Chega de textão

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EF cotidiano DOMINGO, 13 DE MARçO DE 2016 B5 JULIANA GRAGNANI DE SãO PAULO Lá vem textão. Antes, na hora e depois da manifestação pró-impeach- ment da presidente Dilma Rousseff (PT) neste domingo (13), longos textos vão chegar a seu feed de notícias do Fa- cebook. Bate-bocas domina- rão seus grupos de What- sApp. Não importa qual for sua opinião sobre o ato. Discussões políticas exa- cerbadas nas redes sociais têm cansado usuários. Alguns até desativam suas contas. “Ficava no meio da guer- ra”, diz o funcionário públi- co Henrique Galli, 51, de Ara- raquara (a 273 km de SP). Ele reclama do “Flá-Flu político” dominante no Facebook, que abandonou “pouco antes de a Polícia Federal levar o Lula para depor, felizmente”. Os discursos saturaram tanto que os textos longos fo- ram apelidados de “textões”. Para a artista plástica Le- thícia Barros, 21, a plataforma virou um “ramo de papagaio”, em que só se replica conteú- do, sem reflexão. “Quem gos- ta de discutir política senta e debate.” Ela desativou sua conta há um mês, mas já tinha feito isso em outras ocasiões. No grupo da família do WhatsApp, diz, é impossível conversar sobre política. A história da internet no Brasil é recheada de momen- tos mais acirrados, diz Fábio Malini, do laboratório de ci- bercultura da Universidade Federal do Espírito Santo. “Em 2002, as brigas eram em listas de e-mail. Em 2006, no Orkut; em 2010, no Twit- ter e, em 2014, já no Face- book”, diz, destacando só as eleições presidenciais. Não que as redes sociais sejam espaço apenas de dis- senso —mobilizações como a deste domingo (13) são marcadas no Facebook e di- vulgadas via WhatsApp, as- sim como as contra o depu- tado Eduardo Cunha (PMDB- RJ), pelos direitos das mulhe- res, rolezinhos e festas. Mas, no Facebook, “uma cultura do revide”, diz Malini, por causa da possibi- lidade de comentar nas pos- tagens de outros usuários — que, “cada vez mais, têm uma ‘linha editorial política’”. Álbuns de viagens, selfies e outros momentos que exi- biam a bonança são compar- tilhados no Instagram; vídeos íntimos e de bastidores ficam no SnapChat; piadas, em sua maior parte, no Twitter. CHATO DE INTERNET O ambiente virtual se tor- na agressivo porque a perso- nalidade eletrônica é mais in- subordinada, grossa, desbo- cada e sexualizada, segundo o psicólogo Cristiano Nabu- co, coordenador do progra- ma de Dependências Tecno- lógicas do Instituto de Psi- quiatria do Hospital das Clí- nicas de São Paulo. Na vida virtual, explica, não há expressões, gestos e retorno imediato da opinião do outro. Para compensar, o cérebro cria um mecanismo para exagerar a intensidade do que quer transmitir. “As pessoas são mais intensas do que são no cotidiano.” Isso afastou o professor Matheus Piai, 24, de Bauru (a 329 km de SP), que não dele- tou sua conta, mas diminuiu a frequência.“As redes são ótimas maneiras para deba- ter, mas os usuários fazem is- so de maneira excessiva, pa- ra atacar uns aos outros.” Nabuco diz que, “se a pes- soa se torna chata na internet, possivelmente é chata na vi- da real”, já que não tem inte- TEXTÃO CHEGA DE Acirrament político e agressividade de discussões fazem usuários até abandonarem redes sociais ligência emocional para regu- lar a frequência com a qual co- menta determinado assunto. O artista Rafael Amamba- hy, 27, chama o Facebook de “black hole” (buraco negro). Ele saiu dessa rede.“Estão gri- tando para ninguém. Não são discussões. Na efervescência política, você tem que postar e, às vezes, nem sabe sobre o que está falando”, diz. O Facebook não quis co- mentar. Sua assessoria apre- sentou dados de pessoas ati- vas num mês no Brasil: 91 milhões em setembro de 2014 e 99 milhões no mesmo mês de 2015. » LEIA MAIS nas págs. B8 e B9 Bruno Santos/ Folhapress A artista plástica Lethícia Barros, 21, saiu do Facebook

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Folha de S.Paulo, 13 de março de 2016

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cotidianoDomingo, 13 DE março DE 2016 B5

juliana gragnanide sãopaulo

Lá vem textão.Antes, nahora edepois da

manifestação pró-impeach-ment da presidente DilmaRousseff (PT) neste domingo(13), longos textosvãochegara seu feed de notícias do Fa-cebook. Bate-bocas domina-rão seus grupos de What-sApp. Não importa qual forsua opinião sobre o ato.Discussões políticas exa-

cerbadas nas redes sociaistêmcansadousuários.Algunsaté desativam suas contas.“Ficava no meio da guer-

ra”, diz o funcionário públi-coHenriqueGalli, 51, deAra-raquara (a 273 kmdeSP). Elereclamado“Flá-Flupolítico”dominantenoFacebook,queabandonou “pouco antes dea Polícia Federal levar o Lulapara depor, felizmente”.Os discursos saturaram

tantoqueos textos longos fo-ramapelidadosde“textões”.Para a artista plástica Le-

thíciaBarros,21,aplataformavirouum“ramodepapagaio”,em que só se replica conteú-do, semreflexão. “Quemgos-ta de discutir política senta edebate.” Ela desativou suacontaháummês,masjátinhafeito isso emoutras ocasiões.No grupo da família do

WhatsApp, diz, é impossívelconversar sobre política.A história da internet no

Brasil é recheadademomen-tosmais acirrados, diz FábioMalini, do laboratório de ci-bercultura da UniversidadeFederal do Espírito Santo.“Em 2002, as brigas eram

emlistasdee-mail. Em2006,no Orkut; em 2010, no Twit-ter e, em 2014, já no Face-book”, diz, destacando só aseleições presidenciais.Não que as redes sociais

sejamespaço apenas de dis-senso —mobilizações comoa deste domingo (13) sãomarcadas no Facebook e di-vulgadas via WhatsApp, as-sim como as contra o depu-tadoEduardoCunha (PMDB-RJ),pelosdireitosdasmulhe-res, rolezinhos e festas.Mas, no Facebook, há

“uma cultura do revide”, dizMalini, por causa da possibi-lidade de comentar nas pos-tagens de outros usuários —que,“cadavezmais, têmuma‘linha editorial política’”.Álbuns de viagens, selfies

e outros momentos que exi-biamabonança são compar-tilhadosnoInstagram;vídeosíntimosedebastidores ficamnoSnapChat;piadas, emsuamaior parte, no Twitter.

chato de internetO ambiente virtual se tor-

na agressivo porque a perso-nalidadeeletrônicaémais in-subordinada, grossa, desbo-cada e sexualizada, segundoo psicólogo Cristiano Nabu-co, coordenador do progra-ma de Dependências Tecno-lógicas do Instituto de Psi-quiatria do Hospital das Clí-nicas de São Paulo.Na vida virtual, explica,

não há expressões, gestos eretorno imediato da opiniãodo outro. Para compensar, océrebro cria um mecanismopara exagerar a intensidadedo que quer transmitir. “Aspessoas sãomais intensasdoque são no cotidiano.”Isso afastou o professor

MatheusPiai, 24,deBauru (a329 kmde SP), que não dele-tou sua conta,mas diminuiua frequência.“As redes sãoótimas maneiras para deba-ter,masosusuários fazemis-so demaneira excessiva, pa-ra atacar uns aos outros.”Nabuco diz que, “se a pes-

soasetornachatanainternet,possivelmente é chata na vi-da real”, já que não tem inte-

TEXTÃOCHEGADE

Acirramento�político eagressividadedediscussões fazemusuários até abandonarem redes sociais

ligênciaemocionalpararegu-larafrequênciacomaqualco-menta determinado assunto.O artista Rafael Amamba-

hy, 27, chama o Facebook de“black hole” (buraco negro).Elesaiudessarede.“Estãogri-

tandoparaninguém.Nãosãodiscussões. Na efervescênciapolítica, você tem que postare, às vezes, nem sabe sobre oque está falando”, diz.O Facebook não quis co-

mentar. Suaassessoria apre-

sentoudadosdepessoas ati-vas num mês no Brasil: 91milhões em setembro de2014 e 99milhões nomesmomês de 2015.

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Brun

osantos/Folhapress

a artista plástica lethícia Barros, 21, saiu do Facebook