CHARLENE SOARES DA SILVA - · PDF filecategorias tradicionais da narrativa (tais como tempo e...
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CHARLENE SOARES DA SILVA
UMA EXPERINCIA MSTICA S AVESSAS ESTUDO SOBRE A PARDIA RELIGIOSA EM A PAIXO SEGUNDO G.H.,
DE CLARICE LISPECTOR.
Monografia apresentada como requisito para obteno do grau de bacharel em Letras (Portugus) nfase em Estudos Literrios. Curso de Letras do Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paran. Prof. Orientadora: Sandra M. Stroparo
Curitiba 2007
ii
AGRADECIMENTOS
Agradeo a minha famlia e, especialmente, a minha me, que na
coragem de sua luta diria, tem demonstrado que a condio humana
mesmo a da paixo.
Agradeo a meu marido pela pacincia e compreenso. Mesmo sem
entender essa minha cisma com barata, ele sempre me apoiou.
Finalmente agradeo a professora Sandra no apenas pela orientao,
mas por acreditar neste trabalho. Em momentos em que pensei que no seria
possvel realiz-lo, foi ela quem no me fez desistir.
1
SUMRIO
INTRODUO__________________________________________________2 Capitulo I A PARDIA EM QUESTO______________________________6
Capitulo II O CAOS____________________________________________13
Captulo III PROVAO________________________________________ 18
Captulo IV O PECADO_________________________________________23
Captulo V DANAO, REDENO E PAIXO _____________________ 30
Capitulo VI CONCLUSO_______________________________________35
REFERNCIAS________________________________________________41
2
INTRODUO
Ainda no h consenso entre a crtica atual sobre uma denominao
para a literatura contempornea. Para crticos, como Linda Hutcheon1, a
literatura e as artes em geral vivem o chamado Ps-Modernismo, no entanto
essa afirmao ainda um pouco controversa.
Em linhas gerais, o Ps-Modernismo tido como resultado de um
momento histrico de falncias de todo dogmatismo. Segundo seus tericos, a
literatura atual se caracteriza pelo ceticismo diante das metanarrativas2, pela
descentralizao do sujeito e, sobretudo, por uma forma fluida que rompe com
categorias tradicionais da narrativa (tais como tempo e espao) e implode os
significados.
O prefixo ps no marca a apenas a sucesso temporal de um
perodo, mas a representao de um tipo de produo cultural essencialmente
contraditria, histrica e poltica que rompe com a separao entre alta e baixa
cultura.
Muitas dessas caractersticas, certo, no surgiram com o Ps-
Modernismo. A ruptura com a tradio, a crise da representao, a descrena
na validade e na permanncia do discurso, a angstia pela perda da noo de
sujeito e o estranhamento so marcas j da modernidade.
Na poesia de Rimbaud, por exemplo, j podemos encontrar a mesma
ruptura da arte com a representao da realidade, a fragmentao textual, a
percepo de um sujeito que no existe de forma autnoma. Conforme
apontou esse autor, o fazer potico na modernidade se constitui por um longo,
imenso e racional desregramento de todos os sentidos 3.
O Ps-Modernismo, contudo, recupera essa experincia de arte e a
expande de tal forma que a torna marca da produo contempornea. Nunca
1 Potica do Ps-Modernismo, passim. 2 Termo utilizado por Hutcheon para se referir aos discursos tradicionais e oficiais produzidos pelas instituies sociais. 3 Arthur Rimbaud, A carta do vidente. In: Oeuvres completes correspondance. Trad. Sandra M. Stroparo.
3
se viu em outra poca, uma produo que se servisse to abundantemente
dessas caractersticas para negar tudo o que tradicional e estabelecido,
afirmando-se no estranhamento que provoca. Talvez por isso mesmo seja
difcil reconhecer o que ps-moderno.
Independente de concordarmos com os tericos do Ps-Modernismo,
em relao a uma denominao unvoca para a literatura atual, no podemos
deixar de reconhecer que certas consideraes levantadas por essa teoria
trouxeram uma inegvel contribuio para o estudo das obras
contemporneas.
A teoria ps-moderna nos interessa, sobretudo, pelo reconhecimento
que faz, na arte contempornea, de uma contundente crtica s narrativas
mestras, ou seja, aos discursos oficiais estabelecidos seja pela religio, pela
cincia ou pela arte. Deus, a natureza, a cincia perdem a sua autoridade
como fonte de verdades universais.
Seguindo esse raciocnio Baudrillard4, outro importante terico do ps-
modernismo, afirma que com a imploso das metanarrativas, a sociedade
passou o valorizar o hiper-real. O simulacro passa a ser mais real do que a
realidade.
A crtica ps-moderna aos textos universais, entretanto, s se faz a partir
de e dentro do contexto desses discursos. Aproveitando-se dos textos da
tradio, a literatura atual subverte um passado que no quer perpetuar e de
que, ao mesmo tempo, no pode prescindir.
A pardia para o nosso tempo, portanto, o recurso privilegiado de
criao artstica, revelando o quanto a arte contempornea se tornou auto-
reflexiva, o quanto ela se questionar sobre as possibilidades de seu discurso.
Como recurso responsvel por desestabilizar convenes, por apontar nossos
paradoxos, a pardia nos d uma reinterpretao crtica do passado.
certo que a pardia no surgiu com o ps-moderno. Podemos
encontrar referncias a sua utilizao desde a literatura grega, entretanto, a
sua utilizao em larga escala como um recurso capaz de realizar tanto a 4 Thomas Bonnici, O ps-modernismo. In: BONNICI, Thomas & ZOLIN, Lcia Osana (Org.) Teoria Literria, p 259.
4
mudana quanto a continuidade cultural, atravs da reelaborao e do
reconhecimento da tradio, algo que se acentua na produo artstica
contempornea.
Na literatura brasileira o uso da pardia tambm acentuado com o
modernismo de 22, no entanto, a pardia produzida por esses autores a
pardia cmica e burlesca, cujo principal objetivo ridicularizar e provocar riso.
o que vemos, por exemplo, na produo de um Oswald de Andrade.
Clarice Lispector, entretanto, toma outra direo. A experincia pardica
de seus livros no tem nada de cmico, apresentando, ao contrrio, um forte
tom irnico e questionador. Em 1943, quando publicado seu romance Perto
do Corao Selvagem, ela j sinaliza uma mudana na sensibilidade artstica.
Mas em 1964, com a publicao de A Paixo Segundo G.H., se torna evidente
o quanto a obra de Clarice j no pode ser compreendida como continuidade
da esttica modernista.
No se pretende como isso enquadrar a obra de Clarice em qualquer
classificao seja ela modernista ou ps-modernista. A produo desta autora
no se presta a qualquer tipo de enquadramento, pois sempre os ultrapassa.
Entretanto, a crtica contempornea sua produo parece no ter sido
suficientemente capaz de explic-la. por conta deste fator que retomamos
parte da crtica ps-moderna, a qual nos deu importantes fundamentos para
sua anlise.
A Paixo Segundo G.H. rompe com as estruturas de tempo e de espao,
mas principalmente com a linguagem e no pode ser interpretada apenas como
ruptura com a tradio. Como uma narrativa extremamente nova, ela efetua a
corroso da linguagem e das estruturas narrativas, questionando-a como forma
de representao.
O resultado desse novo modo de composio o surgimento de uma
anti-narrativa que vai do caos ao silncio para, atravs da linguagem,
questionar o discurso literrio.
Essa desconfiana sobre a linguagem parece se dar, sobretudo, atravs
da pardia, conforme se pretende mostrar aqui. O romance retomar a paixo
5
de Cristo sobre um novo sentido. A experincia vivida pela personagem
continua ainda mstica, no entanto, o objetivo alcanado difere muito dos ideais
cristos.
Subvertendo o discurso religioso, essa narrativa se enquadra na mesma
desconfiana e ceticismo que a arte contempornea sobre as metanarrativas.
O sentido cotidiano e desgastado do signo e subvertido ao longo da narrativa
de forma a evidenciar sua artificialidade e implodir as noes tradicionais do
significado.
H um consenso entre a crtica em considerar essa obra como uma anti-
narrativa. Crticos como Benedito Nunes e Antnio Cndido j apontaram para
a dissoluo das estruturas narrativas desta obra, no entanto, ainda no h um
estudo detido de todas as estruturas responsveis por essa dissoluo.
As observaes destes crticos serviram para confirmar nossa hiptese
sobre o romance, mas tambm exigiam o desenvolvimento de estudos que as
tornassem objetos concretos, resultados de pesquisa. Analisar todas as
categorias narrativas que so subvertidas nesta obra exigiria um trabalho de
maior flego e extenso do que o pretendido por este trabalho.
Identificando, portanto, uma lacuna crtica nos estudos sobre A Paixo
Segundo G.H., pretende-se aqui, ao menos em parte, preench-la, atravs da
de um estudo mais profundo sobre o papel da pardia nesta obra. essa
necessidade que este trabalho visa suprir.
6
I. A PARDIA EM QUESTO
Pardia foi o termo utilizado por Olga de S para caracterizar as
relaes intertextuais presentes em A Paixo Segundo G.H. Segundo a autora,
h nesta obra um plo pardico constitudo pela pardia sria, no burlesca,
que denuncia o ser pelo desgaste do signo, pelas figuras de contradio como
o paradoxo e oxm