Chicos - 10 - Agosto 2007

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Apesar de inútil, a poesia é nossa arma de combate

Neste agosto, em que se faz vinte anos da morte de Carlos Drummond. Decidimos fazer neste Chicos uma homenagem à poesia. Pedimos a licença e a benção do maior poeta de Cataguases: Francisco Marcelo Cabral. Mas agosto também é o mês onde ocorreu o uso da mais pura e genuína burrice humana: A bomba de Hiroshima. Por isso vos oferecemos a poesia de Sadako. Durante o primeiro semestre deste ano, Zeca Junqueira, Emerson Teixeira, Zé Antonio e Vanderlei Pequeno passaram trocando idéias que acabaram num formidável livro de intensa poesia do Zeca: “Um inconsciente pedido de socorro”. Tudo começou com a estúpida morte, lá no Rio, do menino João. Que João? Aquele que arrastaram pelas ruas do Rio de Janeiro como um boneco de Judas. Caminhou pela poesia afiada feito faca do Zeca, transitou por Paul Celan, nos chocamos com um kamikaze coreano em mais uma matança escolar norte-americana, até chegarmos a poesia de Kurihara Sadako. Que Emerson Teixeira traduziu com extrema sensibilidade e maestria. Mestre João Cabral nos disse em seu poema Anti-char: “Poesia intransitiva,/sem mira e pontaria: / sua luta com a língua acaba / dizendo que a língua diz nada. / É uma luta fantasma, / vazia, contra nada; / não diz a coisa, diz vazio; / nem diz coisas, é balbucio.” Mesmo sem mira, disparamos a poesia contra a estupidez atômica. Sabemos ser apenas o “balbuciar” das palavras, fruto da sensibilidade e emoção de nossos poetas. “A rosa de Hiroshima” de Vinícius de Moraes é, para nós, das poucas se não única expressão poética feita sobre a bomba atômica. Fala-se muito no Brasil da literatura de Auschwitz. Mas e a produção japonesa pós Hiroshima? Kurihara Sadako (1913-2005), poetisa hibakusha (vítima da bomba atômica) nascida em Hiroshima e sobrevivente da bomba, produziu sua poesia a partir da traumática morte instantânea de milhares de seres humanos e sobreviventes com sequelas hereditárias provocadas pela exposição à radioatividade. Nas palavras de Kurihara Sadako, em artigo de 1985, “A poesia e a prosa da bomba atômica começaram a ser escritas por anônimos que experimentaram, em primeiro lugar, a impossibilidade da fala, e só podiam permanecer emudecidos em meio àquela morte em massa; foram escritas porque eles, seres humanos, não poderiam não falar disso” O poeta romeno Paul Celan (1920-1970), judeu de expressão alemã e sobrevivente do Holocausto, ao falar do motivo de sua escrita: “No meio de tantas perdas, uma coisa permaneceu acessível, próxima e salva – a língua. Sim, apesar de tudo, ela, a língua, permaneceu a salvo. (...) Nesses anos e nos seguintes tentei escrever poemas nesta língua: para falar, para me orientar, para saber onde me encontrava e aonde isso me iria levar, para fazer o meu projeto de realidade.” Celan é um dos poetas mais importante do pós guerra alemão. No Japão, Kurihara Sadako surge como uma das vozes poéticas mais expressivas da literatura pós-bomba. Dedicou sua vida à memória do dia 6 de agosto. Sua poesia não é somente literatura da bomba atômica, é também poesia do pacifismo. Sadako foi não somente escritora como também incentivadora da literatura de Hiroshima, o que o fazia por meio de edições de antologias poéticas relativas ao tema, como por exemplo O Rio da Corrente em Chamas no Japão (1960).Além de poetisa, Sadako foi ensaísta, ativista e líder do movimento antinuclear. Tinha fortes convicções políticas, o que a levou a protestar contra ações do governo japonês durante a Segunda Guerra, contra o tratado de segurança entre Japão e Estados Unidos (1960), além de fazer parte de um grupo de mulheres que se manifestavam publicamente contra os testes nucleares em todo o mundo. – ela escreveu cerca de 400 poemas e 100 ensaios sobre a

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experiência de Hiroshima Seu livro de poemas de maior repercussão, Ovos Negros (em japonês, Kuroi tamago, de 1946), lançado imediatamente após a bomba de Hiroshima, teve poemas censurados, pelo órgão censor da Ocupação Americana no Japão. O poema “Respeito pela humanidade” clarifica a imagem dos “ovos negros” do título, quando a poetisa protesta contra a política demográfica estipulada em 1941 pelo Ministério do Bem-Estar Social para o período da guerra, que proibia o aborto e a contracepção: No pós-guerra, com a escassez de moradias e de alimentos, o ministério suspendeu a proibição do aborto. Esse controle populacional, baseado nas idéias nazistas de eugenia, é alvo de ataque no poema. A sistematização da vida e da morte – os que são enviados para a morte nos campos de batalha, e os que são convocados a procriar – é denunciada como desrespeito à humanidade. As mulheres são convocadas a não terem filhos até que se extinga o militarismo, pois a maternidade não deve estar vinculada à política, pois, afinal de contas, ter filhos não deve ser comparável às galinhas que precisam botar mais ovos. A metáfora “ovos negros” se assemelha à imagem de “leite negro” do poema “Fuga da morte” de Paul Celan: “Leite negro da madrugada / bebemo-lo ao entardecer / bebemos ao meio-dia e / pela manhã bebemo-lo de / noite / bebemos e bebemos /(...) a morte é um mestre / que veio da Alemanha/ azuis são os seus olhos /(...) os teus cabelos de oiro Margarete...”A própria postura de Sadako sinaliza seu amor à vida. Diversos escritores sobreviventes da bomba atômica e do Holocausto europeu se suicidaram, entre eles Celan, aos 50 anos de idade. Até pouco antes de sua morte natural, aos 92 anos, Sadako se empenhava em agir a favor da paz, da conscientização antinuclear, do não esquecimento de Hiroshima, pois, conforme afirma, “Hiroshima não é, de modo algum, algo que ocorreu no passado. (...) Hiroshima é um lugar no futuro onde podemos ver até onde pode nos levar o militarismo, a corrida armamentista, sua destinação; é o maior ponto cego da espécie humana, que serve como referência para o mundo”.

Vocês verão aqui, outros autores tratando com indignação da violência humana. Pensem nesta poesia como nestes versos do Drummond: “É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

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Eu vi Hiroshima

Nada se vê em Hiroshima.Hiroshima: cidade de prédios e carros.Casais de blue jeans cochilamem bancos situados nos parquesuma criancinha corre atrás dos pombos sobre a relva.O cogumelo atômico,o cenotáfio -São apenas gotas para instantâneos.Não, isto é o que eu vi.Pessoas sentadas em grupos como ascetassobre o meio-fio defronte ao cenotáfio. Movendo-se lenta e silenciosamente,ligados em testes nucleares subterrâneosno deserto de logínquos paísese no silencioso ruído das cinzas mortíferasque explodem no ar,gente que já viram o inferno atômico.

Pessoas sentadas no meio-fioque conversam com mortos,reunem-se aos mortospara clamar pela paz.Isto foi o que vi.Gente em Hiroshimasentados nos meio-fiosclamando pela paz.

Kurihara Sadako (Hiroshima - Japão)

À moda de Paul Celan

Poema algum denuncia esse caos absolutoesse horror pendente- que se rebele o Cosmoscom seus exércitos celestes! -é vã a poesia contra tal desordem.À altura então o que dizer- não contra a bomba – essa indizível!Mas contra esse sentir comodamenteque foi bom não ter ainda entradono mundo quando ele,surpreendido em sua doaçãopor um momento deixou de existir?

Zeca Junqueira (Rio de Janeiro -RJ)

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(In)certa mão

Que força ocultapossui (in)certa mão

para reter o mundocomo um botão(de flor ou de terror?)

Que mão tão vastaé essa capaz de re-unir os homens à v'esperado pânico?

Que poder de super-açãopossui tal mão para destruiro que se construiucom 2.000 anos de mãos?

Que mão tão forteé o suporte da explosão?

Wilson Pereira (Brasília - DF)

Em meio à destruiçãoUma flor selvagem e simplesexplode ínfimas floraçõesdo solo queimado constituídodos ossos de nossos pais, mães, irmãos parentes, enfim das atuais-silentes ruinasonde cada coisa viva não sobreviveu ao incêndiouma vida infima que nos ensinou a vida.Hiroshima, desde esse dia fabricando -uma florescente flor das entranhas da destruição.

Kurihara Sadako (Hiroshima- Japão)

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Lá na Ásia...

Lá na Ásia tinha um alvo

a cidade de Hiroshima

Calcularam que era bastante

a carga radioativa

Guerra de Hiroshima

espelhas o horror que o ódio nos causa...

Lembrem-se de Hiroshima,

do fim de Hiroshima,

Mas também de como foi possível,

a reconstrução de Hiroshima.

Emerson Teixeira (Cataguases -MG)

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Respeito pela humanidadeDenunciaram-nospor sermostão materialistasmas o que dizer de seus “recursos humanos”?

Dizem: “É política de estadoportanto façam filhos!”Isto parece que é fácilcomo criar galinhaspara produzir ovos.

“É política de estado”, dizem:“façam filhos!”e no frigir dos ovoso respeito pela vidavai pro brejo.

Coisas de consumovinte anos depoismanifestem-secontra a sistematizaçãoda vida e da morte.

O militarismoé uma abominaçãomulheres do universo até que termine,não procriem!

O velho soldado, tambémaçoitadocom o chicote da bestapor nãobater continência.

Kurihara Sadako (Hiroshima - Japão)

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O vôo da morte

Rompendo o negrume do oceanosoa a marcha fúnebre dos motoresHiroshima acorda num pacifico horizonte azul.

Das entranhas da prateada serpente aladabrota um filho da puta - o ovo negroApós o relâmpago da loucurao olho secou na lágrimaa boca emudeceu no gritopessoas foram codaquiadas nas paredes

Enquanto isto em HollywoodRobert Taylor beija Eleanor Parkerem Above and Beyond.

Zé Antonio (Cataguases - MG)

Diálogo

Não te falo, e tu me matas,não me falas, e eu te mato.Chegaremos juntos, depressa!À humanidade abstrata.

Guilhermino Cesar (Eugenópolis MG 1908 -1993 Porto Alegre RS)

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“A Casa da rua Alferes e outras crônicas”

dos autores: Emerson Teixeira Cardoso, José Antonio Pereira, José Vecchi de Carvalho e Vanderlei Pequeno

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