da necessidade da suspeita que sempre

esteja se governando demais (FOUCAULT, 1997).

“O neoliberalismo apresenta deslocamentos importantes em relação ao

liberalismo inventado no século XVIII” (FOUCAULT apud SARAIVA; VEIGA-NETO,

2009, p. 188, texto digital). Enquanto o liberalismo trata as relações sociais e

econômicas como sendo algo natural, o neoliberalismo desconstrói esta lógica,

afirmando que o sujeito deve ser conduzido de determinada maneira no mundo da

economia, em outras palavras, o neoliberalismo passa a modelar um padrão de

consumidor, enquanto no liberalismo a espontaneidade econômica era mais

enfatizada (VEIGA-NETO, 2000, texto digital).

O princípio de inteligibilidade do liberalismo enfatizava a troca de mercadorias: a liberdade era entendida como a possibilidade de que as trocas se dessem de modo espontâneo. O principio de inteligibilidade do neoliberalismo passa a ser a competição: a governamentalidade neoliberal intervirá para maximizar a competição, para produzir liberdade para que

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todos possam estar no jogo econômico (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009, p. 189, texto digital).

Percebemos, então, uma mudança de ênfases (SARAIVA; VEIGA-NETO,

2009, texto digital) no que se refere ao liberalismo e ao neoliberalismo. Não

devemos avaliar um ou outro, entretanto, cabe a nós problematizarmos o que antes

era evidenciado com o que vivenciamos hoje. Enquanto no liberalismo o foco estava

sobre a troca de mercadorias, no neoliberalismo o centro baseia-se na competição,

assim, conseguimos compreender este deslocamento, sendo que, primeiramente a

ênfase se dava pela produção, e, atualmente esta é dada pelo consumo (SARAVIA;

VEIGA-NETO, 2009, texto digital).

A lógica neoliberal produz estes constantes movimentos na sociedade

contemporânea, o que acaba por “deslocar” os indivíduos de maneira permanente.

Podemos utilizar a metáfora do planeta estar sempre girando e associá-la com a

sociedade atual, na qual tudo ocorre em grande fluxo, sejam as relações, a

economia, a cultura, a religião, enfim, o desafio atual é o de acompanhar todo este

deslocamento, utilizando-se de estratégias para fugir das constantes ilusões

incutidas neste mundo líquido-moderno (BAUMAN, 2009). Sendo assim, como

pensar a infância em meio a estas problemáticas? No capítulo 2 tratarei as questões

referentes à infância, sua constituição através dos tempos, bem como os distintos

saberes produzidos sobre ela e como, ao longo da modernidade, ela foi sendo

consolidada e institucionalizada.

Estamos inseridos numa política de governo que promove certa “disputa”

entre os sujeitos, fazendo com que eles tornem-se cada vez mais hábeis na arte de

consumir. Além do consumo desenfreado que o neoliberalismo produz, vivemos num

tempo em que as verdades são confrontadas, ou seja, temos uma variedade de

informações que nos são lançadas a todo o momento. Possuímos um universo de

informações ao nosso alcance, entretanto, esta quantidade desenfreada de

“verdades” pode acarretar aspectos desfavoráveis para a vida em sociedade.

A sociedade do medo, caracterizada por Bauman (2010), é marcada pela

ameaça constante:

Os medos agora são difusos, eles se espalham. É difícil definir e localizar as raízes desses medos, já que os sentimos, mas não os vemos. É isso que

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faz com que os medos contemporâneos sejam tão terrivelmente fortes, e os seus efeitos sejam tão difíceis de amenizar. Eles emanam virtualmente em todos os lugares. Há os trabalhos instáveis; as constantes mudanças nos estágios da vida; a fragilidade das parcerias; o reconhecimento social dado só “até a segunda ordem” e sujeito a ser retirado sem aviso prévio; as ameaças tóxicas; [...] o risco que as pessoas correm nas ruas; a constante possibilidade de perda dos bens materiais etc (BAUMAN, 2010, p. 73).

A insegurança transborda pelos mais variados lares. Segundo Bauman (2010,

p. 74), “os medos são muitos e diferentes, mas eles alimentam uns aos outros”. O

medo do meu vizinho acaba se tornando meu e vice-versa. Para ilustrar, tomemos a

violência como exemplo. Cada vez mais a população busca segurança para a onda

de crimes que assola as cidades em todo o mundo. A mídia, mais precisamente os

noticiários da TV, divulga diariamente uma série de assassinatos, assaltos à mão

armada, furtos, apreensões de drogas, perseguições, enfim, os discursos midiáticos

também fazem com que a população tenha medo. Conforme Bauman (2009):

A arquitetura do medo e da intimidação se espalha sobre os espaços públicos urbanos, transformando-os de modo incansável, mas sub-reptício, em áreas estritamente vigiadas e controladas 24 horas por dia. A inventividade nesse campo não tem limites (BAUMAN, 2009, p. 97).

O medo está sendo banalizado, a insegurança que o gera está incutida na

vida atual, estamos sempre em alerta, deixamos de confiar, a desconfiança torna-se

cada vez mais presente e a busca por respostas também. Com as constantes

mudanças, os indivíduos da sociedade líquido-moderna (BAUMAN, 2009) precisam

se adaptar automaticamente, pois tudo é muito rápido, e isso gera uma espécie de

desconforto. Assim, os medos aparecem por toda parte. Bauman (2010) destaca:

Os medos não têm raiz. Essa característica líquida do medo faz com que ele seja explorado política e comercialmente. Os políticos e os vendedores de bens de consumo acabam transformando esse aspecto em um mercado lucrativo. O comum é tentar reagir, fazer alguma coisa, buscar desvendar as causas da ansiedade e lutar contra as ameaças invisíveis (BAUMAN, 2010, p. 74).

Podemos relacionar as ameaças invisíveis trazidas por Bauman (2010) com o

neoliberalismo, uma vez que esta prática de governo busca “a maximização da

liberdade individual” (VEIGA-NETO, 2000, p. 11, texto digital), ou seja, quanto mais

acreditamos ser livres, menos somos, pois a liberdade no neoliberalismo está na

capacidade de poder consumir. Assim, concordamos facilmente com tudo por

pensarmos ter a liberdade ao nosso lado, entretanto, esta aceitação nada mais é

que os medos sendo mantidos pela ameaça invisível que o governo e o mercado

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geram. Para pensar nesta manipulação da liberdade do sujeito, recorro a Deleuze

(1992) com a teoria da sociedade de controle e problematizo como esta perpassa o

mundo contemporâneo.

3.2 Neoliberalismo e controle na sociedade contemporânea

O século XXI é marcado por intensos avanços, principalmente os de caráter

tecnológico. A velocidade e o excesso de informações adentram nossas mentes

todos os dias, seja pelos notebooks, tablets, smarthphones, seja pela nossa

“querida” televisão. Estamos sendo cada vez mais uniformizados midiaticamente e

tecnologicamente, os jovens são exemplo disso. Conforme Bauman (2010), o mundo

online torna-se muito mais convidativo, pois ali tudo é instantâneo, infinitas

possibilidades e múltiplos contatos são possíveis, tudo ao mesmo tempo.

Podemos pensar para além dos jovens como parte significativa desta

uniformização da tecnologia em nosso cotidiano. Os adultos e idosos também

apresentam grande interesse por este mundo virtual, sem falar de nossos pequenos.

As crianças hoje tomam papel fundamental na comercialização de aparelhos

eletrônicos e produtos destinados a sua idade. Bauman (2010) argumenta que tudo

é provisório, “a alegria de „livrar-se‟ de algo, o ato de descartar e jogar no lixo, esta é

a verdadeira paixão do nosso mundo” (BAUMAN, 2010, p. 41).

Os produtos nos oferecem prazer imediato, realizando nossos desejos,

entretanto, assim como são imprescindíveis em determinados momentos, tornam-se

rejeitados em outros. “O consumismo atual não consiste em acumular objetos, mas

em seu gozo descartável” (BAUMAN, 2010, p. 42). O prazer está em poder comprar

novamente e acompanhar a demanda de produtos oferecidos pelo mercado.

Atualmente estamos sofrendo uma mutação do capitalismo, em que a

produção não é mais o foco principal e sim o produto e sua venda no mercado

(DELEUZE, 1992). “O que importa agora não é ter muitas mercadorias para vender,

mas ter elementos que façam vencer a competição pela conquista dos

consumidores” (SARAVIA; VEIGA-NETO, 2009, p. 189, texto digital). Assim,

podemos observar que as estratégias para a venda de produtos baseiam-se única e

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exclusivamente nos seus consumidores, ou seja, é preciso cada vez mais atraí-los

para obter lucros.

Podemos definir a mídia hoje, num contexto geral, como um poderoso

instrumento de convencimento e sedução de corpos (DOREA, 2002, texto digital).

As campanhas publicitárias encantam os consumidores de tal maneira, que estes

são capazes de esgotar produtos lançados no mercado em poucas horas. Os

discursos desse mercado de consumo produzem verdades que os consumidores

veem como absolutas, em outras palavras, é preciso comprar, trocar, adquirir,

gastar, degustar, enfim, estes verbos traduzem um sujeito “fabricado” para o

consumo, sendo a sociedade atual a grande empreendedora.

Observamos certa semelhança na fabricação de consumidores com o

neoliberalismo, sendo que esta prática de governo coloca todos em um jogo

econômico, ora produzindo, ora consumindo a liberdade (SARAIVA; VEIGA-NETO,

2009, texto digital). Para Veiga-Neto (2000, texto digital) a liberdade torna-se

ambivalente na lógica neoliberal, pois cada indivíduo passa a ser “alvo (das múltiplas

interpretações) e experto (supostamente sabedor do que lhe convém)” (VEIGA-

NETO, 2000, p. 13, texto digital). “A subjetivação consiste em um processo de

construção de si mesmo, no sentido de fazer da vida uma obra de arte” (SALES,

2008, p. 03, texto digital), sendo assim, o sujeito exerce sua liberdade para viver da

melhor forma possível (SALES, 2008, texto digital) e o consumo movimentado pela

lógica neoliberal o auxilia para isso.

É difícil pensarmos em liberdade na sociedade atual, visto que somos

conduzidos diariamente para as mais diversas áreas. Na escola, no trabalho, no

supermercado, na rua, em casa, todo lugar possui mecanismos que nos privam ou

nos impõem normas. “Foucault situou as sociedades disciplinares nos séculos XVIII

e XIX; atingem seu apogeu no início do século XX” (DELEUZE, 1992, p. 219).

Conforme Dorea (2002, p. 93, texto digital), “a sociedade disciplinar investiu na

normalização dos corpos com base no confinamento”, era preciso disciplinar o corpo

como “estratégia fundamental para a pacificação da sociedade” (FOUCAULT apud

DOREA, 2002, p. 93, texto digital). Entretanto, conforme Deleuze (1992), a partir de

uma crise generalizada nos meios de confinamento, as sociedades disciplinares

abrem espaço para as sociedades de controle (DELEUZE, 1992).

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Após a segunda guerra mundial houve uma gradativa passagem da

sociedade disciplinar para a sociedade de controle (DELEUZE apud DOREA, 2002,

texto digital). Com o apogeu do capitalismo, o corpo não precisava mais ser apenas

disciplinado, era necessário o controle deste corpo para torná-lo útil para consumo

(DOREA, 2002, texto digital). Percebemos a relevância destes aspectos históricos

para a sociedade atual, que ainda é de controle, pois a tecnologia nos controla, as

mídias nos controlam, somos vigiados 24 horas por dia, embora não percebamos

isso. Esta talvez seja a “forma de jogar” das sociedades de controle, controlar de

forma que seus indivíduos não vejam que estão sendo controlados, seria “como uma

modelagem autodeformante que mudasse continuamente, a cada instante”

(DELEUZE, 1992, p. 221).

Outro aspecto relevante que diferencia a sociedade disciplinar da sociedade

de controle é “o deslocamento da fábrica, instituição fundamental na produção de

mercadorias, para a empresa” (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009, p. 189, texto digital).

A empresa caracteriza-se como inovadora, pois utiliza potentes armas para a venda

de seus produtos, o marketing torna-se imprescindível neste campo (SARAIVA;

VEIGA-NETO, 2009, texto digital). Conforme Deleuze (1992):

As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples, alavancas, roldanas, relógios; mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamentos máquinas energéticas, com o perigo passivo na entropia e o perigo ativo da sabotagem; as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática e computadores [...] (DELEUZE, 1992, p. 223).

Percebemos como a sociedade vem constituindo-se, podemos relacionar a

fábrica com a modernidade sólida, consequentemente a empresa com a

modernidade líquida (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009, texto digital). Percebemos

este deslocamento da fábrica para a empresa ao observarmos como ambas são

constituídas. Na fábrica, a forma de trabalho é mais homogênea, há uma hierarquia,

o que importa é o corpo dos operários, a quantidade e a produção. Entretanto, na

empresa, os cargos são reduzidos, a quantidade deixa espaço para a qualidade e a

criação toma a frente das principais características, é preciso inovar em um espaço

completamente heterogêneo (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009, texto digital).

Neste contexto, percebemos as constantes transformações ocorridas em

nossa sociedade ao longo dos séculos, o exemplo da fábrica e da empresa nos

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auxilia neste debate. A partir daí, conseguimos perceber um pouco do que constitui

nossa vida hoje, pois somos produto de constantes mudanças históricas, bem como

de formas de governo.

Vivemos conforme a lógica neoliberal, somos educados para saber escolher,

para melhor competir e para produzirmos nossa própria liberdade. Sendo assim,

como pensar a infância? Quais infâncias perpassam pela sociedade hoje? Como

pensar a criança diante do consumo? Quais os modos de ser criança nesta

sociedade contemporânea? Nos próximos capítulos abordarei especificamente a

infância e os modos de ser criança na contemporaneidade.

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4 A DESCOBERTA DA INFÂNCIA OU A INFÂNCIA DA

DESCOBERTA?

Bola, corrida, boneca, mamadeira, menino, menina, leite, bolacha, carrinho,

corda, tablet, escorregador, pneu, balanço, bambolê, videogame, areia, grama,

barro, água, mangueira, meleca...criança! As linhas acima nos direcionam a quê?

Podemos remetê-las a algo? Vivenciamos tudo isso, ou parte disso? Quando? Nada

difícil pensar em infância quando observamos tais palavras, já que estamos

habituados e aprendemos ao longo dos séculos a caracterizar as fases da vida,

tendo como inicial a infância. Para nós que vivemos num mundo contemporâneo,

torna-se muito comum remeter brincadeiras, brinquedos e determinados espaços à

infância, no entanto, há alguns séculos isso não era possível. Destaco o título deste

capítulo “A descoberta da infância ou a infância da descoberta”, fazendo referência a

Kohan (2007) e sua inquietação sobre a invenção da infância ou a infância da

invenção.

No presente capítulo, abordarei a infância, entretanto, para que possa

escrever sobre ela, é preciso revisitar o passado para entender o surgimento da

infância e suas implicações para os dias atuais. Ariès (2012), importante historiador

do século XX, nos faz compreender este período histórico a partir de seus estudos

sobre o sentimento da infância. Colin Heywood, professor e significativo crítico da

obra de Ariès, destaca, em seus estudos, embasados em importantes historiadores,

que as questões envolvendo infância originaram-se muito antes do século XVII. A

partir disso, utilizarei as ideias de alguns autores para tencionar as questões

referentes à infância e sua constituição. Sendo assim, como objetivo específico de

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minha pesquisa, pretendo investigar os deslocamentos da infância moderna para a

infância contemporânea, buscando compreender os discursos presentes, bem como

a relação de saber-poder produzidos.

No passado, as crianças eram vistas de forma bastante diferente dos dias

atuais. Cuidado e proteção não faziam parte do universo dos infantes. “Até por volta

do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la

[...] é mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (ARIÈS,

2012, p. 17). No período da Idade Média, segundo Ariès (2012), a infância era

desconhecida, pois a criança crescia num ambiente adulto e era tratada como tal,

tornando-se um adulto em miniatura.

Neste período, é possível perceber uma falta de atenção para com os

pequenos, uma vez que não havia um sentimento de infância por parte dos adultos.

A infância era vista como uma fase a ser vencida, ultrapassada, e que,

consequentemente, não deixava lembranças (ARIÈS, 2012). A criança somente

tornava-se útil e era percebida quando atingia a idade adulta (ARIÈS, 2012).

Entretanto, Kohan (2011) nos traz outro enfoque para a infância. A partir de

Sócrates, ela é vista como um momento importante da vida, ou seja, as crianças

precisavam ser cuidadas e nelas dever-se-ia deixar marcas para toda a vida. Além

disso, Kohan (2011, p. 39), ao buscar estudos em Platão, destaca que “[...] nos

ocupemos das crianças e de sua educação, não tanto pelo que os pequenos são,

mas pelo que deles devirá [...]”, assim, constata-se que a infância já ocupava um

lugar de destaque entre os gregos, isto é, já se tinha a consciência de educar a

criança para o futuro.

A pouca afeição pelas crianças na Idade Média pode ter origem na fragilidade

a que esta etapa da vida era exposta. Com a mortalidade infantil em excesso, as

crianças tornavam-se seres passageiros, os adultos não chegavam a se “apegar” a

elas (ARIÈS, 2012). É possível perceber a infância, antes do século XVII, como um

período radicalmente curto, nos primeiros anos de vida, a criança não passava de

um mero entretenimento para os adultos (ARIÈS, 2012). No entanto, “[...] a infância

(assim como a adolescência), durante a Idade Média, não passou tão ignorada, mas

foi antes definida de forma imprecisa, e, por vezes, desdenhada” (HEYWOOD, 2004,

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p. 29). A condição da época era assim, as crianças não eram ignoradas, elas

recebiam cuidados, faziam parte da família.

Foi a partir do século XVII que a infância passou a ser “descoberta”, e um

sentimento para com as crianças foi sendo concebido (ARIÈS, 2012). A criança que

antes pouca atenção recebia, aos poucos foi sendo reconhecida, tendo como

aspecto relevante a mudança de seus trajes (ARIÈS, 2012). A partir da análise de

pinturas e retratos anteriores ao século XIII, Ariès (2012) percebe que as crianças

eram vestidas como miniadultos imediatamente após “sair dos cueiros”. Assim, com

o passar do tempo, a necessidade de diferenciar as crianças diante dos adultos foi

ampliando-se e a mudança de suas roupas tornou-se um fator favorável para que a

infância começasse a ser descoberta.

Com a descoberta da infância é possível perceber um maior cuidado para

com os infantes. A partir do século XVII, a criança deixou de estar em segundo plano

e passou a assumir um lugar central dentro da família (ARIÈS, 2012). A infância

agora tinha de ser bem pensada e para isso precisava-se conhecê-la melhor, daí o

interesse em educar e proteger as crianças, para que se tornassem pessoas

honradas e racionais (ARIÈS, 2012). Contudo, Kohan (2011), baseado em Platão,

salienta que as crianças eram vistas como futuros adultos a governar a polis, assim,

era preciso educá-las e ensiná-las desde a mais tenra idade. Dessa forma,

associamos a infância a um período importante para os gregos. Não havia o

sentimento de infância para com os pequenos, entretanto, a primeira etapa da vida

era pensada pelos adultos, ou seja, havia certo interesse pelos infantes.

Outro aspecto relevante que põe em questão a obra de Ariès (2012) seria a

respeito das crianças serem reconhecidas já nos primórdios da idade média. Richè

apud Heywood (2004, p. 34) afirma que “[...] entre os séculos VI e VIII, o sistema

monástico redescobriu a natureza da criança e toda a sua riqueza”, era comum na

época, entregar os filhos para serem criados em igrejas ou monastérios

(HEYWOOD, 2004). Percebemos aí como a infância era de certa forma pensada,

pois levavam-se as crianças para lugares distantes das famílias com intuito de bem

educá-las. Os monges, entre os séculos VI e VIII, caracterizavam as crianças como

sendo boas e sem rancor, eram criaturas fáceis de ensinar (HEYWOOD, 2004).

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Diante deste panorama, percebemos certa estima pela infância, uma vez que

havia preocupação com as crianças, pois eram reconhecidas, sua educação era

algo importante. Áries (2012) utilizou-se de pinturas medievais para caracterizar a

infância da época, contudo, Heywood (2004) salienta:

Mesmo ao retratarem adultos no início da época medieval, os artistas estavam mais preocupados em transmitir o status e a posição de seus retratos do que com a aparência individual. Ademais, nem todos aceitam a ideia de que a transição para representações mais realistas de crianças na pintura e na escultura, a partir do século XII, revela uma “descoberta da infância” do ponto de vista artístico. Alguns historiadores afirmam de forma contundente, que isso representou mais uma redescoberta e imitação dos modelos gregos e romanos por parte dos artistas do Renascimento do que um novo interesse nas crianças a seu redor (HEYWOOD, 2004, p. 25).

Ariès (2012), ao analisar as pinturas da Idade Média, acabou por generalizar

um conceito de criança, criando certas definições, que, conforme Heywood (2004),

torna-se de caráter vago, “[...] é difícil atingir qualquer precisão com relação ao ritmo

das transformações nas atitudes, bem como variações regionais ou

socioeconômicas” (HEYWOOD, 2004, p. 15).

O interesse de pensar na etapa inicial dos infantes partiu da necessidade de

tornar a infância algo significativo, que trouxesse resultados. “Há um modelo de ser

humano já posto, transcendente, imutável, eterno, e educar a infância com vistas a

esse modelo é considerado o melhor para elas e para o mundo” (KOHAN, 2007, p.

107). Diante deste panorama, notemos como a infância precisou ser educada, como

as crianças precisaram ajustar-se a um modelo, as escolas tomaram papel

fundamental neste processo, tornou-se necessário disciplinar a infância. Outros

aspectos tornam-se relevantes quando falamos sobre a infância e nossos modos de

educá-la. Há toda uma produção em torno dos pequenos: filmes, roupas, acessórios,

brinquedos, um universo infantil toma forma a partir desta infância pensada na

modernidade.

A partir desta infância pensada na modernidade e tendo em mente um

universo de produtos destinados às crianças, destaco um fragmento do meu diário

de campo.

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Quadro 1 – Diário de Campo (30/07/2014).

Diário de Campo

FACEBOOK

Encontrei a página: Em um relacionamento sério com meu bebê.

Acessórios, roupas, sapatos. Tudo destinado aos pequenos.

O mercado de consumo invade a vida dos pequenos desde muito cedo e dos pais

destes também.

Isso me remete a uma infância pensada, calculada e estereotipada. Podemos

relacionar o facebook como um mecanismo de captura em nossa sociedade, além

de consumirmos o serviço da página, somos apresentados às mais variadas

formas de consumir através dela. Páginas infantis principalmente me chamam a

atenção, nelas são colocadas fotos de bebês lindos, perfeitos, sorridentes, e

juntamente com aquelas carinhas “fofas” estão os produtos, prontos para serem

comercializados. Abaixo seguem duas fotos da Ana Clara, a primeira num ensaio

fotográfico para uma marca de roupas e a segunda em seu quarto tirando foto em

frente ao espelho.

Fonte: do autor (2014).

Figura 1 – Fotografia através do tempo.

Fonte: do autor (2009; 2014).

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A partir das imagens acima, é relevante destacar que, desde cedo, as

crianças são inseridas num contexto midiatizado e consumista. Há uma certa

preocupação em montar um mundo só para as crianças, ou seja, acredita-se que

elas precisam habitar um espaço só delas e, para isso, criam-se modas e estilos

infantis.

Bujes (2002, p. 16) salienta sobre “[...] o grande esforço da Modernidade em

estabelecer uma sociedade da ordem, disciplinar, da qual a preocupação com as

crianças pequenas é uma das tantas faces visíveis”. A criança foi colocada em um

patamar de fragilidade, inferioridade e inocência perante os adultos, contudo,

podemos observar que apenas um modelo de infância foi sendo constituído ao longo

dos séculos. Uma infância que não escuta a criança, que nela não vê possibilidade

de criação, que apenas cumpre o discurso moderno. Conforme Boto (2002, p. 58),

“Existe uma cultura pensada para a infância”, esta advém de séculos e ainda toma

grandes formas na sociedade contemporânea, dela não nos desligamos. Investigar

os deslocamentos da infância moderna para a infância contemporânea é um objetivo

específico de minha pesquisa. Assim, a infância “única” do discurso moderno vai

dando espaço para as distintas infâncias “criadas” pela lógica neoliberal, que

atualmente perpassam pela nossa sociedade.

De certa forma os estudos de Ariès (2012) foram e ainda são de suma

importância para compreendermos questões referentes à infância. No entanto, cabe

a nós observarmos que o historiador analisou e conceituou apenas um tipo de

infância, sendo que “A infância deve ser compreendida como uma construção social

[...], os termos „criança‟ e „infância‟ serão compreendidos de formas distintas por

sociedades diferentes” (HEYWOOD, 2004, p. 12). Sendo assim, não é possível

analisar apenas uma infância, pois a diversidade existente entre as sociedades ao

longo dos séculos nos remete a várias infâncias, a pluralidade adentra o campo

infantil, sendo que não há espaço para uma singular forma de ver os infantes.

Apresento outro fragmento retirado do meu diário de campo, que me fez

pensar em relação às distintas infâncias presentes em nossa sociedade.

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Quadro 2 – Diário de Campo (14/09/2014).

Diário de Campo

Assistindo ao Fantástico, na rede Globo, fiquei um tanto inquieta com a matéria

sobre um menino de 9 anos que vive nas ruas desde os 5. Há quatro anos ele

foge de familiares, policiais, assistentes sociais, e quando é levado a abrigos, não

permanece por muito tempo, escapando de tudo e todos. Rouba e trabalha para

traficantes, por quem está “jurado de morte”. O menino é viciado em crack e a mãe

diz não querer que ele volte para casa, pois é “impossível” viver com ele, a avó

lamenta o caso.

Estarrecida, fiquei pensando...

Quando pensamos em infância logo creditamos nossas associações ao modelo

eterno de criança feliz, curiosa e que vive para brincar. Mas, diante deste episódio,

como pensar a infância como algo prazeroso e de muitas descobertas? Será que

este menino vive ou viveu isso? A brincadeira dele é fugir de todos, a curiosidade

acabou sendo de descobrir o crack e a felicidade? Esta criança que ninguém “quer

perto” pode ser feliz?

Fonte: do autor (2014).

Na sociedade contemporânea presenciamos a existência de diversas

infâncias, os mais variados modos de ser criança perpassam por entre nós, a

criança curiosa, alegre, tímida, feliz, acanhada, triste, rica, pobre, humilhada,

maltratada, violenta, ou seja, o universo infantil percorre muitos caminhos e nem

sempre estes estão ligados a um mundo colorido e cheio de diversão.

A partir de Ariès (2012), podemos observar toda esta “descoberta” da

infância, este sentimento novo pelos infantes, surgido por volta do século XVII,

contudo, precisamos buscar mais, para além desta descoberta da infância, é preciso

um olhar mais específico aos modos de como constituímos e como se constituiu a

infância através dos tempos. Pensar a infância além de sua constituição moderna,

como um outro, um devir, deixar de lado as constatações já obtidas e dar espaço às

inquietações deste período tão delineado através dos tempos.

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4.1 O que é a infância? É possível responder a esta pergunta?

Pensar na infância e tentar atribuir um significado a ela é algo um tanto

emblemático, já que possuímos um universo de estudos, teorias e pesquisas

referentes aos primeiros anos da vida de um indivíduo. De maneira sucinta, a

infância pode ser caracterizada como o período inicial da vida de um ser humano, no

qual ele se desenvolve adquirindo aprendizagens. No entanto, acredito que a

infância possa ser muito mais, ela vai além de um conceito, de inúmeras pesquisas

e estudos, ela “transborda” tudo o que acreditamos saber sobre ela.

Caracterizamos a infância a partir dos conceitos a ela estabelecidos ao longo

dos séculos, historicamente esta vem sendo “vinculada à ideia de carência, falta,

incompletude” (LEAL, 2004, p. 20). A infância foi sendo constituída como uma

lacuna, um vazio, algo que deveria ser preenchido. Kohan (2011) salienta sobre um

período de incapacidade, de limitações do saber, a infância “é a falta de experiência;

é a imagem da ausência do saber” (KOHAN, 2011, p. 45).

Partindo do pressuposto de que a infância precisa ser “preenchida” podemos

perceber como esta pode tornar-se algo “maleável”. Kohan (2011) discorre sobre

esta temática e problematiza a questão da criança “não ter forma alguma”, são os

adultos que fazem dela o que querem (KOHAN, 2011, p. 40). A partir disso,

observamos a grande carga de intenções depositadas na infância, é preciso moldá-

la conforme os interesses vigentes, “educar a infância é a melhor e mais sólida

maneira de introduzir mudanças e transformações sociais” (KOHAN, 2004, p. 52).

Diante deste panorama, observamos como é exercida uma espécie de poder

diante da infância, um poder relativamente eficiente, que produz resultados.

Exercitamos este poder no momento em que acreditamos saber tudo sobre a

infância, quando a enxergamos como algo banal, que está aí e não precisa ser

questionado, o modelo está pronto. Entretanto, além de afirmarmos que da infância

tudo se sabe, é preciso um movimento contínuo no que se refere a não deixar a

mesma “expandir-se”, ela precisa estar entre os limites permitidos. Larrosa (2010):

Aquilo que ainda nos resiste justifica nosso poder e de forma alguma o questiona. Os que sabem continuam investigando, os políticos continuam fazendo planos e projetos, as grandes lojas continuam atualizando seus catálogos, os produtores de espetáculos continuam fabricando novos

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produtos, os profissionais continuam melhorando suas práticas e os lugares nos quais acolhemos as crianças continuam aumentando e se adaptando cada vez mais aos seus usuários. Todos trabalham para reduzir o que ainda existe de desconhecido nas crianças e para submeter aquilo que nelas ainda existe de selvagem (LARROSA, 2010, p. 185).

A infância passa a ser um objeto de estudo permanente, é preciso cada vez

mais saber sobre ela, capturá-la. A criança acaba por tornar-se o centro de

pesquisas e estudos das mais diversas áreas, a psicologia e a pedagogia são

protagonistas em especificar modos de ser criança, tornando a infância um contínuo

processo de investigação. Esta investigação captura a infância, é preciso

compreender cada vez mais os processos pelos quais os infantes passam durante o

seu desenvolvimento, tornando esta etapa da vida relativamente controlável.

Assim, podemos perceber como o neoliberalismo age perante a infância

contemporânea. Esta acaba por ser capturada pelo mundo do consumo, a forma

neoliberal de organização interfere no modo de vida das crianças hoje, elas nascem

numa cultura competitiva e a infância torna-se relativamente vulnerável perante esta.

Como visto anteriormente, acreditamos saber tudo das crianças, desde seu

nascimento. Nelas projetamos desejos e ambições, no entanto, partindo do

pressuposto da infância ser algo já dado, é possível olhar para ela como algo novo?

Na sociedade contemporânea, a criança tem seu espaço de criação? De que modo

a infância é potencializada atualmente?

Perceber a infância neste mundo contemporâneo de intensas mudanças e

associá-la ao novo e ao diferente é algo um tanto emblemático. Precisamos

direcionar nosso olhar para além desta infância já posta, percebê-la como algo

diferente do que já sabemos, questioná-la. Compreender a infância como um outro,

“[...] aquilo que, sempre além de qualquer tentativa de captura, inquieta a segurança

de nossos saberes, questiona o poder de nossas práticas e abre um vazio [...]”

(LARROSA, 2010, p. 184). É neste vazio que se encontram as potencialidades da

infância, nele reina a heterogeneidade da criança diante do adulto, a diferença, a

alteridade da infância (LARROSA, 2010). Precisamos nos desprender das formas

banais de caracterizar a infância e associá-la a um espaço de criação, do novo, do

desconhecido, “[...] a criança é algo absolutamente novo que dissolve a solidez do

nosso mundo e que suspende a certeza de que nós mesmos temos de nós próprios”

(LARROSA, 2010, p. 187).

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Apresento um momento do terceiro ensaio cartográfico que me afetou

profundamente. Registrei as falas da Carolina e da Larissa ao observarem as

nuvens.

Quadro 3 – Diário de Campo (14/09/2014).

Diário de Campo

- Ai vamos ver as nuvens? (Carolina)

- Aquela parece um unicórnio. (Carolina)

- Eu vejo um coelho. (Larissa)

As falas me remeteram àquilo que Larrosa (2010) nos diz quando fala em

perceber a infância como algo novo, algo que seja o inverso do que pensamos,

tudo aquilo que sai de nossos modelos. Ver as meninas deitadas no pano em cima

da grama, apontando para as nuvens e observando-as foi um momento ímpar

para mim, naquele momento não importava tablet, internet, brinquedos, nada, era

somente elas e as nuvens. Cena inesquecível que consegui registrar.

Fonte: do autor (2014)

Figura 2 – Olhando as nuvens.

Fonte: do autor (2014)

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O discurso moderno perpetua até os dias atuais, mas sua forma de

caracterizar a infância, no entanto, cabe a nós questionarmos. A infância é mais do

que etapas do desenvolvimento, ela vai além de nossos saberes, dela poderíamos

dizer que pouco se sabe. Sabe-se pouco no sentido de não darmos voz à criança,

protagonista deste “espaço”, de a deixarmos imersa num contexto produzido por

nós, adultos, onde a voz que ressoa é a que tem mais idade. Precisamos assimilar a

infância como um devir, abrir espaço a este mundo novo e inabitado (KOHAN, 2010,

texto digital).

Kohan (2010, texto digital) destaca:

O devir-criança habita as linhas de fuga, os quebres, as perturbações que desestruturam a estabilidade dos estados de coisas, das forças que se acomodam e são engolidas pelo sistema; movimentos dissimiles, mudanças de ritmo, segmentos que interrompem a lógica de um mundo sem espaço para a infância, e que traçam rotas e trajetos num plano de imanência em constante mutação (KOHAN, 2010, p. 132, texto digital).

Perceber a infância como um espaço ainda a ser explorado, onde a criança

seja vista como potência, como criação e de certa forma como algo novo, que difere

dos demais, que ultrapasse nossos objetivos é um tanto delicado. Deixar a visão de

infância moderna e mergulhar neste mundo do devir, sem limites, padrões e

modelos. No próximo capítulo especificarei os modos de ser criança na

contemporaneidade, como a infância está sendo capturada pelo neoliberalismo e

como as práticas de governo influenciam as crianças através do consumo.

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5 INFÂNCIA E CONSUMO: UMA ALIANÇA CONTEMPORÂNEA

A infância ao longo dos tempos vem sendo problematizada de maneira

intensa, ao passo de colocarmos as crianças em uma constante investigação.

Investigam-se seus modos de brincar, comer, dormir, aprender, suas roupas,

sapatos, brinquedos, acessórios, enfim, a infância foi tomando papel principal na

sociedade no decorrer dos últimos anos. É esta infância contemporânea que é vista

como grande empreendimento para o mercado de consumo que abordarei no

presente capítulo. Para compreender os modos de ser criança hoje, venho

analisando, desde o primeiro capítulo, as formas de organização de nossa

sociedade diante da lógica neoliberal, a partir do mercado de consumo e a

competição gerada por este. Pretendo, assim, problematizar sobre o neoliberalismo

como forma de captura da infância contemporânea de forma a inseri-la num universo

de consumo.

Sendo assim, percebemos a infância - que ao longo dos séculos vem sendo

caracterizada pelo discurso moderno - como um objeto de desejo. É aquilo que os

adultos sabem ou acreditam saber sobre ela. Deste modo, é possível observar como

a criança é “moldada” numa sociedade em que desde os primórdios busca um

“adulto perfeito”, um padrão de ser humano, que a partir dos ensinamentos poderá,

um dia, participar da “pólis” (KOHAN, 2011). Esta busca pela criança ideal, a meu

ver, acabou perdendo-se pelo caminho e tomou outras proporções. A sociedade e

suas políticas de governo vigentes introduzem na infância uma espécie de objetivo,

ou seja, precisa-se incutir nas crianças uma cultura que alie o consumo e os

interesses sociais.

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O neoliberalismo, de alguma maneira, interfere nos modos de ser criança

hoje, o mercado de consumo, cada vez mais acelerado, em que “a maioria dos bens

valiosos perde seu brilho e sua atração com rapidez [...]” (BAUMAN, 2008, p. 45)

captura nossos pequenos desde muito cedo. Ensinamos as crianças a consumir, ora

elas já nascem em uma sociedade dita do consumo6, nada mais justo que participem

desta. Sendo assim, abordarei mais especificamente neste capítulo as questões em

que o consumo está envolvido, principalmente diante da infância contemporânea.

5.1 O indivíduo inserido na cultura do consumo

Estamos inseridos em uma sociedade que advém do consumismo, onde as

políticas neoliberais se fazem valer a partir da competição, isto é fato. Contudo, vale

ressaltar que o indivíduo, mais especificamente a criança, é colocado no jogo

econômico precocemente. Como já disse anteriormente, a infância é investigada a

todo o momento e essa investigação torna-se um mecanismo de captura, é preciso

conhecer e compreender o que se deseja “apreender”.

Seguimos acompanhando mudanças no cenário social que envolvem

economia, política e cultura. A sociedade contemporânea se constitui a partir de

práticas econômicas capitalistas, que visam o lucro e a máxima participação de seus

indivíduos no mercado de consumo. A lógica neoliberal, aliada à nova cultura de

consumo, produz novos sujeitos econômicos e a infância está diretamente ligada a

isso. Cada vez mais, intensificam-se desejos, vontades e necessidades, diante de

um mercado de produtos que “seduz” seus clientes. Contudo, é preciso ressaltar que

o consumo é algo natural, é a condição para a sobrevivência do ser humano,

necessidades básicas precisam do consumo e esta prática é vista em diferentes

formas de vida, em diferentes tempos (BAUMAN, 2008).

Podemos considerar o consumo como benéfico, pois o indivíduo da

sociedade contemporânea nasce nesta cultura em que o consumir é visto como algo

necessário. Consumir é bom, há vantagens nisso. O neoliberalismo nos mostra o

6 Refiro-me a Bauman (2008) em sua obra intitulada “Vida para consumo: a transformação das

pessoas em mercadoria”.

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caminho para o consumo, estamos inseridos nesta lógica de governo, participamos

dele. Baudrillard (1995, p. 15) nos atenta para o que chama de “evidência fantástica

do consumo e da abundância”, em que a produção crescente e a multiplicação de

objetos tornam-se parte integrante da existência humana. O autor nos faz pensar a

partir de uma mudança de ênfases sobre a produção de “objectos”7. Salienta que

“Actualmente, somos nós que os vemos nascer, produzir-se e morrer, ao passo que

em todas as civilizações anteriores eram os objectos [...] que sobreviviam às

gerações humanas” (BAUDRILLARD, 1995, p. 15). Assim, podemos associar a ideia

de Baudrillard (1995) aos estudos de Bauman (2008) no que se refere à volatilidade

dos acontecimentos, principalmente na esfera econômica. A produção atual é

destinada ao consumo, precisamos consumir os produtos oferecidos pelo mercado a

partir de nossos desejos/vontades/necessidades, contudo, como vemos em Bauman

(2008), na era sólido-moderna, a produção era destinada ao acúmulo de bens,

diferentemente dos dias atuais quando a durabilidade não pode mais ser

compreendida como antes, é preciso comprar para posteriormente descartar, a

sociedade passou a ser de produtores para consumidores (BAUMAN, 2008).

A cultura do consumo constitui os indivíduos da sociedade contemporânea,

consumir faz parte do seu cotidiano. Bauman (2008) salienta:

Numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação (ou seja, ver e tratar o consumo como vocação). Nessa sociedade, o consumo visto e tratado como vocação é ao mesmo tempo um direito e um dever humano universal que não conhece exceção (BAUMAN, 2008, p. 73).

Assim, vemos o consumo como aspecto relevante nos modos de vida

contemporâneos, ele vai muito além da compra e venda de produtos, o consumo

adentra um campo muito delicado, investe no ser humano, pois “além de consumir,

também nos transformamos em mercadorias e somos consumidos” (ANDRADE;

COSTA, 2010, p. 234, texto digital). Em concordância com a ideia de Andrade e

Costa (2010, texto digital), percebemos que o consumo acaba por ser a principal

peça de um quebra-cabeça que constitui a vida social hoje. Diferentemente de

7 Termo utilizado por, BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: ed. 70, 1995.

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tempos passados, ele deixa de ser algo corriqueiro e passa a assumir um papel

central nas diferentes formas de vida atual.

Através da cartografia e tendo o diário de campo como principal ferramenta,

apresento um fragmento relevante em relação ao consumo que venho

problematizando desde o início da escrita.

Quadro 4 – Diário de Campo (18/07/14).

Diário de Campo

Observando a conversa de quatro meninas:

No corredor, as quatro falavam sobre sapatos:

- O meu é novo.

- O meu é rosa.

- O meu é mais alto que o de vocês.

- O meu é da Barbie.

Fonte: do autor (2014).

O episódio do corredor envolvendo os sapatos foi de extrema relevância para

minha investigação. Observei a conversa das meninas sem questioná-las. O

momento me afetou pelo fato de estarem argumentando o porquê de estarem

usando determinados calçados, havia certa necessidade em dizer se era novo, ou

mais alto, ou de algum personagem, enfim, foi uma cena de competição em que elas

precisavam justificar que o “seu” era melhor que o das colegas. Foi possível

perceber o consumo como protagonista naquele momento, as meninas precisavam

“vender” seus produtos, as argumentações deixam isso claro, cada calçado com

suas características.

Como venho destacando desde o início da escrita e minha intenção é de

problematizar as formas de vida das crianças diante da contemporaneidade, é

relevante analisar os processos de captura desta infância que vem sendo constituída

a partir do neoliberalismo. Analisar os modos de ser criança na sociedade neoliberal

torna-se um objetivo específico de minha investigação. A sociedade de consumo

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que Bauman (2008) nos traz, evidencia de forma bastante significativa as reais

condições do indivíduo contemporâneo, uma “insatisfação” permanente que

compreende uma busca incessante da realização de desejos. Assim, como pensar

na criança que nasce nesta lógica neoliberal e é inserida nas mais diversas formas

de consumir? De que maneira a infância contemporânea é “apreendida” neste

universo de consumo e competição? Tais problemáticas engendram um

emaranhado de respostas e significados, entretanto, acredito ser de extrema

importância analisar o cenário atual, especificamente a infância destes tempos pós-

modernos que é ofertada pela cultura do consumo.

5.2 A infância na contemporaneidade

A infância vem sendo estudada ao longo dos tempos, entretanto, a partir do

estudo feito por Philippe Ariès, intitulado “História social da criança e da família”,

podemos compreender que esta é uma criação da modernidade. Sendo ela algo que

foi concebido pelo mundo moderno, é relevante salientar que anterior a esta

“descoberta” a criança não era vista como tal, a condição da época impossibilitava

os adultos de reconhecerem os pequenos. A partir disso, é possível perceber a

infância como algo “produzido” através dos tempos, pois os inúmeros discursos

associados a ela dão conta disso. Independentemente da época, os adultos inseriam

na criança aquilo que almejavam para o futuro.

Durante alguns séculos, a criança foi sendo caracterizada como ingênua, boa

e dócil, o que nos remete aos discursos em torno da etapa inicial da vida, que se

modificam conforme os tempos. A infância é reinventada constantemente, não seria

possível afirmar que a infância descoberta por Ariès perpetue através dos tempos,

até porque os seus sentimentos também variam. Digo, no sentido de que as formas

como vemos e tratamos as crianças se modificam, elas podem ser vistas como

“engraçadinhas” conforme os estudos de Ariès, entretanto, possuem uma série de

habilidades que os pequenos do século XVII não possuíam. E quem as habilitou

para estas inúmeras capacidades? O tempo e as distintas formas de organização

das sociedades, pois, se as crianças na contemporaneidade conseguem manusear

um tablet com tanta facilidade, é porque estão inseridos em uma cultura tecnológica,

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ou seja, nascem dentro dessa esfera midiática. O mesmo ocorre em relação ao

consumo. Se a infância hoje vem sendo capturada pela oferta de produtos numa

sociedade de consumidores/competidores é porque temos como racionalidade

política o neoliberalismo, isto é, organizamos nossas vidas a partir dele e as crianças

nascem dentro desta lógica de governo.

Pensando no neoliberalismo e suas implicações na vida das crianças,

apresento um fragmento do meu diário de campo em que procuro pistas

cartográficas na intenção de questionar esses modos de ser criança na

contemporaneidade, principalmente no meio midiático.

Quadro 5 – Diário de Campo (04/08/14).

Diário de Campo

“Eu preciso ganhar!” “Vou ganhar muito dinheiro.” “A coroa já é minha.” “Eu não

admito perder nunca. Nunquinha”.

Falas de meninas participantes de concursos de beleza, no programa PEQUENAS

MISSES, que passa na TV a cabo.

Competição incutida desde cedo.

Fonte: do autor (2014).

Supermaquiadas, bronzeadas, com figurinos luxuosos, olhares sensuais,

postura de adultas, inúmeros outros aspectos poderiam ser citados em relação às

meninas observadas no programa de TV. Podemos observar uma carga de

responsabilidade lançada sobre estas meninas em que o desejo de vencer torna-se

certa necessidade, ou seja, é preciso ganhar a coroa, o dinheiro, deixar a família

feliz. Os padrões de beleza infantis que os concursos impõem acabam por moldar

meninas em princesas, mas não somente isso, a competição ganha força num

ambiente em que se precisa mostrar que é melhor e mais bela.

Deste modo percebemos como a infância vem sendo constituída perante

práticas consumistas, o que significa que ela tem sido um objeto de desejo do

mercado de consumo, pois é desde cedo que a criança é envolvida num universo de

produtos. Um ideal de infância é produzido diante da lógica neoliberal, ou seja, uma

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“infância que consome”. “As crianças ganharam um novo status não apenas como

cidadãs, mas também como consumidoras: elas são vistas como um mercado cada

vez mais valioso [...]” (BUCKINGHAM 2007, p. 113). A partir disso, podemos

perceber como vão sendo propagadas diferentes culturas infantis através dos

tempos. A criança de dez anos atrás não pode ser comparada à de hoje, pois os

modos de vida modificaram-se, criaram-se novos costumes, novos olhares, novos

sistemas econômicos e as constantes transformações ocorridas na sociedade e na

cultura dos seus membros produzem “infâncias” distintas entre si, que não podem

ser analisadas singularmente.

Destaco um momento relevante que registrei em meu diário de campo, do

primeiro ensaio cartográfico, quando a Larissa, a Ana Clara e eu conversávamos

sobre crianças e eu lhes contava como havia sido minha infância.

Quadro 6 – Diário de Campo (07/09/2014).

Diário de Campo

MOMENTO MAIS MARCANTE!

Falei para as crianças que na minha infância não tinha celular, tablet, notebook,

SKY para olhar programações variadas.

As duas arregalaram os olhos, se olhando superespantadas.

- Nem computador? (Larissa)

- É, mas pelo menos vocês brincavam. (Ana Clara)

Fonte: do autor (2014).

A partir da fala da Larissa, é interessante pensar que as crianças inseridas

nesta sociedade neoliberal não se veem sem aparelhos eletrônicos, é comum para

elas tê-los inseridos no cotidiano. Contudo, diante da fala da Ana Clara, fiquei um

tanto inquieta pelo fato de ela afirmar que eu brinquei na minha infância. Tentei

continuar a conversa, para lhe questionar sobre o que seria brincar, no entanto, ela

findou por aí. Enquanto escrevia no diário, repensei o porquê de ela ter falado

aquilo, será por que sua agenda de compromissos está sempre cheia? Será por que

precisa sair da escola e “correr” para patinação? Que talvez o ócio deva ser

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otimizado com atividades formalizadas? Ou talvez quando esteja em casa a

atividade mais praticada seja o manuseio do seu tablet ou a apreciação de

programas de TV?

Conforme Schmidt (2010, p. 01, texto digital), “Vivemos um tempo no qual

nossas crianças nasceram na era do consumo e são persuadidas para seguir as

lições da educação continuada ou para o eterno ato de consumir”. É possível

perceber como a infância contemporânea tem sido “fisgada” pelo mercado de

consumo de tal modo, que as crianças precisam assumir um papel de consumidores

muito precocemente. As campanhas publicitárias que envolvem o público infantil

estão presentes nas mais variadas mídias, contudo é possível observar a televisão

como grande protagonista no que se refere ao consumo infantil.

Sobre a televisão, Fischer (2006) afirma:

Nesse sentido, defendo a tese de que a TV, na condição de meio de comunicação social, ou de uma linguagem audiovisual, específica ou ainda na condição de simples eletrodoméstico que manuseamos e cujas imagens cotidianamente consumimos, tem uma participação decisiva na formação das pessoas – mais enfaticamente, na própria constituição do sujeito contemporâneo (FISCHER, 2006, p. 15).

De acordo com a ideia da autora, percebemos que a televisão é, sim, parte

integrante da constituição do sujeito contemporâneo, de tal modo que passa a ser

figura central nos mais variados lares. A criança entra em contato com a TV muito

antes de adquirir a fala. Ela “absorve” suas imagens desde muito cedo, o aparelho

acompanha o seu crescimento. Deste modo, cabe a nós uma questão: como os

sujeitos infantis estão se constituindo atualmente? Diante de telas dos mais variados

tamanhos, sendo envolvidos pelas mais bem pensadas propagandas publicitárias

que além de vender produtos infantis, utilizam a criança para o consumo adulto,

“elas são assediadas pelo mercado como eficientes promotoras de vendas de

produtos direcionados também aos adultos” (SCHMIDT, 2010, p. 02, texto digital).

A respeito disso, destaco o seguinte fragmento retirado do meu diário de

campo, em que foi possível perceber a relação que as crianças têm com produtos

destinados aos adultos e o poder de decisão das crianças nas aquisições dos pais.

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Quadro 7 – Diário de Campo (14/09/14).

Diário de Campo

- Meu pai vai trocar de carro, vai pegar uma SPIN de sete lugares. (Vicente)

- Nossa que tri. (Larissa)

- Tu sabia que é o meu pai que vende os carros pro teu?(Ana Clara)

- Sim a gente vai junto escolher e vê ele lá sempre. (Carolina)

Fonte: do autor (2014).

É perceptível a inserção dos sujeitos de pesquisa citados acima num

ambiente de consumo adulto. O poder de decisão das crianças ocupa um lugar

central na família. As escolhas dos pais têm de ser válidas para os filhos. A criança

numa sociedade neoliberal em que as práticas de consumo prevalecem é educada

desde muito cedo a saber escolher, e o episódio citado nos mostra isso, pois os

filhos participam da compra do carro da família.

A infância contemporânea também está diretamente associada às mídias

eletrônicas, uma vez que as crianças acompanham diariamente os avanços

tecnológicos. A televisão faz parte de sua vida de forma direta, no entanto, acreditar

que os sujeitos infantis são totalmente influenciados pelas mídias em geral pode ser

um tanto delicado de pensar. Buckingham (2007, p. 277) argumenta sobre esta

infância nascida na era midiática “[...] a visão tradicional das crianças como passivas

e vulneráveis vai sendo desafiada pela visão mais recente de que elas têm uma

competência inata para as mídias e de que „sabem tudo‟ sobre elas”. A criança de

hoje traz consigo uma bagagem natural midiática, pois nasce neste ambiente

tecnológico e a partir dele é educada para o consumo.

Foi possível observar, a partir dos ensaios cartográficos, a relação que a

criança tem com a mídia, especificamente a TV. A partir das falas do Vicente e da

Carolina, fui percebendo certa facilidade em relatar o que assistem na TV, se veem

crianças fazendo propaganda, que produtos elas oferecem, se sabem dizer as

marcas vendidas nos comerciais... Isso me remeteu a uma educação midiática, pois

ambos se apropriavam dos comerciais fazendo articulações sonoras iguais às da

televisão.

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Quadro 8 – Diário de Campo (10/09/14).

Diário de Campo

-Tem muitos bebês que fazem propaganda. (Vicente)

-Huggies turma da Mônica. (Vicente)

- Bebê bolinha. (Carolina)

- Tem propaganda pra assinar a Claro HDTV. (Carolina)

- Tem uns brinquedos de “leguinho”. (Vicente)

- E também aparece criança quando aparecem brinquedos, elas estão brincando

nos brinquedos. (Carolina)

- Para dar mais vontade ainda das crianças comprar as coisas. (Carolina)

Fonte: do autor (2014).

Outro aspecto relevante que as crianças investigadas trouxeram durante o

terceiro ensaio cartográfico e que de certa forma afetou-me, foi o momento das

“selfies”.

Quadro 9 – Diário de Campo (14/09/2014).

Diário de Campo

- Vamos tirar uma selfie? (Ana Clara)

- Depois tu me passa pelo face. (Carolina)

- Camila faz uma selfie de todo mundo contigo. (Carolina)

O tablet ora ficava esquecido sobre o banco ora era disputado por todos.

Fonte: do autor (2014).

A seguir estão as “selfies” tiradas no dia do terceiro ensaio cartográfico.

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Figura 3 – Vamos fazer uma “selfie”?

Fonte: do autor (2014).

Atualmente, a aliança entre consumo e infância vem sendo fortalecida através

da mídia, pois as crianças passaram também a consumir imagens e não somente os

produtos contidos nelas. Segundo Momo e Costa (2010, p. 979, texto digital) “as

imagens que passam por nós, e pelas quais passamos, atuam tanto na produção

como na articulação e negociação de significados. Elas produzem identidades,

instauram verdades e constituem sujeitos”.

Esta constituição de sujeitos proposta pelas autoras está aliada “à lógica

neoliberal, em que as formas de governamento são dissolvidas e pulverizadas em

muitos e diferentes espaços sociais” (COUTINHO, 2009, p. 175). A mídia, mais

especificamente as propagandas, podem ser caracterizadas como um “espaço

social” que determina modos de ser e estar na sociedade. As propagandas

publicitárias diariamente mostram crianças como consumidoras, pois elas fazem

parte deste universo de compra e venda, ou seja, são “convidadas” a participar dele.

Conforme Pereira (2002, p. 84, texto digital), “[...] a criança é levada ao status de

cliente, isto é, um sujeito que compra, gasta, consome e, sobretudo, é muito

exigente”.

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A criança hoje se depara com uma infinidade de produtos e serviços

destinados para sua idade, seja nos materiais escolares, em roupas, sapatos, seja

nos programas destinados ao seu público. Cabe salientar que não há uma

específica classe social incutida na cultura do consumo, uma vez que na sociedade

neoliberal, todos são convocados a participar destes movimentos de compra e

venda. O consumo é para todos, desde a criança dita “rica”, até aquela das camadas

mais populares. Segundo Momo e Costa (2002, texto digital):

Encontramos puxando mochilas de rodinhas da Barbie, das Meninas Superpoderosas e do Homem-Aranha tanto crianças de uma escola particular renomada, frequentada por estudantes de elevado poder aquisitivo, quanto crianças de escolas da vila, mesmo que tais mochilas provavelmente sejam artigos com preços bem distintos (MOMO; COSTA, 2002, p. 984, texto digital).

Percebemos que, a partir de Andrade e Costa (2010, p. 238, texto digital), “a

transformação das crianças em consumidores ocorre independentemente da

condição social ou econômica”, isto é, as políticas de governo neoliberal incluem

todos num jogo econômico, trazendo o consumo como grande protagonista na

sociedade contemporânea.

A cultura do consumo tem assumido um papel de grande significância na vida

social atual, pois as transformações ocorridas na sociedade e nas formas de

consumir fazem com que a vida seja organizada a partir do consumo, resultando

assim em uma significativa parcela disso tudo na constituição da infância

contemporânea (ANDRADE; COSTA, 2010, texto digital). A criança passa a

consumir para entrar num jogo econômico sem fim, em que a mídia e o marketing

tornam-se aliados do neoliberalismo para a “moldagem” dos indivíduos na sociedade

(VEIGA-NETO, 2000, texto digital).

No entanto, a criança tem assumido um papel que lhe garante múltiplas

escolhas no momento da compra de produtos. Não podemos generalizar a questão

de as crianças serem influenciadas por propagandas, pois elas sabem escolher e

têm capacidade para isso, bem como conseguem distinguir coisas de boa ou má

qualidade.

Destaco algumas falas registradas em meu diário de campo, em que percebi

como as crianças “desconfiam” do que veem na TV.

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Quadro 10 – Diário de Campo (10/09/2014).

Diário de Campo

- Tem coisas que a gente pensa que é muito legal, só depois estraga. (Vicente)

- Também, eles colocam magia nas coisas, tipo na TV eles colocam efeito especial

nas coisas. (Carolina)

- Tipo assim, eles colocam os “leguinhos” que se mexem sem colocar a

mão.(Vicente)

Fonte: do autor (2014).

O que podemos perceber é o grau de suspeita que ambos têm em relação

aos produtos oferecidos nas propagandas. A partir das falas do Vicente e da

Carolina, podemos compreender que a mídia e o marketing, apesar de suas

investidas no universo infantil, nem sempre conseguem influenciar as crianças.

Saber escolher, tendo em mente o que é bom ou ruim, torna-se característica de

bons consumidores. Sendo assim, a infância contemporânea que vem sendo

destacada nesta pesquisa, nem sempre é influenciada, pois os indivíduos inseridos

desde cedo no mercado de consumo acabam tornando-se exigentes e capazes de

fazer múltiplas escolhas.

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6 PISTAS EM MEIO A UM EMARANHADO DE LINHAS

Terminar. Acabar. Finalizar. Concluir. De certa forma isso não será

compreendido aqui. Digo isso, no sentido de ser impossível simplesmente encerrar

um estudo tão significativo que me acompanhou no decorrer deste ano de 2014.

Sim, minhas inquietações são anteriores, mas foi a partir do Trabalho de Conclusão

de Curso que pude adentrar no campo da pesquisa, problematizar, observar,

pensar, fazer intervenções, me afetar, enfim, a grande jornada percorrida até aqui

não pode terminar abaixo de um título.

Pensar nesta infância contemporânea, com seus diferentes modos de ser

criança diante de uma sociedade neoliberal foi muito significativo, principalmente por

ter a cartografia como aliada na metodologia da pesquisa. Acredito que a cartografia

me ajudou a habitar mundos desconhecidos, pois, durante o período de

investigação, ocupei lugares pouco explorados, um tanto esquecidos e que, de certa

forma, precisam ser desnaturalizados.

Perceber a infância como algo diferente daquilo que nos é comum foi meu

grande desafio como pesquisadora. Propus-me a pensar os modos de ser criança

em uma sociedade neoliberalista, em que o tempo precisa ser otimizado, em que o

consumo e a competição são grandes aliados, em que a criança aprende, desde

cedo, a escolher, em que a infância é plural. No entanto, pluralizar a infância é algo

difícil, pois percorremos caminhos históricos acreditando saber tudo sobre a criança,

produzimos um mundo para ela, oferecemos produtos, paparicamos e, sem

esquecer, a educamos.

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Diante desta infância que é educada, corrigida, envolvida, colocada nos

padrões ideias de ser criança, está algo que desobedece a qualquer ordem, um

misto de sentimentos, inquietações, provocações, um devir. O devir-criança está

presente naquilo que não é visto, no que fica difícil de perceber, ele se esconde,

“está sempre entre ou no meio” (DELEUZE, 2006, p. 11).

Vou encerrar a escrita do meu trabalho a partir de Kohan (2004), com

provocações e não conclusões. Não vou apresentar respostas e sim interrogações,

não vou destacar os dados coletados, até por que eu não os coletei e sim os produzi

juntamente com meu grupo de pesquisa, enfim, esta etapa final da minha

investigação será pautada na busca por problematizações e não por respostas.

Acredito que a “boa” pesquisa não é aquela que nos traz resultados, números,

índices, estatísticas e sim, nos apresenta o percurso das provocações, da dúvida, da

suspeita, da indecisão, da indagação, um caminho cheio de bifurcações e

encruzilhadas, em que a busca por respostas acaba se perdendo durante o trajeto.

Apresento minhas provocações a partir de Kohan (2004) e seus conceitos de

macro e micropolítica. Para o autor, o espaço da macropolítica compreende “o

Estado, os segmentos molares, binários por si mesmos, concêntricos, ressonantes,

exprimidos pela Árvore, princípio de dicotomia e eixo de concentricidade” (KOHAN,

2004, p. 61). No viés da macropolítica observa-se a história, as maiorias, o tempo

cronológico, chrónos, o modelo, os espaços molares (KOHAN, 2004). Contudo, a

micropolítica, segundo Kohan (2004, p. 61), valida-se pelos “segmentos

moleculares, o rizoma, onde as binaridades vêm de multiplicidades, e os círculos

não são concêntricos”. Segundo o autor, a micropolítica percorre os espaços das

minorias, do tempo áion, das linhas de fuga, interrompe a história, gerando um novo

início (KOHAN, 2004).

A partir disso, retomo o tema de minha pesquisa e adentro no campo infantil

para pensar na infância contemporânea a partir dos conceitos de Kohan (2004).

Diante do referencial teórico, dos ensaios cartográficos realizados com o grupo de

pesquisa, do olhar atento ao que me cercava, tanto das crianças participantes como

em outros momentos, as escritas no meu diário de campo, enfim, todo este conjunto

de percepções me fez compreender dois modos de ver a infância, assim como

Kohan (2004) nos traz. Dois modos que se distinguem entre si, que não podem ser

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comparados e nem qualificados. Dois espaços que estão entrelaçados, que são

reais, que se habitam, que não se distanciam (KOHAN, 2004).

Conforme Kohan (2004) nos mostra, é possível perceber a existência de uma

infância que é macro, que pode ser vista tanto na Modernidade, quanto na

Contemporaneidade, que é linear, que precisa ser educada, planejada, aquela que

participa do mercado de consumo e que vive a lógica neoliberal. Uma infância

cronológica, regrada, cheia de compromissos, em que a criança aprende a competir

e a consumir desde cedo, como aparece no quadro 5, meninas evidenciando sua

beleza e a vontade de ganhar, o que aos poucos vai se tornando uma necessidade.

No entanto, a partir de minhas investigações, e observando os deslocamentos

presentes da infância moderna para a contemporânea, pude perceber a existência

de uma infância como nos diz Kohan (2004) que é micro, que rompe com a lógica

neoliberal, que subverte o consumismo, que produz microrrevoluções diárias. Uma

infância que não obedece a um tempo cronológico, que não estabelece modelos,

que brinda o acontecimento, que incentiva a criação e que, acima de tudo, escapa

dos limites propostos pela sociedade. Conforme Larrosa (2010), toda criança é algo

novo, ela traz consigo a inovação e a criação, é preciso compreender a infância

como imprevisível. Foi possível ver isso no quadro 3, em que as meninas

observavam as nuvens, quando o inusitado prevalecia e a infância era vista como

“outra”.

Durante minha pesquisa, procurei mostrar os deslocamentos da infância

concebida na Modernidade, para a infância contemporânea, bem como os modos de

vida das crianças numa sociedade neoliberal. A partir das considerações feitas por

Kohan (2004), observo a existência de uma infância macro, que vive na corrente do

neoliberalismo, contudo, foi possível perceber também uma contracorrente, que não

necessariamente está inserida na lógica consumista, uma infância que é micro, que

se move a partir das minorias (KOHAN, 2004). As crianças nascem em uma

sociedade neoliberal e são inseridas em uma cultura de consumo precocemente,

isso ficou claro em minha investigação. No entanto, o que teve grande evidência

também foi a questão de existir um modo de vida que se contrapõe à lógica do

neoliberalismo, ou seja, que se pode, sim, viver nesta contracorrente. As crianças

não estão fadadas a serem competitivas e consumistas, mesmo que a sociedade

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tente incorporar isso a elas através dos mecanismos que apreendem a infância

contemporânea em um mundo midiatizado e consumista.

Vale ressaltar que, conforme Kohan (2004), ambas, macro e micro infância,

diferem no que diz respeito à temporalidade. Enquanto a primeira se orienta a partir

da “continuidade cronológica, da história, das etapas do desenvolvimento, das

maiorias e dos efeitos” (KOHAN, 2004, p. 62), a segunda é vista como “experiência,

como acontecimento, como ruptura da história, como revolução, como resistência e

como criação” (KOHAN, 2004, p. 62). Conforme Kohan (2004), a infância

contemporânea, perpassa por estes dois espaços, por estas duas temporalidades,

“as linhas se tocam, se cruzam, se enredam, se confundem” (KOHAN, 2004, p. 63).

Sendo assim, volto ao meu problema de pesquisa retomando minhas

percepções a partir da investigação realizada. Diante desta infância contemporânea,

que vive na corrente neoliberal, que participa ativamente do mercado de consumo, é

possível destacar uma infância que é “outra”, que é vista como potência, como

criação, que possui linhas de fuga, que sai do lugar comum, adentrando num campo

desconhecido, inusitado, um devir (KOHAN, 2004). Meus sujeitos de pesquisa me

mostraram isso, pois, durante os ensaios cartográficos, pude perpassar pelas

infâncias das maiorias e das minorias, pela infância molar, que consome, que ajuda

na escolha do carro da família, que leva o tablet para a escola, que assiste a

programações diárias da TV por assinatura, que escolhe a roupa que quer vestir,

que segue a o fluxo neoliberalista. Contudo, caminhei por estradas moleculares, pela

infância que prioriza o acontecimento, que desconfia da publicidade, que observa as

nuvens, que não obedece a um tempo específico, que possui linhas de fuga, que

inventa e é inventada (KOHAN, 2004).

Diante de todas essas percepções e provocações, ainda tenho em suspenso

a questão para a qual não pretendo encontrar respostas ou verdades: o que pode

ser a infância? Pesquisar sobre a infância contemporânea me fez mergulhar neste

espaço tão questionado e problematizado por nós, adultos, fez-me seguir uma

trajetória na qual o destino ainda estou a procurar, talvez encontre, talvez este seja

um desencontro permanente. Talvez seja preciso desnaturalizar tudo aquilo que

acreditamos saber sobre a infância e habitar um tempo, como noz diz Kohan (2004),

minoritário, molecular.

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Por fim, apresento uma imagem que representa o que pode ser a infância. A

representação a seguir foi feita durante a oficina “Educação e Infância: encontros

com as artes, a literatura e o cinema”, promovida pelo Curso de Pedagogia, na

Semana Acadêmica do Centro de Ciências Humanas e Sociais (2014B), que

consistia em como mostraríamos para um ser de outro mundo, que não conhecesse

criança, o que é a infância. A partir de todo meu estudo nesta monografia, bem

como durante o percurso acadêmico, não tenho respostas prontas e nem verdades

construídas. Deixo apenas provocações e um emaranhado de conceitos que

perpassam entre este grande rizoma8 que chamamos de Infância.

Figura 4 – O que pode ser a infância?

Fonte: do autor (2014).

8 Termo utilizado por Walter Kohan. KOHAN, Walter O. A infância da educação: o conceito devir-

criança. In: KOHAN, Walter O. (org). Lugares da infância: filosofia. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

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ANEXOS

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ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os familiares

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, __________________________________, aceito que meu/ minha filho

(a) __________________________________participe do projeto de pesquisa

“Infância Contemporânea e Consumo: Uma aliança na Sociedade Neoliberal”, de

responsabilidade da pesquisadora Camila Sauter, acadêmica do Curso de

Pedagogia do Centro Universitário Univates. Esta pesquisa tem como objetivo

compreender os modos de ser criança na sociedade neoliberal, investigando a

infância contemporânea e sua relação com o consumo.

Fui esclarecido (a) de que a pesquisa poderá se utilizar de observações, gravações

e fotografias dos encontros com a pesquisadora. As fotografias que serão geradas

terão o propósito único de pesquisa, respeitando-se as normas éticas quanto ao seu

uso. Autorizo a pesquisadora a utilizar o primeiro nome do meu filho (a) na escrita do

trabalho.

Esse trabalho pode contribuir no campo educacional, por isso, autorizo a

divulgação das imagens fotográficas para fins exclusivos de publicação e divulgação

científica e para atividades formativas de educadores.

Eu, ______________________________, R.G nº ______________________,

responsável por _________________________________declaro ter sido informado

e autorizo a participação do meu filho (a) no projeto de pesquisa acima descrito.

Lajeado, 16 de agosto de 2014.

____________________________ _________________________

Assinatura do responsável legal Assinatura do pesquisador