Ceplac nos seus 50 anos

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CEPLAC NOS SEUS 50 ANOS A tentação era muito grande. Já tinha escrito sobre a Ceplac –Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira - nos seus quinze, vinte e cinco, trinta, e até mais, nos quarenta anos de vida. Distante, vivendo em Brasília, não poderia avaliar seu desempenho neste momento da comemoração do seu Jubileu de Ouro. Assim, voei para a região cacaueira do sul da Bahia, minha origem, terra da minha dedicação profissional e de verdadeiro carinho. Mesmo acompanhando de longe os resultados positivos e negativos da entidade, sua perda de presença e de credibilidade regionais, era preciso rever o Centro de Pesquisas do Cacau, a Extensão Rural e a EMARC – Escola Média de Agricultura da Região Cacaueira; conversar com os técnicos e funcionários, questionar idéias e sentir o elã profissional e o sentimento reinante. Sempre falamos na Ceplac como “instituição”, apesar de neste Jubileu ainda continuar como um

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CEPLAC NOS SEUS 50 ANOS

A tentação era muito grande. Já tinha escrito sobre a Ceplac –Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira - nos seus quinze, vinte e cinco, trinta, e até mais, nos quarenta anos de vida.

Distante, vivendo em Brasília, não poderia avaliar seu desempenho neste momento da comemoração do seu Jubileu de Ouro. Assim, voei para a região cacaueira do sul da Bahia, minha origem, terra da minha dedicação profissional e de verdadeiro carinho.

Mesmo acompanhando de longe os resultados positivos e negativos da entidade, sua perda de presença e de credibilidade regionais, era preciso rever o Centro de Pesquisas do Cacau, a Extensão Rural e a EMARC – Escola Média de Agricultura da Região Cacaueira; conversar com os técnicos e funcionários, questionar idéias e sentir o elã profissional e o sentimento reinante.

Sempre falamos na Ceplac como “instituição”, apesar de neste Jubileu ainda continuar como um Plano de Recuperação da Lavoura Cacaueira, transformada nos últimos anos, em uma simples unidade departamental do Ministério da Agricultura. As tentativas de institucionalização sempre foram frustradas.

Todavia, a Ceplac ultrapassa meio século de existência sem ser extinta; apesar de muitos produtores de cacau não mais a vejam como a organização criada por eles e para eles, executora de grandes realizações em seus primeiros decênios de vida.

O primeiro impacto para os aposentados, ainda amantes da Ceplac, em suas visitas é decepcionante e triste. Não há alegria, nem entusiasmo, nem otimismo. Um quadro de queixas, de problemas, de dificuldades

generalizadas entre os técnicos, os funcionários e em grande parte da sociedade dependente do cacau.

O ambiente é desalentador. A doença conhecida como “Vassoura de Bruxa” que vitimou as lavouras, parece ter aproveitado a fraqueza institucional, derivada basicamente de fatores políticos, para crescer e desestimular os servidores e viventes da economia do cacau.

Embora técnicos especializados tenham desesperadamente lutado para frear a escalada da “Vassoura”, as soluções encontradas não atenderam aos propósitos e levam produtores a discutir (às vezes, querendo “ser cientistas”), a duvidar e desacreditar dos processos e métodos de prevenção e combate ao fungo, recomendados pela Ceplac.

Nestes cinqüenta anos de Ceplac encontramos a região no fundo do poço. As safras de cacau retornaram à faixa da produção de 1963/64, ao início das atividades técnicas da Ceplac. A produção fora crescente, chegando além de 450 mil toneladas. Depois, iniciou-se um decréscimo assustador. A região de exportadora passa a importadora de cacau.

Os agricultores, talvez em conseqüência deste desânimo, desorganizaram-se. A sua grande entidade política, o CNPC – Conselho Nacional dos Produtores de Cacau – modificou-se, não tem mais liderança e muitas vezes, está ausente dos problemas que afetam essa classe trabalhadora. Na verdade, existe um vácuo, uma falta de lideranças classistas. Alguns sindicatos rurais levantam suas reivindicações e contestam medidas governamentais, especialmente os desinteresses dos dirigentes políticos nas soluções dos problemas do cacau. Mas, são poucos e suas palavras têm pouca repercussão.

A organização dos produtores de cacau, existente nas décadas de 1960, 1970 e em parte de 1980, já não existe. Não há participação, não há lideranças e falta o desejo de lutar.

A Ceplac, órgão criado por eles, parece que os despreza, empenhada que está na chamada “Agricultura Familiar” e no apoio aos líderes de movimentos rotulados de “sociais”.

A Ceplac, novamente, está às voltas com a sonhada institucionalização. Prega e garante que “desta vez vai”. Alardea-se que será um modelo inovador, diferente de tudo que já foi feito no passado tão aclamado por produtores, funcionários e pela sociedade acreditada. Os objetivos, parecem, estão além da sua capacidade técnica e estrutural. Objetivos que vão desde reduzir as diferenças entre as classes sociais até o trabalho técnico na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica. Pretensão utópica ou promocional?

Eventos tradicionais como o Dia Internacional do Cacau e a Semana do Fazendeiro apresentam uma avalanche de promoções a políticos, alguns sem nenhum vínculo com a região e a maioria, sem nenhuma atitude ou

serviço em defesa da economia do cacau, dos interesses dos produtores e da sociedade regional.

Existe uma crise financeira e técnica, levando grande parte da população a uma “depressão permanente”. Felizmente ainda são ouvidos alguns “gritos” de contestação e repúdio ao comportamento desses pseudo-líderes regionais do atual governo federal e mesmo, de reprovação às ações e condutas dos dirigentes da Ceplac, órgão da União.

A celebração do Jubileu de Ouro da Ceplac não poderia ser diferente: silêncio, ausência, apatia. A situação de quase falência dos produtores, a ineficácia das recomendações técnicas e a falta de recursos financeiros impede qualquer ato de congraçamento festivo da instituição Ceplac com o produto cacau, em declínio nestes últimos vinte anos.

Voltei a visitar o trabalho de Extensão Rural. Senti o clima e o comportamento. A atual preocupação está na chamada “Agricultura Familiar”. Somente existem recursos financeiros para este setor, fixados por outro Ministério. A orientação técnica é quase nula e a cobrança dos empréstimos, nem se fala.

Querer culpar os produtores de cacau por toda esta situação de desânimo e depressão é injusto. Eles cumpriram o seu papel; aceitaram a tecnologia recomendada, eliminaram árvores antigas, plantaram híbridos e clones, executaram todos os procedimentos, inclusive tomando empréstimos ao Banco do Brasil. Os resultados foram muito aquém do esperado e eles estão à beira de um colapso, sufocados por dívidas. A necessária e esperada compreensão do governo, dos dirigentes e administradores públicos, não aparece neste túnel interminável, sem luz, sem saída.

Neste momento, líderes políticos e dirigentes esquecem que a grandeza da região cacaueira do sul da Bahia foi construída pelos produtores de cacau e que, com todos os supostos “erros e desvios”, foram eles que fizeram a sua história e a tornaram economicamente ativa no cenário nacional e internacional. Hoje, os homens do cacau estão desesperados, sem solução para seus problemas, sem planos, sem futuro, sem líderes, sem caminhos. A Ceplac foi, verdadeiramente, no passado, para eles, um bom caminho, como dizia o slogan da instituição. E agora? Estão inseguros, preocupados com possíveis invasões do MST – Movimento dos Sem-Terra -, a saquear suas benfeitorias e a tomar os seus animais, ateando fogo em tudo que constitui uma propriedade produtiva. Com o atual preço do cacau, não conseguem pagar aos seus trabalhadores. Estes, vão para as cidades, para os centros urbanos, na busca de melhor situação, iludidos talvez por promessas governamentais de ofertas fartas de “emprego”. Encontram, sim, o desemprego, o subemprego, a marginalidade, vão cria dificuldades para os prefeitos municipais que

enfrentam a favelização e a fome. Chegam às cidades, famintos, intimidando a sociedade, devido a uma situação desesperadora de miséria.

Não querem acreditar os governos que este quadro já vem de alguns anos. Nenhuma providência efetiva tem sido tomada. Como se diz popularmente “esperam ser roubados para tomar uma providência”.

Neste país, a falta de autoridade do Estado, a abulia na aplicação da lei, a impunidade, as deficiências da gestão pública, a caducidade das legislações, a degradação do sistema penitenciário - todos esses fatores indicam que as massas rurais, sem terra, sem trabalho e sem pão, estão marchando, celeremente, para embates cada vez mais graves e mais sangrentos.

Fevereiro de 2007 aproxima-se e com ele o registro dos cinqüenta anos desta organização, sugerida, criada, apoiada e defendida pelos produtores de cacau. A Ceplac foi o eficaz instrumento, a providencial alavanca, a grande realizadora de ações que fizeram a economia cacaueira ressuscitarem de uma gravíssima crise técnica e financeira.

Todavia, nos seus últimos vinte e cinco anos, todo aquele esplendor de sucessos foi corrompido e se deteriorou. Vários fatores levaram essa conceituada instituição, de nome, de respeitabilidade, de prestigio nacional e internacional, a um descrédito técnico e a deficiências no seu processo administrativo.

Na verdade, não podemos dizer que seja um “Jubileu de Ouro”, quando a crise instalada nestes últimos anos apresenta grandes reflexos econômicos e sociais para toda a população regional, em especial, para os produtores de cacau.

Aos cinqüenta anos de vida institucional, somente é possível registrar os “feitos” e os “não feitos” da Ceplac nas reações contra vários fatores de pressão e de influência externa no desempenho da organização.

A sua localização no Ministério da Agricultura, como uma simples repartição federal, uma dependência sem expressão e sem prestígio, levou a Ceplac a uma drástica redução dos seus recursos financeiros, à quebra do elã, entusiasmo, da produtividade, do profissionalismo do seu pessoal, tornando-o “funcionário público” no mal, no pior sentido que conhecemos de despreparo e de ineficiência. Levou, também, os seus empregados a um difícil e incorreto enquadramento em um Plano de Cargos e Salários, que aviltou a remuneração dos servidores e degradou a política de treinamento e aperfeiçoamento dos seus recursos humanos. Os técnicos especializados aposentam-se e não são admitidos substitutos para suas vagas. Os estudos e pesquisas são paralisados ou não são convenientemente aproveitados, em favor da instituição.

Acrescido a estes fatores, a introdução criminosa da vassoura de bruxa nos cacauais baianos, o contágio da política partidária regional na gerência organizacional e as deficientes gestões administrativas da Ceplac

tornaram estes últimos anos, um contínuo de problemas não resolvidos ou mal resolvidos. Um clima de total enfraquecimento das lideranças e o desânimo instalado na classe produtora rural passou a predominar no ambiente regional.

O Jubileu que poderia ser de “Ouro” não terá o brilho, o valor, nem o significado que representa este metal. Não será de alegrias, nem de resultados positivos.

Mas, vamos para o futuro. Quem sabe, algum visionário e idealista ou um grupo deles, possa soerguer esta instituição ou transformá-la, unindo-a a outra, para que seja retomado e promovido, com amor, ciência e trabalho, o desenvolvimento sócio econômico e cultural da região do cacau da Bahia. Brasília, DF - 23-06-2006.