CF 2014 - As Agressões à Dignidade Humana São Agressões a Cristo

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As agressões à dignidade humana são agressões a Cristo 1. Cristo, o Filho de Deus, “com a Sua encarnação, uniu- se de algum modo a todo homem”. 1 Nele, Deus assume a humanidade corporal e manifesta-se em um corpo feito de carne: “Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano” (Fl 2,6-7), vulnerável, frágil e mortal. Revelou desta forma, o sentido pleno da dignidade do corpo e da sexualidade. O corpo é o caminho que ele escolheu: “O corpo, caminho de Deus”, 2 é lugar de santidade: “Acaso ignorais que vosso corpo é templo do Espírito Santo que mora em vós e que recebestes de Deus? (...) Então, glorificai a Deus no vosso corpo” (1Cor 6,19-20). As atividades do tráfico humano lesam profundamente o corpo, este templo destinado a glorificar a Deus. 2. A encarnação do Verbo manifesta a igualdade fundamental. Cristo convida a reconhecer em toda e qualquer pessoa, próxima ou distante, conhecida ou desconhecida, e sobretudo no pobre e em quem sofre, um irmão pelo qual se entregou por amor: “perece o fraco, o irmão, pelo qual Cristo morreu. Pecando assim contra os irmãos e ferindo a consciência deles, que é fraca, é contra Cristo que pecais” (1Cor 8,11-12). 3 1 CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et spes. n. 22. 2 GESCHÉ, A. A invenção cristã do corpo. p.39. In: GESCHÉ, A.; SCOLAS, P. (Org.). O corpo, caminho de Deus. São Paulo: Loyola, 2009. p. 35-63. 3 Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. n. 1931.

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Dignidade Humana

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As agressões à dignidade humana são agressões a Cristo

1. Cristo, o Filho de Deus, “com a Sua encarnação, uniu-se de algum modo a todo

homem”.1 Nele, Deus assume a humanidade corporal e manifesta-se em um

corpo feito de carne: “Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual

a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se

semelhante ao ser humano” (Fl 2,6-7), vulnerável, frágil e mortal. Revelou desta

forma, o sentido pleno da dignidade do corpo e da sexualidade. O corpo é o

caminho que ele escolheu: “O corpo, caminho de Deus”,2 é lugar de santidade:

“Acaso ignorais que vosso corpo é templo do Espírito Santo que mora em vós e

que recebestes de Deus? (...) Então, glorificai a Deus no vosso corpo” (1Cor

6,19-20). As atividades do tráfico humano lesam profundamente o corpo, este

templo destinado a glorificar a Deus.

2. A encarnação do Verbo manifesta a igualdade fundamental. Cristo convida a

reconhecer em toda e qualquer pessoa, próxima ou distante, conhecida ou

desconhecida, e sobretudo no pobre e em quem sofre, um irmão pelo qual se

entregou por amor: “perece o fraco, o irmão, pelo qual Cristo morreu. Pecando

assim contra os irmãos e ferindo a consciência deles, que é fraca, é contra Cristo

que pecais” (1Cor 8,11-12).3

3. O Documento de Aparecida indica a conversão contínua como caminho dos

discípulos missionários. Por isso: “Descobrir nos rostos sofredores dos pobres o

rosto do Senhor (Mt 25,31-46) é algo que desafia todos os cristãos a uma

profunda conversão pessoal e eclesial”.4 A relação com Deus é inseparável da

relação com o outro:

Eu estava com fome, e me destes de comer, estava com sede, e me destes de beber; eu era forasteiro, e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; doente, e cuidastes de mim; na prisão, e fostes visitar-me (...) Em verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes! (Mt 25,35-36.40).

1 CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et spes. n. 22.2 GESCHÉ, A. A invenção cristã do corpo. p.39. In: GESCHÉ, A.; SCOLAS, P. (Org.). O corpo, caminho de Deus. São Paulo: Loyola, 2009. p. 35-63.3 Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. n. 1931.4 CELAM. Documento de Santo Domingo. n. 178.

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As vítimas do tráfico humano, em sua maioria, são pobres. As várias carências

que experimentam no cotidiano de suas vidas, os tornam mais vulneráveis à ação

criminosa do tráfico humano. Neles, os discípulos missionários devem ver o

próprio rosto do Senhor.

O tráfico humano é agressão à minha pessoa

4. O princípio da mesma dignidade humana enraizado em Deus faz do outro um

irmão, uma irmã: “Todos os humanos que nascem de Adão devem ser

considerados como um único humano, de modo que no direito civil todos os que

são de mesma comunidade se considerem como um corpo, e a comunidade

inteira, como um homem”.5

5. Portanto, existe a mesma relação entre o fim de um ser humano em particular e o

fim último de todo o gênero humano. Assim, se todos os seres humanos têm

uma única origem e um único fim (Deus), é preciso que o fim de cada ser

humano em particular se estabeleça também como fim último de toda

humanidade.6

6. A permanência de condições de gravíssima desigualdade, violência e agressões à

dignidade humana empobrece e desumaniza a todos. O bem do outro se converte

em um bem para mim. As agressões à dignidade do outro, como no caso das

vítimas do tráfico humano, são, também, agressões à minha dignidade. Na

Bíblia, o eu é sempre alguém responsável pelo outro: “Onde está teu irmão

Abel?” (Gn 4,9). O outro é, em primeiro lugar, o desrespeitado, o despojado: o

órfão, o estrangeiro, a viúva, o pobre (cf. Ex 22,20-22; 23,9; Dt 24,17-18; Is

1,17; 10,1-2; Am 5,24).

7. O tráfico humano é uma agressão a todos, por isso sua erradicação deve ser

assumida por todos. Abandonar seu semelhante ao sofrimento ou mostrar-se

indiferente é falta de amor e, por isso, sinal de insanidade e desumanidade.7

“Acaso sou o guarda do meu irmão?” (Gn 4,9). Responder à súplica do outro é

responder a Deus que pergunta por Abel. O respeito que se deve à

inviolabilidade da vida humana se reflete na regra de ouro: amar o próximo

como a si mesmo: “‘Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com

toda a tua alma e com todo o teu entendimento!’ (...) Ora, o segundo lhe é

5 SANTO TOMÁS de AQUINO. Suma Theologica. São Paulo, S.P.: Ed. Loyola, I-II, q. 81, a.1.6 Cf. Ibidem, I-II, q. 1, a.5, 43.7 Cf. Ibidem, II-II, q. 157, a. 3.

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semelhante: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’” (Mt 22,37-39; cf. Mc

12,29-31; Lc 10,27-28).