ChRIs MARTINEz VART ANIAN GuIlhERME...

3
VART ANIAN DE Por CHRIS MARTINEZ e GUILHERME MANECHINI Família rompida Ara (à esquerda) e Jack: pedido de R$ 50 mil por danos morais e o nome de origem armênia em disputa BRIGAM PELA CLIENTELA ABASTADA DA HIGH SOCIETY BRASILEIRA – E DISPUTAM NA JUSTIÇA O USO DO SOBRENOME EM SUAS GRIFES FILHOS DE UM RENOMADO COMERCIANTE DE PEDRAS PRECIOSAS, OS DESIGNERS ARA E JACK VARTANIAN DIVIDEM A FAMA, AGOSTO 2015 II II 115 114 II II AGOSTO 2015 SOCIEDADE

Transcript of ChRIs MARTINEz VART ANIAN GuIlhERME...

VART ANIANDE Por ChRIs MARTINEz e

GuIlhERME MANEChINI

Família rompidaAra (à esquerda) e Jack: pedido de R$ 50 mil por danos morais e o nome de origem armênia em disputa

bRIGAM pElA ClIENTElA AbAsTADA

DA hIGh soCIETy bRAsIlEIRA –

E DIspuTAM NA JusTIçA

o uso Do sobRENoME EM suAs GRIFEs

FIlhos DE uM RENoMADo

CoMERCIANTE DE pEDRAs

pRECIosAs, os DEsIGNERs ARA

E JACk VARTANIAN DIVIDEM A FAMA, agosto 2015 ii ii 115114 ii ii agosto 2015

SOCIEDADE

Numa tarde de Novem- bro de 2013, ara vartaNiaN passou a mão No telefoNe e ligou para o amigo e advoga-do Ricardo Ferreira de Macedo, com quem já compartilhou, em outros tempos, o aluguel de uma simpática casinha entocada em um morro na Praia da Barra do Sahy, no litoral paulista. Desta vez, no entanto, o assunto não era praia. O designer de joias, conhecido por seu jeito tranqui-lão de ser e por enlaçar pescoços e vestir dedos de gente famosa mundo afora, como a top inglesa Kate Moss e a atriz americana Liv Tyler, estava chateado. O que outrora parecia ser uma desaven-ça familiar acabara de se trans-formar em ação judicial, sendo ele o réu. Naquele dia, Ara havia recebido uma citação de que esta-va sendo processado pelo irmão mais velho, o também designer Jack Vartanian. Entre os motivos estava o de supostamente pirate-ar suas joias.

Ao atender o telefonema de Ara, Macedo logo percebeu a gravidade da situação. Seu ami-go não sabia o que fazer e queria entender quais medidas deveria tomar em relação ao comunicado que acabara de receber. O valor da indenização pedida por da-nos morais e materiais, cerca de R$ 50 mil, não era o problema, mas as acusações: plágio das joias, do site e concorrência des-leal ao tentar confundir o mer-cado destacando o sobrenome Vartanian em sua logomarca. Ao tomar ciência de como Macedo pretendia responder às acusa-

ções, Ara deixou o caso por conta do amigo e advogado. Daquele dia em diante não o questionou mais sobre o assunto. Também manteve a desavença com Jack sob máxima discrição.

A relação dos irmãos com o mundo da alta joalheria vem do berço. O pai, Nerces Vartanian, foi um importante comercian-te de pedras preciosas no Brasil entre os anos 80 e 90. Conse-guiu se firmar em um mercado dominado por empresas tradi-cionais, como H. Stern e Ams-terdam Sauer, graças ao tamanho das pedras que vendia, principal-mente diamantes e esmeraldas, sempre maiores do que a média. A trajetória lhe rendeu lugar de destaque no Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos, maior entidade do setor e na qual figura entre os principais doadores. Na mesma época em que o patriarca era um dos pro-tagonistas do setor, sua esposa,

Lena, era considerada uma talen-tosa designer de joias. Eles ainda atuam no mercado, mas não tão ativamente quanto antes – quem é do ramo diz que hoje a tradição da família está praticamente só nas mãos dos filhos.

O casal Nerces e Lena de-sembarcou no Brasil no início dos anos 70, vindo do Líbano, país que tem uma das maio-res comunidades armênias no mundo. As famílias de ambos foram para lá para fugir da guerra com a Turquia, confli-to que entre 1915 e 1917 matou mais de 1 milhão de armênios e até hoje causa discórdia entre

as duas nações. A Armênia diz que sua população foi vítima de um genocídio, reivindica-ção reconhecida por mais de 20 países e pelo Vaticano. Nerces e Lena chegaram a São Paulo com os filhos ainda pequenos. Jack tinha 3 anos e Ara, alguns meses de vida. O pai logo se ins-talou. Em pouco tempo abriu um escritório na Rua Xavier de Toledo, no centro da capital paulista, onde comercializava pedras preciosas. Anos depois passaria a trabalhar apenas na região da Avenida Faria Lima, área nobre da cidade.

a rua barão de paraNa-piacaba, coNhecida como a “Rua do Ouro”, é um dos principais polos de comércio de pedras e metais preciosos do país. Localizada no centro de São Paulo, ao lado da Praça da Sé, abriga mais de 100 lojas de joias em sua curta extensão, inferior a 100 metros. São pelo menos dez prédios ocupados quase que exclusivamente por comerciantes de joias e pedras preciosas para todos os gostos e bolsos. Lá, onde há de tudo quando o assunto é joalheria, é fácil verificar a reputação da família Vartanian. “Nenhum dos dois vem pessoalmente, sempre mandam funcioná-rios, mas são conhecidos por aqui, sim”, diz Tânia Maria, atendente da loja de pedras preciosas Jen Stone, uma das maiores da região. A alguns quarteirões dali, na Rua Ba-rão de Itapetininga, também no centro, a cena se repete. “Conheci o sr. Nerces no fim dos anos 70. Ara e Jack ainda eram meninos”, conta Juran-dir Pego, proprietário da loja JM. Segundo ele, a rivalidade entre os irmãos também é sa-bida no meio. “Mas é coisa de família, bobagem de irmão. Os dois estão muito bem no mercado”, minimiza o empre-sário. Procurados, Jack e Ara não quiseram falar com a GQ.

Jack, hoJe com 43 aNos, foi o precursor eNtre os irmãos No Negócio de joias. Começou a trabalhar como de-signer no fim dos anos 90, após um período ajudando o pai no comércio de pedras preciosas. Na época, achava que o mer-cado brasileiro era carente de inovação. Sua primeira tacada foi montar um corner com peças próprias na NK Store, a loja chi-que e badalada de Natalie Klein, neta de Samuel Klein, lendário dono das Casas Bahia. Em um período relativamente curto,

a rotatividade de funcionários ser alta na empresa. Ao mesmo tempo em que oferece uma série de cursos de formação para o profissional contratado, a co-brança por resultados é grande. O processo de criação não segue um padrão. Jack costuma dizer que anda sempre com papel e lápis para não perder uma ideia. O que é certo é a influência da música, de preferência um rock clássico, como David Bowie, Queen ou Metallica.

eNquaNto ele expaNdia a grife Jack vartaNiaN, o irmão mais novo, Ara, de 40 anos, estava espichando sua longa temporada fora do país, que começou pelos estudos ju-venis na Suíça e culminou com a graduação nos Estados Uni-dos. Ao terminar a faculdade de economia na Universidade de Boston, trabalhou cerca de qua-tro anos no mercado financeiro nova-iorquino – um ofício que, segundo os amigos, tem pouco a ver com seu estilo. A experiência em Wall Street não foi adiante. Em meados do ano 2000 estava de volta ao Brasil. Foi quando decidiu desenhar um anel para a então namorada, a arquiteta Ca-rolina Maluhy, com quem teve um filho. O sucesso foi imediato e logo as amigas dela estavam encomendando joias para Ara. Começava ali mais uma história bem-sucedida dos Vartanian no mercado joalheiro.

menos de cinco anos, celebri-dades como Gisele Bündchen e Ivete Sangalo já usavam suas joias. O pai de Natalie, Michael, aliás, é um cliente contumaz de Jack. Junto com o sucesso de suas peças, o irmão Vartanian mais velho foi abrindo lojas próprias no Brasil e mirando o mercado exterior, seu grande objetivo.

O ritmo de trabalho de Jack é frenético. Quem o conhece diz que ele é um empreendedor nato, sempre atento às possi-bilidades de ampliar sua grife. Tal característica também faz

JACk VARTANIAN EsTá

poR pIRATEAR

pRoCEssANDo o IRMão

suAs JoIAs

ARA poR CoNCoRRêNCIA DEslEAl E

ARA VARTANIAN uM ANEl pARA A

ENTRou No RAMo NAMoRADA. EM pouCo

sEM quERER, TEMpo suAs pEçAs

EsTAVAM EM hollywooD

Após DEsENhAR

FAMA INTER-NACIoNAl

ARA vARtAniAn tem entRe

suAs AmiGAs CÉLeBRes A top modeL

inGLesA kAte moss

ARA VARTANIAN ALinne

moRAes, nAo-mi CAmpBeLL

e JuLiAnA pAes são

ALGumAs dAs musAs que Já usARAm As JoiAs do

desiGneR

fo

to

s f

er

na

nd

o m

or

ae

s e

cL

aU

dIo

Ga

TT

I/a

Br

IL c

om

Un

Ica

ÇÕ

es

s.a

.

agosto 2015 ii ii 117116 ii ii agosto 2015

SOCIEDADE

ATé 2012, A CoNCoRRêNCIA

MEsMo EVENTo ENTRE os

IRMãos ERA

sAuDáVEl. hoJE, os DoIs

EVITAM

sEREM VIsTos No

Com fama de anfitrião de festas para lá de badaladas em sua casa, na região dos Jardins, Ara é reconhecido por ser extre-mamente detalhista como de-signer. Segundo amigos, para desenhar uma joia ele usa uma bancada grande, com foco de luz, e diz buscar o formato que a peça pode ter a partir de uma pedra. Entre seus designs de maior sucesso estão os mode-los com diamantes invertidos. A boa aceitação entre as amigas da ex-mulher o animou a tentar so-nhos mais altos na carreira. Em meados de 2001, saiu do Brasil para Nova York com uma cole-ção própria na mala. Lá, percor-reu diversas joalherias até bater na porta da multimarcas Kirna Zabête, no Soho. As donas da loja consentiram que ele deixasse suas peças na vitrine durante alguns dias. Ao retornar para buscá-las, para sua surpresa, a cantora Céline Dion havia com-prado metade da coleção.

ao mesmo tempo em que se empolgava com a repercussão positiva de seu traba-lho, Ara parecia preocupado em não invadir o espaço do irmão. No início de 2004, em uma entre-vista para uma revista feminina, ele afirmou que seu foco estava em outros mercados que não o Brasil, justamente para evitar a competição com Jack. Na época, Ara disse que a família ainda via sua nova carreira com descon-fiança. “Eles têm medo de que eu desista, canse de brincar de desenhar joias.”

Durante pouco mais de dez anos, a concorrência entre os irmãos aparentou ser saudável. Ainda que não fossem sócios, um sempre prestigiava o lançamento das coleções e as inaugurações de novas lojas da grife do outro, e vice-versa. Jack foi o fiador do ateliê de Ara quando o irmão pre-cisou. Frequentemente também eram vistos juntos em festas da alta-roda paulistana. Foi em uma dessas que, de acordo com relatos de amigos, a então namorada e hoje esposa de Ara, a ex-modelo Sabrina Gasperin, apresentou

a amiga e também ex-modelo Cassia Avila para Jack. A quími-ca entre os irmãos joalheiros e as ex-modelos parecia perfeita. Não demorou muito e, em 2009, Ara e Sabrina se casaram. O irmão e a namorada foram padrinhos. Menos de um ano depois foi a vez de Jack e Cassia oficializarem a união. Vieram os filhos e a harmo-nia entre eles parecia inabalável.

Em meados de 2012, no en-tanto, o cenário mudou radical-mente. Mais velho e igualmente genial no trato com pedras pre-ciosas, Jack sentiu-se lesado com

a concorrência do irmão caçula e resolveu cobrá-lo na Justiça. Na ação, o primogênito, entre outras reivindicações, buscava a cessão do uso dos nomes “Ara Vartanian” e “Vartanian” pelo irmão. Para isso, no processo com mais de 100 páginas, reuniu fotos de celebridades que já tinham po-sado com suas joias e passaram a usar as peças de Ara. Alegou, ao mostrar anúncios em revistas de moda e de celebridades, que o ir-mão concorria pelo mesmo nicho de mercado. E, mais grave ainda, comparou peças produzidas pelos dois para tentar provar que Ara havia copiado seus modelos.

o rompimeNto ficou mais do que explícito, apesar da discrição dos dois. Nem mesmo os amigos mais próxi-mos conhecem os detalhes da briga. Quem sabe prefere não comentar. GQ procurou mais de 20 pessoas, entre celebridades e socialites. Aqueles que falaram sobre o caso pediram para não se identificar. Do dia para a noite, os irmãos deixaram de frequen-tar as mesmas festas. Entre as es-posas, que em outros tempos se consideravam grandes amigas, o clima também pesou. Antes de ir a algum evento, Cassia ligava para as amigas para saber se Sa-brina, a esposa de Ara, estava lá. Mais de uma fonte ouvida pela reportagem disse que Cassia foi quem mais deixou transpa-recer o desentendimento com o

cunhado e a amiga. Uma insatis-fação que, coincidência ou não, cresceu com a ascensão de Ara no exterior. Tops internacionais, como Kate Moss e Naomi Cam-pbell, além de usarem as joias de Ara, frequentemente estavam em suas festas – passaram, por exemplo, o Réveillon deste ano com ele em Trancoso, na Bahia.

Se os dois irmãos já eram cuidadosos em distinguir suas marcas, após o rompimento a busca para reforçar as identida-des de cada um virou obsessão. Um ex-funcionário de Jack, sob condição de anonimato, contou que era proibido falar sobre Ara na empresa. As assessorias de imprensa de ambos também já estão orientadas a recusar ma-térias que pretendam tratar dos trabalhos dos dois. Nesse sen-tido, dizem, cada um tem seu estilo e é importante não apare-cerem juntos. Atualmente, Jack conta com cinco lojas próprias no Brasil e uma em Nova York. Suas peças também podem ser encon-tradas em joalherias de Boston, Miami, Califórnia e Londres. Um par de brincos de esmeralda custa R$ 68 mil. Dependendo da pedra, no entanto, uma joia pode chegar a R$ 800 mil. Ara tem quatro lojas no Brasil e vende suas peças em dois endereços em Nova York. Um anel duplo de ouro branco e rosa, com ru-belita e diamantes brancos custa R$ 88,6 mil.

No processo que corre na 2ª Vara Cível do Fórum João Men-des, em São Paulo, ao qual GQ teve acesso, o advogado de Jack,

José Carlos Tinoco Soares Jr., argumentou que “em 2009, 2010 e 2011 Ara passou a reproduzir indevidamente as joias de Jack”. Afirmou também que “entre 2010 e 2012 Ara passou a ocupar os mesmos imóveis deixados por Jack em virtude de sua expansão, contratando as mesmas modelos para suas campanhas e copiando o site do irmão na internet”.

Para o advogado, Ara resol-veu ingressar no ramo depois de ter fracassado em sua carreira fora do país. “Não logrando su-cesso com suas novas atividades, Ara não vacilou em partir para a concorrência desleal e violação de marca ao adotar para seus ne-gócios a marca ‘Vartanian’ do irmão já famoso e internacional-mente reconhecido”, disse. Em sua defesa, Ara apenas ressaltou que os dois são irmãos e filhos de um grande comerciante de pedras preciosas. E que, assim como Jack, também tem prestí-gio no mercado e na mídia.

até o momeNto, a tese de ara é eNdossada pela Justiça. Em seu despacho, Renato Acacio de Azevedo Borsanelli, juiz da 2ª Vara Cível Central, afir-mou que só o fato de pertencerem à mesma família, que tem tradi-ção no ramo, mais do que justifica que nenhum dos dois abra mão de ser reconhecido pelo sobrenome. O juiz acrescentou ainda que du-rante oito anos Jack nunca se in-comodou com a concorrência do irmão, não ficando claro em que momento ocorreu o rompimento. Ele julgou a ação improcedente e condenou Jack a pagar pelas custas do processo, despesas e honorários advocatícios.

Jack recorreu e o fim da disputa pode levar anos entre idas e vindas na burocracia da Justiça. O certo é que ambos seguirão competindo por cada venda e pelo maior número de celebridades que puderem fazer usar suas joias. Às vezes o que é ruim para a família é bom para os negócios.

JACk VARTANIANAnne

hAthAwAy, hALLe BeRRy

e JessiCA ALBA fiGu-RAm entRe As CeLeBRi-

dAdes que Já usARAm As

JoiAs desen-hAdAs poR

JACk

CAsAlJACk vARtA-

niAn Ao LAdo dA esposA e pRinCipAL modeLo de suAs peçAs,

A JoRnAListA CAssiA AviLA

ENTRE As REIVINDICAçõEs“ARA VARTANIAN”

DE JACk NA JusTIçAE “VARTANIAN” poR

EsTá A CEssão Do uso sEu IRMão

Dos NoMEs

fo

to

s G

eT

Ty

Im

aG

es

; J

oa

o s

aL

/a

rq

UIv

o v

oG

Ue

agosto 2015 ii ii 119118 ii ii agosto 2015

SOCIEDADE