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FCTUC - Departamento de Arquitectura Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra Centros de Arte Contemporânea em edifícios históricos: Três casos de estudo Isabel Maria Freitas e Meira Rodrigues Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura Orientador: Professor Arquitecto João Mendes Ribeiro Coimbra, Junho de 2012

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FCTUC - Departamento de Arquitectura Faculdade de Cincias e Tecnologia Universidade de Coimbra

Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos:Trs casos de estudo

Isabel Maria Freitas e Meira Rodrigues Dissertao de Mestrado Integrado em Arquitectura Orientador: Professor Arquitecto Joo Mendes Ribeiro Coimbra, Junho de 20121

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Agradecimentos

Ao Prof. Arquitecto Joo Mendes Ribeiro pela orientao e disponibilidade constante. Me, Pai. Mafalda, Cruz. Eurico. Vocs sabem que isto tambm fruto vosso, Pela educao, pelo apoio e pelo crescimento lado a lado. famlia que o pilar fundamental de qualquer ser. Mariana, Joana, Sara e Joo. Aos meus amigos e colegas pela fora nesta e noutras batalhas.

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ndiceResumo........................................................................................................................ 9 Abstract ..................................................................................................................... 11 Introduo ................................................................................................................ 13 I. Captulo _Centros de Arte Contempornea: funes, identidade, adaptao 19 1. Evoluo das funes e da comunicao ............................................................ 21 2. Museu: entre mediatizao e identidade urbana ................................................ 43 3. Adaptao de edifcio histricos a museus e centros de arte contempornea ..... 59 II. Captulo _Edifcios reabilitados para instalao de Centros de Arte Contempornea: trs casos de estudo .............................................. 73 4. Museu de Arte Contempornea de Elvas ........................................................... 75 4.1. Edifcio .................................................................................................... 77 4.2. Programa................................................................................................. 85 4.3. Projecto ................................................................................................. 101 5. Centro de Memria.......................................................................................... 115 5.1. Edifcio .................................................................................................. 117 5.2. Programa............................................................................................... 125 5.3. Projecto ................................................................................................. 131 6. Centro de Arte Contempornea de Bragana .................................................. 143 6.1. Edifcio .................................................................................................. 145 6.2. Programa............................................................................................... 151 6.3. Projecto ................................................................................................. 159 Concluses/Consideraes Finais ........................................................................ 173 Bibliografia............................................................................................................. 185 Fontes da imagens ................................................................................................. 195 Anexos ..................................................................................................................... 205

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ResumoA actualidade dos temas relacionados com os museus levou realizao de uma tese que desenvolve temas actuais como a importncia da arquitectura dos edifcios dos Centros de Arte Contempornea na sua projeco internacional e na revitalizao das cidades onde se inserem, as suas novas funes, a sua comunicao e mediatizao e o seu papel na sociedade e na cidade. A reabilitao de edifcios para Centros de Arte Contempornea um tema iniciado com uma reflexo internacional e desenvolvido nesta dissertao, atravs da analise de trs casos de estudo representativos de museus e centros de arte contempornea instalados em edifcios preexistentes, em Portugal, no princpio do sculo XXI. Os casos em estudo so o Centro de Memria em Vila do Conde, o Centro de Arte Contempornea de Bragana e o Museu de Arte Contempornea de Elvas. Na reflexo efectuada sobre cada caso de estudo realizado um enquadramento histrico e arquitectnico do edifcio antes da interveno, uma descrio do programa a implementar e como este se insere no edifcio, e por ltimo uma reflexo sobre a interveno e o enquadramento desta na obra do arquitecto, procurando compreender a continuidade e rotura com outras obras.

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AbstractThe relevance of the issues related to the museums led to the realization of a thesis that develops current topics such as the importance of buildings architecture in Centers of Contemporary Art, in its international projection and the revitalization of the cities where they are inserted, their new functions, their comunication and mediatization and their new role in society and in the city. The rehabilitation of buildings for Contemporary Art Centers is a topic that started with an international reflection and developed in this thesis through the analysis of three case studies of Contemporary Art Centers and centers installed in existing buildings in Portugal, in the begining of the XXI century. The case studies are the Memory Center in Vila do Conde, Braganas Contemporary Art Center and Elvass Contemporary Art Center. In the reflection made on each case study is done a historical and architectural background of the building before the intervention, a description of the program to be implemented and how it fits into the building, and finally a reflection on the intervention and the context in the work of the architect, trying to understand the continuity and rupture with other works.

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IntroduoO papel dos museus na sociedade tem sofrido grandes alteraes nas ltimas dcadas. A funo de preservao e estudo mantm-se como base, mas novos desafios so lanados aos museus, que questionam a sua forma de organizao, a relao com a sociedade, o contacto com as coleces e a comunicao com o pblico. Os museus tm estado subjacentes a adaptaes e inovaes, nunca abandonando as suas funes paradigmticas de preservar, estudar e comunicar. O aumento constate do nmero de museus conduz necessidade de alcanar mais e melhor visibilidade, impondo alteraes na forma como os museus se apresentam e comunicam. O museu funciona cada vez mais como uma entidade comunicadora, interventiva na sociedade, que aposta na divulgao e em novos programas para captar novos pblicos e novos mecenas, fundamentais sua manuteno. Novas competncias so chamadas aos museus nas reas da programao, do marketing e da comunicao. A procura de novas imagens arquitectnicas museais mediticas so tambm uma importante alavanca na projeco nacional e internacional dos mesmos, produzindo mediatizao comparvel s das obras que albergam. O turismo cultural e todas as actividades ligadas ao lazer e consumo viveram uma enorme exploso nas ltimas dcadas, que se reflecte na evoluo das funes dos museus, que procuram cada vez mais projectar a sua imagem junto dos pblicos vidos de lazer. O alargamento dos programas das instituies museolgicas aproximam-nas do conceito de centro cultural, com consequncias na sua concepo arquitectnica. A sua localizao na malha urbana da cidade ou mesmo o seu possvel papel dinamizador da requalificao urbana, potencia tambm este mediatismo dos museus, dando origem por vezes a cones urbanos. A utilizao de edifcios preexistentes com importncia histrica para a instalao de instituies museais foi um dos meios por vezes utilizado para um mais fcil alcance da to desejada mediatizao. Alm de contriburem para a reabilitao de um edifcio com valor arquitectnico mais facilmente se inseriam na sociedade. Este tema merece grande destaque neste trabalho, sendo-lhe dedicado um captulo.13

Depois da exploso do fenmeno Pompidou (1977) e at ao culminar no Museu de Bilbau (1997) o volume de projectos arquitectnicos sobre o tema museu enquanto centro cultural e impulsionador da reabilitao urbana foi vasto e disperso. Foi tambm vasto o nmero de publicaes que acompanhou esse desenvolvimento exponencial destacando-se a obra de Josep Mara Montaner1 e Douglas Davis2. O primeiro publica vrios livros sobre o tema destacando-se Los Museos de la Ultima Generacin (1986), Nuevos Museos, Espacios para el Arte e Cultura (1990) e Museus para o sculo XXI (2003). Douglas Davis publica The Museum Transformed. Design and Culture in the Post-Pompidou Age (1990). Em Portugal os estudos sobre arquitectura de museus, tanto de cariz institucional como trabalhos acadmicos, so pouco frequentes, sendo de destacar o estudo do Professor Doutor Carlos Guimares intitulado Arquitectura e Museus em Portugal Entre Reinterpretao e Obra Nova3 e o estudo da Arquitecta Helena Barranha com o ttulo Arquitectura de Museus de Arte Contempornea em Portugal4. A falta de informao sobre a arquitectura de museus e centros de arte contempornea ainda mais evidente, no sentido da comparao entre museus e com os seus congneres estrangeiros, apesar da existncia de algumas monografias. As obras escolhidas para o aprofundamento do tema foram seleccionadas de entre uma lista de edifcios reabilitados para instalao de museus previamente realizada. Desta lista constavam obras recentes de reabilitao A seleco dos casos de estudo para o desenvolvimento do tema prendeu-se com a sua relevncia do ponto de vista da interveno arquitectnica e da sua relao com o edifcio, a envolvente e o contedo. Os casos de estudo seleccionados so o Centro de Memria em Vila do Conde do arquitecto Manuel Maia Gomes, o Centro de Arte Contempornea de Bragana do arquitecto Eduardo Souto de Moura e o Museu de Arte Contempornea de Elvas do arquitecto Pedro Reis. Pela actualidade do tema e dos casos de estudo que se situam entre 2007 e 2008 a escassez de produo escrita sobre os mesmo revelou-se ainda maior, mas oArquitecto espanhol. Nasceu em Barcelona em 1954. professor catedrtico da Escola Tcnica Superior de Arquitectura de Barcelona e autor de cerca de 35 livros sobre arquitectura. 2 Artista, critico, professor e escritor americano. Nasceu em Washington, D.C. em 1933. 3 Dissertao de Doutoramento em Arquitectura, apresentada na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, em 1998 e publicada em 2004 4 Dissertao de doutoramento apresentada Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 20081

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objectivo do trabalho era esse, abordar temas actuais em casos actuais contribuindo efectivamente para o desenvolvimento do tema. Na recolha de informao para o desenvolvimento dos casos de estudo recorreu-se base de dados do Instituto da Habitao e da Reabilitao Urbana5 (IHRU) complementando-a com o contacto com os arquitectos autores das renovaes que amavelmente disponibilizaram os elementos grficos e documentais necessrios compreenso das obras. A visita aos locais foi tambm fundamental para o contacto directo com os edifcios e uma melhor compreenso dos mesmos, procedendo-se a ao levantamento fotogrfico e recolha de documentao que as direces dos museus cederam. Com destaque para o cenrio europeu, no primeiro captulo realizada uma reflexo sobre o desenvolvimento dos museus nos ltimos trinta anos, balizando o tema a partir de uma obra emblemtica, o Centro Pompidou (1977), que em muito contribuiu para o despoletar das questes abordadas. Essas questes prendem-se com a Evoluo das funes e da comunicao dos museus, o Museu entre mediatizao e identidade urbana e por fim a Adaptao de edifcio histricos a museus e centros de arte contempornea tema central do captulo seguinte. No segundo captulo realizada uma abordagem concreta aos casos de estudo, onde realizada uma descrio prvia do edifcio antes da reabilitao, depois e uma anlise mesma. Neste tema foi importante investigar de que forma a continuidade da identidade arquitectnica dos edifcios originais compatvel com a introduo do complexo programa dos museus e centros de arte contempornea.

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O IHRU um instituto pblico, com personalidade jurdica, dotado de autonomia administrativa e financeira e patrimnio prprio, sob tutela do Ministrio do Ambiente, do Ordenamento do Territrio e Desenvolvimento Regional. actualmente a nica entidade da administrao indirecta do estado com competncias de interveno na rea da habitao e da reabilitao urbana, estando tambm destinada a apoiar a poltica de reabilitao urbana e a reabilitao e gesto do parque habitacional de arrendamento pblico

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I Captulo _ Centros de Arte Contempornea: funes, identidade, adaptao

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Funes, identidade, adaptao

Evoluo das funes e da comunicaoTemos assistido criao de museus sobre as mais variadas razes e temas, como forma de reassegurar a identidade humana e resistir ao processo de uniformizao. Os primeiros museus surgem no seio das cidades, como forma de ostentao do saque e afirmao de vitria sobre outra cidade, apresentando coleces de preciosas obras e antiguidades. No sculo XV, durante o Renascimento6, aparecem as primeiras coleces profanas e os primeiros espaos destinados apenas sua exposio. No final do sculo XVIII, com a Revoluo Francesa7 que cria a noo de patrimnio8 muito baseada na ideia de esplio9, nasce a ideia de que este deve pertencer ao povo e ao pas. O conceito de museu que chega aos nossos dias tem a as suas origens. Durante toda a modernidade foram surgindo museus talvez na tentativa de prender o tempo e a verdade. Possivelmente a nossa relao com o museu seja um prolongamento da preocupao que Baudelaire10 manifestava, quando confrontado com a rpida introduo da modernidade, pois questionamos a multiplicao dos espaos de memria mas continuamos a investir na sua criao.

Termo usado para identificar o perodo da Histria da Europa aproximadamente entre fins do sculo XIII e meados do sculo XVII, marcado por transformaes em muitas reas da vida humana, que assinalam o final da Idade Mdia e o incio da Idade Moderna. 7 Sucesso de movimentaes polticas, que, entre 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de 1799, alteraram o quadro poltico e social da Frana. Foi um perodo da histria conhecido pelas devastaes feitas ao patrimnio arquitectnico e escultrico devido s aces revolucionrias que, se por um lado causaram o desaparecimento de bens, por outro restauraram as ideias conservacionistas que foram caractersticas de perodos de maior erudio. 8 Patrimnio Segundo Franoise Choay, Patrimnio e um (...)conceito que serve para designar bens pertencentes nao e susceptveis de um novo tipo de conservao, (...). CHOAY, Franoise. A Alegoria do Patrimnio. Lisboa : Edies 70, Janeiro de 2008. p. 119. Na Carta de Cracvia o patrimnio descrito como o conjunto das obras do homem nas quais uma comunidade reconhece os seus valores especficos e particulares e nos quais se identifica. De modo anlogo, o Cdigo de tica para os Museus, elaborado pelo ICOM, define o patrimnio cultural como qualquer conceito ou objecto, natural ou artificial, que se considera ter significado esttico, histrico, cientifico ou espiritual. Nesta acepo, e segundo a Lei Portuguesa, integram o patrimnio cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilizao ou de cultura e portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial proteco e valorizao, considerando-se no s o conjunto de bens materiais e imateriais de interesse cultural relevante, mas tambm, quando for caso disso, os respectivos contextos que, pelo seu valor de testemunho, possuam com aqueles uma relao interpretativa e informativa (Lei de Bases do Patrimnio Cultural Portugus, n. 107/2001 de 8 de Setembro, Art. 2.). 9 Ver CHOAY, Franoise. A Alegoria do Patrimnio. Lisboa : Edies 70, Janeiro de 2008 10 Poeta e terico da arte francesa. Nasceu a 9 de Abril de 1821 e faleceu a 31 de Agosto de 1867. Ver BAUDELAIRE, Charles, Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna.6

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A dcada de 60 representa uma enorme expanso sem precedentes do museu pelo mundo e fortes alteraes na definio do mesmo. Em 1961 o ICOM11, desenvolvendo a orientao do enunciado elaborado na dcada anterior, reconhece como museu todas as instituies que em defesa do interesse pblico defendam, preservem, estudem e divulguem valores de natureza patrimonial e cultural.12 Esta definio, em relao ao reconhecimento de uma instituio como espao museolgico, evoluiu entre 1951 e 1981 sempre com a inteno de ampliar a influncia do museu e a sua forma de actuao. Claro que todos estes conceitos, funes e objectivos se fazem reflectir de diversas formas consoante a localizao geopoltica. Um outro ponto importante em relao a esta dcada a forma como o patrimnio comeou a ser entendido. Considerado por alguns como um fardo que impedia a evoluo e criatividade da era contempornea, por outros era visto com um potencial bem econmico que poderia ser explorado no sentido de ocupar os tempos livres que cada vez mais se tornavam um problema da sociedade. Estas e outras questes tiveram impacto particularmente nos museus de Arte Contempornea, de diversas formas, sendo de salientar a origem de novas estruturas de exposio fora das instituies, com o objectivo de alcanar a to desejada liberdade criativa. Com o aparecimento de novas correntes artsticas como a Pop Art13, Happening 14, Minimalism15, os artistas adoptam uma posio interveniente na forma de exposio das suas obras, deparando-se com fortes entraves nesse processo. A complexidade de funcionamento dos museus e a pouca flexibilidade dos seus espaos colocaram questes quanto adequao do museu para acolher os novos experimentalismos da arte e da tcnica. Novas formas de arte emergiam e novosOrganizao internacional de museus e profissionais de museus, a quem est confiada a conservao, a preservao e a difuso do patrimnio mundial. Primeira organizao no governamental criada no mbito da UNESCO em 1947, um anos depois da criao da ONU. 12 GUIMARES, Carlos - Arquitectura e Museus em Portugal Entre Reinterpretao e Obra Nova. Porto : FAUP, 2004. p. 36 13 Pop Art um movimento artstico surgido no final da dcada de 1950 no Reino Unido e nos Estados Unidos. 14 Este termo, como categoria artstica, foi utilizado pela primeira vez pelo artista Allan Kaprow, em 1959. Como evento artstico, acontecia em ambientes diversos, geralmente fora de museus e galerias. Neste tipo de obra, quase sempre planeada, incorpora-se algum elemento de espontaneidade ou improvisao, que nunca se repete da mesma maneira a cada nova apresentao. 15 Os princpios essenciais do minimalismo so: abstraco, geometria elementar, austeridade, monocromatismo, regularidade, repetio. Ver ZABALBEASCOA, Anatxu, MARCOS Javier Rodrguez. Minimalismos. 2001, p.24.11

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Figura 1. Um dos angares pertencentes Chinati Foundation. Donald Judd

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processos que requeriam contextos expositivos que os museus no ofereciam. As composies formais dos espaos de exposio interferiam na leitura e percepo das obras de arte, sendo que em alguns casos os espaos no tinham escala suficiente para albergar algumas obras. Os espaos estavam ento limitados e muito compartimentados, sem possibilidade de expanso, no sendo adaptveis evoluo vigente na arte. Os artistas procuravam afastar-se do espao estril do white cube16 aproximando-se de contextos mais prximos das suas influncias. Um dos artistas mais influentes desta nova forma de expor foi Donald Judd17. A exposio das suas obras representava um importante papel, pois defendia que a sua obra no poderia ser compreendida sem a devida relao e interaco com a arquitectura que a envolvia. O espao teria que funcionar apenas como tal, sendo neutro, por isso Judd preferia espaos existentes, onde considerava que essas condies eram mais facilmente conseguidas. Uma das obras que reflecte esta corrente a instalao permanente que Judd cria em Marfa, Texas (1979), e que vai transformando em centro de arte, a Chinati Foundation 18, exemplo claro da unio entre obra de arte, arquitectura e paisagem. No final da dcada de 70 alguns movimentos procuram novos espaos fora das instituies museolgicas para expor, com o intuito de serem marginais, isto , de estarem afastados das regras institucionais. Para isso procuram espaos prprios, mais prximos s suas referncias e objectivos, onde o espao expositivo no interfira na visualizao e compreenso das obras. Surgem assim algumas experincias, sobretudo nos Estados Unidos, em que velhos edifcios como hospitais, prises, estaes e armazns abandonados com espaos amplos so utilizados para expor. Nestes espaos pretendem que haja uma convivncia neutra entre arquitectura e obra de arte,Consiste numa galeria rectangular, com paredes brancas e pavimento cimentado ou revestido com soalho de madeira, onde no existe ornamento. Adequado apresentao de arte moderna, graas sua aparente neutralidade, o cubo branco transformou-se numa soluo recorrente. A este respeito ver ODOHERTY, Brion, Notes on the Gallery Space in Inside the White Cube. The Ideology of the Gallery Space, 1999 (ed. Original 1976). 17 Artista americano. Nasceu a 3 de Junho de 1928 e faleceu a 12 de Fevereiro de 1994. A sua obsesso pela clareza do espao como condio alienvel para a contemplao das suas obras, levou-o a instalar parte da sua obra fora dos museus e centros de arte contempornea das grandes cidades. 18 Representa a conteno formal da obra de arte, atravs do encontro com uma arquitectura despojada e um lugar quase deserto. Sobre a Fundao Chinati, Josep Maria Montaner afirma que l se verifica que as formas neutras e universais da arquitectura minimalista vm-se revelando especialmente ajustadas a um certo tipo de museus contemporneos. As intervenes feitas sobre uma lgica minimalista tm-se mostrado adequadas para a actualizao de estruturas funcionais obsoletas e para reorganizar e unificar sistemas complexos de coleces In MONTANER, Josep Mara, Museus para o sculo XXI. Barcelona : Gustavo Gili. 2003.16

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arquitectura esta que se desejava desprovida de smbolos e significados, apenas respondendo s necessidades funcionais bsicas. Nesta aproximao ao modelo de um No-Museu ou Antimuseu veio a verificar-se que esta simplicidade e neutralidade procurada no eram alcanveis face ao aumento de exigncias de exposio, acolhimento do pblico, segurana entre outras. Alguns programas museolgicos sofrem assim alteraes no sentido de integrar, no conceito de museu, as exigncias impostas por estes movimentos, com principal destaque nos Museus de Arte Contempornea. Estes procuram criar condies para a experimentao e pesquisa, criando espaos para tal e em alguns casos adoptando programas mistos. Numa posio oposta surge uma outra corrente com a inteno de alargar a rea de influncia do museu, partindo do conceito de museu e das suas funes de salvaguarda, divulgao e investigao. Esta corrente prope que qualquer objecto que se revista de valor patrimonial seja considerado objecto musevel. Esta posio reflecte mais as debilidades de instrumentos prprios de outras instituies e reas de saber para o acautelamento e interveno sobre esses bens, que uma perspectiva de natureza disciplinar e institucional justificadora e defensora do patrimnio em causa.19. Esta postura poria em causa a continuidade do significado de lugar excepcional que o museu tem, atravs da banalizao da sua influncia. Estes movimentos questionaram, de forma oposta, os conceitos subjacentes aos museus. No primeiro caso negaram o museu, testando-o quanto sua capacidade de adaptao e abertura, no segundo procuraram expandir a sua rea de influncia, obrigando o museu a reafirmar os seus limites. Com estas questes os museus tiveram a oportunidade de reafirmar a sua importncia na sociedade contempornea, quer pela continuidade dos seus valores e objectivos iniciais tais como a conservao, catalogao, investigao e divulgao, quer pela necessidade acrescida destes no papel de instituio de saber, quer pela funo de referncia dos valores patrimoniais da sociedade em que se insere. Com as oportunidades criadas pelos novos meios de comunicao e pela informtica o museu assume, alm das suas funes, o papel de centro de dados

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GUIMARES, Carlos. op. cit., p.39

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qualificado20, transmitindo e disponibilizando informao, integrando assim um processo de massificao mundial de nveis de conhecimento21. Com a criao do museu pblico, deixando o museu de ser apenas destinado e usufrudo pelos aristocratas que representavam as elites das sociedades europeias, o acesso cultura e informao, e por consequncia aos museus, democratiza-se, originando uma nova forma de entender e viver o museu. O acesso a este massifica-se sendo a fruio das obras cada vez mais superficial, at pela dificuldade criada pelo acesso de multides em simultneo, colocando questes aos museus sobre os meios que utiliza e os objectivos que pretende atingir. O museu representa cada vez mais um supermercado da cultura22. Actualmente assiste-se a uma situao contraditria em relao aos museus, encontrando-se estes entre a sacralizao original e a banalizao, entre a elite e a populao. Tm ligada sua origem a elite cultural, poltica ou econmica e actualmente, embora mais prximos das massas, continuam muito ligados s demonstraes e grupos de poder. Desde a sua origem que os museus sofrem alteraes, atravs da diversificao e ampliao dos programas, como forma de acompanhar as carncias, interesses, quantidade e tipo de pblico, assim como as diferentes formas com que relacionamos os objectos, com o tempo e o espao. Presentemente convivemos com diversos museus e diversas formas do que se convencionou denominar de museu. Convencionou-se chamar de museu a instituies pblicas ou privadas, que desempenham a misso de conservar e exibir objectos com os mais variados significados tanto simblicos, histricos, cientficos como artsticos entre outros. Mas a estes lugares so atribudas diferentes denominaes como centro cultural, instituto, arquivo, galeria, entre outros, apesar de por vezes possurem traos semelhantes. O tempo tem um papel importante nos museus, dando sentido e significado aos objectos neles expostos. Os visitantes procuram nesses objectos alguma forma de verdade e identidade mas tambm de entretenimento. Nas ltimas dcadas os museus

GUIMARES, Carlos. op. cit., p.40 GUIMARES, Carlos. op. cit., p.41 22 COLQUHON, Alan. A supermarket of culture. Architectural Design, vol.47, n2, 1977, in GUIMARES, Carlos. op. cit., p. 4220 21

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descobriram o seu cunho meditico e o pblico encontrou neles um lado didctico e social. A recente exploso museogrfica vem dar particular significado ao seu panorama actual como equipamento pblico destinado divulgao do conhecimento, que adquiriu tambm a componente de ocupao dos tempos livres da sociedade. O aumento do nmero de visitantes dos museus gera grandes transformaes nestes, no apenas para responder a necessidades espaciais mas acima de tudo para responder a novas necessidades programticas. Nos anos 80 alterada a essncia do que acontece nos museus, tornando-se estes promotores de cultura, estimuladores da criao cultural e sobretudo da educao. Com as alteraes sociais os museus so obrigados a transformarem-se para se adaptarem s necessidades dos pblicos, sofrendo ambos alteraes recprocas. As instituies de memria tm que se adaptar s demandas sociais, e no seu papel os museus tm que alterar as ofertas programticas, alterando tambm a sua arquitectura. O museu est intimamente ligado ao seu enquadramento temporal e territorial, sendo inevitvel a sua ntima ligao aos processos de crescimento, transformao e adaptao. Adaptao sem dvida a palavra chave do museu. Com o objectivo de sobreviver, s alteraes constantes de conceito, programa e actividade, o museu deve adaptar-se a novas procuras por parte de um pblico diferente em nmero, carcter e expectativas. O aumento do interesse pela museologia e pela museografia, levou criao de diferentes disciplinas, revelando uma conscincia cultural, urbana e social que nos remete para o respeito pela histria e pela formao das coleces. A evoluo do significado e da funo de museu, em crescente pela ligao noo de bem cultural, leva a uma reflexo dos mtodos, dos critrios, das vocaes e dos valores aplicados ao seu programa. Pela evoluo da complexidade dos programas muitos destes espaos transformam-se em centros de cultura. Ao mesmo tempo assiste-se a alteraes dos temas que acompanham a evoluo dos conceitos, levando a um aumento da diversidade de temas de estudo sempre suportados pela necessidade de identidade.

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Do ponto de vista programtico inevitvel concluir que os museus tm sofrido grandes alteraes nos ltimos anos, sempre num sentido de abertura e complexidade. Se no sculo XIX os museus apenas apresentavam instalaes para exposio permanente, a partir do final do sculo XX os museus apresentam variadas funes. Hoje em dia para existir museu necessrio, para alm da exposio, toda uma instituio cultural que desenvolva as restantes funes de recolha e informao, inventrio e registo, investigao, aco cultural e educativa.23 Os museus no se apresentam apenas como depsitos de obras de arte, como antes eram entendidos, para se transformarem em edifcios com reas considerveis para as mais diversas actividades pblicas e privadas. Se apenas existir uma exposio de carcter permanente j no significa que estamos perante um museu, mas apenas diante de uma exposio de coleces. Mas a exposio continua a ser uma das funes essenciais do museu, sendo o seu instrumento de dilogo com o pblico. Vivemos cada vez mais na era da comunicao, da imagem e do visual, onde os museus se inserem com um importante papel entre os meios de comunicao, um dos principais instrumentos de divulgao de educao e cultura. Expor cada vez mais comunicar com o pblico. Assistimos no ltimo meio sculo a uma revoluo dos meios de comunicao, que veio transformar a forma como recebemos a informao e como a seleccionamos. O pblico, cada vez mais submerso em informao, publicidade e atractividade, tornou-se mais selectivo, obrigando a comunicao a desenvolver-se e aliar-se a outros produtos e formas. As instituies museolgicas no foram excepo, exprimindo-se de um modo cada vez mais rico e atraente, proporcionando informao contextualizada assim como actividades culturais diversas. Outro meio de alcanar o interesse do pblico apelar ao seu esprito consumista, oferecendo produtos comerciais relacionados com o museu e as exposies em curso24.

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ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz (coord.). Iniciao a Museologia, 1993. p. 137 As lojas dos museus sofreram uma profunda transformao deixando de ser meros apndices da bilheteira, para conquistar um espao prprio, promovendo a instituio atravs da venda de objectos representativos da imagem do museu ou alusivos s respectivas coleces e exposies. Com efeito, as lojas adquiriram, nos ltimos tempos, uma enorme visibilidade, particularmente nos museus de maiores dimenses, como o MOMA ou o Museu Rainha Sofia, desdobrando-se por diferentes pontos dos edifcios.

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Figura 2. Loja exterior do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.

Figura 3. Uma das lojas do Museu de Arte Contempornea Rainha So a.

Figura 4. Museu de Arte Contempornea de Barcelona.

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A comunicao museolgica pretende assim atingir vrios objectivos, entre eles, apresentar e divulgar o patrimnio museolgico aos diferentes pblicos, transmitir conhecimentos, promover a investigao cientfica, desenvolver a informao didctica do museu e mant-los sempre actualizados.25 O museu transforma-se, no seu lado mais actual, num centro de actividades ligadas cultura, onde, entre diversas actuaes, podemos ter conferncias, centros de investigao, restaurantes e bares, lojas e entretenimento, alem das exposies temporrias e permanentes. Numa perspectiva museolgica moderna um museu constitui um espao de lazer e de entretenimento pblico; um sistema de comunicao com aqueles que o frequentam; um ambiente pedaggico onde se transmitem e adquirem conhecimentos diversificados, de forma orientada e sistemtica; um espao de investigao cientfica e de criao cultural; um repositrio de materiais de valor elevado, vocacionado para a sua conservao a longo prazo.26 O museu representa actualmente um espao pblico de lazer, admirao, instruo e comrcio. A arquitectura tem o papel fundamental de acolher e concentrar as estruturas funcionais do museu e dar forma concreta e estabilidade cultura. Assim como o museu se tenta afirmar como referncia, tambm o edifcio o procura fazer tanto de forma concreta como simblica, pois a sua arquitectura simultaneamente expresso e linguagem atravs da qual o museu comunica. Mesmo que em alguns exemplos o museu se inicie por um edifcio vazio, o edifcio no o museu nem vice-versa. O edifcio do museu a sua imagem e a primeira forma de comunicao deste com o pblico por isso o que de mais estvel este poderia apresentar. Em 1995, o edifcio do Museu de Arte Contempornea de Barcelona27 esteve aberto ao pblico durante trs dias antes da inaugurao. O edifcio estava vazio mas mesmo assim recebeu 35 000 visitantes curiosos, mesmo que na sua

ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz (coord.). Iniciao a Museologia, 1993. p. 137 ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz (coord.). Iniciao a Museologia, 1993. p. 89 27 (1987-95) A construo do museu estava inserida num plano de renovao do bairro do Raval, no centro histrico da cidade. A sua construo partiu essencialmente da vontade poltica de ter uma obra de Richard Meier em Barcelona (que havia j recebido o Prmio Pritzker (1984)) do que da necessidade de instalar uma coleco. Uma das premissas do projecto foi a afirmao do contraste entre o museu e o respectivo contexto urbano.25 26

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Funes, identidade, adaptao

maioria desconhecessem o arquitecto Richard Meier28, atrados pela ideia de que cada um era livre para imaginar. O pblico continua a afluir aos museus sobretudo se lhe proporcionarem cultura e lazer. Mas quando se aborda o caso especfico da construo de um museu necessrio humanizar os espaos, criar reas de animao que estimulem a presena e participao do pblico, ou seja, criar um museu vivo. A distribuio dos espaos por isso um factor fundamental, sendo necessrio criar zonas de repouso com o objectivo de evitar a saturao por parte dos visitantes. As preocupaes em relao concepo de um museu so diferentes em detrimento da alterao do pblico e das funes. necessrio criar ritmos, tanto de espaos como de luz, com percursos de exposio no demasiado extensos, mas que por um lado tenham um circuito claro. 29 Na ltima dcada do sculo XX os museus viveram uma crise de identidade, apenas ultrapassada pelo crescimento do pblico que atribui ao museu utilidade e o assume como fenmeno cultural. O museu redescobre assim a sua tarefa didctica, tentando a partir da ser menos pedagogo e mais interactivo, deixando o pblico participar, pblico este mais curioso sobre si e sobre o que o rodeia. O museu deixa assim de ser apenas um lugar de depsito de valores, para se transformar num centro de criao e demonstrao cultural. O museu assume um processo de mediatizao, adaptando-se ao utilizador. Para um pblico sedento de novidade, o museu transforma-se para lhe oferecer ocupao visual e principalmente temporal. Altera por isso o seu discurso, abandonando a densidade e procurando ser mais breve e acessvel, sempre com o objectivo de satisfazer o pblico. O museu no pode apenas apresentar objectos e documentos, tem tambm que produzir espectculo, sendo toda uma caixa que envolve o principal e as actividades complementares.

28 Arquitecto americano. Nasceu a 12 de Outubro de 1934. Sofreu influncias de Le Corbusier, de Mies Van der Rohe e por vezes demonstrava semelhanas com Frank Loyd Wright. Foi premiado com o Prmio Pritzker em 1984. 29 ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz. op. cit., p. 154

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Figura 5. Museu do Crescimento Ilimitado. Le Corbusier.

Figura 6. Museu do Crescimento Ilimitado. Esquema do seu conceito.

Figura 7. Museu Solomon R. Guggenheim em Nova Iorque. Frank Lloyd Wright.

Figura 8. Interior do Museu Guggenheim em Nova Iorque. Vista Superior.

Figura 9. Fundao Iber Camargo em Porto Alegre. Siza Vieira.

Figura 10. Interior da Fundao Iber Camargo.

Figura 11. High Museum de Atlanta. Richard Meier.

Figura 12. Interior do High Museum de Atlanta.

Funes, identidade, adaptao

Os museus relacionam-se e identificam-se com o pblico e com o que os envolve, devem estar por isso, como o museu de Le Corbusier30, em constante transformao. Pode parecer contraditrio afirmar que a adaptao deve estar no seio do museu, sendo que um dos objectivos do museu dar estabilidade cultura, e estabilidade e transformao so afirmaes contraditrias, mas este apenas existir enquanto for capaz de se transformar e de se adaptar s necessidades da comunidade onde se insere. O Museu do Crescimento Ilimitado31 de Le Corbusier um dos exemplos, no obrigatoriamente de forma mas de conceito, de que o museu no deve ser esttico pois foi concebido para mudar, para crescer. A inteno deste notada no Guggenheim de Nova Iorque32 de Frank Lloyd Wright33 e mais recentemente na Fundao Iber Camargo34 em Porto Alegre, de Siza Vieira35. Est presente no o conceito bsico de crescimento mas a forma de organizao do percurso de exposio, em espiral contnua. No High Museum de Atlanta36, de 1982, Richard Meier parece citar o Guggenheim. Nos anos 90 os museus sofreram grandes transformaes. Aliando-se televiso, imprensa, ao cinema e aos novssimos meios de comunicao, no papel de relao entre imagem e utilizador, o museu responde s necessidades de informao e partilha global. Com esta incluso nos sistemas de informao surgiram algumasArquitecto, urbanista e pintor francs de origem sua. Nasceu a 6 de Outubro de 1887 e faleceu a 27 de Agosto de 1965. considerado um dos mais importantes arquitectos do sculo XX. 31 Plano terico para um museu funcional, flexvel e extensvel, com percurso em espiral, concebido como uma mquina de expor (1931). A este respeito, ver Luca Pablo Peressut. Muses architectures. 1990-2000. p. 26. 32 (1943-59) Projectado pelo arquitecto Frank Lloyd Wright, um edifcio cilndrico, mais largo no topo do que no fundo, um dos marcos arquitectnicos mais importantes do sculo XX. Entre 1982 e 1992, o Museu foi ampliado pelos arquitectos Charles Gwathmey e Robert Siegel. 33 Arquitecto americano, designer de interiores, escritor e professor. Nasceu a 8 de Junho de 1867 e faleceu a 9 de Abril de 1959. Um dos conceitos centrais da sua obra que o projecto deve ser individual de acordo com a sua localizao e finalidade. 34 O museu marcado pelo grande volume vertical a que corresponde o espao de exposio de trs pisos, de onde se destacam braos suspensos em beto branco. Foi premiado com o Leo de Ouro na Bienal de Arquitectura de Veneza de 2002. 35 Arquitecto portugus. Nasceu a 25 de Junho de 1933. Influenciado pelas obras dos arquitectos Adolf Loos, Frank Lloyd Whright e Alvar Aalto. Foi premiado com o Prmio Pritzker em 1992. 36 (1982) "La construccin se realiza con estructura metlica y losa de hormign- El plinto de granito acta de referencia para la rampa y, en alzado, como anclaje del revestimiento de paneles metlicos con esmalte cermico que muestran las galeras superiores. La iluminacin, sea directa o indirecta, penetra por claraboyas, por aberturas acristaladas corridas, por lucernarios o por huecos reducidsimos, sea cual fuere su naturaleza es un tema de inquietud permanente en todo el edificio, puesto que, al margen de su significacin funcional, simboliza el rol del museo en tanto lugar que concentra la iluminacin esttica y los valores culturales. El fin primordial de la arquitectura es promover la bsqueda de estos valores y favorecer la apreciacin contemplativa de la coleccin del museo a travs de la experiencia espacial. Richard Meier. em Richard Meier: Architect 1964-1984. p. 31130

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Funes, identidade, adaptao

questes quanto s novas possibilidades de reproduo e divulgao das obras e por consequncia colocando em questo a continuidade da instituio museolgica. Passados dez anos do fim da dcada de 90 continuamos a assistir ao proliferar de museus e centros de cultura, no se questionando a sua continuidade mas sim o seu papel na cidade.

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Museu: entre mediatizao e identidade urbanaNos finais da dcada de 60 as realidades urbanas e a transformao acelerada da economia colocaram novos desafios sociedade poltica, desafios esses que fizeram emergir alguns temas novamente para a discusso pblica. As intervenes efectuadas nas cidades eram dominadas pelo planeamento maioritariamente centrado no urbanismo e na criao de habitao. As matrias que circulavam com preocupao acrescida pendiam sobre a educao e a sade, sendo o teatro o tema mais em voga no grupo dos equipamentos culturais. Verificaram-se alteraes a diversos nveis sociais, com fortes repercusses no quotidiano, tais como nos sectores reprodutivos, no aumento dos tempos livres e do bem estar econmico, no acesso da cultura s massas, assim como no campo tecnolgico, que levaram reflexo sobre diversos temas das polticas urbanas. Sobre isto, Josep Montaner afirma que o desenvolvimento das indstrias culturais, requalificao urbana pela qualidade e tipo de equipamentos, concorrncia das cidades na sua afirmao europeia, papel das cidades na sua afirmao regional convergem para a importncia que os museus desempenham num ambiente global em que se vai compreendendo que no bastam s argumentos econmicos para a afirmao das cidades.37 Os museus voltam assim a ser interpretados como afirmao de poder, assumindo lugares cimeiros na criao de fenmenos de cultura. Assim com outros equipamentos culturais, como teatros, peras e bibliotecas, os museus evidenciam-se no espao urbano, assumindo um papel de referncia importante no quotidiano e no imaginrio das cidades. O seu carcter pblico e de atractividade atribui-lhes o papel de cone, muitas vezes ligado a um sentido de monumentalidade. Como refere Ana Tostes38 a histria demonstra que os equipamentos sempre estiveram ligados a uma ideia de representao, de monumentalidade. Foram, ao longo dos tempos, os espaos onde a comunidade se revia39, representando o acto de construir um museu de arte uma interveno social.MONTANER, Josep Maria. Museos para el nuevo siglo. Barcelona : Gustavo Gili, 1995. pp. 6-15 Arquitecta portuguesa e professora Associada do Instituto Superior Tcnico. 39 Em direco a uma nova monumentalidade: os equipamentos culturais e a afirmao do Movimento Moderno in Cultura: origem e destino do Movimento Moderno. Equipamentos e infra-estruturas culturais 19251965. Actas do terceiro seminrio do Docomomo Ibrico, 2002, p.17; in BARRANHA, Helena. Arquitectura de Museus de Arte Contempornea em Portugal. Porto : s. n., 2008.37 38

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Figura 13. Centro George Pompidou em Paris. Renzo Piano e Richard Rogers.

Figura 14. Neue Staatsgalerie de Stuttgart. James Stirling.

Figura 15. Museu Guggenheim em Bilbau. Frank O. Gehry.

Funes, identidade, adaptao

Segundo Manuel Bairro Oleiro40, a preocupao de poderes pblicos e privados em entregar a construo de novos museus e a adaptao de museus j existentes a arquitectos de nomeada, ou organizar concursos pblicos para a seleco de projectistas, corresponde percepo da indispensabilidade do contributo do arquitecto e tambm ao reconhecimento de que um qualificado projecto de arquitectura, associado a uma coleco interessante ou a uma programao dinmica, so factores que mutuamente se potenciam e permitem captar diversificados segmentos de pblicos.41 So ento criados novos museus e requalificados outros j em funcionamento, com uma forte implicao social, quer pelo debate cultural que recupera, quer pelo questionamento do papel e da funo do museu na sociedade, quer pelo debate sobre a reformulao da distribuio interna, dos modelos expositivos e da relao entre obra e edifcio. Entre diversos casos de museus e cidades que se sobressaem na criao de uma imagem meditica atravs da aposta na cultura destacam-se o caso paradigmtico do Centro Georges Pompidou42, as cidades de Frankfurt43 e Paris,44 e a Neue Staatsgalerie de Stuttgart45 e o Guggenheim Museum de Bilbau46, casos singulares que se destacam na arquitectura e na reabilitao urbana atravs da criao de uma imagem cultural para as cidades onde se inserem. Programa pblico de eleio a partir dos anos 80,

Antigo diretor do Instituto de Museus e Conservao. Nasceu em Abrantes a 1 de novembro de 1953. OLEIRO, Manuel Bairro. Prefcio, Arquitectura Ibrica. N4. Out/Nov. 2004, pp.6-7 42 Foi simultaneamente, um projecto cultural, social e poltico, o Beaubourg pretendeu devolver a Paris o papel de centro artstico internacional, constituindo um lugar consagrado a todo o tipo de manifestaes culturais do sculo XX. Sobre a criao do Centre Georges Pompidou ver DUFR NE, Bernadette. La creation de Beaubourg, 2000, p. 30., ver tambm VIATTE, Germain. Le Centre Pompidou Les annes Beaubourg, 2007. 43 Na poltica de valorizao urbana levada a cabo pela autarquia local, os programas museolgicos tiveram um papel de destaque. 44 A vontade poltica de afirmao internacional da cidade e reposio da mesma nos roteiros e territrios culturais internacionais, levou mobilizao de meios excepcionais, nomeadamente financeiros, para a criao de equipamentos culturais. 45 (1977-84) Projectada pela firma britnica James Stirling, Michael Wilford and Associates, amplamente referido apenas o arquitecto James Stirling como seu autor. Com a sua criao junto primitiva Staatsgalerie, transformou esta galeria menos meditica, num dos museus de maior destaque da Europa. A originalidade de projectos como o Centro Pompidou ou a Neue Staatsgalerie de Estugarda residiu sobretudo num novo entendimento da relao entre a cultura e a comunidade e na respectiva materializao arquitectnica, preconizando a experimentao de novas solues formais e tecnolgicas. 46 (1991-97) Projectado pelo arquitecto Frank Gehry que sobre ele afirmou: I wanted the Guggenheim Bilbao to have an iconic presence in the city. I wanted it to work for the arts. I wanted it to connect to the city, to the bridge, to the water, to the 19t h century, so that it became a usable part of the city (...). That is the spirit of urbanism I tend to be interested in. The Museum as Sculpture. Interview with Frank O. Gehry on the Guggenheim Museum Bilbao in MACK, Gerhard. Art Museums Into the 21st Century, 1999. P. 2740 41

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Figura 16. Museum of Modern Art em Nova Iorque. Philip Goodwin e Edward Stone.

Figura 17. Ptio interior do MoMA.

Figura 18. Interior do MoMA.

Funes, identidade, adaptao

vrios museus so a prova da vontade de fixar smbolos de uma identidade urbana perdida. Depois da criao do Museu Guggenheim em Nova Iorque, de Frank Lloyd Wright, em que o percurso interno da exposio espelhado na configurao externa do mesmo, o museu v transformada a sua imagem monumental em cone. Este segue um caminho diametralmente oposto ao seu congnere MoMA47, seguindo em direco a uma nova monumentalidade. O Museu Guggenheim assumiu, desde logo, o estatuto de monumento urbano para a metrpole48, sendo reconhecido como um dos cones de Nova Iorque e como uma obra prima da arquitectura do sculo XX, constituindo uma referncia incontornvel na histria da arquitectura de museus49. Como refere Montaner, no amplo panorama da arquitectura de museus destaca-se (...) aquele museu que se configura como organismo singular, como fenmeno extraordinrio, como ocasio irrepetvel. Isso costuma acontecer em contextos urbanos consolidados, nos quais a obra sobressai como contraponto radical que pretende criar um efeito de choque, e tem como ponto de partida o caminho aberto por Frank Lloyd Wright com o Guggenheim de Nova Iorque, concebido como resposta arquitectura de arranha-cus escalonados e prismticos da cidade50. Na Europa, com a construo do Centro Georges Pompidou, em Paris, da autoria de Renzo Piano51 e Richard Rogers52, o tema do museu como monumento urbano seria radicalmente revisto com uma das obras mais emblemticas da arquitectura da segunda metade do sculo XX53. O Centro Georges Pompidou, concludo em 1977, era descrito por Josep Montaner como un edificio realizado con las formas de la modernidad y la esttica de la transparencia, con unas estructuras tan sofisticadamente avanzadas que(1932 e 1939) Projectado pelos arquitectos Philip Goodwin e Edward Durrel Stone. Tornou-se referncia incontornvel no panorama da arte moderna e contempornea, contribuiu fortemente para a projeco que a cidade de Nova Iorque adquiriu na primeira metade do sculo XX. Ao longo da segunda metade do sculo XX, o MoMA passou por sucessivas obras de remodelao e ampliao, a cargo de diversos arquitectos: Philip Johnson, 1949-1964; Cesar Pelli, 1979-1984; Yoshio Taniguchi, 1997-2004. 48 PERESSUT, Luca Basso, Muses architectures 1990-2000, 1999. p. 28 49 Entre 1982 e 1992, o Museu foi ampliado pelos arquitectos Charles Gwathmey e Robert Siegel. 50 MONTANER, Josep Mara. Museus para o sculo XXI. Barcelona : Gustavo Gili. 2003. p. 12 51 Arquitecto italiano que se destaca pela sua arquitectura high-tech. Nasceu em Gnova, Itlia, a 14 de Setembro de 1937. Venceu o Prmio Pritzker em 1998. 52 Arquitecto Britnico reconhecido pelo seu desenho modernista e funcionalista. Nasceu em Florena, Itlia, a 23 de Julho de 1933. Venceu o Prmio Pritzker em 2007. 53 BARRANHA, Helena. Arquitectura de Museus de Arte Contempornea em Portugal. Porto : s. n., 2008.47

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Figura 19. Centro George Pompidou em Paris. Renzo Piano e Richard Meier.

Figura 20. Fotogra a area do Centro George Pompidou e envolvente.

Funes, identidade, adaptao

definiesen unas plantas totalmente libres y permitieron una total intercambiabilidad de elementos, tolerando incluso renovar a tecnologa y el acondicionamiento del museo54. O Centro Pompidou paradigma da consagrao de um novo entendimento do Programa Museolgico e a sua traduo numa Arquitectura de Manifesto nico55, originou uma revitalizao urbanstica e social do bairro parisiense do Marais56, convertendo-se numa das principais atraces tursticas de Paris, a par com o Museu do Louvre e a Torre Eiffel. O Fenmeno Beaubourg 57 transforma-se numa grande mquina de referncia popular, que realiza uma das mais conseguidas snteses contemporneas58, onde o edifcio incorpora o papel de fbrica cultural, ampla e usufruda por um nmero impressionante de visitantes, onde o espao uniformizado pela presena do pblico, elemento activo num espao de contnuo espectculo. Pela formalizao tcnica e arquitectnica da sua concepo, este edifcio representa um marco na produo arquitectnica contempornea, constituindo tambm um paradigma na renovao urbana pelo papel que os equipamentos culturais podem desempenhar. Pompidou marcou determinadamente uma nova forma de promoo das cidades tanto a nvel nacional como internacional, para alm de se tornar numa inspirao para a realizao de equipamentos culturais, como tema central, no processo de regenerao urbana de outras cidades. Como referido anteriormente Paris foi uma das cidades que apostou nos equipamentos culturais como forma de renovao urbana. Sob orientao de Franoi Miterrand59 foram realizadas trs obras de grande dimenso e impacto que confirmam a importncia do tema museu como centro das transformaes que operam e da mediatizao que justificam. A primeira obra em destaque o Muse des Sciences, des

MONTANER, Josep Mara; OLIVERAS, Jordi. Los Museos de la Ultima Generacin, Barcelona : Editorial Gustavo Gili,1986. p. 12 55 GUIMARES, Carlos. op. cit., p. 136 56 Bairro parisiense que sofreu uma revitalizao urbanstica e social com a construo do Pompidou, que apesar de ter implicado a destruio do antigo mercado de Les Halles, ofereceu uma nova reconfigurao ao espao pblico. 57 Termo pelo qual o Centro Pompidou conhecido por se inserir na rea Beaubourg no quarto arrondissement. 58 GUIMARES, Carlos. op. cit., p. 136 59 Poltico francs, presidente da Frana entre 1981 e 1995. Nasceu em Charente a 26 de Outubro de 1916 e faleceu em Paris a 8 de Janeiro de 1996.54

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Figura 21. Muse des Sciences, des Techniques et des Industries em Paris. A. Fainsilber.

Figura 22. La gode no Muse des Sciences, des Techniques et des Industries.

Figura 23. Pirmide do Grand Louvre em Paris. I. M. Pei & Partners

Figura 24. trio principal do Grand Louvre.

Figura 25. Muse dOrsay em Paris. Gae Aulenti.

Figura 26. rea de exposies instalada na antiga gare ferroviria.

Funes, identidade, adaptao

Techniques et des Industries60, La Villette, da autoria de A. Fainsilber61, construdo entre 1980 e 1986, onde os volumes de grande dimenso que o constituem ocultam em parte a complexidade programtica interna e na qual o volume esfrico da gode62 assume o papel de cone do museu. No Grand Louvre63, entre 1983 e 1989, I. M. Pei & Partners64 realizaram uma interveno de reposicionamento da entrada do museu que passou a ocupar subterraneamente a rea livre entre as duas alas do palcio, criando uma pirmide ao nvel da praa, que se transformou num cone mundialmente conhecido. Outro caso paradigmtico o Muse du XIX sicle ou Muse dOrsay 65 onde, entre 1980 e 1986, Gae Aulenti66 remodelou a gare ferroviria onde aquele se situa, tornando-se este espao remodelado o cone do museu. Alm da interveno ou construo de novos edifcios, estes no dispensam a criao de toda uma imagem sua volta que lhes assegure o papel de cone, atingindo assim a vontade politica de afirmao internacional da cidade. Frankfurt outro caso de referncia no tema abordado. Com um passado prspero e propicio criao de grandes coleces de arte fora dos meios nobres, cidados e organizaes culturais participavam activamente. Constitua na dcada a capital financeira da Alemanha ocidental, apesar de ter permanecido fora dos crculos polticos depois do ps-guerra. Em 1978, aquando das eleies municipais, a estratgia de relanar a cidade atravs de um programa de renovao dos museus estava j em

1980-1986) O museu est inserido na Cit des sciences et de lindustrie, uma instituio especializada na divulgao da cultura cientifica e tcnica. Criada por iniciativa do presidente Giscard dEstaing, com a misso de transmitir, a um pblico mais jovem, o conhecimento cientfico e tcnico, despertando nestes interesse para as questes sociais relacionadas com a cincia, pesquisa e indstria. 61 Arquitecto e urbanista francs. Nasceu em Nouvion-en-Thirache em 1933. 62 Volume com formato de slido geomtrico, um poliedro no regular convexo inscrito numa esfera com 36 m de dimetro, composto por 6433 tringulos, que reflecte a luz como um espelho. Nele funciona uma sala de cinema e uma sociedade distribuidora de filmes. um volume independente da Cit des sciences et de l'industrie (onde se insere o museu), que apesar de ter aberto portas um ano antes desta continua associado a ela. 63 (1983-1989) O Louvre o mais importantes projecto levado a cabo pelo programa de Miterrand. No apenas a pirmide, mas todo o espao de entrada que ela cobre, so a parte mais importante do projecto. A estratgia de fazer a entrada para o maior museu do mundo, atravs da libertao da praa e pela construo subterrnea de ligaes para as vrias alas podia facilmente ser perdida na iconografia da pirmide. 64 Gabinete de arquitetura fundado pelo arquitecto chins Ieoh Ming Pei. Este nasceu em Canton, China, a 26 de Abril de 1917. considerado um mestre da arquitectura moderna. Venceu o Prmio Pritzker em 1983. 65 (1980-1986) O objectivo da construo deste museu era preencher a lacuna existente entre o Grand Louvre e o Muse National d'Art Moderne instalado no Centro Pompidou. Em 1978 foi aberto concurso para a transformao da estao ferroviria em museu, no qual ACT Architecture, composta por trs jovens arquitectos, venceu. Em 1981 a arquitecta italiana Gae Aulenti foi escolhida para projectar o interior do museu. 66 Arquitecta, designer de interiores, de iluminao e industrial italiana. Nasceu em Dezembro de 1927.60

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Figura 27. Museum fur Kunsthandwerk em Frankfurt. Richard Meier.

Figura 28. Novo volume do Museum fur Kunsthandwerk.

Figura 29. Deutsches Postmuseum em Frankfurt. Gunter Behnish & Partners.

Figura 30. Museum fur Moderne Kunst em Frankfurt. Hans Hollein.

Figura 31. Museum fur Moderne Kunst em Frankfurt.

Funes, identidade, adaptao

discusso. Este ano marca o incio de uma dcada de concursos pblicos de arquitectura, debates e obras, resultando em 13 museus. O conjunto destas intervenes inclua obras de raiz e ampliaes de alguns pr-existentes, procedendo assim tambm requalificao urbana, com destaque para a zona da cidade junto ao rio Main e outras trs zonas mais centrais. De entre vrias intervenes destacamos o Museum fur Kunsthandwerk67 (1982-85) de Richard Meier, Deutsches Postmuseum (1984-90) de Gunter Behnish & Partners68 e o Museum fur Moderne Kunst69 (1987-91) de Hans Hollein 70. Nestes, como em todos os casos, a integrao na envolvente foi premissa essencial. Todas estas obras transformaram Frankfurt numa cidade de museus, todos eles apelando ao visitante interventivo e interessado na arte neles exposta, afastados da massificao vivida em Paris. Durante esta dcada vrias obras foram desenvolvidas na Alemanha, numa situao de ps modernidade, onde grandes nomes da arquitectura protagonizaram obras como a Neue Staastgalerie de Stuttgart 71 por James Stirling72 onde se ligam sinais plsticos coloridos e ptreos de uma nova monumentalidade 73. Neste tema Ana Tostes afirma que na dcada de 80 o surto, o protagonismo e a mediatizao do programa dos novos museus alemes conduzir fixao de imagens tendencialmente mediticas no contexto de uma massificao carente de smbolos. 74

O novo edifcio do museu foi construdo no jardim da Villa Metzler onde funcionava o primitivo museu dedicado s artes decorativas. Todo o novo edifcio foi projectado com uma sequncia de pequenas salas, para criar a sensao de um espao interior domstico. Meier baseou a organizao interior num grelha com as dimenses da casa do sculo XIX, com a qual o ligou atravs de um corredor elevado. 68 Arquitecto alemo. Nasceu em Lockwitz a 12 de Junho de 1922 e faleceu a 2 de Julho de 2010. Behnisch transformou-se num dos mais proeminentes representantes do desconstrutivismo. 69 Museu dedicado arte contempornea onde, a par da caracterizao do contentor, o espao interno trabalhado com uma expressividade singular, criando percursos estimulantes e ricos atravs da diferenciao dos espaos e da valorizao cuidada das obras. 70 Arquitecto, terico, urbanista, designer, artista e professor. Nasceu em Viena, Itlia, a 30 de Maro de 1934. Venceu o Prmio Pritzker em 1985. 71 (1977-1984)A galeria foi projectada por James Stirling, Michael Wilford and Associates, mas amplamente divulgada como uma obra apenas de James Stirling. Implantado junto Alte Staatsgalerie, a galeria primitiva, o projecto constituiu uma ampliao do mesmo, um estrutura clssica do incio do sculo XIX, onde se iria expor uma das melhores coleces alems de Picasso. O museu formado por um conjunto fragmentado de volumes dos quais se destaca um tambor cilndrico central que contem um ptio fechado e um corpo quebrado que delimita trs lados do museu. 72 Arquitecto ingls. Nasceu em Glasgow a 22 de Abril de 1926 e faleceu em Londres a 25 de Junho de 1992. Recebeu o prmio Pritzker em 1981. Aquando do projecto da Neue Staatsgalerie, Stirling havia j assinado vrios edifcios de carcter museolgico. 73 Ana Tostes in Monumentos, n 28. p. 179 74 Ana Tostes in Monumentos, n 28, p.17967

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Figura 32. Museu Guggenheim Bilbau. Frank O. Gehry.

Figura 33. Local onde o Guggenheim Bilbau foi implantado. Antes e depois.

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Entre uma postura e composio que Bruno Zevi75 classificou como maneirista, fazendo dessa forma alinhar James Stirling e a Staatsgalerie de Stuttgart no conjunto variado dos que elaboram as suas arquitecturas numa contaminao inspiradora dos arqutipos da Histria, e a procura de uma nova expresso arquitectnica que desconstri a maqueta pragmtica num jogo formal de tratamento escultrico do espao, to fortemente concretizada no Guggenheim de Bilbao, parece hoje mover-se a produo arquitectnica, na qual a procura da singularidade se sobrepe muitas vezes a quaisquer intenes de reflexo sobre os sentidos.76 Estas duas obras sero porventura as mais identificadoras da procura por parte dos museus de uma imagem-cone j presente na arquitectura, desejando a recuperao do Museu como Monumento Urbano. O Guggenheim de Bilbau, projectado por Frank Gehry 77 assume um dos mais importantes passos na reconverso urbana da cidade, inserindo-se num conjunto de obras realizadas por arquitectos, como Santiago Calatrava78 e Norman Foster79, naquela cidade. O edifcio insere-se numa zona marcadamente industrial, impondo-se na paisagem, alterando por completo a imagem de Bilbau e assumindo-se rapidamente como o seu smbolo principal. Montaner afirma que o Guggenheim de Bilbau constitui uma marco na busca de uma nova monumentalidade teorizada, a partir dos anos quarenta, por autores como Sigfried Giedion80, Louis Kahn 81 ou Lcio Costa82, e que teve os seus momentos culminantes em edifcios destinados cultura, como a pera de Sidney, deArquiteto italiano bastante importante no contexto da teorizao e introduo da historiografia da Arquitetura moderna. Nasceu em Roma a 22 de janeiro de 1918 e faleceu a 9 de janeiro de 2000. 76 GUIMARES, Carlos, op. cit., p. 145 77 Arquitecto canadense, naturalizado americano, adepto do estilo construtivista. Nasceu em Toronto a 28 de Fevereiro de 1929. Venceu o Prmio Pritzker em 1989. 78 Arquitecto, engenheiro e escultor espanhol. Frequentemente inspirado por formas orgnicas. Nasceu em Valncia a 28 de Julho de 1951. 79 Arquitecto britnico. Nasceu em Stockport a 1 de Junho de 1935. Venceu o Prmio Pritzker em 1999. 80 Historiador e critico de arquitectura suo. Nasceu em Praga a 14 de abril de 1888 e faleceu a 10 abril de 1968 em Zurique. 81 Arquiteto naturalizado americano. Nasceu a 20 de fevereiro de 1901 na Estnia e faleceu a 17 de maro de 1974 em Nova Iorque. um dos grandes nomes da arquitetura mundial. 82 Arquiteto, urbanista e professor brasileiro. Nasceu em Frana a 27 de fevereiro de 1902 e faleceu no Rio de Janeiro a 13 de junho de 1998.75

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Jorn Utzon (1957-74) ou o Kursaal de Rafael Moneo, em San Sebastin, Espanha (1990-99)83. Em cidades como Berlim (Ilha dos Museus), Frankfurt (frente ribeirinha), Amesterdo (Museumplan) ou Madrid (tringulo Tyssen Prado Rainha Sofia, conhecido como Passeo del Arte), a coexistncia de vrios museus numa determinada zona refora o efeito de dinamizao urbana destes equipamentos. Noutros Casos, a construo de um novo museu pode actuar como catalisador de um processo de revitalizao, como sucedeu com a Tate Modern, em Londres ou com o Museu Guggenheim de Bilbao.84 Estas obras comprovam a tendncia das ltimas dcadas em associar a criao de novos museus aos processos individuais de renovao urbanstica. Na relao com a cidade o museu apresenta-se como forma e como monumento, assumindo ele prprio o papel de objecto de memria e de referncia. O museu ganha assim, como as obras que acolhe, valor simblico como objecto e como lugar.

83 84

MONTANER, Josep Mara. Museus para o sculo XXI. Barcelona : Gustavo Gili. 2003. p. 18. HELENA, Barranha. op. cit., p. 73.

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Figura 34. Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa.

Funes, identidade, adaptao

Adaptao de edifcio histricos a museus e centros de arte contemporneaNa segunda metade do sculo XX, na Europa, assistiu-se requalificao e adaptao de imveis com valor histrico e arquitectnico, sem precedentes. Estas intervenes, maioritariamente para a instalao de novos programas, surgem como forma de salvaguardar o patrimnio arquitectnico, tema incontornvel na sociedade. As questes relacionadas com o patrimnio e com os museus alcanam uma importncia sem precedentes, graas ao desenvolvimento do turismo cultural como um sector econmico forte e em constante crescimento na sociedade. Vrios factores contriburam para esta tomada de conscincia face ao patrimnio e reabilitao do mesmo para a instalao de museus. Por um lado, assistiu-se ao alargamento do conceito de patrimnio85, vendo este ampliado o seu leque de influncia a cada vez mais edifcios, sendo estes mais facilmente susceptveis de reabilitao. Por outro lado, a evoluo do conceito de museu facilitou o aumento e a diversidade de programas e espaos museolgicos, levando adaptao de todo o tipo de construes para instalao de museus. Em diversas cartas e convenes internacionais ficou impressa a ideia de que a conservao dos monumentos referenciados como patrimnio arquitectnico deve potenciar o seu uso atravs de funes teis sociedade86, impulsionando assim a converso de inmeros monumentos em espaos museolgicos. A reabilitao de edifcios pr-existentes para receber funes museogrficas no nova na Europa, apesar das recentes vagas sem precedentes a que assistimos. A histria da arquitectura de museus , na verdade, preenchida por diversos casos de aproveitamento de edifcios pr-existentes, desde o sculo XVIII, para a instalao de museus, onde nomeadamente se inserem alguns dos principais museus de arte europeus, como o Museu do Louvre, em Paris, instalado no antigo Palcio Real ou o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, que ocupa o Palcio Alvor e o que resta do Convento das Albertas, contguo ao Palcio.

85 86

Acerca deste tema ver CHOAY, Franoise. A Alegoria do Patrimnio. Lisboa : Edies 70, Janeiro de 2008. Ver carta de Veneza, artigo 5.

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Funes, identidade, adaptao

A Carta de Atenas87 vem dar nfase a esta prtica e abrir caminho para a concretizao de doutrinas consecutivas sobre conservao e restauro atravs da transformao de edifcios histricos em espaos museolgicos. Nas dcadas de 40 e 50, a relao entre teoria e prtica, na rea da reabilitao do patrimnio arquitectnico, foi substancialmente desenvolvida pelos arquitectos italianos como Franco Albini88, Carlo Scarpa89 e do grupo BBPR90. As suas intervenes em espaos museolgicos introduziram novos critrios na requalificao do patrimnio, antecipando os princpios enunciados, em 1964, na Carta de Veneza91, ao recusar o dogma oitocentista da unidade de estilo e ao assumir esttica e construtivamente a marca contempornea.92 Na segunda metade do sculo XX, os arquitectos italianos tiveram uma grande influncia na arquitectura dos museus, particularmente nos museus dedicados arte contempornea, sendo que grande parte destes estavam instalados em imveis prexistentes. So variadas as tipologias iniciais dos imveis que podem incluir palcios, edifcios religiosos, culturais e industriais. Maioritariamente levada a cabo porA Carta de Atenas o manifesto urbanstico resultante do IV Congresso Internacional de Arquitectura Moderna (CIAM), realizado em Atenas em 1933. O evento, que teve como tema a "cidade funcional", discutiu aspectos da arquitectura contempornea. Foi dominado pela viso dos franceses e de Le Corbusier em particular, onde, o tpico sobre patrimnio histrico foi tambm introduzido. 88 Arquitecto, urbanista e designer italiano foi um dos precursores do racionalismo italiano. Nasceu a 17 de Outubro de 1905 e faleceu a 1 de Novembro de 1977. O arranjo da Galeria Municipal de Palazzo Bianco em Gnova foi um dos primeiro museus criado dentro de uma estrutura histrica e definido de acordo com os princpios do Movimento Moderno, onde a interveno est em explcito contraste com o edifcio existente, mas ainda assim integrada. Este projecto inaugura uma srie de projectos, incluindo quatro em Gnova, que transformaram Albini num mestre da museologia. Os seus trabalhos possuem uma lgica subjacente estrutura e s tcnicas de produo, desenvolvendo-se na procura por um elevado nvel esttico. O seu design representa uma expresso de extrema pureza transmitindo uma integridade tica e histrica. 89 Arquitecto e designer italiano. Nasceu em Veneza a 2 de Junho de 1906 e faleceu em 1978. Na dcada de 50 comea a desenvolver uma obra arquitectnica de maior envergadura, realizando intervenes e adaptaes em monumentos histricos como a adaptao para Museu de Arte do Palazzo Abatellis (1953-54), em Palermo, e sobretudo o projecto para o Museu Castelvecchio (1956-73), em Verona, uma das suas obras primas, construdo sobre um edifcio de origem medieval com alteraes de vrias pocas. A sua obra caracteriza-se pelo dilogo entre as vrias camadas histricas que vai pondo a descoberto e as novas intervenes que se harmonizam com o existente. 90 Consiste num parceria arquitectnica criada em Milo em 1932 pelos arquitectos Gianluigi Banfi, Lodovico Belgiojoso, Enrico Peressutti e Ernesto Nathan Rogers. Estes reagiram contra o Estilo Internacional em 1954 com a criao da Torre Velasca em Milo, repleta de referncias medievais abstractas. Posteriormente foram convidados a criar novos espaos interiores e zonas de exposio dos museus instalados no Castelo de Sforzesco em Milo, que havia sido severamente danificado por um bombardeio em 1943. 91 Carta internacional sobre a conservao e o restauro de monumentos e stios, aprovada no II Congresso Internacional de Arquitectos e Tcnicos de Monumentos Histricos, na cidade italiana em Maio de 1964. De forma algo redutora podemos considerar este documento uma actualizao da Carta de Atenas. 92 HELENA, Barranha. op. cit., p. 7787

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Figura 35. Centro Andaluz de Arte Contempornea em Sevilha. Jos Ramn Sierra.

Figura 36. Museu do Chiado MNAC em Lisboa. Jean-Michel Wilmotte.

Figura 37. Museu Municipal Amadeo de Souza Cardoso em Amarante. Alcino Soutinho.

Figura 38. Centro Portugus de Fotogra a no Porto. Eduardo Souto Moura e Humberto Vieira.

Figura 39. Museu do Oriente em Lisboa. Joo Lus Carrilho da Graa.

Figura 40. Hamburger Bahnhof em Berlim. Josef Paul Kleihues.

Funes, identidade, adaptao

iniciativas autrquicas e estatais, a reconverso de edifcios de grande escala para instalao de museus e centros de arte contempornea parte da adaptao de imveis religiosos ou equipamentos pblicos. Neste conjunto destacamos a reconverso de antigos conventos e mosteiros como o Centro Andaluz de Arte Contempornea93, em Sevilha, o Museu do Chiado MNAC94, em Lisboa, e o Museu Municipal Amadeo de Souza Cardoso95, em Amarante; prises como o Centro Portugus de Fotografia96, no Porto; fbricas, armazns e centrais elctricas como a Tate Modern 97, em Londres e o Museu do Oriente98, em Lisboa; estaes como o Hamburger Bahnhof 99, em Berlim; e hospitais como o Museu Rainha Sofia, em Madrid e o Museu de Arte Contempornea de Elvas Coleco Antnio Cachola100 . Neste conjunto decidimos dar destaque ao Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia e a Tate Modern. O Museu Rainha Sofia, como referido anteriormente, parte da adaptao de um antigo hospital101 realizada em vrias intervenes desde 1980 at aos dias de hoje. No edifcio original, datado do sculo XVIII e projectado primeiramente por Jos de Hermosilla102 e posteriormente pelo arquitecto Francesco Sabatini103, funcionaram at 1965 as instalaes do hospital, sofrendo durante todo esse tempo sucessivas remodelaes. Em 1977 foi classificado como Monumento Histrico-Artstico, por decreto real, o que garantiu a sua conservao, vindo a ser convertido em equipamento cultural a partir do ano de 1980 sob projecto do

Reforma assinada por Jos Ramn Sierra em 1997. Renovado entre 1998-1994 com projeto de Jean-Michel Wilmotte. 95 Reabilitao e ampliao realizada entre 1977-1988 da autoria de Alcino Soutinho. 96 Renovao levada a cabo entre 2000-2001 da autoria dos arquitectos Eduardo Souto Moura e Humberto Vieira. 97 Converso realizada entre 1994-2000 por Jacques Herzog e Pierre de Meuron. 98 Est instalado no edifcio Pedro lvares Cabral, antigos armazns da Comisso Reguladora do Comrcio do Bacalhau em Alcntara. A adaptao da autoria do arquiteto Joo Lus Carrilho da Graa. 99 Projecto do arquiteto Josef Paul Kleihues elaborado entre 1990 e 1996. 100 Acerca deste museu ver tpico do captulo II. 101 O hospital foi fundado por iniciativa do rei Carlos III de Espanha, como parte de uma srie de medidas para dotar Madrid das infra-estruturas necessria para uma higiene e ordem urbana adequada. 102 Arquitecto espanhol, um dos mais importantes do sculo XVIII. Nasceu em Badajoz em 1715 e faleceu em Madrid em 1776. O seu trabalho foi mais terico do que prtico, tendo poucos projectos concretizados. A convite do rei de Espanha Fernando VI projectou o novo Hospital General, onde dirigiu as obras entre 1750 e 1768. 103 Arquitecto italiano que desenvolveu o seu trabalho em Espanha. Nasceu em Palermo em 1722 e faleceu em Madrid em 1797. O seu trabalho reflecte a tradio neoclssica, mas contrariamente a outros autores inspirados fundamentalmente na Grcia e Roma antiga, ele procurou a arquitectura do Renascimento italiano. Sabatini, da corte Bourbon de Npoles, completou o edifcio do hospital usando um estilo neoclssico sombrio inspirado no Renascimento tardio.93 94

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Figura 41. Museu Nacional Centro de Arte Rainha So a em Madrid.

Figura 42. Novo volume do Museu Nacional Centro de Arte Rainha So a. Jean Nouvel.

Figura 43. Tate Modern em Londres. Jacques Herzog e Pierre de Meuron.

Figura 44. Vista do Hall da Turbina da Tate Modern.

Funes, identidade, adaptao

arquitecto Antonio Fernndez Alba104 . Entre 1988 e 1992, Jos Luis iguez de Onzoo105 e Antonio Vzquez de Castro106 levaram a cabo as ltimas alteraes, projectadas em colaborao com o arquitecto britnico Ian Ritchie107 , onde podemos destacar as trs torres de elevadores de vidro e ao. Com o contnuo crescimento em coleces, actividades, servios e nmero de visitantes, houve necessidade de aumentar a rea do museu, levando-os assim a abrir um concurso internacional de ideias, tendo sido escolhido o projecto do arquitecto francs Jean Nouvel108. Entre 2000 e 2005 decorrem as obras do projecto que, alm de dar resposta s necessidades do museu, ainda efectuou interveno na cidade, criando uma praa pblica com a disposio dos novos edifcios, transformando esta rea num espao de e para a cidade. Este museu o exemplo de como um edifcio histrico pode ser intervencionado por diferentes arquitectos sem perder a integridade. O outro caso em destaque parte da reconverso da antiga central elctrica de Bankside, projectada por Giles Gilbert Scott109 (desactivada em 1981), inserida na estratgia de reconverso de uma zona industrial de Londres na margem sul do rio Tamisa. Os arquitectos suos Jacques Herzog 110 e Pierre de Meuron 111, autores do projecto, reforaram a identidade arquitectnica do edifcio, dando-lhe maior destaque e restituindo-o cidade. O seu carcter industrial foi assumido ao nvel dos materiais e dos espaos, que se mantiveram amplos, de onde destacamos o hall da turbina. De

Arquitecto e professor espanhol. Nasceu em Salamanca a 17 de Dezembro de 1927. Foi director do Instituto de Restauro do Patrimnio Histrico Espanhol entre 1984 e 1987. Nas suas obras destacam-se o mosteiro El Rollo em Salamanca, o convento das Carmelitas Descalas assim como o restauro do Observatrio de Madrid. Discordando a arquitectura do seu tempo, a sua obra resultado de uma viso crtica do espao arquitectnico. As alteraes levadas a cabo pelo arquitecto no edifcio do museu aproveitaram elementos inacabadas do hospital como o espao ao ar livre destinado a funcionar como um segundo ptio que tornou-se numa praa pblica que d visibilidade ao museu e interliga-o com a Calle Atocha. 105 Arquitecto racionalista espanhol. Nasceu em Bilbau em 1927. 106 Arquitecto racionalista espanhol. Nasceu em Madrid em 1929. 107 Arquitecto britnico. Nasceu em Sussex em 1947. 108 Arquitecto francs. Nasceu a 12 de Agosto de 1945. Foi premiado com o Pritzker Prize em 2008. autor de um nmero notvel de obras por todo o mundo. A extenso que realizou ao Museu Rainha Sofia adapta-se fachada sudoeste do edifcio original, respeitando a localizao dos trs volumes pr-existentes e construindo trs novos mdulos. Mesmo separados, as duas construes interligam-se em vrios pontos e nveis. 109 Arquitecto britnico. Nasceu a 9 de Novembro de 1880 e faleceu a 8 de Fevereiro de 1960. conhecido por vrios edifcio como a Catedral de Liverpool, a central elctrica de Battersea e pela concepo das icnicas cabines telefnicas vermelhas. Apesar de se opor construo de edifcios industriais no centro das cidades aceitou construir a central elctrica de Bankside, onde construiu baseado no que havia aprendido em Battersea, reunindo todas as condutas numa nica torre. 110 Arquitecto suo. Nasceu a 19 de Abril de 1950. Fundador com o arquitecto Pierre de Meuron do gabinete Herzog & de Meuron em 1978. 111 Arquitecto suo. Nasceu a 8 de Maio de 1950.104

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Figura 45. Serpentine Gallery em Londres.

Figura 46. Galerie Jeu de Paume em Paris.

Figura 47. Centro de Artes Visuais de Coimbra.

Figura 48. Interior de um dos hangares da Fundao Chinati em Marfa, Texas.

Figura 49. Fundao Tpies em Barcelona.

Figura 50. Museu Vostell Malpartida em Cceres.

Figura 51. Fundao Arpad Szenes Vieira da Silva wem Lisboa.

Funes, identidade, adaptao

destacar tambm a chamin da antiga central elctrica, que em vrios projectos era proposta para demolio, mas onde os arquitectos preferiram uma interveno minimalista como em todo o projecto. Em maior nmero encontramos projectos de centros e galerias de arte contempornea instalados em edifcios de pequena e mdia dimenso, como a Serpentine Gallery, em Londres (antigo pavilho de ch), a Galerie Jeu de Paume, em Paris (antigos courts de tnis), o Centro de Artes Visuais de Coimbra (antigo edifcio colegial), o Centro de Arte Contempornea de Bragana112 e o Centro de Memria113, em Vila do Conde (ambos adaptaes de antigas casas senhoriais). A par das iniciativas pblicas de requalificao do patrimnio arquitectnico encontramos tambm casos de intervenes privadas, que partem do interesse de artistas em expor as suas obras em lugares alternativos aos museus. De vrios exemplos destacamos a Fundao Chinati114, em Marfa, Texas, a Fundao Tpies115, em Barcelona, o Museu Vostell Malpartida116 , em Cceres e a Fundao Arpad Szenes Vieira da Silva117 , em Lisboa. Actualmente a converso de edifcios classificados histrica e arquitectonicamente em espaos destinados arte contempornea inclui variadas tipologias iniciais e projectos de reabilitao diferentes entre si, indicando a exequibilidade deste tipo de intervenes no patrimnio e a criatividade que representam para todos os intervenientes no processo. Neste sentido a arquitecta Ana Tostes questiona at que ponto falar do restauro de edifcios com finalidade e destino museogrfico no o mesmo que falar de arquitectura contempornea e da problemtica da interveno no patrimnio118 pois se por um lado nessas intervenes so retomados contextos mediante rigorosa revisitao, por outro donos uma nova leitura da relao com o passado e apresentam-nos projectos originais.

Acerca deste museu ver tpico do captulo II. Acerca deste museu ver tpico do captulo II. 114 Conjunto de edifcios que incluam um antigo hospital, um armazm e antigos depsitos adaptados por Donald Judd. 115 Antiga sede da Editora Montaner i Simon adaptada por Roser Amad e Llus Domnech Girbau entre 19851990. 116 Antigo edifcio de lavagem de ls adaptado por Javier Manso Rapado entre 1992-1994 e Tiburcio Martn Solo de Zaldvar entre 1996-1998. 117 Antiga Real Fbrica dos Tecidos de Seda reabilitada por Jos Sommer Ribeiro e Richard Clark entre 1990-1994. 118 Ana Tostes in Monumentos, n 28. p. 179112 113

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Funes, identidade, adaptao

Em Portugal a prtica de instalar museus em edifcios pr-existentes com relevncia histrica e patrimonial comum, desde 1884, ano da fundao do Museu de Belas-Artes e Arqueologia, hoje denominado Museu Nacional de Belas Artes, no Palcio Alvor. Anteriormente outros casos faziam prever este desenrolar, como por exemplo nos anos de 1850 quando o Museu Geolgico se instala num espao pequeno no Convento de Jesus, mesmo antes da lei da extino dos conventos de 1834, ou quando o Museu Arqueolgico do Carmo obteve a cedncia da igreja-runa do Carmo. Por todo o pas havia museus instalados em conventos, palcios e paos episcopais, libertados pela revoluo liberal em prol dos valores cvicos. A reutilizao de imveis uma constante na histria da arquitectura portuguesa, mas uma opo que no parte apenas de opes simblicas mas acima de tudo da falta de meios de investimento em obras de raiz. Mesmo assim estas obras so notveis pela sua permanncia mas tambm pela qualidade, proporcionando aos visitantes experincias arquitectnicas de maior qualidade. Num pas com uma expressiva memria monumental e vernacular, esta prtica torna-se estimulante pela relao que se realiza entre o passado do edifcio e o papel do museu enquanto espao de fixao e comunicao da obra de arte com o visitante. Na produo arquitectnica contempornea encontramos diversos casos da instalao de museus em edifcios histricos, de qualidade arquitectnica relevante. A adaptao representa um incentivo criao e vitalidade da arquitectura actual, com mais destaque quando o espao se destina exposio de arte contempornea que exige outro tipo de leitura e de suporte das obras, que por vezes interagem com a prpria arquitectura. Nestes casos o papel do arquitecto torna-se paradoxal, revelando o passado, salvaguardando-o mas tambm confrontando-o com a nova interveno, sempre sujeitos a regras por vezes incontornveis. A realizao de diversas intervenes nos edifcios histricos no pode ser condicionada pela presena de invariantes e limitaes, pelo contrrio deve servir como tema ou material no processo de construo do projecto arquitectnico e da nova imagem do museu. O primeiro caso contemporneo portugus aconteceu no

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Funes, identidade, adaptao

Museu Amadeo de Souza Cardoso, em Amarante, entre 1977-88, instalado num espao conventual sob projecto do arquitecto Alcino Soutinho119. No que concerne adaptao, remodelao e ampliao de edifcios prexistentes enumeram-se alguns: Museu do Chiado MNAC (1988-94), em Lisboa, da autoria do arquitecto Jean-Michel Wilmotte120 ; Museu Nacional Soares do Reis (2001), no Porto, com projecto dos arquitectos Fernando Tvora121 e Bernardo Tvora122; Centro de Artes Visuais de Coimbra (2003), realizado pelo arquitecto Joo Mendes Ribeiro123; Museu de Arte Contempornea de Elvas124 (2005-2007), da autoria do arquitecto Pedro Reis125, com a colaborao dos designers Filipe Alarco e Henrique Cayatte; Museu da Fundao Arpad Szenes Vieira da Silva, em Lisboa, realizado pelo arquitecto Sommer Ribeiro126. Estas reutilizaes fazem sem dvida parte da histria da arquitectura contempornea, enquanto atitudes culturais e projectuais, que nos levam a concluir que a recente histria dos museus acompanha lado a lado a evoluo dos conceitos de interveno no patrimnio.

Arquitecto portugus. Nasceu em Vila nova de Gaia em 1930. considerado pela crtica nacional e internacional como integrando a "Escola do Porto", corrente que se apoia nos modelos puristas do Movimento Moderno. Em 1961 usufruiu de uma bolsa concedida pela Fundao Calouste Gulbenkian para continuao dos estudos em investigao sobre Museologia em Itlia. 120 Arquitecto e designer de interiores francs. Nasceu em Soissons em 1948. O seu gabinete, aberto em 1975 quando se dedicava apenas ao design de interiores, foi ao longo dos anos diversificando as suas operaes para reas como a arquitectura, a museologia, o urbanismo e o design. 121 Arquitecto portugus. Nasceu no Porto a 25 de Agosto de 1923 e faleceu em Matosinhos a 3 de Setembro de 2005. 122 Arquitecto portugus. Nasceu em 1958, filho do arquitecto Fernando Tvora. 123 Arquitecto e cengrafo portugus. Nasceu em Coimbra em 1960. O seu trabalho cruza vrios campos: arquitectura, cenografia, patrimnio, escala urbana, mobilirio. 124 Acerca deste museu ver tpico do captulo II. 125 Arquitecto portugus. Nasceu em Silves em 1967. Desenvolveu o estgio profissional com Fernando Tvora (1993) e colaborou com Eduardo Souto de Moura (1994-98). Trabalhou em Nova Iorque com Toshiko Mori (1998-2000) e em Timor Leste (2000-2002), onde foi coordenador da equipa tcnica da Misso das Naes Unidas UNTAET, responsvel pela reconstruo dos edifcios pblicos do pas, e ainda coordenador tcnico do projecto de requalificao escolar FSQP administrado pelo Banco Mundial. 126 Arquitecto portugus. Nasceu em Lisboa a 26 de Junho de 1924 e faleceu em Lisboa a 16 de Setembro de 2006.119

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II Captulo _ Edifcios reabilitados para instalao de Centros de Arte Contempornea: trs casos de estudo

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Figura 52. Localizao do Museu de Arte Contempornea de Elvas.

Casos de estudo

4. Museu de Arte Contempornea de Elvas

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Figura 53. Localizao do Museu de Arte Contempornea de Elvas.0 10

Figura 54. Alado principal, Rua da Cadeia.

Figura 55. Alado posterior, Rua da Feira.0 5

Casos de estudo

4.1. EdifcioO Museu de Arte Contempornea de Elvas est instalado num edifcio de grande valor histrico e patrimonial para a cidade de Elvas. Com uma histria que remonta ao sculo XVI trata-se de um edifcio religioso e hospitalar recentemente convertido no referido museu. O arquitecto Jos Francisco de Abreu apontado como sendo o seu autor, edifcio este de grande importncia no contexto da arquitectura nacional. Nele esteve instalado desde o seu erguer o Hospital e Mesa da Misericrdia de Elvas, seguindo-se lhes sucessivas obras de adaptao e modernizao para a instalao de outros usos at 1993. Em 1498 surge a vontade de reunir num s hospital, no centro da vila, os quatro pequenos hospitais, por parte dos procuradores de Elvas Joo Roiz de Abreu e lvaro Pegado. A 6 de Maro desse mesmo ano emitida uma autorizao real por D. Manuel para a sua edificao, sendo esta coordenada por Bastio Vaz, Contador das obras e teras em vora. Entre 1501 e 1502 fundada a Misericrdia de Elvas. O documento mais antigo referindo a Misericrdia de Elvas um testamento de 24 de Abril de 1502. Em 1505 so concedidos, por D. Manuel, Misericrdia de Elvas os mesmos privilgios da Misericrdia de Lisboa. Segundo licena de D. Jorge, filho de D. Joo, e Mestre de Santiago e Aviz, de 15 de Janeiro de 1515 a Misericrdia transfere a sua confraria para a Igreja da Madalena a velha. Aqui, em 1539, pedem ao rei que lhes conceda umas casas junto igreja da Madalena, equacionando assim a possibilidade de transferncia do Hospital, que se encontrava afastado da capela e constru-lo junto da mesma. Entre 1555 e 1556 os edifcios da igreja e do hospital sofreram grandes obras. Segundo apontamentos do Dr. Francisco de Paula de Santa Clara, decidiu-se, no incio do sculo XVIII, ampliar o edifcio para Este, para transformar e ampliar a igreja. A Misericrdia tomou posse das casas adjacentes para a rua da Cadeia e da Feira, mas devido a divergncias entre dois dos seus promotores, a obra acabou por no se realizar. Em 1742 determinou-se a demolio do hospital e a construo de um novo no seu lugar, pois as condies daquele no eram as ideais, pelo facto de estar quase

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Centros de Arte Contempornea em edifcios histricos

Casos de estudo

subterrneo, sendo a maior parte para a rua da Feira, num plano inferior rua da Cadeia. Em Setembro desse mesmo ano d-se incio obra de construo do novo hospital que, segundo Eurico Gama, podem ser atribudas ao arquitecto Jos Francisco de Abreu, de Torres Vedras. A 17 de Junho de 1752 so transferidos os primeiros doentes para o novo edifcio do hospital. Em 1835 houve a inteno de transferncia do hospital por se achar que este no contemplava as condies necessrias para o seu funcionamento, mas o edifcio do extinto convento de So Paulo, para onde seria transferido, estava em condies precrias, no podendo assim servir como hospital. Em 1837 o hospital sofreu diversas remodelaes e