Chicos 11 setembro 2007

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Chicos Setembro/2007 Cataguases Foto: Vicente Costa [email protected]

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Chicos Setembro/2007

Cataguases

Foto: Vicente Costa

[email protected]

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Um dedim de prosa

Neste setembro, Francisco Cabral, nosso poeta maior, lançou lá no Instituto Francisca de Souza, seu último livro, o imperdível “Cidade Interior”. Pensamos em falar alguma coisa a respeito, mas escrever o quê? Façamos então o seguinte: leia dois poemas que publicamos; um do Antônio Jaime (na contracapa do livro) “Ao outro cabral” e o do mestre “Inexílio II”. Depois corra até o Chica e compre este ótimo livro. Dois amigos nossos morreram em agosto e o poema “Zé Pedro” retrata nossa raiva contra estas mortes. Apesar de toda a discussão sobre ética, lá em Brasília continua a farra do boi e nós aqui em baixo ruminando ódio. Para todos os “boiadeiros” de todos os Legislativos do Brasil dedicamos “A maioria”. Na crônica de Márcia Denser vocês vão notar que o Ronaldo Cagiano já se enturmou com o pessoal bom lá de Sampa. Quem nos mandou uma ótima colaboração foi Felipe Fortuna, outro poeta dos bons.

Ao outro cabral*Antônio Jaime

bem uns duzentos anospós corrida do ourode novo garimpourosa exaurir o rio pomba

não de todo sem lucropode provar – no papelfrancisco marcelo cabralo homem que sabe tudo

basta só um exemplo:poeta – no seu entender -é o que puxa a cadeiraa poesia é o tombo

ouve troqueus no jorroda torneira – anapestosno ralo – pensa em versoe – ao escrever – sai ouro

*Antônio Jaime Soares (Cataguases -MG)

Inexílio II*Francisco Cabral

Todo poema é celebraçãomesmo não lido.Todo poema é de amormesmo perdido.Todo poema fica por aímesmo esquecido

*Francisco Marcelo Cabral, poeta (Rio de Janeiro -RJ)

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A geladeira *Zé Antonio

Havia há alguns anos, um enorme Curtume nos arredores da cidade. Proprietário:

Coronel Camargo, senhor de todas as terras e cercas. Aquele estabelecimento, tão asqueroso

como seu dono, poluía sistematicamente o rio e o ar da cidade, espoliava seus empregados,

tanto quanto o meio ambiente. O velho, um cão de caça, assediava todas as mulheres do seu

feudo. Nada o detinha. Ameaças de orgulhar qualquer crápula.

Mirtinha casara cedo, não tinha filhos e, nos seus dezoito anos incompletos, conservava o

frescor da adolescência. Dona de uma alegria quase infantil, sem anseios, pensava apenas em

viver para a casa e o seu homem; era a típica jovem mulher de cidade pequena. Casada com

um empregado do Curtume, o velho coronel, partindo para o cerco , tanto fez que a teve entre

as mãos. Com caridade diabólica, o coronel conseguira que ela e o marido fixassem

residência em uma casa de sua propriedade, última da rua no acesso a sua fazenda.

Rapidamente, tornou-se senhor do corpo de Mirtinha. Todas as tardes ele saia do curtume,

atravessava a cidade e a desfrutava. Num dia calorento, pediu um copo d’água, ela de

moringa na mão o serve. O coronel reclama da falta de uma geladeira na casa. Num repente

autoritário decide presenteá-la com o eletrodoméstico. A mulher se apavora; como justificar

ao marido presente tão caro, completamente fora de suas posses? O velho gavião sai

afirmando que encontrará a solução.

Certa tarde no curtume, o patrão coloca o marido de Mirtinha em um carro. Precisaria dele

para um serviço urgente na fazenda. Tarefa concluída, os dois retornam. Aproximando-se da

casa, de onde também era frequentador, o velho ardilosamente, inventa de tomar água na casa

do empregado. Mirtinha, ao ver os dois juntos ali na sua casa, entra em pânico, não consegue

disfarçar o constrangimento. Senta-se na primeira cadeira que encontra. O marido, inocente,

passa-lhe uma descompostura e serve a água ao patrão. Os dois saem. A dona da casa

continua sentada no mesmo lugar, desfalecida, tenta se recompor do susto.

O velho reclama da água e põe-se a elogiar as vantagens e virtudes de um refrigerador.

Intempestivamente toma outro rumo. Entra em uma loja e compra uma geladeira. O inocente

do marido é só agradecimento a tão bom patrão.

Mirtinha, já sem viço algum, com o corpo e a alma doloridos por aquela vil exploração, é

só tristeza. Descobrindo-se grávida, atormenta-lhe a dúvida da paternidade. O terror a toma

ao constatar que as probabilidades maiores apontavam para o coronel. O bom marido chega

do trabalho, abre a geladeira toma prazeirosamente um copo d’água. Estranha a ausência da

mulher. Decide-se por um banho. No banheiro, estarrece-se ao vê-la nua, pendurada numa

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corda de bacalhau. Acode-lhe distante vizinho, atraído por desesperados gritos.

Tristeza no féretro, meia dúzia de amigos, o coronel não comparecera, mas custeara do

caixão roxo à cova rasa. Os dias foram passando o viúvo naquela lamuriosa contrição. Era só

agradecimento ao patrão. Ele ajudara em tudo, da locação da casa ao custeio do funeral e da

geladeira. Tudo regiamente descontado no pagamento. Em verdade ganhava pouco, mas

nenhum empregado no Curtume tinha tais regalias. Tinha orgulho de trabalhar para o

Coronel Camargo.

Paga a última prestação da geladeira, o marido de Mirtinha foi demitido.

*José Antonio Pereira (Cataguases -MG) co-autor de“A Casa da Rua Alferes e outras crônicas”

Zé Pedro*Zeca Junqueira

Estava cheio de gorduraestava cheio de raivaestava cheio de tudoestragado!Deu no que deu:estourouenfartouesvazioumorreu.

A maioria

*Zeca Junqueira

Como mentem. Que nojo.Até suas presenças mentem. Mentem comas mãos, com a cara, com a roupa,com os gestos, mentem com o corpo todo.A fala constrange, ofende, é delírio e aleijão – semântica molarmas os mentirosos nem loucos nemdoentes são:contra eles, o mais preciso e frio diagnóstico:são em sua maioria filhos da puta.No país deles,a saúde, câncer com metástase nacional,a segurança, morra ou salve-se quem pudera educação, burro ou analfabeto funcionalo trabalho, dane-se, arrume uma viração qualquer.

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Furtivamente furtam tudo:dinheiro, direitos, destinos e circulam pelas casas da República comdesenvoltura de veranistas.Ocupam tudo, mancham tudo, aquartelam-se,enquadrilham-se, tramam, metamorfoseiam-se, deixam de ser para continuarem sendo indefinida e sorrateiramentefilhos da puta.Quando afanam o dinheiro nacionaldiz-se deles lenientemente que mal utilizam a coisa pública – não furtam, não são ladrões?!quando chutam o ventre da naçãoabortando impiedosamente o direito à vida de milhões(crime hediondo)quando chafurdam na mais deslavada corrupçãoaí sim!dão sua cartada de exímios trapaceiros eevocam um verdadeiro Moloch- as zonas obscuras da ética – vejam só!que juram existir no fazer político e onde tudo é relativoprincipalmente o público e o privadoonde tudo é possível, aceitável eonde quase todos eles se arrogam o direito deserem filhos da puta, não relativa, masabsolutamente filhos da puta.

Dão nojo. Sua fala é molar. Até suas presenças mentem.É isso. Contra eles o mais preciso e frio diagnóstico:são em sua maioria absolutos filhos da puta.

Bolso*Zeca Junqueira

Que coisa triste e doídameu Deus!Que coisa patéticaé a lista do mercado feita pela mulherque após o último item – 3 kg de feijãoescreve no pedaço de folha de caderno:”eu te amo”encontrado no bolso da camisa do homem sem documentosatropelado no alsfalto quente e sujomortoesquecido no meio da roda de curiososno meio-dia da cidade barulhentaindiferente e vazia.

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Palavras, essas bijouterias *Zeca Junqueira

O texto “Sobriedade demais”, da Martha Medeiros, publicado na Revista O Globo do último domingo (16/09), soa como um vagido no meio de letras mortas que adensam ainda mais o silêncio produzido pela falência das nossas utopias. Perdemos nossas convicções, somos transmissores passivos de ruídos de coisas geladas, mecanizadas, chipadas, vazias de tudo para garantir a aceitação incontestável do reinado do bezerro de ouro. Somos arautos do nada. Martha cita Hemingway, Bukowski, Dylan Thomas e cobra de si mesma o seu quinhão de desatino, o seu pileque por trás do texto, o LP arranhado soltando jazz de uma antiga vitrola enquanto uma velha e imaginária Remington substitui o computador e importuna tamborilando em voz alta o que é preciso tamborilar: dor, sentimento, esperança, desespero, rebeldia, amor – arte; e que se dane depois a ressaca, depois a gente acerta. Sabiamente, Martha diz que está na hora de vasculharmos a cesta de papéis em busca do rascunho jogado fora só porque é rascunho - será que a vida rigorosamente passada a limpo não se traduz mesmo em rascunho, em aspereza, em intensidade proporcional ao sangue que ela contém? “Os escritores deste novo século já não se suicidam, a Sylvia Plath de hoje faz mamografia, a nova Ana Cristina Cesar faz pilates, o William Burroughs do século XXI precisa parar de beber por recomendação médica”, diz a colunista. Alvíssaras!, essa percepção da Martha Medeiros, esse súbito engasgo numa revista light de domingo, facilmente digerível com o enfadonho almoço do dia, é animador. Instiga-me a botar a cara à mostra, inspira-me a enfrentar o eterno dilema da arte, que atualmente é ainda mais angustiante para aqueles que não querem trapacear com as palavras, essas bijouterias vendidas aos montes por escritores bem-comportados nas melhores casas do ramo. A eles, o recado:

Poeta não é título a ser ostentado. Afastem essas luzes! Cessem os aplausos! Não vêem nossas muletas? O dilema é esse: evadir-se e quem sabe imolar-se vigorosamente como o rascunho de si mesmo, acreditando numa semente vital que se deixa com o sacrifício da autenticidade, ou optar pelo conforto do lugar garantido entre o rebanho, enquanto o mundo desaba infecundo sobre nossas cabeças disciplinadas e vazias? Diante da morte iminente e inesperada, o trágico personagem de Tólstoi, Ivan Ilitch, padece de angústia incomensurável, não pelo fim que se aproxima, mas pela constatação de não ter vivido sua vida fazendo tudo que deveria ter feito. Saber se vamos salvar ou não o mundo das garras dos vendilhões não importa muito. O que não deve ser nada bom é terminar sem remissão como um Ivan Ilitch das letras.

*Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista, poeta eautor da peça “O Rei Lagarto – Tributo a Jim Morrisson”

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Cincerro

*Guilhermino César

Cavalo do Havrecego de Penicheuva de Ereximpombo de Genebrasaibro de Lorvão

Noivo de Ermesindesais de Galaadlesma de Astorgaanu de Caititégoivo de Algecirasestrela de Ur.

Lírio da Guardaenxofre de Kievbeiju de Cataguasesanêmona do Chilecorvo de Osascoalfanje de Larache.

A vida em Corintoa morte em Benim.

*Guilhermino César( Porto Alegre) um dos criadores da “Revista Verde”

E a poesia, morreu de quê?

*Felipe Fortuna

Escutei, escuto e escutarei – de tempos em tempos – a mesma bobagem: a poesia está morta. O

mais recente legista literário foi o escritor Martin Amis, que, durante o festival de Hay-on-Wye,

despachou novo atestado de óbito.

(Parênteses explicativos: o que é o festival de Hay-on-Wye? Resposta: é aquele onde escritores

brasileiros não têm vez, porque mal são traduzidos. E o que é a Festa Literária Internacional de

Paraty (FLIP)? Reposta: é aquela, inspirada em Hay-on-Wye, onde escritores estrangeiros,

incluindo Martin Amis, fazem a festa com seus livros traduzidos para o Português). Mas o que

disse o romancista de A Seta do Tempo (1991) ao público? Transcrevo: “Vocês podem ter notado

que a poesia está morta. O obituário já foi escrito (...). Quer dizer, a poesia continua, e sua

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estranha, fantasmagórica existência póstuma se dá na forma de excursões e leituras e concursos

poéticos e tudo o mais, porém não muitas pessoas agora se aconchegam à noite com um livro

de poesia...” Para o escritor, a causa mortis da poesia foi a aceleração da História, que

contaminou os indivíduos com o desejo de velocidade e de seguir adiante. A poesia,

infelizmente, seria o oposto a toda essa correria – pois pára o relógio e exige que se olhe para o

momento, para a pequena e súbita epifania que está à espera de exame.

A jornalista Tishani Doshi, num artigo publicado em The Guardian, sentiu-se incomodada com a

afirmação de Martin Amis, e logo encontrou antídotos: atualmente, romances muito volumosos

continuam populares, pois sempre se arranja tempo para lê-los. Além disso, um cortejo de

poetas ganhou aplausos e reconhecimento naquele mesmo festival de Hay-on-Wye: por

exemplo, Derek Walcott ao recitar o poema “Farewell”, de Walter de la Mare; e ainda Wole

Soyinka em sua homenagem a Omar Khayyam, além dos tributos à poesia de W. H. Auden.

Um observador mais cínico poderia afirmar que o romancista britânico estava, de fato, fazendo

uma propaganda da sua arte literária, como se esta fosse a mais preparada para enfrentar o

século XXI. No entanto, volta-se a ouvir as palavras de Derek Walcott: o mundo é o território da

metáfora; e a força da poesia se encontra, justamente, no seu poder de confrontar as perdas.

Nada mal como resposta definitiva a quem havia diagnosticado um mundo cada vez mais

veloz: afinal, quem cuidará das perdas, se estamos avançando em velocidades tão altas e mal

temos tempo de contemplar o o caminho? Se me coubesse levar a sério a afirmação de Martin

Amis, ainda assim me sentiria bem ao perceber a poesia como uma crítica ao que há de pior na

idéia de progresso.

Entre nós, o poeta José Paulo Paes já havia reagido ironicamente com o livro A Poesia Está

Morta Mas Juro que Não Fui Eu (1988). E ele tinha mesmo razão em tirar o corpo fora, pois nunca

se sabe se a poesia pode morrer na mão dos seus inimigos, que nunca a praticam, ou na dos

poetas – que tentam matá-la por incompetência ou, conforme o caso, por envenenamento lento

e gradual. Explico-me: na longa lista dos inimigos da poesia encontram-se os historicistas, a

desconfiar dos poetas que não conhecem a verdade dos fatos; e os cientistas, que consideram a

poesia uma afetação puramente intuitiva; e ainda os matemáticos, os filósofos, os políticos, e

por aí vai. Já repetindo, em 1825, um ataque de origem platônica, o jurista Jeremy Bentham, em

The Rationale of Reward, criticava os poetas por apresentarem a ficção como verdade, o que lhe

parecia imoral e desmoralizador.

Se alguns poetas foram incompetentes e quase mataram a poesia – é melhor calar seus nomes:

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eles fracassaram por completo, e a poesia aí está, robusta sobrevivente. Mas não é possível

omitir aqueles poetas que tentaram atrofiar até à morte um tipo, um estilo ou uma idéia de

poesia. Isso tem sido comum ao longo do tempo, quando se presta atenção às escolas literárias:

ali está o velhaco parnasiano a zombar do jovem simbolista com seus poemas siderais e

voláteis; e também o mestre modernista a tapar o nariz em rejeição ao cheiro de naftalina que

vem do passado. As injúrias e as gozações pululam na forma de sapos.

Até que um dia anunciaram a morte do verso, do poema e até da arte. A fúria assassina foi

tamanha que muitas vezes o autor do golpe se confundia de alvo: por exemplo, no índice do

livro O Arco-Íris Branco (1997), de Haroldo de Campos, consta o ensaio “Poesia e Modernidade:

da Morte do Verso à Constelação”. Quando se chega à página 243, o título passa a ser “Poesia e

Modernidade: da Morte da Arte à Constelação”. O leitor se pergunta: será que tanto faz, já que

o negócio é matar? A leitura faz supor que o crítico só se preocupava mesmo com o verso, mas

resta a dúvida sobre se o seu veneno poderia espalhar-se... Por outro lado, se então for

verdadeira a morte do verso, como compreender a poesia de vanguarda que dele não mais se

utiliza? O mesmo Haroldo de Campos, no ensaio intitulado “Comunicação na Poesia de

Vanguarda”, incluído em A Arte no Horizonte do Provável (1969), aparece com a solução: “À

medida que [a poesia de vanguarda] vai crescendo em complexidade, o auditório vai carecendo

de elementos redundantes, de normas, que o ajudem a decodificá-la. Este problema só se

resolve com a ampliação do repertório do leitor através de uma revolução nos métodos

tradicionais de educação (...)”. Se bem entendi, é preciso revolucionar o ensino para ensinar a

morte do verso.

O flerte com a morte e a anulação, aliado a uma tendência à obscuridade, está no âmago da

idéia de vanguarda artística. É uma tendência implícita, por exemplo, na negatividade de livros

como Viva a Vaia (1979), Despoesia (1994) e Não (2003), de Augusto de Campos, nos quais um

poema como “Afazer” implica afasia. Uma presença pelo desaparecimento, ou, nas palavras de

Arnaldo Antunes: “Do menos ao ex, do ex ao des, do des ao não, a poesia de Augusto renova a

sua afirmação.” Assim, fica o não-dito pelo dito e a impressão de que às vezes a poesia, assim

como a morte, não manda recado.

*Felipe Fortuna (Rio de Janeiro-RJ) poeta, ensaísta e diplomata reside em Londres autor de “Em seu lugar”

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Estância n º 1

*Emerson Teixeira Bastou a indecisão de uma vírgulapara que se perdesse o elo entre as palavrase aí, por séculos e séculos só se ouviu o tique taque nervoso do meu relógio

Meu reino por um cavalo... *Emerson Teixeira

...alado: a vida inteira só fiz castelos no ar.

*Emerson Teixeira Cardoso (Cataguases-MG)

poeta e professor,autor de “Similes” (poesia)

Relevâncias Inexistentes

(Uma crônica vagabunda)

*Márcia Denser

Esta semana recomecei a dar meu Estúdio de Texto, laboratório de criação avançada, no Centro Cultural, terrivelmente concorrido (cinqüenta candidatos só na fila de espera) e lá estava eu, em meio à aula inaugural com os primeiros vinte e dois selecionados, quando surgem Marcelo Mirisola e Ronaldo Cagiano, escritor de Brasília que acaba de se mudar para Sampa. Sorte nossa, azar de vocês aí. Aliás, Cagiano é uma curiosa mistura de cavalheiro discretíssimo & agitador cultural metido em várias paradas, fato que não é absolutamente um paradoxo porque alguém que trabalha há 24 anos numa instituição financeira pública é profundo conhecedor do coração humano, sobrevive manuseando valores dos outros e, afinal, o que fazem os escritores senão precisamente ISTO? Naturalmente a coisa tem vários ângulos, alguns bem negativos, mas escritores para serem bons precisam ser honestos – inclusive à revelia de si próprios, que ninguém é santo – de imediato, posso citar dois, Osman Lins, escriturário do Banco do Brasil, que recusava promoções em nome de mais tempo livre para escrever, e Esdras do Nascimento, também do Banco do Brasil, amigo de Osman, um verdadeiro gênio para detectar o talento alheio.

Fomos jantar os três e rolou aquelas conversas literárias vagabundas que implicam em troca de figurinhas, discreta sondagem de preferências e visões de mundo do recém-chegado, cumplicidade incondicional entre mim e Mirisola, Cagiano contando sua viagem a Teerã, onde esteve dando palestra com texto previamente censurado - a sensualidade da nossa mulata, por exemplo, não passou - a partir do quê chegou-se à conclusão que o fundamentalismo religioso dos talebãs fundido ao fundamentalismo neoliberal da onipresente cultura de mercado - coexistência de burkas & tênis Nike – superpõe censura religiosa local & imposição mercadológica imperial (naturalmente aí Bush, talebãs e demais poderosos de pleno acordo) deixando a população sem outra alternativa senão render-se ao pior dos dois mundos.

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Merda no Além e no Aquém, merda em cima e embaixo, assim na terra como no céu. Amém. Realmente, a única guerra que existe é contra os civis, as populações civis do mundo.

O negócio é o seguinte: no Mundo, você só come no MacDonald’s (embora, se o fizer, foda sua saúde,o filme Supersize-me esgota o assunto), se trata só se tiver Plano de Saúde (que não cobre quase nada embora cobre os olhos da cara, enquanto neoliberais de plantão destroem o que resta da saúde pública, Serra à frente), não fuma (embora a indústria de cigarros continue lucrando horrores), não fala mal dos ricos e poderosos, aliás, melhor não dizer nada, enfia uma burka e vai te foder, já que no Paraíso te esperam o que? Setecentas virgens! Local e seres que não interessam se você for mulher ou viado ou broxa ou Bento XVI ou Clodovil, aliás, o Além, cristão ou islâmico, é um mecanismo de controle social arcaico demais, maluco e idiota demais.

A população pode ser ignorante, mas não é burra, Deus, pra quem acredita, pode ser louco, mas também não é burro, coisas simultaneamente loucas & burras como Paraíso ou o Movimento Cansei & ideólogas Hebe Camargo/Regina Duarte/Ana Maria Braga/Ivete Sangalo não resistem ao ridículo mais elementar, concluímos filosoficamente, já engatando na entrevista do João Moreira Salles, 45, filho de banqueiro e dono da revista “Piauí”.1

Nela, ele discorre instrutivamente sobre o Brasil medíocre, irrelevante (não seria descartável que ele quis dizer?) e sem rumo de hoje, em todos os aspectos, político, econômico, social, incluindo as artes, literatura, cinema, porque “é importante dentro de determinado caldo cultural. Quando esse caldo desaparece, pode haver cineastas extraordinários, e eles existem, mas os filmes não têm mais centralidade. O cinema teve o seu momento, e o momento passou. A centralidade hoje está na tecnologia, na ciência. Houve um deslocamento do que é vital para uma cultura. O que há de vivo hoje nas artes e tem algum impacto é a arquitetura. Não consigo imaginar em nenhuma outra manifestação das artes um impacto tão grande quanto o museu de Bilbao produziu na cidade de Bilbao e por conseguinte na Espanha.”

Pois é, Bilbao, um pesadelo arquitetônico que nem Borges conceberia porque, ao contrário dos arquitetos de Bilbao, não brincava em serviço.

Referindo-se à casa da Gávea onde, entre os anos 50 e 60, seu pai, o banqueiro e diplomata Walther Moreira Salles, recebia o “jet set” das artes, economia e política de dentro e de fora do Brasil, locação do seu filme “Santiago” cujo tema é as memórias e a persona do mordomo dos Salles (grifo meu), assunto aliás extremamente relevante para o público brasileiro, e co-ra-jo-so (segundo a brilhante entrevistadora) ele diz: “Aquela é uma casa da década de 50, quando o Brasil tinha uma arquitetura importante; produzia uma literatura muito inovadora; teve grande ambição no cinema, com o cinema novo; e na música, com a bossa nova. No concerto geral das nações, o Brasil não era irrelevante.”.

Esse João é um exemplo lapidar do “intelectual-banqueiro”, amigo do ex-presidente FHC, ambos adornos críticos da nossa mais fina sociedade, devidamente categorizados por Paulo Arantes, mas o que ele não disse (nem lhe foi perguntado) é que o Brasil medíocre de hoje é o resultado da ação duma elite predadora que, sobretudo nos últimos quinze anos, na etapa de financeirização do capital, têm bancos e banqueiros à frente do desmanche do país e seu projeto, logo da sua cultura e arte, Moreira Salles incluído.

E esse João a fazer um filme sobre Santiago,o mordomo da família há três gerações e os dourados anos 50-60, esse João, dono da revista literária “Piauí” (“Somos imprensa nanica!Somos combativos. A gente é contra o sistema (risos)”) é o mesmo que diz que a arte (literatura incluída) brasileira se tornou medíocre, irrelevante.

Ah, sim, à pergunta da Folha: “No filme "Santiago", você afirma não ter se dado conta, nas filmagens, que o conflito de classe contido na relação patrão/empregado estendia-se à relação diretor/ entrevistado. É porque pensava em sua relação com Santiago pela perspectiva do

1 Folha de São Paulo, 13/08/2007.

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afeto, não como patrão?” ele responde:”De maneira nenhuma quero parecer alguém com maior identificação com quem está do outro lado do conflito de classe, que era mais próximo dos empregados.É algo tipicamente brasileiro. Está em Gilberto Freyre, em "Casa Grande & Senzala" -a impossibilidade de a gente não transformar as relações profissionais, principalmente as ligadas à vida domiciliar, em relações que também são pessoais.O afeto atravessa o conflito de classe, rompe um pouco da barreira imposta, é subversivo nesse sentido”. (grifos meus).

É isso, ideologicamente o texto dele soma duas inevitabilidades: a da ideologia do favor com a globalização (vide Arantes e Schwarz). O Brasil é irrevogavelmente assim. E a literatura brasileira não existe.

Bom, pelas Caras da Piauí e sua "proposta editorial", apriorísticamente esse dado já existia, isto é, que a literatura brasileira não existia era a conditio sine qua nom da própria Piauí. Um país que premia apenas escritores irrelevantes só tem mesmo que se foder literariamente. Felizmente, no fim da noite, a declaração de Paulo Zotollo, presidente da Philips, retificando que na verdade é o Piauí que não existe, nos fez suspirar aliviados.

Márcia Denser (São Paulo - SP)

Quem é o jogador?*Vanderlei Pequeno

O repórter esportivo, aquele que busca as informações na beira do gramado, sem dúvida, é o comunicador que muito contribui para enriquecer o acervo de Casos engraçados do nosso futebol. E, quase sempre, as tiradas verbais mais insólitas vêm a lume quando falta ao profissional, de imediato, respostas às indagações do narrador - aquele que trabalha na cabine de transmissão. Nesse momento, no calor da luta, é que aparece o necessário, urgente, mas perigoso improviso.

Foi o que aconteceu com Ariosvaldo, dublê de funcionário do Banco do Brasil e repórter de rádio nos finais de semana. Responsável pela reportagem, num Ribeiro Junqueira, de Leopoldina, versus Madureira, do Rio de Janeiro, na década de 1970, foi chamado numa participação pelo narrador, exatamente no momento em que a equipe carioca entrava em campo:

-Alô Ariosvaldo, diga lá o nome do sete da equipe do Madureira? Quem é o sete, por favor?

Atrasado e um tanto quanto distraído na sua tarefa de coleta de dados sobre a composição das duas equipes e sem conseguir localizar o atleta a que o colega de cabine se referia, Ariosvaldo foi curto e infeliz na sua resposta:

-É o Ponta-Direita!

*Vanderlei Pequeno (Cataguases-MG) co-autor de“A Casa da Rua Alferes e outras crônicas”

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Serras e Cachoeiras - Vicente Costa

O artista plástico Francisco Severino e o fotógrafo Vicente Costa

Um dos nossos chicos, o Vicente Costa, apresenta seus trabalhos no Espaço Francisco Severino na cidade de Descoberto, aqui em Minas. Ele vem registrando com sua objetiva suas caminhadas pelo que restou de Mata Atlântica aqui na curiosamente chamada Zona da Mata Mineira. Francisco Severino está expondo suas telas, aqui em Cataguases, na Casa de Cultura Simão.

Novidades

No próximo dia 11 de outubro lá no Instituto Francisca de Souza, Eltânia André estará lançando seu livro de estréia.

Eltânia André, apresenta-nos em sua estréia a obra “Meu Nome Agora é

Jaque”, trata-se de um livro de contos, todos narrados pelo mesmo personagem, Tizé, de um modo peculiar que conduz o leitor, inevitavelmente, a reflexão sob forma de humor e ironia.

O Tizé (ou seria melhor dizer Jaque?) vive um momento conflitante de sua vida, suas lembranças estão voltadas para casos familiares e vivências diversas das quais se tira alguma lição, embora nem sempre elas pareçam claras. O personagem é saudosista, engraçado, ora turrão, ora alegre, ora tímido, ora expansivo... Há uma mescla de características, que, mesmo antagônicas, ficam ligadas ao conteúdo dos contos. Ele se revela a partir de cada história, e isso é um recurso interessante, porque motiva o leitor a descobrir o que é ser jaque, em meio a seus conflitos pessoais e existenciais. Contatos com a autora: [email protected] e [email protected]

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“A Casa da rua Alferes e outras crônicas”

dos autores: Emerson Teixeira Cardoso, José Antonio Pereira, José Vecchi de Carvalho e Vanderlei Pequeno

Se você quer adquirir entre em contato conosco:

[email protected]