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Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo Análise Dramatúrgica da obra “O Cerejal” de Tchekov Projecção de uma possível interpretação da personagem Lopakin da obra “O Cerejal” de Tchekov Índice Introdução pp. 3/4 Sinopse da obra “O Cerejal” de Anton Tchekov p. 5 Contextualização da “O Cerejal” de Anton Tchekov pp.5/6 As três caixas de Strehler pp.7/8 Análise de Lopakin pp. 9/13 1 Alexandra Coquim 4100149 Unidade Curricular: Análise Dramatúrgica Orientadora da Unidade Curricular: Cláudia Marisa

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Escola Superior de Música e das Artes do EspectáculoAnálise Dramatúrgica da obra “O Cerejal” de Tchekov

Projecção de uma possível interpretação da personagem Lopakin da obra “O Cerejal” de Tchekov

Índice

Introdução pp. 3/4

Sinopse da obra “O Cerejal” de Anton Tchekov p. 5

Contextualização da “O Cerejal” de Anton Tchekov pp.5/6

As três caixas de Strehler pp.7/8

Análise de Lopakin pp. 9/13

Lopakin – Criação Personagem pp. 14/15

Bibliografia p.16

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Introdução

No âmbito da cadeira Análise Dramatúrgica orientada pela professora Cláudia Marisa efectuei um estudo que tinha como objecto a obra “O Cerejal” – a última peça do escritor russo Anton Tchekov. Esta abordagem consiste em, tendo por base uma das caixas de Strehler, criar uma possível interpretação para Lopakin, isto é, desenvolver o exercício da construção da personagem tendo sempre em conta o enredo da peça.

Num primeiro momento apresento uma breve síntese de “O Cerejal” uma peça que se articula em torno das relações entre os antigos proprietários de um cerejal (Gaiev e Liubov) que, crivados de dívidas vêem-se obrigados a vendê-lo a Lopakin, o rico negociante. Já num segundo momento realizo uma sumária contextualização na qual menciono que "O Cerejal" retrata toda a conjuntura social e

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económica da Rússia nas últimas décadas do século XIX, isto é, abrange todo o período que vai de 1861 a 1905 e descreve a vida na Rússia antes do Czarismo entrar em colapso. Nesta contextualização faço ainda referência a Edward Braun, um crítico que refere que, um terço das propriedades e dois terços dos servos pertencentes a proprietários rurais haviam sido hipotecadas ao Estado ou a bancos privados. Este crítico menciona ainda que Tchekov esteve numa posição que lhe permitiu observar de perto a incapacidade e a incompetência dos proprietários rurais durante os seis anos em que teve uma propriedade. Nesse período, também ele testemunhou o declínio gradual da propriedade Babkino, pertencente aos seus antigos amigos Alexei e Maria Kiselev. Terá sido na história desta família e da situação social e política que se avizinhava e que Tchekov, graças à sua visão/observação atenta prevê, que “O Cerejal” se baseia.

Num terceiro momento analiso “O Cerejal” segundo as três caixas de Strehler. A primeira caixa é a da fábula, nesta menciono que a peça de Tchekov apresenta uma história verdadeira, uma narrativa que conta a história da família de Gaiev e Liubov e de outros personagens, uma peça em que a morte é omnipresente, todavia não há nada de negativo ou de desagradável nessa presença, uma vez que a consciência da morte é compensada pelo desejo de viver e, onde há um mundo velho que precisa de ser derrubado para abrir caminho aos novos tempos. A segunda que, consiste na caixa da História, refiro que a História não é só “vestiário” ou “objecto”, é o próprio objectivo da narração, nesta caixa cito ainda que a peça “O Cerejal”, através das suas personagens, ilustra a aristocracia decadente que está a morrer de apatia e de demissão face à nova classe capitalista que ascende e se apropria dos bens, a muito jovem e imprecisa revolução que se adivinha. Por último, refiro que poucos proprietários rurais tinham alguma noção de agricultura ou contabilidade, e que muitos passavam longos períodos distantes das suas propriedades, deixando os seus negócios nas mãos de gerentes corruptos ou incompetentes; uma realidade que está patente na obra "O Cerejal", uma vez que a administração da propriedade é dividida entre Bárbara, a filha adoptiva de 24 anos, uma jovem sem experiência e Efikodov o guarda-livros. A terceira, e última caixa é a caixa da vida, esta constitui a grande caixa da aventura humana, do homem que nasce, cresce, vive, ama, não ama, perde, compreende, não compreende, passa, morre. Nesta caixa refiro que cada personagem tem a sua própria existência, nenhum se parece com outro, há aqueles que acreditam nas transformações sociais e os que vivem presos a um passado que está a desaparecer. Nesta faço menção ao facto do autor nos apresentar, não um estudo sociológico, mas impressões da aristocracia decadente, da burguesia emergente e dos camponeses que começavam a tomar consciência da sua situação.

O quarto momento encerra a análise de Lopakin em termos de características, relações que estabelece, figurinos/adereços. Aqui faço uma breve referência aos contratempos que Tchekov teve com a interpretação da personagem, às suas preocupações em dar-lhe um lado mais humano, sentimental e, à forma como Tchekov recusa retrata as suas personagens, forma maniqueísta, como bons ou maus; nos seus textos para teatro, o modo como cada personagem é retratada é dada a partir da sua relação com os demais, portanto, são essas áreas de penumbra que me cabe analisar.

Por fim, o quinto momento corresponde à análise de Lopakin, a personagem que escolhi para a concepção deste trabalho. Procurei analisar este burguês capitalista não pelo lado da História, aquela que o caracteriza como o burguês capitalista em ascensão, o rude plutocrata devoto apenas dos

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valores do dinheiro, mas sim pelo lado do homem repleto de sentimentos, desejos, pulsões. Um homem que luta por ser rico e culto de forma a poder estar ao mesmo nível da sua amada – Liuba - e poder, então, revelar os seus sentimentos, um homem cujo tempo é como água num deserto, jamais se deve esbanjar, ou seja, um Lopakin idealizado tendo por base a caixa da vida, a caixa da aventura humana, do homem que nasce, cresce, ama, sofre, desilude-se... Esta construção compreende as características físicas e psicológicas da personagem, os seus comportamentos e o que a move.

Sinopse da obra "O Cerejal" de Anton Tchekov

"O Cerejal" passa-se na propriedade de Liubov Andreievna Ranievsky. O primeiro acto é

construído em torno da sua chegada de Paris na companhia da sua filha Anya, da preceptora Carlota e

do criado Iasha. Os personagens que estavam em Paris e os que se encontravam na propriedade

contam uns aos outros o que ocorreu no período de ausência. O regresso a casa também ocasiona

lembranças de eventos mais antigos, o que dá ao dramaturgo a oportunidade de inteirar os

espectadores/ leitores sobre os precedentes da acção. Comenta-se sobre o iminente leilão da

propriedade e Lopakin, um comerciante amigo da família, apresenta uma sugestão para salvar a

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propriedade. Liuba, porém, rejeita a sua ideia, e como não consegue encontrar outra solução, a

propriedade acaba por ser arrematada por Lopakin.

O primeiro e o quarto actos agrupam-se por serem formados pela chegada e partida da família

da propriedade; já o segundo e o terceiro são constituídos, respectivamente, por conversas no jardim

e por um baile que ocorre paralelamente ao leilão no qual a propriedade é arrematada por Lopakin.

Acentuasse, deste modo, a inércia de Gaiev e Liuba diante dos seus destinos e a impressão da

incapacidade dos dois de lidarem com os dados da realidade. É lícito concluir então que os dois

irmãos vivem no presente, mas seguem os valores, normas e condutas de um passado que já não

existe e cujo fim iminente os dois não conseguem perceber.

Contextualização da obra “O Cerejal”

Na sua última peça, Anton Tchekov apresenta-nos um quadro da sociedade russa pré-

revolucionária. Ele pinta, em tons por vezes suaves, por outras sombrios, os personagens que

marcaram uma importante mudança social na Rússia de meados do século XIX: a aristocracia rural

nos seus últimos dias e a burguesia capitalista em ascensão.

A peça "O Cerejal”, retrata o declínio dos proprietários rurais, um problema crucial na Rússia

do século XIX. Segundo o autor Edward Braun, por volta de 1859, um terço das propriedades e dois

terços dos servos pertencentes a proprietários rurais haviam sido hipotecadas ao Estado ou a bancos

privados. O Acto de Emancipação de 1861 havia sido concebido justamente para solucionar essa

crise através dos pagamentos de amortização que os servos deviam fazer pelas terras que os seus

antigos senhores transfeririam para eles. Em consequência, porém, os proprietários rurais não podiam

contar mais com o trabalho, com os instrumentos nem com os animais dos seus antigos servos.

Braun assinala que o tema da falência das propriedades rurais e da ascensão da nova classe

empreendedora era comum na literatura e na dramaturgia pós-emancipação, apesar de não ter

inspirado obras relevantes, e que o tema inclusive aparece em diversas histórias de Tchekov. O

crítico aponta ainda que Tchekov esteve numa posição que lhe permitiu observar de perto a

incapacidade e a incompetência dos proprietários rurais durante os seis anos em que teve uma

propriedade de 500 acres em Melikhovo, ao sul de Moscou, adquirida em 1892. Nesse período,

também ele testemunhou o declínio gradual da propriedade Babkino, pertencente aos seus antigos

amigos Alexei e Maria Kiselev. Em Dezembro de 1897, Maria escreveu a Tchekov: “Em Babkino

muitas coisas estão em estado de colapso, desde os proprietários até as construções... O próprio

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senhor tornou-se uma velha criança, amável porém completamente desmoralizada”. Três anos depois,

a propriedade foi finalmente vendida, e valorizou-se muito devido à construção de uma linha

ferroviária que vinha de Moscou e fazia com que as terras fossem o arrendamento ideal para a

construção de dachas para os habitantes da cidade. Alexei Kiselev tornou-se director de um banco

numa cidade vizinha – exactamente como Gaiev, e com o mesmo salário de seis mil rublos. Como a

leitura da peça revela, Tchekov inspirou-se na situação do casal de amigos para compor o seu texto.

No entanto, ainda que apresente semelhanças com essa condição pontual, acompanhada de perto por

Tchekov, “O Cerejal"acaba retratando toda a conjuntura social e económica da Rússia nas últimas

décadas do século XIX. Foi o que levou o director russo Nikolai Petrov a afirmar: "Tchekov

considerou “O Cerejal”" uma comédia, mas em essência ela é um romance, um grande romance que

abrange todo o período que vai de 1861 a 1905 e descreve a vida na Rússia antes do Czarismo entrar

em colapso.

Todavia, cabe aqui fazer uma ressalva: mesmo apresentando um painel de época – ou mesmo

que apresente uma forma própria para a representação das mudanças sociais ocorridas no período –,

não há denúncia social na peça. Tchekov não simpatiza com nenhum personagem; não julga, não

condena, nem se apieda. Pois o que o autor nos apresenta não é um estudo sociológico, mas

impressões da aristocracia decadente, da burguesia emergente e dos camponeses que começavam a

tomar consciência da sua situação. Tchekov aborda a realidade com os meios exclusivos da literatura.

Os conflitos entre essas classes são apresentados principalmente através da exploração de um recurso

próprio do drama: o tempo. Ao confrontar a lentidão da aristocracia e a sua inépcia para a acção com

a agilidade da burguesia, Tchekov materializa os ritmos diferentes das duas classes e capta a

fugacidade desse período de transição.

As três caixas de Strehler

• Caixa da fábula

Nesta primeira caixa conta-se a história da família de Gaiev e Liubov e de outros

personagens. Trata-se de uma história verdadeira que se situa evidentemente na História, na

vida em geral, mas o seu interesse reside justamente na maneira de mostrar como vivem

realmente os personagens e onde vivem.

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Na peça “O Cerejal” há um mundo velho que precisa de ser derrubado para abrir

caminho aos novos tempos. Contudo, a questão que resta é saber se esse novo mundo irá

superar positivamente o antigo, dando origem a “um verdadeiro homem”.

Na obra de Tchekov a morte é omnipresente, mas não há nada de negativo ou de

desagradável nessa presença. A consciência da morte é compensada pelo desejo de viver. Os

personagens de “O Cerejal” têm o sentido do momento presente e a necessidade de o saborear

plenamente.

• Caixa da História

Nesta peça a História não é só “vestiário” ou “objecto”, é o próprio objectivo da

narração. O que interessa mais aqui é o movimento das classes sociais na sua relação

dialéctica. A modificação dos homens e das coisas enquanto transferências de propriedade. Os

personagens são também, evidentemente, “homens”, com traços precisos, individuais, roupas

ou rostos particulares, mas que representam – em primeiro plano – uma parte da História que

se move, eles são a aristocracia decadente que está a morrer de apatia e de demissão face à

nova classe capitalista que ascende e se apropria dos bens, a muito jovem e imprecisa

revolução que se adivinha.

Na peça “O Cerejal”, Anton Tchekov, apresenta-nos um quadro da sociedade russa

pré-revolucionária.”Pinta”, em tons por vezes suaves, por outras sombrios, os personagens

que marcaram uma importante mudança social na Rússia de meados do século XIX: a

aristocracia rural nos seus últimos dias e a burguesia capitalista em ascensão.

Poucos proprietários rurais tinham alguma noção de agricultura ou contabilidade, e

muitos passavam longos períodos distantes das suas propriedades, deixando os seus negócios

nas mãos de gerentes corruptos ou incompetentes; esta realidade está patente na obra "O

Cerejal", em que a administração da propriedade é dividida entre Bárbara, a filha adoptiva de

24 anos, e Efikodov. Como resultado dessa negligência, muitas propriedades – inclusive as de

famílias tradicionais – foram hipotecadas para o pagamento de dívidas longamente

acumuladas.

Em suma, "O Cerejal" retrata toda a conjuntura social e económica da Rússia nas

últimas décadas do século XIX, isto é, abrange todo o período que vai de 1861 a 1905 e

descreve a vida na Rússia antes do Czarismo entrar em colapso.

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• Caixa da vida

A caixa da vida constitui a grande caixa da aventura humana, do homem que nasce,

cresce, vive, ama, não ama, perde, compreende, não compreende, passa, morre. É uma

parábola “eterna” (tanto quanto pode ser eterna a breve passagem do homem na terra). E nela

os homens são ainda encarados na verdade de uma narração, na realidade duma história

“política” que mexe, mas também numa dimensão quase “metafísica”, numa espécie de

parábola sobre o destino do homem. Há os velhos, as gerações intermediárias, os mais novos,

os muito novos, há os amos, os criados, a rapariga do circo, o animal, o cómico, uma espécie

de quadro das idades do homem.

Nesta peça cada personagem tem a sua própria existência, nenhum se parece com

outro. “O Cerejal” apresenta um microcosmos das tendências políticas da época. Há aqueles

que acreditam nas transformações sociais e os que vivem presos a um passado que está a

desaparecer. Nenhum deles pode atingir a satisfação ou a plenitude e, vistas de fora, as suas

existências estão longe de parecerem vazias, desprovidas de sentido. Mas desejos intensos

ardem em cada um deles. Não são pessoas desiludidas, pelo contrário, à sua maneira todos

procuram uma melhor qualidade de vida quer a nível sentimental quer social. O drama deles é

que a sociedade bloqueia a sua energia.

Concluindo, o que o autor nos apresenta não é um estudo sociológico, mas impressões

da aristocracia decadente, da burguesia emergente e dos camponeses que começavam a tomar

consciência da sua situação.

Análise de Lopakin

Em Tchekov, observa-se que representa as relações entre os seus personagens de forma

matizada, captando as contradições de um processo modernizador que se pretendia implantar num

país atrasado, quase feudal.

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Tchekov recusava, nas suas peças, retratar personagens de forma maniqueísta, como bons ou

maus. Nos seus textos para teatro, o modo como cada personagem é retratada é dada a partir da sua

relação com os demais. Portanto, são essas áreas de penumbra que me cabe analisar.

Referindo-me agora a Lopakin, devo dizer, baseando-me nas pesquisas que realizei que, o

desenvolvimento deste personagem foi o mais custoso para Tchekov do que qualquer outro na peça.

Originalmente, o dramaturgo atribuíra o personagem a Stanislavski, na esperança de que a sua

postura e presença de palco ajudassem a desfazer a imagem de Lopakin como o estereótipo do self-

mademan. No entanto, temendo que o papel estivesse além das suas capacidades, Stanislavski

preferiu interpretar o “aristocrata” Gaiev e deixou Lopakin a cargo de Leonidov, que ele considerava

“delicado por natureza”.

Além desse dado, que revela o quanto Tchekov cercava a composição deste personagem de

cuidados, Braun indica que, ao longo dos ensaios, o autor realizou uma série de mudanças no texto

para trazer à tona o aspecto sensível da personalidade do personagem que representa o capitalista em

ascensão – Lopakin. Em especial, ele deu maior ênfase à sua preocupação em ajudar Liuba e Gaiev a

salvar a propriedade, e eliminou um segundo empréstimo de 40 000 rublos feito por Lopakin a Liuba.

Características Relações Figurino/Adereços• Representante do

Capitalismo no campo.

• A primeira fala de Lopakin: “Bem, graças a Deus, o comboio chegou finalmente. Que horas são?”p.9, demonstra a sua mentalidade capitalista na preocupação com o aproveitamento produtivo do tempo.

• Na sua conversa inicial com Duniacha, a criada, Lopakhin relata um episódio ocorrido na sua juventude no qual Liuba o teria chamado de

• A fala de Lopakin: “Lembro-me que, quando era rapazelho, (…) o meu pai (…) deu-me um murro mesmo em cheio na cara e eu comecei a deitar sangue do nariz (…) LiubovAndreevna (…) levou-me ao lavatório (…) e disse-me “Não chores meu mujiquezinho, daqui a bocado já não tens nada…” p.10 e “Tenho que partir para Karkov no comboio das cinco. Que maçada! Apetecia-me ficar aqui a olhar para si e a conversar consigo. Está tão magnífica como sempre foi.” P. 21 demonstra que detém um grande apreço e carinho por Andreevna dado que esta o tratou e socorreu quando o seu pai o agrediu e leva a pensar que tem uma admiração

• Relógio• Colete branco e

botas castanhas

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camponesinho. O personagem reflecte então sobre o termo que o define: “Pequeno camponês!... o meu pai, é verdade, era um camponês, e aqui estou eu com um colete branco e botas castanhas; tive mais êxito do que seria de esperar; enriqueci muito, ganhei muito dinheiro, mas continuo a ser um camponês (Virando as páginas de um livro). Aqui está o livro que eu estava a ler, sem grande concentração, quando adormeci.”p. 10 Esta fala suscita um tópico interessante para análise, pois demonstra que, em certo sentido, também para ele é como se o tempo não passasse. Embora as reflexões de Lopakhin não contrariem a impressão inicial segundo a qual ele é o personagem que apresenta uma consciência mais aguda do passar do tempo, elas colocam em questão a ideia de que ele seja aquele que reage mais prontamente às mudanças em curso.

• O rico negociante que se tornará no novo proprietário do Cerejal.

• As possibilidades de enriquecimento de Lopakhin baseiam-se na observação dos factos.

• O tempo é deveras

especial por esta, uma certa atracção.

• Crítica Duniasha pois considera que esta não se veste/comporta em conformidade com a sua condição/estatuto. Tal é comprovado pela frase: “Tu és demasiado refinada, Duniasha, é isso. Vestes-te como uma jovem senhora, e olha só para o teu cabelo! Não devias fazê-lo, devias saber pôr-te no teu lugar” p. 10.

• A fala: “Saia daqui. Estou farto de si”. p.11 comprova que Lopakin vê Efikodov como um homem que se preocupa e perde tempo com futilidades, algo que lhe tira a paciência.

• Quando Lopakin diz a Gaev e Liubov: “Tem de se decidir de uma vez por todas. O tempo não espera por ninguém. A resposta é perfeitamente simples. Vai alugar as suas terras para casas de campo ou não? Responda numa só palavra, sim ou não. Só uma palavra, sim ou não. Só uma palavra.” P. 41 tenta chamá-los à realidade e à urgência dos tempos modernos. Esta fala demonstra ainda a preocupação que Lopakin tem por esta família, pela sua falta de visão das coisas, algo que os fará perder tudo.

• O comerciante vai ficando cada vez mais angustiado, com Liuba e Gaiev, frente à indecisão; as falas abaixo comprovam-nos.

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importante para Lopakhin, este rege as suas acções de acordo com prazos e cálculos minuciosos.

• É uma pessoa prática e bastante racional.

• O ritmo febril da acção de Lopakhin é enfatizado na peça quando o personagem pergunta que opinião tem a seu respeito Trofimov, um estudante também amigo da família. Este responde-lhe: “O senhor é um homem rico; em breve será milionário. Tal como um abutre que devora tudo o que lhe surge pela frente é necessário para a conversão da matéria, o senhor também é necessário. (Todos riem.)” Pp. 48/49

• Lopakhin celebra o seu triunfo no leilão com as maneiras brutas do seu pai, mas quando percebe a tristeza de Liuba, consola-a com delicadeza, censurando-a com cuidado por não ter dado ouvidos aos seus conselhos e desejando de modo sentido que possam mudar “as suas vidas

LOPAKHIN – Desculpem-me, mas em toda a minha vida nunca conheci ninguém taõ frivolo, tão tolo e tão pouco prático como vocês os dois! Eu digo-vos claramente que a vossa propriedade vai ser vendida, e vocês não parecem enterder o que eu estou a dizer.

LIUBOV ANDREIEVNA – Mas o que é que havemos de fazer? Diga-nos o que quer que nós façamos.

LOPAKHIN – Eu não vos digo todos os dias? Eu digo todos os dias a mesma coisa, vezes sem conta. Têm de arrendar o pomar das cerejeiras e o resto da propriedade, para que sejam construídas casas de campo; têm de fazer isso imediatamente, neste preciso momento; o leilão vai-se realizar não tarda nada! Tentem compreender Assim que decidirem que irá haver casas de campo, receberão todo o dinheiro de que necessitam, e estarão salvos.

LIUBOV ANDREIEVNA – Casas de campo e ocupantes de casas de campo, oh, por favor... isso é tão vulgar!

GAIEV – Estou absolitamente de acordo contigo.

LOPAKHIN – Eu vou desatar a chorar, a gritar ou, então, desmaio. Já não suporto mais. Vocês matam-me (Para Gaiev) Tu pareces uma velha imbecil!

Lopakin faz menção de ir embora, mas Liuba pede-lhe que fique, alegando que a sua

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miseráveis”.

Essas mudanças abruptas no comportamento de Lopakhin – que passa do atencioso e sensível ao desajeitado e ofensivo, do compassivo ao triunfal – refletem uma persona lutando para se adaptar a um papel radicalmente transformado. Em contraste, Liuba e Gaiev simplesmente não aceitam as mudanças, mantendo os hábitos e atitudes de uma época que está no fim.

No momento em que arremata o cerejal, Lopakhin dá sinais de que trairá a sua classe de origem, mantendo o mesmo tratamento dispensado aos camponeses pelos antigos senhores: “O que é que se passa? Toquem o melhor que souberem, músicos! Deve ser tudo como eu quero. (Num tom irónico) Aqui está o novo fidalgo rural, o dono do pomar das cerejeiras! (Chocando acidentalmente contra uma mesa e atirando o candelabro ao chão.) Não faz mal, eu posso pagar tudo!”.

presença a tranquiliza: “Por favor, não se vá embora; eu preciso de si. De qualquer forma, é tudo mais alegre quando está cá. (Pausa) Eu estou sempre à espera de que aconteça qualquer coisa, como se a casa se fosse desmoronar à nossa volta.”Nesta passagen chama a atenção a diferença de atitudes de Lopakhin, por um lado, e por outro, de Liuba e Gaiev. Aquele, acostumado ao trabalho, tem um senso de oportunidade ignorado pelos proprietários, desacostumados à atividade.

Tchekov deixou clara a dimensão dos verdadeiros sentimentos de Lopakhin por Liuba ao adicionar no primeiro acto esta fala: “Tenho que partir para Karkov no comboio das cinco. Que maçada! Apetecia-me ficar aqui a olhar para si e a conversar consigo. Está tão magnífica como sempre foi.” “O seu irmão, Leonid Andreyevitch, diz que eu sou um pedante, que só penso em dinheiro. Ele pode dizer o que lhe apetecer. Não me importo absolutamente nada. Só quero que acredite em mim como costumava acreditar; quero que os seus olhos maravilhosos e emocionados olhem para mim como costumavam olhar. Deus todo-misericordioso! O meu pai foi servo do seu pai e, antes

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dele, servo do seu avô; mas a senhora, a senhora fez tanto por mim que eu já me esqueci de tudo, e amo-a como a uma irmã… mais do que a uma irmã.” Pp. 21/22

O próprio facto de Lopakhin poder ousar aproximar-se dessa maneira da filha do patrão do seu pai é um indicativo do colapso das velhas barreiras sociais – assim como a incapacidade de Liuba de perceber essa aproximação mostra quão apegada ela ainda está à sua própria classe.

• Embora Lopakhin seja tratado com respeito por Epikhodov e Duniacha, critique Gaiev e trate Vária de igual para igual, ele mantém uma consciência aguda das suas origens camponesas, ele permanece lúcido no seu colete branco e botas castanhas, e profundamente envergonhado da sua falta de instrução algo que o impede de ler um livro de forma concentrada, pois uma vez que não percebe totalmente do que fala não consegue deter interesse e concentração para o ler.

Lopakin – criação da personagem

A personagem a que me propus analisar foi Lopakin. Procurei analisar este burguês capitalista não pelo lado da História, aquela que o caracteriza como o burguês capitalista em ascensão, o rude capitalista devoto apenas dos valores do dinheiro. O Lopakin que idealizo é um homem repleto de sentimentos, desejos, pulsões (um homem que quero desenvolver sob a caixa da vida). Um homem

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que luta por ser rico de forma a poder estar ao mesmo nível da sua amada e poder, então, revelar os seus sentimentos.

Características físicas:

Tem um bigode crespo Estatura média Delgado Veste roupas recicladas, isto é, usa as roupas que o seu pai e o seu avô usavam para ir à missa (as

melhores roupas eram guardadas para as ocasiões especiais) Tem um andar apressado

Características psicológicas:

Tem quifofobia (medo de parar) daí a base da sua energia ser o elemento fogo. É ambicioso, determinado, exigente, bastante organizado e esquemático (as suas tarefas do dia-a-dia

são executadas seguindo tempos meticulosamente controlados, por exemplo, todos os dias levantasse às sete da manhã, toma banho em sete minutos e quarenta segundos, enxugasse em três minutos e vinte segundos, veste-se em quatro minutos e trinta segundos, prepara o pequeno almoço em seis minutos e trinta segundos, come em quatro minutos e vinte segundos, lava dos dentes vinte vezes em baixo, vinte vezes em cima em quarenta segundos, pega na sua pasta, que fora cozida à mão pela sua avó, em dez segundos, sai para a rua em cinquenta segundos, demora dezasseis minutos no percurso até ao seu trabalho acabando por chegar a este às sete horas e trinta minutos.

É um pouco tosco nas questões da sensibilidade e do amor. Brincalhão, no tempo que dispõe para o convívio, tem sempre uma boa anedota para contar.

Comportamentos: Controla o tempo meticulosamente e, para isso possui dois relógios de bolso e quatro cordas para o

caso destes deixarem de funcionar. O relógio controla a sua vida ao segundo. Sempre que alguém que ele considera fútil ou desinteressante tenta estabelecer diálogo olha

continuamente para o relógio para calcular quanto tempo essa pessoa o fez perder e onde/como o poderá recuperar de forma a não afectar o horário das suas tarefas quotidianas.

Carrega às costas um saco onde guarda todo o seu dinheiro pois, não confia nos bancos; Tem explicações, em segredo, com Trofimov para que este eterno estudante lhe transmita a

sensibilidade, a beleza das palavras que os livros confidenciam. Tem pouca classe, exemplo disso são as suas gargalhadas estridentes, nas quais produz um ruído que

faz lembrar o som produzido pelo porco e pouca cultura. São estas duas esferas que fazem com que Lopakin não se sinta ao nível da sua amada, assim, Lopakin sente necessidade de se instruir de forma a poder acrescentar algo de si e, compreender as palavras de Liuba pois, para Lopakin amar é dar ao outro algo do seu Eu especial desta forma se não tiver nada de especial e único que possa acrescentar à sua amada, uma mulher repleta de saberes, nunca poderá declarar os seus sentimentos.

Compra o cerejal com o intuito de ter Liubov mais perto de si, ou seja, ao comprar a propriedade tem em vista a criação de uma dependência de Liubov por ele pois, tendo o cerejal em sua posse e, este representando algo bastante importante na vida desta aristocrata mesmo que, por alguma razão

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esta se ausentasse do espaço que retém as suas memórias de infância, o símbolo da sua família haveria sempre de voltar às suas raízes, voltando assim para junto deste burguês.

Procura conquistar Anya e Bárbara – as filhas da sua amada – no entanto, esta conquista é confundida com um possível amor deste por Bárbara porém, Lopakin nunca nega este rumor que chega a atingir proporções em que já se fala num possível casamento entre o Burguês e Bárbara uma vez que, ainda não está seguro para revelar os seus sentimentos a Liuba.

O que o move: “Tempo é dinheiro”; A tracção que sente por Liubov. Faz tudo para mostrar à Sr.ª Ranevsky que se tornou um homem de

negócios, um homem endinheirado que está à sua altura e, isto porque, desde o dia em que a irmã de Gaiev o tratou quando o seu pai lhe deu um murro que desabrochou nele uma atracção por Liubov. Todavia, como se tratava de um mero servo ela nunca iria olhar para ele porém, Lopakin aproveita a sua queda para os números para criar o seu próprio negócio - agiotagem.

Bibliografia

Para conceber este trabalho baseei-me nos textos: “O Cerejal e os desafios da encenação” de Georges Banu, “O Cerejal” de Peter Brook, Points de suspension: 44 ans d´expresion théâtrale, 1946-1990. Paris: Seuil, 1992., e “As três caixas Chinesas” de Giorgio Strehler, Notas sobre a encenação de “O Cerejal” (traduzido de STREHLER, Giorgio, Un Tréatrê pour la vie. Paris: Fayard, 1980. – pp. 311-314), cedidos pelo professor Luís Varela e, nos vídeos que continham as encenações de “O Cerejal”realizadas por Strehler e por Peter Brook.

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