Ciberdramas e Cibermontagens Coletivas Calado... · simbologia criada em “Alice no País das...

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Daniel Calado Nunes e Souza Ciberdramas e Cibermontagens Coletivas Interligando encenações inventadas, filmadas, compartilhadas e montadas por internautas Mestrado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital São Paulo 2013

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP

Daniel Calado Nunes e Souza

Ciberdramas e Cibermontagens Coletivas

Interligando encenações inventadas, filmadas,

compartilhadas e montadas por internautas

Mestrado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital

São Paulo

2013

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP

Daniel Calado Nunes e Souza

Ciberdramas e Cibermontagens Coletivas

Interligando encenações inventadas, filmadas,

compartilhadas e montadas por internautas

Mestrado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em Tecnologias da

Inteligência e Design Digital – Processos

Cognitivos e Ambientes Digitais, sob a

orientação do Prof. Dr. Fábio Fernandes.

São Paulo

2013

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Banca Examinadora

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Agradeço ao Prof. Fábio por ter abraçado

essa empreitada, e especialmente a meus pais,

por toda a dedicação, afeto e ao apoio

constante.

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RESUMO

SOUZA, Daniel Calado Nunes e. Ciberdramas e Cibermontagens Coletivas: interligando

encenações inventadas, filmadas, compartilhadas e montadas por internautas. 2013. 91 f.

Dissertação (Mestrado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

Projeto de pesquisa e aplicação prática para estimular a vinculação de criações dramatúrgicas

audiovisuais geradas com participação coletiva através da internet, propondo a vinculação

pela interligação virtual de encenações gravadas isoladamente, por diferentes participantes em

diferentes locais geográficos, construindo-se cenas como módulos preparados para montagens

audiovisuais cruzadas, multirreferenciadas e multilineares, compondo uma rede dinâmica. O

processo de criação coletiva foi sugerido para todas as etapas de criação, desde a invenção

dramatúrgica, passando pela atuação e chegando à montagem feita pelos próprios

participantes, buscando a ação presencial, inclusive a criação pela manifestação corporal, e a

integração virtual, mediada e divulgada pela internet. O intuito é que os participantes

inventem narrativas ou associações audiovisuais pela negociação de elementos dramatúrgicos

e audiovisuais presentes em suas cenas. Tomou-se como referência a multirreferencialidade

gerada pelo caráter enciclopédico de algumas obras, como os filmes Matrix, StarWars e as

séries de Harry Potter, a recorrência a alegorias em filmes brasileiros da era do Cinema

Marginal, e produções teatrais e audiovisuais abertas à criação coletiva. Ressaltou-se o

fenômeno da convergência de mídias gerado por um sistema binário comum, facilitando a

invenção de matrizes para a produção artística compartilhada, e a ilustração da hipermídia

como uma rede de lexias ligadas por links para propor formas de montagem audiovisual que

tomam os links como formas de transição audiovisual, promovendo a montagem em rede. Tal

proposta usufrui amplamente do conceito de agência descrito por Janet Murray, referindo-se à

possibilidade e à vontade dos participantes de interferirem numa obra. Considerou-se ainda

que a internet apresenta um grande campo de evolução para experiências de criação coletiva

originais. Buscamos analogias entre as novas possibilidades de ação trazidas pela internet e o

teatro participativo desenvolvido pelo diretor teatral Augusto Boal, e no campo da montagem

recorremos às análises de Ismail Xavier sobre a história da montagem cinematográfica,

relacionando-a às pesquisas de Lev Manovich e Vicente Gosciola sobre a produção e

montagem para a hipermídia. Essas questões foram elucidadas diante do princípio da

inteligência coletiva como defendido por Pierre Lévy. Como resultado, foi elaborado um

protótipo exemplificando o projeto. Numa análise final, propusemos algumas alterações em

plataformas de compartilhamento de vídeos para promover uma cultura de montagem coletiva

na internet, ao mesmo tempo que incentivamos a promoção coletiva do próprio lazer e da

produção artística colaborativa.

Palavras-chave: teatro, vídeo, montagem, internet, criação coletiva, crowdsourcing

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ABSTRACT

SOUZA, Daniel Calado Nunes e. Collective Cyberdrams and Cybermontages: linking

performances invented, filmed, shared and mounted by internauts. 2013. 91 s. Dissertation

(Masters in Technologies of Intelligence and Digital Design) – Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

Project research and practical application to stimulate the binding of dramaturgical

audiovisual creations generated with collective participation through the internet, by

proposing a linkage by virtual interconnection of scenes recorded separately by different

participants in different geographical locations, building up scenes as modules ready for

audiovisual crossed montages, multireferred and multilinear, forming a dynamic network. The

process of collective creation was suggested for all stages of creation, since the invention of

drama, action and coming through the montage made by the participants themselves, seeking

presential action, including the creation by bodily manifestation, and virtual integration,

mediated and published over the Internet. The intent is that participants invent narratives or

audiovisual associations by negotiating of dramaturgical elements present in their scenes. Was

taken as the reference multireferenciality generated by the encyclopedic nature of some

productions, like the Matrix movies, StarWars and the series of Harry Potter, the allegories of

Brazilian movies of the era of Marginal Cinema and theater productions and films open to

collective creation. Emphasis was placed on the phenomenon of media convergence generated

by a common binary system, facilitating the invention of matrices prepared for shared artistic

production, and was brought the illustration of hypermedia like a network of lexias connected

by links to propose ways of audiovisual mounting that take the links as audiovisual transitions

and so promotes the networked montage. This proposal enjoys the concept of agency widely

described by Janet Murray, referring to the ability and willingness of the participants to

interfere in works. It was considered that the Internet still has a large field of evolution for

original experiences of collective creation. We seek analogies between the new possibilities of

action brought by the internet and the participatory theater developed by theater director

Augusto Boal, and in the field of montage we resorted to analysis of Xavier on the history of

film editing, linking it to the research of Lev Manovich and Vicente Gosciola on the

production and montage for hypermedia. These questions were elucidated front of the

principle of collective intelligence as advocated by Pierre Lévy. As a result, we designed a

prototype exemplifying the project. In the final analysis, we proposed some changes in video

sharing platforms to foster a culture of collective montage on the internet, while we encourage

the promotion of leisure made by its own participants and ways of collaborative artistic

production.

Keywords: theater, video, montage, internet, collective creation, crowdsourcing

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SUMÁRIO

RESUMO ...................................................................................................................................................4

ABSTRACT .................................................................................................................................................5

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................9

1 CONCEITOS PARA UM MODELO DE CRIAÇÃO DRAMATÚRGICA PARTICIPATIVA VIRTUAL E

PRESENCIAL ........................................................................................................................................... 10

1.1 Interligando cenas como uma rede de lexias e links................................................................... 13

1.2 Internet e divulgação .................................................................................................................. 24

1.3 Cultura participativa e criação coletiva ....................................................................................... 26

1.3.1 Teatro Participativo e Cultura Participativa na Internet ...................................................... 29

1.4 Profissionais do teatro e amadores............................................................................................. 33

1.5 A inteligência coletiva e a negociação entre os participantes .................................................... 34

2 O MODELO PROPOSTO E SUAS INFLUÊNCIAS .................................................................................... 39

2.1 Parâmetros .................................................................................................................................. 39

2.2 Aprimoramento entre-cenas por participantes .......................................................................... 40

2.3 Um incentivo à criação coletiva: a convergência de mídias ........................................................ 43

2.3.1 Convergência de mídias e protocolos de criação artística ................................................... 43

2.3.2 Sistema binário comum ........................................................................................................ 44

2.3.3 A viabilização desse projeto pela convergência ................................................................... 47

2.4 Labirinto e Rizoma ....................................................................................................................... 49

2.5 A ilustração da rede de cenas com ritmos .................................................................................. 54

2.6 Referências para a composição desse projeto: teatro, cinema, games e projetos na internet . 56

2.6.1 Labirynth (Direção: Jim Henson, 1986) ................................................................................ 56

2.6.2 Trem-Fantasma (Direção: Christoph Schlingensief, 2007) ................................................... 56

2.6.3 Imagine (Direção: Zbigniew Rybczynski, 1987) .................................................................... 57

2.6.4 Sonhos (Direção: Akira Kurosawa, 1983) ............................................................................. 58

2.6.5 Doom (Produção: id Software, 1993) ................................................................................... 58

2.6.6 Being John Malcovich (Direção: Spike Jonze, 1999) ............................................................. 58

2.6.7 Arca Russa (Direção: Aleksandr Sokúrov, 2002)................................................................... 59

2.6.8 Life in a Day (Direção: Kevin Macdonald, 2011)................................................................... 60

2.6.9 O Jantar (Direção: Ettore Scola, 1998) ................................................................................. 61

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2.6.10 Edifício Master (Direção: Eduardo Coutinho, 2005) .......................................................... 62

2.6.11 Clouds Interactive Documentary ........................................................................................ 63

2.7 Modos de Atuação ...................................................................................................................... 66

2.7.1 Timecode (Direção: Mike Figgis, 2000) ................................................................................ 67

2.7.2 O Câncer (Direção: Glauber Rocha, 1972) ............................................................................ 68

2.7.3 Grupo Teatral Ueinzz (Direção: Sérgio Penna e Renato Cohen, fundado em 1997) ............ 69

3 MONTAGEM PARTICIPATIVA NA HIPERMÍDIA ................................................................................... 72

3.1 A disseminação da “língua” da montagem ................................................................................. 73

3.2 Interseções entre tipos de montagens ....................................................................................... 74

3.3 Composição múltipla de discursos .............................................................................................. 75

3.4 Montando com os bancos de dados ........................................................................................... 76

3.5 A montagem alegórica ................................................................................................................ 78

3.6 A montagem-pensamento .......................................................................................................... 81

4 CONCLUSÃO ....................................................................................................................................... 83

4.1 Especulações ............................................................................................................................... 85

4.1.1 Mapas das montagens em rede ........................................................................................... 85

4.1.2 Associação de bancos de dados por relações familiares nas redes sociais ......................... 86

4.1.3 A sugestão para as listas de reprodução de vídeos ............................................................. 87

4.1.4 Principais propostas desse projeto em relação à montagem coletiva ................................ 87

4.1.5 Montagem temporal com montagem vertical (um passo além de nossa proposta) ........... 88

4.1.6 O sonho da montagem coletiva na hipermídia .................................................................... 89

REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 91

ADENDO ................................................................................................................................................ 96

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INTRODUÇÃO

Esse projeto é um estudo e uma proposta para incentivar a criação de uma

ciberdramaturgia coletiva, usando a internet para conectar diferentes grupos criadores em

torno de invenções dramatúrgicas originais geradas de forma participativa, vinculando

diferentes pessoas e diferentes criações em torno de contextos compartilhados, como

catalisadores capazes de integrar expressões artísticas e atuações dramáticas e de ativar uma

inteligência coletiva dirigida a um projeto dramatúrgico aberto, multilinear, em que todos

juntos colaboram para o aprimoramento de enredos cruzados.

Projetamos maneiras de produzir criações dramatúrgicas audiovisuais geradas pela

participação coletiva, visando a uma integração de encenações diversas gravadas por grupos

distanciados geograficamente, através do uso de elementos dramatúrgicos e videográficos

como forma de tornar as múltiplas montagens das cenas conectáveis, compondo universos

articulados entre si, contextos compartilhados pelos participantes que funcionam como pontos

de partida para a criação das cenas. Temos por intuito oferecer um modelo que facilite uma

criação coletiva coordenada, mas de forma descentralizada, com aberturas para a livre criação,

orientada por parâmetros e dentro de contextos integradores.

Com essa proposta não temos a intenção de estabelecer um formato definitivo, mas

sim estimular o desenvolvimento de modelos propícios à participação coletiva, que dêem

suporte a uma participação efetiva no processo de criação. Dessa forma, a proposta visa ao

estímulo, a motivar movimentos artísticos coletivos capazes de gerar o engajamento de

múltiplos grupos. Nossa proposta final, que terá por objetivo uma produção prática, tem

escolhas e regras definidas, mas queremos apresentá-las como uma entre infinitas

possibilidades de aplicação do modelo, e sabendo que o próprio modelo estará em evolução

logo que for praticado.

O ponto focal do projeto, de vincular diferentes grupos pela invenção dramatúrgica

audiovisual, gerada desde o início por uma participação coletiva descentralizada, acreditamos

desde já que será uma prática bastante aprimorada de criação dramatúrgica num futuro

próximo, estando nosso projeto situado num período de experimentação, e espera-se que

contribua para a formação de novos protocolos de criação dramatúrgica, hibridizados aos já

existentes.

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1 CONCEITOS PARA UM MODELO DE CRIAÇÃO

DRAMATÚRGICA PARTICIPATIVA VIRTUAL E

PRESENCIAL

“A obra de arte será o que Lévy chama de „atrator cultural‟, unida, criando uma base

comum entre as diversas comunidades; podemos também definir a obra de arte como um

ativador cultral, impulsionando sua decifração, especulação e elaboração” (JENKINS, 2008,

p.135). Unindo a essa conceituação a oportunidade da participação coletiva, desse projeto

esperamos que seja ativador da participação coletiva e atrator das criações de múltiplos

participantes, usufruindo das qualidades da internet como meio virtual oportuno para polarizar

interesses e grupos e de ativar a manifestação desses grupos.

Somando às qualidades de atração e ativação de comunidades criativas a evolução do

hipertexto e das narrativas multilineares, podemos identificar pontos de cruzamento de

sentidos e significações entre criações diversas e potencializar essas relações. Corroboram

para essa iniciativa uma característica das novas narrativas na hipermídia classificada por

Janet Murray (2003) como enciclopédica. Dessa característica surgem obras que contêm

referências a várias outras obras e saberes culturais. Por exemplo, o filme Matrix usa uma

simbologia criada em “Alice no País das Maravilhas”, a “toca do coelho”, como indício de um

mundo secreto a ser descoberto. Essa manifestação de narrativas multirreferenciadas às quais

estamos nos habituando – na verdade uma volta à cultura antiga de construção de narrativas,

narradas oralmente e construídas coletivamente pelo entrelaçamento de narrações – nos dá a

referência e a oportunidade de também entrelaçar nossas expressões criativas particulares, que

podem ser manifestas na forma de narrativas originais que aos poucos vão misturando-se.

(Em específico para esse projeto, as narrativas que estamos enfocando são toda e qualquer

uma que possa ser manifesta na forma de dramaturgia, direcionada para a representação

teatral, amadora ou profissional.)

Henry Jenkins, em seu livro Cultura da Convergência (2008), exemplifica esse

fenômeno de entrelaçamento de narrativas abordando a construção da saga mitológica de

Ulisses. “Quando os gregos ouviam as histórias de Odisseu, não era preciso explicar quem ele

era, de onde vinha ou qual sua missão. Homero conseguiu criar um épico oral baseado em

pedaços e fragmentos de informações de mitos preexistentes [...]” (JENKINS, 2008, p.166).

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Ou seja, os fragmentos da história já eram compartilhados pelos ouvintes/contadores. Homero

reuniu as diversas informações para criar uma narrativa já enciclopédica por sua origem.

Matrix também contém um roteiro baseado em diversas narrativas. Em vez de apenas

usar as referências para montar uma história, os repertórios são intencionalmente usados para

deixar ganchos, promovendo a expansão da narrativa, como se ela voltasse a uma

fragmentação mostrando suas origens. E de fato essas expansões foram criadas em outras

plataformas além do filme, como game, história em quadrinhos, animação, provendo ao filme

um enredo multilinear. Segundo Jenkins (2008, p.134) “Matrix é entretenimento para a era da

convergência, integrando múltiplos textos para criar uma narrativa tão ampla que não pode ser

contida em uma única mídia”.

O hipertexto, por sua característica, já é em si promissor da multilinearidade. Murray

(2003) cita a conceituação de Stuart Moulthrop, teórico e escritor de ficção eletrônica: “[...] os

sistemas de hipertexto surgem como a implementação prática de um movimento conceitual

que rejeita hierarquias autoritárias, „logocêntricas‟ [isto é, que se afirmam como verdades] da

linguagem, cujos modos e operação são lineares e dedutivos, e procura, ao invés disso,

sistemas de discurso que admitam a pluralidade de significados, em que os modos

operacionais sejam hipóteses e jogos de interpretação” (MOULTHROP, 1998 apud MURRAY,

2003, p.132). Vamos usar as qualidades desse conceito, nesse trabalho, para descrever

também as características da hipermídia, conceito mais extenso que também lida com a

composição de imagem e som juntamente ao texto.

Em consonância com essa construção enciclopédica, propondo uma negociação de

elementos dramatúrgicos entre as invenções dos participantes, podemos criar elos

significativos numa obra multifacetada, gerada por grupos os mais diversos, até mesmo de

diferentes cantos do mundo.

Assim, ao mesmo tempo que exalta-se a diversidade cultural e artística das

encenações, compõem-se diálogos, pontes entre diferentes modos de encenar e gravar e entre

a própria regionalidade dos grupos criadores, revelando a inventividade da criação coletiva, e

ressaltando aos grupos criadores o valor social que é inerente a qualquer ato de expressão.

Peter Brook, diretor teatral inglês, descreve em seu livro Fios do Tempo (2000) sua

experiência em busca de uma expressão teatral que possa ser compreendida universalmente.

Com a criação do Centro Internacional de Pesquisa Teatral, composto por atores de diversas

nacionalidades, embarca em uma série de viagens a países de diferentes línguas para

experimentar a amplitude do ato comunicativo do teatro. “Estamos tentando ver se é possível

a comunicação entre pessoas de diferentes partes do mundo” (2000, p.251), diziam ao pedir

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licença a anciãos de pequenos vilarejos na África para entrar em seus territórios, para o que

eram bem-vindos. Encontravam antropólogos e contrariavam suas teses de que gestos e

costumes são símbolos codificados de uma cultura: “Beijar com os lábios, coçar os narizes

podem muito bem ser convenções enraizadas em ambientes específicos, mas tudo o que

importa é a ternura que elas expressam” (2000, p.253). Pretendemos transpor esse intento do

grupo de Brook para o âmbito das comunidades virtuais, capturando a percepção de que os

gestos e costumes expressam, além de funções e tradições, sentimentos e ânimos, jogos

sensitivos que sugerem por quais esferas de intimidade uma pessoa quer interagir. Da

percepção dessas expressões, tanto as funcionais e lógicas quanto as mais invisíveis, podemos

criar elos e “conversar” por imagens e comportamentos, um campo aberto para a interação

teatral e a montagem audiovisual.

Buscando nessa interação uma multivocalidade, damos à interação elementos

constituintes do drama. “Com a inserção de personalidades múltiplas, o hipertexto incorpora

elementos do drama. No drama, percebemos cada personagem como uma entidade distinta,

com pensamentos e idéias próprias. Muitas vezes, as personagens do drama discordam e se

rivalizam entre si” (LEÃO, 2005, p.75). Vale acentuar que a discordância é um ato

comunicativo e fonte importante de tensões na malha do hipertexto.

Existe sempre o risco de que o resultado da reunião de diferentes criações seja apenas

uma justaposição de fragmentos. Para evitar isso, procuramos maneiras de estimular o

aprimoramento das intersignificações entre as criações, pela ação dos próprios grupos

participantes. Já estabelecemos à priori a criação de universos conectáveis, contextos sobre os

quais trabalhar, e então a partir deles os próprios grupos é que serão responsáveis tanto pela

invenção das encenações quanto pela formação de enredos ou discursos - com alguns

parâmetros para dar consistência e unidade às montagens audiovisuais finais – enriquecendo

as relações entre as cenas pelo intercâmbio de suas próprias idéias. (No último capítulo vamos

enfocar a relação entre narrativa, discurso e diferentes tipos de montagem audiovisual,

sugestionando o intercruzamento de todas elas no emaranhado de montagens multilineares

que queremos promover.)

Serão criados universos, ao invés de narrativas ou discursos prontos, sobre os quais os

jogadores poderão inventar diferentes caminhos narrativos ou montagens associativas, em

parte imprevisíveis. Seguimos a dedução do teórico e artista Júlio Plaza em seu texto As

Imagens de Terceira Geração, Tecno-Poéticas: “Com as condições de criação interativa, a

proposição de matrizes de composição é mais conveniente que a proposição de mensagens

fechadas” (PLAZA, 1993, p.81).

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Vamos enfocar a produção de uma matriz totalmente destinada à criação coletiva. Sem

a participação o projeto não existe. Não se trata somente de uma obra aberta, pois ela não

existe sem a participação. E nem mesmo a matriz desse projeto existe como estrutura material

ou estrutura virtual concebida especificamente para o projeto. Não foi criado um software ou

modificada uma plataforma. Como veremos, a matriz nesse projeto é um acordo, um convite

à participação baseado num conjunto de ações combinadas, da invenção de encenações até as

montagens audiovisuais na hipermídia.

Fazendo uma conclusão das abordagens feitas até aqui, vamos enfocar a produção

voltada à facilitação da participação coletiva à distância, baseada em ações teatrais

presenciais, aberta ao compartilhamento e entrelaçamento das criações, nascidas de

expressões particulares dos participantes e permeadas por contextos maiores, universos

interligados.

1.1 Interligando cenas como uma rede de lexias e links

As ligações entre as criações podem ser feitas à maneira de links, como os existentes

em sites e obras de hipermídia. “De acordo com a definição de Halacz e Swartz, sistemas

hipermidiáticos „provêm seus usuários da habilidade para criar, manipular e/ou examinar uma

rede de informações contendo nós interconectados por links relacionados” (MANOVICH,

2001, p.59).

O hipertexto, em geral, é composto por blocos de informações e por vínculos

eletrônicos (links) que ligam esses elementos. Os blocos de informações costumam

ser denominados lexias. O termo lexia foi empregado anteriormente por Barthes

para designar blocos de textos significativos. [...] Outros autores preferem usar a

denominação nó. De qualquer forma, ambos os termos correspondem às unidades

básicas de informação. Uma lexia pode ser formada por diferentes elementos, tais

como textos, imagens, vídeos, ícones, botões, sons, narrações, etc. (LEÃO, 2005,

p.27)

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Figura 1: Ilustração da conexão em rede com lexias e links.

Através dessa sugestão, da visão da montagem de cenas como lexias conectadas por

links, podemos tratar as criações como módulos, nós, facilitando a construção de micro-

narrativas ou micro-contextos dentro de cenas modulares, a partir das quais promove-se um

enredamento. Essa visão é simplesmente um espelho da visão da própria internet como uma

rede de pontos interconectados (ver Figura 1). Caracteriza-se pela modularidade, descrita por

Lev Manovich (2001) como um comportamento singular da hipermídia, a existência de

informações reunidas em blocos independentes, pacotes de dados, passíveis de serem

realocados na rede formando diferentes contextos, engendrando uma outra qualidade da

hipermídia, a variabilidade. “Nós podemos conceber todos os possíveis caminhos através de

um documento hipermidiático como sendo diferentes versões dele mesmo. Ao seguir os links

o usuário recupera uma versão particular do documento.” (MANOVICH, 2001, p.57)

A visão da rede também remete ao modo peculiar de criar narrativas nas obras

hipermidiáticas, usando amplamente o conceito de links para criar diferentes arquiteturas

narrativas.

Na verdade procedemos a um imaginário da existência de módulos (conteúdos)

ligados por links, pois os próprios links também podem ser vistos como conteúdo da obra,

como pode-se deduzir do livro Roteiro para as novas mídias: do game à TV interativa, de

Vicente Gosciola (2003), no qual o autor ressalta a existência de uma roteirização dos links,

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um procedimento no qual os links deixam de ser meros conectores para delinear o

entendimento e a fruição da obra, por suas maneiras de revelarem-se e as formas como fazem

a obra prosseguir, provendo-a de sentidos necessariamente derivados da própria significação

dos links. “[...] o link não é só um modo de associar dois conteúdos, mas o responsável pela

maneira pela qual um dado é lido e compreendido” (GOSCIOLA, 2003, p.163). Mais que

dotado da função de determinar a percepção dos conteúdos, o link participa do conteúdo no

momento em que apresenta-se na interface, e essa presença pode ser ainda mais evidenciada

se houver um tempo e uma forma de transição perceptível entre as lexias.

Gosciola descreve as etapas de produção de uma obra hipermidiática revelando um

modo de organização em que trabalha-se o conteúdo por cenas, agrupamentos temáticos, fases

(no caso dos games) e enfoca-se os modos de transição entre esses conteúdos, atribuindo

diversos sentidos às montagens. Nesse sentido, o autor promove uma interessante analogia

entre as transições inventadas pelo cinema e os links. Um link pode por exemplo ter a função

de elipse. No filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick (1968), há um corte

seco na cena de um osso girando no ar (após ser descoberto por macacos como uma

ferramenta valiosa) para a cena de uma nave espacial flutuando no espaço, evidenciando a

evolução da ferramenta, da tecnologia e da inteligência humana. Um link pode servir ao

mesmo princípio ao ser usado como transição entre lexias, aproximando a composição da rede

hipermidiática à montagem cinematográfica. A forma, o modo e o momento do link

evidenciar-se é determinante do sentido da passagem, assim como o são as transições no

cinema (corte seco, crossdissolve, fade in e fade out, slide, etc.).

As montagens finais desse projeto, a rigor, ligarão as cenas por transições

audiovisuais, compondo montagens lineares. Porém nos embasamos na visão de uma rede de

cenas conectadas por links, podendo melhor ilustrar as múltiplas possibilidades de realizar as

montagens. Pois as cenas serão módulos prontos para serem ligados a quaisquer outros

módulos, podendo ser escolhidas para serem o início, meio ou fim das montagens. E elas

ainda poderão estar presentes em mais de uma montagem, fazendo parte de diferentes

narrativas e estando sempre aptas a serem requeridas em novas sequências, revelando-se

nessas cenas sentidos ocultos ainda não suscitados em sequências anteriores ou então

formados no exato momento da ligação com uma nova sequência. Nesse sentido, a visão de

uma rede interconectada e dinâmica é mais sugestiva para ilustrar as montagens multilineares

que a visão de uma linha de tempo única.

A estrutura da hipermídia permite que os conteúdos de uma montagem sejam

armazenados como módulos num bancos de dados, e dessa forma facilita a montagem

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multilinear e a composição de uma rede pela ligação dos módulos. Além disso facilita um

dinâmico rearranjo dos módulos para a composição de novas versões, e ainda permite a

mutação das montagens. As cenas, como módulos, são independentes e podem ser livremente

montadas e remontadas. “Na hipermídia, os elementos multimidiáticos que compõem um

documento são conectados por meio de hiperlinks. Sendo assim, os elementos e a estrutura

são independentes entre si – em vez de fisicamente conectados como nas mídias tradicionais”

(MANOVICH, 2001, p.57).

Diante dessa rede de montagens multilineares vamos provocar contextualizações para

dar coerência às criações. Tal como a elipse citada anteriormente, a figura de linguagem que

pode ser provocada por um link será usada para sugerir uma significação na passagem de uma

cena a outra, já atribuindo dessa forma uma razão para a conexão entre as cenas e uma visão

mais atenta de cada cena direcionada à evocação desse significado causado pelo link,

significado que pode colocar a cena dentro de um contexto compartilhado por mais cenas com

o mesmo link. Ou seja, pela invenção de um link peculiar entre as cenas, com o qual faremos

a ligação de diversas cenas, podemos dar a mesma ambiência a elas, compartilhando um

tempo e espaço comum.

À intenção de criar contexto pela escolha (ou invenção) de links, podemos fazer um

paralelo com o “fio de Ariadne” usado por Teseu ao entrar no labirinto da mitologia grega.

Lúcia Leão, em O Labirinto da Hipermídia (2005), narra o procedimento de Teseu. Seguindo

o conselho de Ariadne, ele desenrola um fio para marcar o caminho percorrido até o encontro

com o Minotauro, com o intuito de achar a saída depois de matar o monstro. O fio é o artifício

que Teseu usa para orientar-se, o desenrolar do fio forma uma memória e um sentido para o

herói guiar-se diante de um emaranhado de corredores e caminhos enigmáticos. Por analogia,

podemos tomar o fio como metáfora para um sentido da obra, para a identificação de um

caminho coeso. Do contrário podemos nos perder em caminhos indecifráveis, fragmentos

incoerentes. “O fio de Ariadne não é só um instrumento para não se perder e poder retornar.

Ele é também o instrumento com o qual o viajante consegue avançar” (LEÃO, 2005, p.100).

A existência de um fio é ainda mais importante para uma criação feita coletivamente.

Os vários criadores precisam compartilhar elementos comuns em suas invenções particulares.

Ainda que únicas, singulares, as criações pertencerão a universos compartilhados.

Leão cita Mircea Eliade, a respeito da unidade de um universo composto por diversas

ações e existências:

A Lua “liga” conjuntamente, pelo seu modo de ser, uma multiplicidade imensa de

realidades e de destinos. Harmonias, simetrias, assimilações participações,

coordenadas pelos ritmos lunares, constituem um “tecido” sem fim, uma “rede” de

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fios invisíveis, que “liga”, ao mesmo tempo, homens, chuvas, vegetações,

fecundidades, saúde, animais, morte, regeneração, vida post mortem, etc (...)

Todavia, pelo simples fato de que é senhora de todas as coisas vivas e guia certa dos

mortos, a Lua “teceu” todos os destinos. Não é em vão que ela é concebida nos

mitos como uma enorme aranha-imagem que encontramos em muitos povos.

(ELIADE, 1970 apud LEÃO, 2005, p.64)

Relacionando a unidade temática à unidade conceitual de um filme, citamos a

observação de Ismail Xavier, por sua vez citando Umberto Barbaro, em “O discurso

Cinematográfico”:

O que fornece unidade a um filme á a presença de uma tese [...] apta a impregnar

todos os detalhes da realização e comandando a montagem. (BARBARO, 1965,

apud XAVIER, 2008, p.57)

Escolhemos para o projeto prático uma forma de link: uma imagem de passagem, cada

cena inicia-se e termina quando a câmera passa por uma porta. Com essa escolha pretendemos

facilitar a construção de uma unidade temática, a invenção das cenas e das montagens como a

exploração de ambientes de um labirinto coletivo. Como se o nosso cotidiano, as nossas

rotinas e os ambientes corriqueiros nos quais interagimos fossem ambientes enigmáticos, com

os quais construímos bases para a busca de nossos objetivos pessoais e coletivos, ou caímos

em experiências totalmente novas, misteriosas. Note-se que não há um objetivo único, há as

buscas particulares de cada um, mas dispostas num mesmo imaginário. Com isso permite-se

que o labirinto tenha não apenas uma saída, mas várias, e que haja objetivos mutantes, tal

como a imagem da hipermídia. Vamos desenvolver a idéia de labirinto dinâmico num tópico

mais adiante, adotando juntamente com a metáfora do labirinto a metáfora do rizoma

apresentada por Giles Deleuze (1995). O intento é que as cenas transmitam procuras, entradas

e saídas, soluções, decifrações, dicas, enigmas, enfim, o imaginário provocado por uma

construção com aspecto labiríntico. Sugere-se o método de criação cinematográfica de

Pudovkin, descrito por Xavier (2012, p.53): “Assim como o filme, no seu conjunto, é a

expressão visualmente elaborada de um ponto de vista, cada plano será a tradução em detalhe

desta perspectiva global que deve contaminar todos os passos da realização”.

Numa outra visão, podemos ver o contexto como alvo de constante revisão demandada

por seus próprios elementos constituintes.

Longe de ser apenas um auxiliar útil à compreensão das mensagens, o contexto é o

próprio alvo dos atos de comunicação. Em uma partida de xadrez, cada novo lance

ilumina com uma luz nova o passado da partida e reorganiza seus futuros possíveis;

da mesma forma, em uma situação de comunicação, cada nova mensagem recoloca

em jogo o contexto e seu sentido. A situação sobre o tabuleiro de xadrez em

determinado momento certamente permite compreender um lance, mas a abordagem

complementar segundo a qual a sucessão dos lances constrói pouco a pouco a

partida talvez traduza ainda melhor o espírito do jogo. (LÉVY, 1993, p.21)

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Acrescente-se a essa visão reversa a manifestação do conceito de agência, imbuído na

postura participativa, direcionado para a interferência voluntária dos participantes no

hipertexto:

O fundamento transcendental da comunicação – compreendida como partilha do

sentido – é este contexto ou este hipertexto partilhado. Mais uma vez, é preciso

inverter completamente a perspectiva habitual segundo a qual o sentido de uma

mensagem é esclarecido por seu contexto. Diríamos antes que o efeito de uma

mensagem é o de modificar, complexificar, retificar um hipertexto, criar novas

associações em uma rede contextual que se encontra sempre anteriormente dada.

(LÉVY, 1993, p.73)

A ação de um participante numa criação coletiva portanto pode voltar-se para a

modificação do hipertexto, e não somente atender à “coerência” de um hipertexto previamente

existente (colocamos coerência entre aspas para acentuar um sentido duplo, adicionado pelo

caráter ideológico que pode ter a atitude de tornar algo coerente a um dado contexto). Os

participantes não precisam tão somente atender a um contexto, podem também recriá-lo. “Os

atores da comunicação produzem [...] continuamente o universo de sentido que os une ou que

os separa” (LÉVY, 1993, p.23).

Até aqui falamos sobre a necessidade de um contexto, ou de um contexto como alvo

de mutações. Falamos de um fio de Ariadne, da lua, sob a qual múltiplas existências

coexistem. E se houvessem múltiplos fios, múltiplas luas ou também as luas de outros

planetas governando ao mesmo tempo um complexo inteiro? Tais quais as múltiplas

contextualizações que governam conjuntamente os significados de cada nó da rede? Fios que

se cruzam, luas com diferentes translações, interferindo nos mesmos elementos, criando

interseções de contextos. Ou juntos a lua-aranha e o sol-aranha, como acontece

periodicamente, no mesmo céu. Então, além das ligações entre cenas, no caso desse projeto,

passamos a considerar também a ligação entre redes de cenas, entre contextos, macro-

universos que por sua vez pertencem a um mega-universo e assim por diante. Voltamos então

a mais um princípio da hipermídia, o da multiplicidade e do encaixe das escalas, definido por

Lévy:

O hipertexto se organiza em um modo „fractal‟, ou seja, qualquer nó ou conexão,

quando analisado, pode revelar-se como sendo composto por toda uma rede, e assim

por diante, indefinidamente, ao longo da escala dos graus de precisão. Em algumas

circunstâncias críticas, há efeitos que podem propagar-se de uma escala a outra: a

interpretação de uma vírgula em um texto (elemento de uma microrrede de

documentos), caso se trate de um tratado internacional, pode repercutir na vida de

milhões de pessoas (na escala da macrorrede social). (LÉVY,1993, p.25)

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Portanto um fio governante da coesão de um universo de cenas pode aglutinar-se ou

chocar-se com outro fio. E esses fios formarão a trama de um fio maior e assim por diante. A

adoção de diversos fios como tramas para outros fios é a expressão do princípio do encaixe

das escalas. Além desse princípio, essa adoção também está assonante com o princípio da

metamorfose:

A rede hipertextual está em constante construção e renegociação. Ela pode

permanecer estável durante um certo tempo, mas esta estabilidade é em si mesma

fruto de um trabalho. Sua extensão, sua composição e seu desenho estão

permanentemente em jogo para os atores envolvidos, sejam eles humanos, palavras,

imagens, traços de imagens ou de contexto, objetos técnicos, componentes destes

objetos, etc. (LÉVY, 1993, p.25)

Ressaltamos a observação sobre a possibilidade da rede permanecer estável. Isto é

„fruto de um trabalho‟. A manutenção de um contexto, portanto, depende do trabalho de

agentes para que ele continue a existir inalterável. Da mesma forma, podemos dizer que existe

um esforço para a metamorfose.

Lévy traça um panorama das mudanças que podem ocorrer numa construção

hipertextual. A palavra “maçã” ativa redes de conceitos atribuídos à forma da fruta, cores,

sabores, etc. Quando dizemos “Isabela come uma maçã por suas vitaminas”, ativam-se

imagens ligadas a comida e dietética. Se fosse dito “a maçã de Newton” as imagens seriam

outras. Constrói-se portanto um contexto numa rede de contextos possíveis. Mas acontece que

Isabela havia dito num momento anterior que não se preocupava com dietética, ao abrir uma

caixa de raviólis. Algumas hipóteses anteriores devem ser desfeitas para reconstruir

justificativas para as ações de Isabela. “[...] cada vez que um caminho de ativação é

percorrido, algumas conexões são reforçadas, ao passo que outras caem aos poucos em

desuso. A imensa rede associativa que constitui nosso universo mental encontra-se em

metamorfose permanente” (LÉVY, 1993, p.23).

Para essa explanação queremos inserir o conceito de hipercontextos. Quando, no filme

Matrix, vemos a imagem do coelho de Alice, podemos passar de um filme a outro. Nessa

passagem há uma conexão de contextos, de mensagens, de estéticas, da ambientação e da

plástica própria de cada filme. Da fabulação de Matrix (luta contra sistema alienante, tenso,

escuro, fashion, enigmático) mutamos para o mundo de Alice (da menina vivenciando

fantasias e charadas num universo lúdico, colorido, e também enigmático). Os contextos são

hibridizados no momento em que se descobrem, ainda que a mudança de um mundo ao outro,

de um discurso audiovisual ao outro, possa ser abrupta. Vamos chamar essa hibridização de

contextos de hipercontexto, para investigar a metamorfose da hipermídia em outro grau de

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precisão. “Dependendo de condições de tempo e lugar, o trabalho artístico, subjetivo, está

inserido em uma determinada cultura, que define certos recursos, certa sensibilidade e certas

formas particulares de representação” (BALAZS, 1970, apud XAVIER, 2008, p.56). Portanto

a interseção entre contextos de que falamos invoca a interseção entre diferentes sensibilidades

e formas de representação, e coloca visões subjetivas – que podem ser as visões subjetivas de

múltiplos participantes – em espectros maiores, envolvendo diferentes sensibilidades e

causando suas negociações. Interessa-nos também a possibilidade de “dar link” a atos de

expressão subjetivos, podendo promover uma vivificação de elos sociais entre grupos ou

indivíduos distantes entre si geograficamente e culturalmente.

O objetivo de inserir esse conceito é para apresentar um outro passo na construção

desse projeto. A princípio, a escolha do tema do labirinto e das portas surgiu como o contexto

balizador de todo o projeto. Mas durante o seu desenvolvimento, no ato de roteirização de

cenas (feitas para fornecer exemplos), surgiram derivações do primeiro tema, já anunciando

novas contextualizações. Insistimos na unidade temática primeiramente inventada, mas

surgiram cadeias associativas derivadas de cenas já contextualizadas, mas trazendo novos

contextos, diferente de enigma ou busca. Ou novos contextos isolados, sem ligação com as

primeiras cenas. A manutenção de apenas um contexto passou a ser uma atitude forjada.

Passamos a admitir que o objetivo do projeto não é apenas a criação de um contexto, o

contexto, mas de vários, mas que eles existam, ainda que vários e mutantes. Dessa forma, a

idéia do projeto ficou muito mais condizente com sua instalação na hipermídia. O ponto focal

dirigiu-se, além da teatralidade, à reunião das qualidades da hipermídia – multilinearidade,

metamorfose, encaixe das escalas – com a ação da montagem em hipermídia, e a

possibilidade da montagem hipermidiática ser feita por diversos montadores (o que vamos

explorar em pormenores no último capítulo).

Assim, nos interessa também os momentos de indefinição entre as teses dos filmes, as

transições entre contextos, entre sequências de cenas e não só entre cenas. Interessa-nos vários

filmetes, várias teses e diferentes articulações entre elas. Por exemplo: podemos sair de um

dos ambientes do labirinto por um porta e então fazemos uma transição para a porta de um

ônibus se abrindo. Passamos ao tema da cidade e das viagens de ônibus. Após algumas

viagens e paradas, saímos pela porta do último ônibus e voltamos a um ambiente do labirinto.

Toda as viagens e vivências na cidade passam a ser entendidas como um ambiente do

labirinto, e os passeios passam a ter teor de enigmas. Ou também, de um jogo de alegorias do

labirinto, passamos a uma cidade “realista”, ordinária, cotidiana, e depois voltamos ao

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labirinto: toda a realidade ordinária da cidade passa a ser uma alegoria. A fabulação entra no

intuito de representar a realidade e vice-versa.

Essa exemplificação ainda permanece usando apenas uma imagem como link, as

portas. Também essa escolha não precisa ser um padrão. Vamos supor que existam cenas de

conversas em cozinhas com transições quando houver manipulação de utensílios de cozinha.

Ou ainda cenas sem a adoção de links como imagens, apenas cortes secos. Com ou sem links,

esses diferentes universos também podem ser conectados, por meio de cenas com link de

início e link final diferentes (por exemplo, uma cena ligando-se à outra pela abertura de uma

porta e esta ligando-se à seguinte pela manipulação de um utensílio), ou mesmo sem links

preparados. Enfim, fazemos essa exemplificação apenas para esclarecer que com a escolha

das portas como links estamos ilustrando apenas uma forma de adotar o modelo que

propusemos. Este, por sua vez, é passível de variações, e pode comportar escolhas temáticas

variadas numa mesma interação. De qualquer forma, a sugestão de um ou mais contextos para

os participantes é importante para instigar as primeiras participações, posteriormente é

provável que os próprios participantes criem derivações. (Ao longo dessa pesquisa vamos

justificar a escolha específica das portas para nossa ilustração, uma referência a um tipo de

game. No decorrer dos próximos capítulos faremos o estudo do modelo com essa ilustração

específica. No capítulo Montagem Coletiva na Hipermídia vamos tratar o modelo de forma

mais abrangente).

Esses cruzamentos dinâmicos de contextos podem determinar o caráter da montagem

hipermidiática, multilinear e constantemente mutante, pois as montagens com o uso de

módulos estão sempre sujeitas a novas interferências, justaposições, rearranjos. O cruzamento

de uma sequência audiovisual com outra ou o simples acréscimo de mais uma cena a uma

sequência pode alterar substancialmente os sentidos agregados à montagem hipermidiática. A

intenção aqui é que isso aconteça pela múltipla participação.

Assim como as ligações entre contextos podem nascer de diferentes percepções sobre

um sentido global, uma só cena pode emanar vários sentidos, conforme a trajetória, a

sequência audiovisual que é seguida até a cena:

[...] em que consiste o ato de atribuir sentido? A operação elementar da atividade

interpretativa é a associação; dar sentido a um texto é o mesmo que ligá-lo, conectá-

lo a outros textos, e portanto é o mesmo que construir um hipertexto. É sabido que

pessoas diferentes irão atribuir sentidos por vezes opostos a uma mensagem idêntica.

Isto porque, se por um lado o texto é o mesmo para cada um, por outro o hipertexto

pode diferir completamente. O que conta é a rede de relações pela qual a mensagem

será capturada, a rede semiótica que o interpretante usará para captá-la. Para que as

coletividades compartilhem um mesmo sentido, portanto, não basta que cada um de

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seus membros receba a mesma mensagem. O papel dos groupwares é exatamente o

de reunir, não apenas os textos, mas também as redes de associações, anotações e

comentários às quais eles são vinculados pelas pessoas. (LÉVY, 1993, p.72)

Aqui Lévy traça a necessidade substancial de criar um sentido comum pela elaboração

coletiva de um hipertexto. Tomamos essa prerrogativa básica como necessária e como uma

alavanca para uma outra necessidade (ou uma oportunidade): para a compreensão de não um

só mas dos diversos sentidos de uma mesma cena, pela construção de diversas sequências ao

redor dela, o que implica não o compartilhamento de um contexto comum, mas a

compreensão da existência de diversos pontos de vista, expressos em diferentes hipertextos.

Podemos dizer que ocorre uma dinâmica com três ações ao mesmo tempo: dar um sentido

comum, dar diferentes sentidos comuns e quebrar os sentidos prévios.

Abordando especificamente a escolha que fizemos, de um só link - a transição por

portas -, vamos observar os significados que essa escolha gera. A atribuição da porta como

link cria um imaginário de aproximação entre os ambientes das cenas, inclusive fisicamente,

sendo que na verdade os ambientes onde as cenas serão filmadas estarão distantes

geograficamente. Algumas vezes as portas poderão ligar até mesmo ambientes íntimos, como

um quarto de uma pessoa, com outro ambiente íntimo muito distante, podendo projetar uma

ligação entre espaços íntimos, ou direcionar espaços íntimos para abrirem-se imediatamente

para amplos espaços naturais ou artificiais, relacionando a expressão particular a um

imaginário geográfico inventado.

Ismail Xavier ressalta, em relação a esse tipo de representação, a existência de uma

geografia criativa.

A noção de „geografia criativa‟ corresponde justamente ao processo pelo qual a

montagem confere um efeito de contiguidade espacial a imagens obtidas em espaços

completamente distantes e da aparência de realidade a um modo irreal. (XAVIER,

2008, p.47)

De forma análoga, Peter Brook diz que o teatro é uma condensação do tempo. O

tempo dramático intensifica as sensações vividas ao longo do tempo da vida ao mesmo tempo

que liga instantaneamente acontecimentos que estariam dispersos ao longo do período de uma

vida ou da história. “[...] para que haja uma diferença entre teatro e não-teatro, entre a vida

diária e a vida teatral, precisa haver uma compressão do tempo que é inseparável de uma

intensificação da energia” (BROOK, 2011, p.25). O teatro expressa esse tempo comprimido

fazendo-o parecer o tempo natural das coisas.

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Com a nossa pretensão de ligar diferentes cenas, filmadas em diferentes ambientes,

encenadas por diferentes participantes, queremos intensificar o tempo e remodelar o espaço,

reinventando as distâncias, colocando paredes distantes lado a lado, indivíduos e grupos

diferentes como se estivessem numa mesma planta arquitetônica. A simples participação num

projeto que conecta diferentes criações dramatúrgicas já implica na dramatização do tempo.

Somado a isso, temos a condensação dramática promovida pelos próprios participantes, ao

inventarem suas cenas e interpretarem-nas. Eles próprios, cientes dos contextos que deverão

governar as cenas, devem projetá-los em acontecimentos e interações dentro de suas cenas

(mesmo que seja um silêncio e nada acontecendo), de modo a condensar sensações e

vivências em construções dramáticas, ainda que o façam intuitivamente.

Alheia ao contexto proposto, uma cena também poderá nascer isoladamente. Uma

cena, por si só, já revela escolhas dramáticas e condensa o tempo a seu modo, e assim tem

elementos dramáticos potenciais para também condensar-se com outras construções do tempo.

Uma cena é em si um recorte espaço-temporal no momento em que existe um ponto de início

da gravação e um corte final. Tirada de seu contexto (do pertencimento ao lugar onde foi

gravada, da sequência temporal de que foi extraída, de sua ambientação específica e dos seres,

objetos e ações que a preenchem) a cena torna-se potencialmente aberta à sugestão de novos

sentidos e novas percepções. “O plano isolado deixa de ser pedaço de realidade puramente

física e sem sentido, para ser uma “realidade viva filmada”, portanto em si mesma já

apontando para determinadas direções.” (XAVIER, 2008, p.51). Contudo ela não deixa de

ligar-se à ecologia visual-sonora e comportamental do lugar da gravação, nascendo disso uma

força expressiva vinculada ao autor da cena.

Voltando à visão das cenas como estruturas modulares ligadas por links, além do

compartilhamento de um tempo e espaço construído coletivamente, queremos incentivar a

criação particular e a espontaneidade dos participantes, fundando a força das narrativas em

seus universos particulares, familiares, preciosos, e então ligá-los em contextos maiores, em

que iniciam-se diálogos com outros grupos e o aprimoramento de suas conexões. As

narrativas e discursos advindos desse modelo poderão ter suas concepções geradas tanto na

criação particular quanto nos contextos desenvolvidos. Espera-se que ambos sejam estímulos

à participação.

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1.2 Internet e divulgação

Buscamos na internet um forte canal de integração e disseminação de idéias. Além de

facilitar a conexão e interação entre os grupos participantes, também é um meio fundamental

para a divulgação das criações finais. Para a forma de participação que estamos propondo, a

maneira de divulgar também é parte imprescindível do funcionamento do modelo, sendo os

próprios participantes criadores os agentes da divulgação e disseminação, dando visibilidade

às suas criações na internet e divulgando-as por comunicação viral, por indicação a amigos e

grupos afins, usando o fenômeno comunicativo das redes sociais.

Já usamos corriqueiramente o termo “divulgação viral” para caracterizar a transmissão

de informações pela internet de usuário para usuário, ou de usuário para um grupo afim de

usuários. O termo se refere à forma de comunicação cuja dinâmica replica a introdução de um

vírus num sistema. É derivado das ciências biológicas, referindo-se ao modo de propagação

dos vírus pessoa a pessoa, ou entre pequenos grupos, ao contrário da disseminação de um para

muitos (assim como é o modo de comunicação de massa). Um modo de comunicação análogo

é capaz de espalhar uma mensagem de forma descentralizada, iniciado por quaisquer relações

de familiaridade entre usuários do sistema. Os participantes podem propagandear suas

criações usando esse tipo de divulgação fortemente potencializado por tecnologias de

interação em rede, como as redes sociais, emails, sites de crowdfunding, blogs, etc.

É bem possível que essa ação seja naturalmente voluntária em razão dos divulgadores

serem os próprios criadores. Hoje em dia as corporações comerciais buscam a divulgação

viral de suas marcas pela conquista do interesse dos consumidores, a tal ponto de eles

passarem a promover a marca e divulgá-la espontaneamente. Uma maior força de divulgação

ainda mais espontânea e natural pode surgir se o consumidor deixa de ser apenas consumidor

e também passa a fazer parte da criação de um produto, especialmente se ligado a seus

próprios valores. Jenkins comenta a esse respeito, referindo-se aos produtores da indústria

midiática:

[...] tais produtores conseguem obter maior fidelidade e mais concordância com suas

preocupações legítimas se conquistarem a lealdade dos fãs; a melhor maneira de

fazê-lo é oferecer aos fãs a oportunidade de participar da sobrevivência da franquia,

assegurando-lhes um conteúdo que reflita mais plenamente seus interesses, criando

um espaço onde possam fazer suas contribuições criativas e reconhecendo os

melhores trabalhos que emergirem. (JENKINS, 2008, p.226)

A criação coletiva e a livre divulgação podem ser fortalecidas pelos próprios

participantes ao atribuírem a suas criações as novas licenças de direito autoral, as Creative

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Commons. Elaboradas por uma comunidade global sem fins lucrativos, elas têm por propósito

fomentar uma criatividade compartilhada, deixando um extenso conjunto de objetos culturais

disponível para uso público. Percebeu-se que há um conflito entre uma cultura digital

inovadora e as leis de direito autoral tradicionais, extremamente restritivas. As licenças CC’s

ajudam a contornar esse conflito para que a internet possa atingir todo o potencial da criação

compartilhada.

As licenças e ferramentas Creative Commons de direito autoral estabelecem um

equilíbrio dentro do tradicional "todos os direitos reservados". Nossas ferramentas

dão a todos, de criadores individuais a grandes empresas e instituições, uma forma

simples e padronizada para conceder permissões de direitos de autor ao seu trabalho

criativo. A combinação de nossas ferramentas e nossos usuários é um vasto e

crescente "digital commons", um arcabouço de conteúdos que pode ser copiado,

distribuído, editado, remixado e dar origem a novas obras, tudo dentro dos limites da

lei de direitos autorais. (Texto disponível no site oficial dos desenvolvedores:

http://creativecommons.org/licenses/)

Os autores podem escolher dentre as licenças CC’s as mais adequadas a seus

interesses, podendo adotar desde a licença mais aberta ao compartilhamento e reuso de sua

obra até a mais restritiva dentre elas, que não permite reuso, mas ainda assim permite o

download. Seria um grau anterior à lei tradicional de direitos autorais.

A licença mais aberta permite que outros distribuam, remixem, adaptem e construam

sobre uma obra, mesmo comercialmente, desde que dêem crédito ao autor da criação original,

favorecendo assim a ampla divulgação e a utilização dos materiais licenciados.

Ainda há uma opção mais aberta, que libera totalmente o uso, não pede nem mesmo

créditos ao autor, que é a CC0, uma atribuição voluntária de domínio público. Essa marca

pode entrar em conflito com a lei de direito autoral tradicional, que descreve outras regras

para a determinação de domínio público, mas é uma opção para anunciar a outros que a obra

foi criada justamente para ser compartilhada e debatida.

Pela atribuição dessas licenças os criadores e os divulgadores podem legitimar a sua

escolha pelo compartilhamento e assim exercer mais facilmente o que Jenkins chama de

economia de troca, em que os agentes produtores e criadores constroem sua cultura e seus

produtos pelo compartilhamento de idéias, afazeres e produtos, sem ter por objetivo o lucro

particular, mas sim a construção coletiva de suprimentos e valores. “[...] esta nova cultura

vernácula incentiva a ampla participação, a criatividade alternativa e uma economia baseada

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em trocas e presentes (JENKINS, 2008, p182). A atribuição dessa liberdade de uso e troca

possibilitada pelas Creative Commons é interessante para esse projeto porque não é possível

prever como as criações serão compartilhadas e recriadas entre os participantes, sendo essa

qualidade de imprevisibilidade crucial para a invenção de conexões e montagens voluntárias e

originais. Para que essa intensa e imprevisível troca ocorra não pode haver um controle

regulatório estrito sobre cada forma de compartilhar as criações.

Apesar das Creative Commons serem um ótimo instrumento legal de

compartilhamento na era digital, não espera-se que seja necessário atribuir direitos autorais à

maior parte das criações desse projeto, já que estará evidente a proposta de total

compartilhamento das criações. A participação será em grande parte amadora, espera-se que

os participantes possam ter a liberdade de não se preocuparem com questões legais de criação

artística. As Creative Commons serão sim muito úteis para a participação de grupos

institucionalizados, ligados a organizações comerciais, os quais também queremos convidar.

A internet, além de meio de divulgação, será também o meio de exposição, de

transmissão das montagens audiovisuais. Sendo assim, ela também deve ser considerada

como forte influência na modelagem do projeto coletivo, inclusive esteticamente, dado o

caráter informal de apresentação a que os agentes criadores da internet se permitem expor. “A

maior parte do que os amadores criam é terrivelmente ruim; no entanto, uma cultura próspera

necessita de espaços onde pessoas possam fazer arte ruim, receber as críticas e melhorar”.

Menos expectativas “[...] de um acabamento profissional tornam o ambiente menos hostil para

os novatos apenderem e progredirem. Uma parte do que os amadores criam será

surpreendentemente boa [...]” (JENKINS, 2008, p.186). Essa condição de experimentação,

ensaio e aprimoramento a um só tempo certamente é um grande incentivo para a participação

coletiva, espontânea e voluntária.

1.3 Cultura participativa e criação coletiva

Temos como intenção facilitar a criação coletiva e atrair um fluxo criativo realmente

participativo, genuíno, nascido dos agentes participantes. Por isso é importante que o processo

de desenvolvimento de enredos não exija complexa organização dos grupos e da produção, a

fim de que não desestimule a participação ou acabe desligando-se dos universos particulares

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dos participantes, o que pode tornar o processo de criação burocrático e desapaixonado.

Uma postura criativa engajada, e podemos dizer apaixonada, tem sido um elemento

comum em produções artísticas coletivas que estão sendo promovidas através da internet.

Culturas de fãs de uma obra ou grupos reunidos em torno de um jogo ou investigação

conjunta agem fortemente engajados, e defendem veementemente sua liberdade de

participação e de criação. Essa liberdade criativa é fundamental para a manutenção do

interesse na criação, sendo um dos elementos motivadores de uma participação conjunta.

As denominadas culturas de fãs, descritas por Jenkins (2008), além de serem

simplesmente uma reunião de „fanáticos‟ com gostos afins, nasceram como alternativa à

indústria midiática, compartilhando entre si conteúdos e artefatos de produções que admiram,

e por vezes estendendo o conteúdo original ou modificando seus produtos, sem submeterem-

se aos critérios dos direitos autorais da obra original. Um exemplo no mundo virtual são as

comunidades de fãs do filme StarWars (1977), de George Lucas. Os participantes criam novos

filmes baseados no original, parodiando-o, criando tensões com a indústria cinematográfica

em relação à autoria dos novos filmes. O mesmo ocorre com comunidades de fãs dos livros de

Harry Potter, séries de sete novelas escritas pela britânica J. K. Rowling a partir de 1997. Os

fãs criam sites onde compartilham novas fantasias sobre as rotinas dos personagens, muitas

vezes incorporando a identidade dos personagens para fantasiar o próprio cotidiano. Uma fã e

criadora de um dos sites, uma garota de 15 anos, tornou-se símbolo da luta dos fãs contra a

Warner Bros quando esta comprou os direitos da obra e passou a cercear a liberdade de

fantasiação dos fãs, usando advogados para „fechar‟ os sites. Seu caso veio a público e muitos

outros criadores de sites que foram proibidos juntaram-se e escreveram um abaixo-assinado,

terminando-o com um “chamado às armas”:

Há forças das trevas em ação, piores do que aquele-cujo-nome-não-pode-ser-dito,

porque essas forças das trevas estão ousando nos tirar algo tão básico, tão humano,

que é quase um assassinato. Estão nos tirando a liberdade de expressão, a liberdade

de exprimir nossos pensamentos, sentimentos e idéias, e estão tirando a diversão de

um livro mágico. (DEFENSE AGAINST THE DARK ARTS, 2001 apud JENKINS,

2008, p.247)

Atrelada a esse engajamento está uma forte característica dessas manifestações, a

postura participativa é também uma postura ativa, em que os consumidores ou espectadores

são criadores e querem interferir cada vez mais nas produções. Janet Murray define esse

comportamento com o conceito de agência, descrito de forma bastante simples: “Agência é a

capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e

escolhas” (MURRAY, 2003, p.127). Mais que participação ou atividade, a agência permite

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ações bastante autônomas e determina inteiramente o curso de um jogo ou de uma narrativa.

Numa visão metafórica, Leão diz: “À medida que a hipermídia se corporifica na interface

entre os nós da rede e as escolhas do leitor, este se transforma em uma outra personagem.

Dentro dessa perspectiva, minha tese é: o leitor é agora um construtor de labirintos” (LEÃO,

2005, p.41).

Essa postura ativa é também força motriz do processo criativo e traz à tona

manifestações fortemente pessoais ou particulares dos indivíduos e grupos. Traz o desejo de

expressão dos participantes, que muitas vezes representam seu cotidiano em suas criações,

como foi citado sobre as culturas de fãs. Uma fã de Harry Potter começa sua estória: “Meu

nome é Mandi Granger. Tenho 12 anos. Nasci trouxa” (JENKINS, 2008, p.243). Trouxas são

as personagens de Harry Potter que não possuem poderes mágicos (por essa negação a fã

admite o mundo da fantasia e insere-se nele). “A fan fiction de Harry Potter produz inúmeras

narrativas sobre o poder da juventude, com personagens lutando contra as injustiças que seus

jovens escritores enfrentam todos os dias na escola” (JENKINS, 2008, p.243). Nesse sentido,

eles criam para si próprios, ou para sua própria comunidade criativa, e disso nasce uma grande

força expressiva. Por isso devemos pensar numa forma de integrar essa postura engajada de

diferentes participantes, fornecendo-lhes ferramentas para que eles próprios dêem um rumo

para a obra, em conjunto, ao mesmo tempo que preservamos as expressões e invenções de

cada um, o criadouro. Deve-se preservar e incentivar a relação entre criações singulares e

criações coletivas:

Interações complicadas entre homens e coisas são movidas por projetos, dotadas de

sensibilidade, de memória, de julgamento. Elas mesmas fragmentadas e múltiplas, as

subjetividades individuais misturam-se às dos grupos e das instituições. Elas

compõem as macrossubjetividades móveis das culturas que as alimentam em

retorno. (LÉVY, 1993, p.149)

Também deve ser revista, dentro desse processo de troca constante entre indivíduos e

grupos, a noção de autoria:

[...] a obra, o autor e o espectador não ocupam posições estritamente definidas e

estanques, mas trocam constantemente estas posições, cruzam-se, confundem-se ou

se opõem, contaminam-se. (Couchot, 1997, 141 apud LEÃO, 2005, p.42)

O fã/escritor das fantasias de Harry Potter, além de explorador, também é mais um

construtor de seus labirintos.

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1.3.1 Teatro Participativo e Cultura Participativa na Internet

Podemos sugerir uma promissora relação entre a cultura participativa em emergência

na internet com as práticas teatrais participativas sugeridas por Augusto Boal no final do

século passado. As propostas de Boal, experimentadas e teorizadas no livro de sua autoria, O

Teatro do Oprimido (2011), suscitam a expressão popular por meio da atuação dramática,

oferecendo a qualquer pessoa a possibilidade de construir uma situação dramática reveladora

de sua própria condição social e a partir dessa visão remodelar essa situação, também por

intermédio da encenação. A proposta de Boal é intencionalmente instigar uma postura

política. Todas as técnicas desenvolvidas têm como intenção a transformação de membros de

uma platéia passiva em agentes ativos, participantes, atores de uma mudança social.

Numa das técnicas experimentadas Boal, os participantes são convidados a realizar

alguns exercícios para libertar o corpo da gesticulação e movimentação habituais causadas

pelo tipo de trabalho e função social que assumem diariamente. Passam então a exercícios de

interferência na encenação, mas com os participantes ainda manifestando-se do lugar da

platéia. Em seguida, a interferência passa a ser direta, pela atuação - há gradações de

exercícios para que os grupos fiquem à vontade e a atuação seja cada vez mais expressiva. A

atuação é então usada para revelar uma situação social e ensaiar reações frente à possibilidade

de transformá-la, mostrando uma visão de todo esse processo para fomentar possíveis

mudanças do cenário social real. Boal experimentou essa técnica e outras em diversos países,

com diferentes grupos sociais, alcançando com essas experiências algumas mudanças no

cenário social de algumas comunidades.

A internet e a cultura participativa nas redes virtuais também vêm causando

transformações sociais nesse sentido. “O que muda [...] é o grau com que amadores

conseguem inserir suas imagens e pensamentos no processo político – e, pelo menos em

alguns casos, essas imagens podem ter circulação muito ampla e atingir um público vasto”

(JENKINS, 2008, p.288). Está havendo cada vez mais um uso político das qualidades da

cultura participativa, ensaiadas em jogos e narrativas artísticas criadas coletivamente entre

comunidades virtuais.

Essa postura ativa e transformadora conquistada pelos participantes do método de

Boal, de certo modo é a mesma que vem sendo conquistada por nós usuários da internet. Cada

vez mais estamos nos habituando a uma postura ativa de participação em vários aspectos.

Além das nossas próprias narrativas e recriações de filmes, temos as ações de crowdfunding e

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crowdsorcing, os blogs de notícias com diferentes pontos de vista do mesmo fato, a invenção

de produtos por processos virtuais colaborativos, etc..

A proposta de Boal alcança também o corpo, o movimento, e acima de tudo a postura

social. Queremos provocar e experimentar essa atitude de participação ativa tanto pelo

engajamento de um participante dedicado a uma comunidade virtual de criação, quanto pela

atitude manifesta presencialmente, com a interação do corpo e consequentemente da

teatralidade do corpo. A criação coletiva portanto também será gerada pela interação

presencial, durante a encenação das cenas por um grupo. Um dos aspectos que motivaram a

construção desse projeto é a possibilidade de juntar às interações virtuais a vitalidade das

interações presenciais. Esse projeto apropria-se de certa forma da estética dos games, em que

agenciam-se personagens, ou os chamados avatares (como no game The Sims, em que

coordena-se as rotinas de vários avatares numa cidade), porém temos por motivação a

inserção da atuação dramática física na elaboração de um game ou de uma narrativa

multilinear, colocando no drama criado pelo jogo gesticulações e expressões sutis da

teatralidade corporal e da fala.

Queremos estimular a postura ativa virtual e presencial pela capacidade de invenção

dos participantes em três aspectos da criação: a dramaturgia, a atuação e a montagem das

cenas. Os participantes poderão criar o enredo de suas próprias cenas e também encenarem, e

depois ainda montarem seus próprios filmes. Nessa proposição encontramos também ecos das

experiências de Boal. Numa das etapas de seu método, ele convida os participantes a

“escreverem” a cena, antecipadamente, por palavras ou por improvisação teatral, e

posteriormente os participantes oferecem soluções possíveis a um conflito na cena,

interpretando essas soluções ou dizendo as novas palavras propostas pelos espectadores

(BOAL, 2011, p.199). Desse modo eles também participam da “escrita” dramatúrgica, seja ela

expressa por palavras ou criada em improvisos.

Em relação à criação dramatúrgica, podemos citar um exemplo de grupo de teatro

contemporâneo que adota para algumas de suas peças a criação coletiva da dramaturgia, o

Theatre du Soleil. Os atores dessa companhia têm “visões” de cenas, como prefere dizer a

diretora Ariane Mnouchkine, ao invés de “idéias”, sobre um tema previamente escolhido por

todos. Essas visões são compartilhadas entre eles e aos poucos vão formando-se as cenas, que

não seguem um roteiro, mas pertencem a um universo íntimo partilhado em todas as cenas

(MNOUCHKINE, 2010). Queremos transpor essa possibilidade para a criação coletiva por

intermédio da internet. É necessária uma organização que extrapole as técnicas desenvolvidas

para uma criação conjunta presencial, pois as sugestões e negociações serão feitas em boa

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parte virtualmente.

Em relação ao ato de encenar e à livre criação de uma cena e da atuação, Peter Brook

ressalta a potência do ato criativo do ator quando ele pode criar sem um roteiro específico

condicionado pelo diretor. Destaca essa descoberta em sua experiência com o Teatro da

Crueldade, grupo que buscava experimentar novos métodos de criação teatral, entre eles a

construção coletiva das cenas pelos próprios atores (BROOK, 2000). Brook defende inclusive

a criação originada pela expressão corporal como manifestação imprescindível para a criação

de modo geral. Ironiza o método de iniciar a criação de um espetáculo com o grupo sentado

com papel e caneta ao redor de uma mesa. Apesar de sua experiência ter sido feita apenas com

atores (vamos convidar atores e também não-atores), queremos destacar dela a teatralidade do

corpo como potencial criativo e a descentralização da criação. Para que a invenção

dramatúrgica e a atuação sejam realmente originárias de uma criação coletiva, em nossa

proposta o papel da direção está mais focado na orientação e interligação das criações que na

determinação dos enredos.

Podemos associar essa função de dirigir não o espetáculo, mas o cenário estrutural e

abstrato ativador da criação, à função do dramaturg no teatro (não é o dramaturgo!). A

dramaturg Fátima Saadi (1999, p.9) explicita a função desse profissional, a pessoa que cuida

da memória de uma companhia teatral e dessa forma ajuda a companhia a ter uma

personalidade e uma linha evolutiva que extrapola a produção de somente um espetáculo,

observando uma construção contínua na história da companhia. Dessa forma, o dramaturg

também orienta a produção de um novo espetáculo ao contextualizar a nova produção à

história e à personalidade do grupo e às propostas de interação com o público que o grupo

vem apresentando. O dramaturg apresenta o grupo a ele mesmo, ao diretor de uma produção e

revela o lugar do grupo na sociedade.

No modelo de criação participativa virtual e presencial também existe uma função

similar de orientação dos grupos, preparação conceitual da criação coletiva, além da

estruturação prática e funcional do projeto. Porém essa estruturação é preparada e apresentada

virtualmente, por uma plataforma de acesso geral ou por divulgação viral. Aqui existem

também parâmetros balizadores e formadores de uma personalidade para o projeto, que deve

atrair pelo meio virtual grupos culturais os mais diversos. Toda a preparação da ação coletiva

deve ser executada por meio da internet, e lembrando, para uma forma de criação

descentralizada.

O artista dos meios digitais ganha ares de um dramaturg das comunidades virtuais. E

nas palavras da jornalista e pesquisadora de arte digital Pollyana Ferrari (2012), age como

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mediador da criação participativa:

A arte digital é frequentemente transformada em um processo de estrutura aberta

baseado no fluxo de informação e no engajamento do participante. O público se

torna parte do trabalho ao remodelar componentes textuais e visuais de um projeto.

(...) O artista vira um mediador ou facilitador da interação. (FERRARI, 2012, p.283)

Surge uma evidência a ser observada: não há no modelo que propomos a função de um

diretor tal como no cinema. Cada participante deve ser o diretor de sua própria montagem,

partindo de sua própria cena, responsabilizando-se juntamente com os criadores de outras

cenas com as narrativas ou associações que derivam de suas cenas, que chegam em suas cenas

ou atravessam-na. Os participantes devem governar a significação das montagens que partem

de suas cenas. Eles não terão total controle sobre uma sequência inteira de cenas, menos ainda

sobre a atuação dos participantes de outras cenas - isso pode ser um empecilho à criação

compartilhada ou então um incentivo, na medida em que pode gerar visões diferentes de uma

mesma sequência e até mesmo conflitos que suscitem soluções dramáticas originais. De

qualquer forma, sempre haverá uma direção compartilhada das significações das sequências.

Temos portanto, poderíamos dizer, o diretor coletivo.

Por exemplo, o criador de uma cena assiste à evolução de uma sequência de cenas que

se faz a partir da sua, ou cruzando sua cena, procurando captar conflitos, tensões, cadeias

associativas entre as cenas, e administra essa evolução negociando alterações ou o

fortalecimento de algumas percepções juntamente com os outros criadores, e eventualmente

alterando sua própria cena ou filmando novas. Assim vão-se dirigindo as narrativas ou cadeias

associativas cruzadas. Pode acontecer de revelar-se um sentido geral num universo de cenas,

imprevisto, ressaltando uma sensibilidade e uma representação peculiar presente em todas as

cenas ou na maior parte delas. Os participantes podem se aperceber disso e incentivar a

evolução desse sentido central, do universo que compuseram sem perceber, e assim podem

dialogar com a revelação de si próprios, dos universos que expressam com suas criações

artísticas, passando a gerenciá-los lucidamente. Portanto os exercícios de direção podem ser

feitos com a atenção dirigida somente às sequências relacionadas às cenas do próprio criador,

ou intercedendo num universo maior que a rede de sequências suscita.

Essa direção compartilhada provavelmente obedecerá ao princípio de topologia

observado por Lévy (1993, p.24). Na rede hipermidiática as associações são formadas por

relações de proximidade (não necessariamente temporais ou espaciais, também por

proximidades conceituais por exemplo). Os diretores da criação audiovisual multilinear

cuidarão mais intensivamente das sequências próximas às suas cenas, expandindo-as para

universos maiores à medida que as significações desses novos universos vão tocando as

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significações emanadas de suas cenas. Lévy diz que a rede não está no espaço, ela é o espaço

(ou seja, todos os elementos da rede devem se organizar considerando a estrutura espacial

existente, o espaço se modifica baseando-se em sua própria estrutura, não existe o “fora do

espaço”). Da mesma forma, os diretores coletivos não estão fora do espaço (pois não há outro

espaço), eles se organizam alheios ao espaço, portanto, por relações de proximidade.

Diante de narrativas multilineares, alguns participantes podem negociar intensamente

construções de enredos focados numa sequência única de cenas, governando os sentidos dessa

sequência, ou a qualquer momento podem se interessar por um outro caminho que deriva

dessa sequência e passar a negociar com outros grupos. Dessa maneira vão formando-se

comunidades específicas dentro da comunidade do projeto, com afinidades mais bem

trabalhadas para formar enredos específicos, mais fortemente coesos.

1.4 Profissionais do teatro e amadores

Fazemos a seguir uma rápida observação de possíveis interesses que esse projeto pode

suscitar para profissionais do teatro e amadores.

Amadores: interesse na troca de sensibilidades, na vivificação da expressão de seu

cotidiano pela arte; na participação potencializada pelo caráter informal da internet, na

possibilidade de ligar sua criação às de outros participantes.

Profissionais do teatro: aprimoramento de modelos de dramaturgia coletiva, em

diferentes escalas, vinculando grupos locais ou grupos internacionais, muitos ou poucos; a

construção da dramaturgia e da atuação com as limitações da distância (como diferentes

figurinos, fisionomias, artefatos, etc.); a possibilidade de criação de peças teatrais

interconectadas, formando redes de peças claramente vinculadas.

Apesar da distinção feita acima, destacamos que a rede virtual é acentrada, ou

policentrada, com vários centros mutantes. Por essa característica, um elemento marginal

pode tornar-se um elemento central facilmente, não há hierarquias estancadas. Por analogia, o

amador tem na rede virtual um ambiente propício à sua ação criativa, sendo sua manifestação

mais evidente e amplamente compartilhada. Os papéis definidos aos agentes da criação não

são rígidos, por isso a web favorece um relacionamento mais usual entre profissionais e

amadores, misturando os papéis. Esse relacionamento favorece bastante a criação de ambos,

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injetando novas propostas na produção profissional e aprimorando a arte amadora.

1.5 A inteligência coletiva e a negociação entre os participantes

A negociação dos elementos dramatúrgicos de que falamos, entre os criadores das

cenas, poderá ser feita num nível mais aprofundado. Apresentaremos o projeto prático como

um protótipo de execução de nossa proposta. Nesse protótipo, a princípio, será desenvolvido

um estágio inicial que podemos chamar de criação coletiva. Num estágio mais adiantado

vamos provocar uma interação mais elaborada entre os participantes, que podemos qualificar

como processo colaborativo. Esse estágio ainda não será efetivamente construído

colaborativamente nessa primeira etapa, mas será exemplificado no site do projeto, por meio

da simulação escrita de uma rede de cenas com elementos compartilhados (disponível em:

<https://vimeo.com/groups/labirintodecenas/forum>). Ainda que não tenhamos ainda esse

desenvolvimento na prática, vamos descrever suas potencialidades por julgar sua

manifestação imprescindível para a concretização do plano total do projeto. Esse estágio de

negociação mais aprofundada depende de uma troca mais acentuada entre os participantes,

possibilitando a construção de sequências audiovisuais mais bem trabalhadas. Para esse

intento vamos mencionar a emergência da inteligência coletiva.

De acordo com Pierre Lévy, devemos “reinventar o laço social em torno do

aprendizado recíproco, da sinergia das competências, da imaginação e da inteligência

coletivas. [...] Um processo de crescimento, de diferenciação e de florescimento mútuo das

singularidades. [...] É o conjunto do coletivo humano que deve [...] se adaptar, aprender e

inventar para viver melhor no universo complexo e caótico em que passamos a viver” (LÉVY,

1998, p.25).

Lévy diz que é impossível reservar o conhecimento e seus movimentos a classes de

especialistas. “[...] A base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o

reconhecimento mútuo das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas ou

hipostasiadas” (LÉVY, 1998, p.29).

O conceito da inteligência coletiva do autor baseia-se em alguns axiomas:

. A inteligência está distribuída por toda parte. Ninguém sabe tudo, todos sabem

alguma coisa.

. A inteligência deve ser incessantemente valorizada. A inteligência de cada um e de

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todos juntos deve ser valorizada. Todo saber é ativo, é preciso o reconhecimento além

dos saberes oficialmente validados. A valorização do leque de saberes, subjetividades

e competências do outro contribui para mobilizá-lo.

. A coordenação das inteligências em tempo real. Devem haver meios e ferramentas

para coordenar as interações, um espaço móvel (o ciberespaço) de interações entre

conhecimentos e conhecedores, de coletivos inteligentes desterritorializados.

. Atingir uma mobilização efetiva das competências. Identificá-las e reconhecê-las em

toda a sua diversidade.

O ideal da inteligência coletiva implica a valorização técnica, econômica, jurídica e

humana de uma inteligência distribuída por toda parte, a fim de desencadear uma

dinâmica positiva de reconhecimento e mobilização das competências. (LÉVY,

1998, p.30)

Lévy ressalta a singularidade móvel dos indivíduos no coletivo, afirmando que não se

trata de comparar irrestritamente a inteligência coletiva com o trabalho conjunto e coordenado

em formigueiros e cupinzeiros:

Interagindo com diversas comunidades, [os indivíduos] longe de ser os membros

intercambiáveis de castas imutáveis, são ao mesmo tempo singulares, múltiplos,

nômades e em vias de metamorfose (ou de aprendizado) permanente. (LÉVY, 1998,

p.31)

Veremos adiante neste trabalho que essa metamorfose, singularidade e multiplicidade

caracterizada nos indivíduos que agem por uma inteligência coletiva é transferida para seus

modos de criação coletiva, as quais também manifestam-se pelas mesmas qualidades, pois são

reflexo dos agenciamentos desses indivíduos que já vêm desenvolvendo em si os valores

dessa cultura de troca entre saberes descentralizada.

O escritor também deixa claro que a inteligência coletiva só progride quando há

cooperação e competição ao mesmo tempo. Para exemplificar, cita a comunidade científica,

capaz de trocar idéias porque tem a liberdade de confrontar pensamentos opostos e assim

gerar conhecimento. A cooperação não significa necessariamente um trabalho conjunto para

um objetivo afim. O sentido aludido do termo remete a co-operar, operar em conjunto, com os

conflitos também engendrando a operação. Em todo caso trata-se de uma coordenação e

mobilização mútua.

O reconhecimento coletivo de que fazemos operações conjuntas “[...] convoca um

novo humanismo que inclui e amplia o „conhece-te a ti mesmo‟ para um „aprendamos a nos

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conhecer para pensar juntos‟, e que generaliza o „penso, logo existo‟ em um „formamos uma

inteligência coletiva, logo existimos eminentemente como comunidade‟.” (LÉVY, 1998,

p.32). Tomando um sentido lógico inverso, é preciso haver as comunidades para existir uma

inteligência coletiva. Por meio de agrupamentos coordenados mutuamente com ferramentas

de cooperação no ciberespaço formam-se as comunidades virtuais.

Henry Jenkins (2008) cita algumas manifestações de inteligência coletiva mobilizadas

por meio da internet, como a investigação coletiva organizada para descobrir as locações do

programa de televisão Survivor (2004), quando os internautas fãs do programa investigavam e

compartilhavam as informações que conseguiam; o jogo promovido pela Microsoft apelidado

de A Besta (The Beast, 2001), que requeria diferentes conhecimentos para ser solucionado, só

podendo ser decifrado pelo compartilhamento dessas expertises.

Nos inspiramos nesses casos para aprimorar esse projeto, enfocando a manifestação

dessa inteligência coletiva para a criação coletiva: a inteligência dos participantes dirigida a

uma invenção dramatúrgica compartilhada, juntando idéias, esforços e vontades para a

composição de sequências dramatúrgicas aprimoradas coletivamente, pela força e amplitude

criativa de personalidades distintas. As energias dirigidas à investigação, ao jogo, à

mobilização, aqui concentram-se diretamente na criação.

Pela ação múltipla, negociada, forma-se um potente instrumento de criação, com o

qual pode-se gerar enredos diversos que aos poucos vão formando fortes conexões pela

proposição e interfêrencia de sugestões criativas múltiplas, provindas de diferentes

conhecimentos e expressões particulares. Cria-se de certa maneira uma forma de evolução

criativa orgânica, em constante evolução. Queremos promover um ciberdrama a ser

construído com esse potencial criativo, proveniente da inteligência coletiva, não de todo

previsível, vivo, e verdadeiramente representativo das expressões dos participantes.

No modelo que propomos, incentivamos a manifestação da inteligência coletiva

principalmente na etapa de formação de enredos entre as cenas, na negociação e intercâmbio

de idéias e de elementos dramatúrgicos entre os participantes, fazendo com que as idéias

originais das cenas extrapolem seus módulos, manifestando-se em outras cenas por símbolos e

acontecimentos. Objetivamos assim promover as qualidades criativas da inteligência coletiva,

manifesta de forma descentralizada, com os próprios participantes governando as

significações formadas. Dessa forma pretendemos também estimular que a criação

participativa produza enredos originais, inéditos.

Atualmente as ações desenvolvidas com o uso da inteligência coletiva na internet,

relacionadas à criação de narrativas ou jogos, ainda nascem em grande parte vinculadas a

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produções protegidas por corporações e direitos autorais. É o caso das recriações feitas pelos

fãs de StarWars e Harry Potter. Queremos propiciar uma criação livre, em que não haja

fronteiras ou limites para a evolução de novas fantasias e seja possível a livre divulgação e

compartilhamento. Uma criação do zero, de todos, feitas por nós, para nós mesmos. Nesse

sentido a participação deixa de ser uma criação coadjuvante paralela a uma obra comercial,

para ser uma manifestação feita prioritariamente para nos representar, acima de qualquer

cerceamento à evolução de novos rumos, e sem ter de atender a um criador único. Ao invés de

diferentes indivíduos se juntarem para decifrar o jogo A Besta, podem se juntar também para

criar o jogo.

Essa postura de criação favorece o que Manovich chama de individualização, conceito

contrário a conformação:

[...] a lógica das novas mídias se encaixa à lógica da sociedade pós-industrial que

valoriza a individualização ao invés da conformação. Na sociedade industrial de

massa supõe-se que todos têm os mesmos gostos – e as mesmas crenças. Essa era

também a lógica das tecnologias midiáticas. Um objeto midiático era montado numa

indústria (como um estúdio de Hollywood). Milhões de cópias idênticas eram

produzidas de uma matriz e distribuídas para todos os cidadãos. Televisão, cinema,

mídia impressa, todas seguiam essa lógica. [...] Na sociedade pós-industrial, cada

cidadão pode construir a própria customização de seu estilo de vida e „selecionar‟

sua ideologia de um extenso (mas não infinito) número de escolhas. (MANOVICH,

2001, p.60)

Com o objetivo de propiciar criações originais, incentivamos a criação desde a

invenção de uma cena até a recriação das cenas, assumindo nesse ponto uma dimensão

exterior às cenas, inter-cenas, tornando a ação de vincular as diferentes criações

necessariamente fruto da criação compartilhada, aprimorada pela inteligência coletiva

coordenada virtualmente, fundando narrativas múltiplas mas interconectadas pela

interpenetração de seus elementos nas diversas cenas, resultado de originais negociações de

suas significações.

Pode-se alcançar ainda mais um estágio no uso da inteligência coletiva. Passamos dela

para uma criação coletiva e desta podemos evoluir para um aprendizado coletivo. Por

exemplo, em alguns dos sites que reúnem fãs de Harry Potter para fantasiar novas estórias,

existem instrutores, participantes que já possuem mais experiência na composição das estórias

e passam a orientar novos escritores (JENKINS, 2008).

Entramos dessa forma num nível avançado de criação dramatúrgica audiovisual, em

que um aprendizado compartilhado pode crescer para buscar melhores estratégias de

construção narrativa ou discursiva, trazendo para a criação compartilhada técnicas de

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produção do cinema, dos games, das telenovelas, e também técnicas novas, nascidas com a

própria hipermídia, como a interligação semântica mutante entre dados de um banco de dados

(esse assunto será detalhado no último capítulo).

Vale repetir que em tudo isso temos uma volta à economia de troca, feita por um

esforço conjunto voluntário para fundar o próprio lazer e fortalecer a própria cultura e

expressão artística, fundada na criação de narrativas, composições e representações teatrais

próprias.

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2 O MODELO PROPOSTO E SUAS INFLUÊNCIAS

Apresentamos a seguir uma síntese do modelo que estamos propondo de criação

dramatúrgica participativa, juntamente com o detalhamento da aplicação prática desse

modelo. (Esse detalhamento do projeto prático será feito nesse momento para facilitar o

entendimento de uma análise teórica posterior e a justificação das padronizações escolhidas

para essa ilustração do modelo). Vamos proceder a essas descrições para depois evidenciar as

facilidades trazidas a essa proposta pelo fenômeno da convergência de mídias que vivemos

atualmente.

Um protótipo do projeto prático está disponível no site:

<https://vimeo.com/groups/labirintodecenas>.

2.1 Parâmetros

Fizemos uma síntese dos parâmetros escolhidos, requisitos norteadores para as

criações coletivas variadas, sugerindo alguns para a criação das cenas e das montagens. Tendo

em mente que, ao defini-los, inventamos um espaço/tempo a ser preenchido, e assim se torna

possível o desencadeamento da ação participativa voluntária – os parâmetros são também

elementos motivadores. Portanto tratamos a sugestão e a preparação desses parâmetros como

elementos motivadores/orientadores para a execução da obra heterogênea, oferecendo-lhe um

primeiro centro de coesão.

Parâmetros estruturais

A seguir fazemos uma síntese do modelo que foi apresentado e o descrevemos com

mais detalhes:

Vamos convidar qualquer pessoa ou grupo para criar uma cena seguindo alguns

parâmetros. As cenas serão gravadas como módulos, preparadas para serem ligadas a outras

cenas - outros módulos - posteriormente montadas em sequências com o uso de transições

audiovisuais. Essas transições já serão preparadas no ato da filmagem, por meio da

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padronização do início e do fim das cenas (com a escolha das portas). Podem existir também

padronizações no decorrer das cenas. Tomamos o plano de câmera em primeira pessoa

(câmera subjetiva) como elemento padrão em todas as cenas. Essa escolha do plano de câmera

sugestiona que há um mesmo andarilho que passa por todas as cenas, o próprio espectador, o

que influi no enquadramento e na movimentação da câmera e no caráter representativo da

filmagem.

Parâmetro conceitual

Além dessa preparação estrutural de ligação das cenas também há a ligação conceitual,

as cenas ligadas ao contexto comum (a vida cotidiana como um labirinto), causando a pré-

concepção de espaço e tempo determinantes das encenações.

A proposição desse núcleo temático (e de outros futuros, para um policentrismo) serve

para instigar o crescimento das próprias histórias ou idéias que o núcleo origina (a partir das

brechas na história; das citações enciclopédicas) ou para exemplificar a construção de uma

história ou um núcleo, ou seja, um exemplo a ser seguido ou modificado com base no próprio

exemplo. Enfim, uma forma de mostrar o jogo mostrando-o sendo jogado.

2.2 Aprimoramento entre-cenas por participantes

Temos por ora a preparação estrutural e o conceito contextualizador para instigar uma

interconexão entre as cenas. Já havendo portanto facilitado uma atribuição de sentido às

ligações entre cenas diversas, vamos ao fortalecimento dessas conexões, de suas

significações, através do aprimoramento das narrativas ou associações suscitadas entre as

cenas.

Cada cena poderá tornar-se um nó gerador e receptor de narrativas, o início, o meio e o

fim de uma sequência de cenas ou de mais de uma sequência. Cabe a seus criadores

negociarem enredos e elementos dramatúrgicos entre suas cenas a partir da percepção de elos

significativos entre elas. As negociações poderão ser feitas: 1: na fase de concepção das cenas,

ainda não gravadas; 2: após a gravação de algumas das cenas, derivando-se delas outras

cenas; 3: após a gravação de um bom número de cenas, como ensaios, caso os participantes já

prefiram apresentar cenas gravadas ao invés de somente idéias, para depois regravá-las

acrescentando elementos e interferências de outras cenas.

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Os criadores das cenas poderão descobrir em outras cenas elementos similares,

diferenças, derivações do sentido de suas próprias cenas, e então podem fortalecer essas

descobertas colocando algumas interferências em suas próprias cenas. Essas interferências

podem aparecer como transformações da plástica, gestos, sons, atuações e acontecimentos de

outras cenas. Serão como déja-vus, aparições e impressões que em algum momento anterior já

passaram por nossa percepção, ou elementos antecipadores do futuro das cenas. Essa

atividade de composição reflete-se nos filmes cult, providos de um universo enciclopédico

segundo Umberto Eco, citando o filme Casablanca (1942):

O filme cult é feito para ser citado, afirma Eco, porque é feito de citações,

arquétipos, alusões, referências retiradas de uma série de obras anteriores. Um

material assim cria um tipo de emoção intensa, acompanhada de uma vaga sensação

de déja-vu. (ECO, 1986 apud JENKINS, 2008, p.138)

As alusões criadas pelos participantes desse projeto podem ser pontuais, como

variações de um mesmo figurino por exemplo, ou metáforas das significações de outra cena,

capturando seu contexto e não apenas ítens. Ou o conjunto dessas expressões, uma figuração

pode ser a própria metáfora.

Exemplos de itens e relações a serem negociados:

Atuação: personagens, estados anímicos, gesticulações, movimentações,

expressões, falas, vozes.

Sons: sons do personagem, sons vinculados ao personagem, sons das cenas,

trilha sonora, ritmo e cadência dos sons.

Roupas: cores, texturas, épocas, adereços.

Maquiagem: sutis ou dramáticas, tatuagens, máscaras.

Cenários: arquitetura, espaço psicológico.

Iluminação: intensidade, direção, cor, sombras.

Câmera: movimentação, plano.

Fotografia: tipo de textura, sombreamento, cores, exposição.

Num nível mais abstrato, podem-se negociar:

Sentidos potenciais da cena; identidade e diferença; paralelismo; ritmo;

antecipação; lógica discursiva, associação semântica, associação metafórica,

método de montagem, etc.

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Depois de negociadas e gravadas, as cenas ficarão disponíveis no site para os próprios

participantes baixarem e montarem filmes, reunindo em suas montagens as cenas dos grupos

com os quais negociaram ou ainda podendo escolher livremente quaisquer outras cenas, até

mesmo fortuitamente (o montador estará totalmente livre para rever as escolhas de sua

montagem). Como resultado, poderemos ver diferentes montagens contendo cenas em

comum, formando uma rede de narrativas que se cruzam em algumas cenas, uma rede

passível de contínua evolução engendrada pelo upload de novas cenas e a montagem de novos

filmes.

O Youtube (plataforma de compartilhamento de vídeos na internet) tem o seu próprio

editor de vídeo, virtual. Se as cenas forem montadas usando essa plataforma, elas não

precisam ser baixadas, a montagem pode ser feita bastando reunir as cenas no editor, desde

que às cenas tenha sido atribuída a licença Creative Commons. Por essa facilidade trazida pelo

editor virtual (descoberto após a criação do primeiro protótipo do projeto no Vimeo) e também

pela existência das listas de reprodução, que podem funcionar como uma pré-edição, vamos

considerar a migração futura para essa plataforma.

O site do projeto prático está montado num canal próprio no Vimeo, plataforma de

arquivamento, transmissão e compartilhamento de vídeos. Nesse canal estão disponíveis as

informações sobre o projeto, seções próprias para o compartilhamento de idéias, para as cenas

gravadas e para as montagens finais e um vídeo ilustrativo demonstrando como funciona a

montagem em rede proposta: <https://vimeo.com/groups/labirintodecenas/videos/53781926>.

O site funcionará como um centralizador das informações principais e um arquivo para

transmissão e compartilhamento das gravações. A estruturação em uma plataforma já

praticamente pronta foi uma atitude prática, mas tornou-se uma preferência, na medida em

que pode ser um estímulo a novos projetos como esse, passíveis de serem inventados e

geridos por qualquer pessoa, usando canais já preparados para a criação e compartilhamento

em rede.

A troca de idéias e o enredamento serão feitos em fóruns dentro do canal do Vimeo,

com o primeiro contato entre os grupos participantes podendo ser feito nas listas de discussão

próprias de cada cena. A continuidade dos diálogos necessários à negociação dos elementos

dramatúrgicos pode acontecer dentro do canal ou fora dele, à escolha dos grupos de discussão

formados.

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2.3 Um incentivo à criação coletiva: a convergência de mídias

Muitos dos aspectos da proposição desse projeto são resultado do atual cenário da

convergência das mídias que estamos atravessando. Tanto os aspectos estruturais quanto os

aspectos culturais revelados desse cenário estão fortemente presentes nesta proposta, seja

como comportamentos já conquistados dessa nova era ou como proposta de estímulo ao que

está por ser aprimorado no processo da convergência.

2.3.1 Convergência de mídias e protocolos de criação artística

Tratamos por convergência de mídias o processo em que misturam-se tanto os aparatos

tecnológicos das mídias quanto os protocolos pelas quais elas se manifestam e criam sua

identidade como mídias particulares. Por protocolos entende-se a expressão de uma grande

variedade de relações sociais, econômicas e materiais. Como exemplo, temos o telefone:

quando atendemos uma ligação dissemos “alô”, recebemos contas a pagar e temos de usar fios

para conectar materialmente nossos telefones (GITELMAN, 2006 apud JENKINS, 2008,

p.48). Imaginemos por exemplo a evolução do telefone tradicional para o Skype (tecnologia

de telefonia por transmissão de dados digitais). Não precisamos levar o telefone ao ouvido,

podemos usar conexões sem fio e comprar créditos virtuais. Essas fronteiras delineadoras das

mídias estão se diluindo ou se reformando, e nesse contexto estão também as culturas de

produção artística. Novos formatos de criação estão sendo gerados pela convergência dos

protocolos de criação, cruzando elementos de mídias diversas – como games, tv, cinema,

livros, etc.- ao mesmo tempo em que torna-se cada vez mais fácil a produção e divulgação de

produções amadoras, em vista da convergência de tecnologias (por exemplo, hoje podemos

gravar um filme e enviá-lo para divulgação na internet usando o celular, a princípio uma

tecnologia destinada somente à telefonia). A convergência de mídias resulta em conexão, de

pessoas e tecnologias, em compartilhamento de idéias e produtos e facilidade de produção e

divulgação.

A acessibilidade e facilidade de produção artística agregadas à possibilidade de

conectar diferentes agentes criadores através da internet facilita o compartilhamento das

criações e a geração de obras feitas com a participação coletiva. A internet, como meio de

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troca de idéias, divulgação e compartilhamento, e as tecnologias de computação, embarcadas

em cada vez mais aparelhos tecnológicos, provendo a acessibilidade a softwares de criação

diversos, compõem um terreno fértil à exploração de novos formatos de produção,

hibridizando diferentes propostas de expressão artística.

2.3.2 Sistema binário comum

Um grande impulso ao processo de convergência foi dado pela evolução da eletrônica

e dos micro-processadores, conforme ressalta Júlio Plaza, pesquisador e artista multimídia:

“[...] a eletrônica faz circular „tudo‟ em redes eletrônicas através de seus micro-processadores

e chips de silício” (PLAZA, 1993, p.83). A invenção paralela do automatismo numérico, a

possibilidade de transcrever pacotes de informação em matrizes numéricas ainda vem

revolucionando as tecnologias midiáticas, pela possibilidade de retranscrever essas matrizes

em diversas interfaces e aparatos. Plaza expõe o automatismo da imagem:

A transmissão de imagens sob a forma numérica aparece como transdução de

informações analógicas para impulsos elétricos que correspondem à cifras 0 e 1. As

imagens são codificadas por sinais elétricos, variando de forma contínua no curso do

tempo. (PLAZA, 1993, p.80)

Edmond Couchot insere o pixel como o permutador que possibilita a transformação da

imagem em número e vice-versa:

A imagem é [...] reduzida a um mosaico de pontos perfeitamente ordenado, um

quadro de números, uma matriz. Cada pixel é um permutador minúsculo entre

imagem e número, que permite passar da imagem ao número e vice-versa.

(COUCHOT, 1993, p.38)

A matriz numérica pode multiplicar-se e as cópias aparecerem em diferentes mídias e

locais:

As tecnologias informáticas da imagem tornam possível a produção potencial quase

infinita de imagens, sem que nenhuma delas exista como tal. É aqui onde se

manifesta precisamente a natureza da imagem como acontecimento, ou seja, o

movimento fluido de uma aparição/desaparição que permite qualificar este processo

de espectral e imaterial [...]. (PLAZA, 1993, p.75)

Este caráter imaterial desprende a imagem de processos artesanais e mecânicos,

possibilitando sua fluidez entre diversos meios.

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O automatismo numérico da imagem, texto e som é ponto-chave para a convergência

midiática. Ainda que uma mídia seja analógica, a mídia digital é capaz de transcrever seu

processo e produto em números. A transmissão de um rádio antigo pode ser gravada e

convertida em bits. A voz humana pode ser convertida em bits. Os 24 quadros do cinema

igualmente. Todos os produtos midiáticos podem ser escalonados para serem comportados em

diferentes aparatos tecnológicos, como uma imagem mostrada num celular e numa tela de

cinema, um som gravado num cd (compact disc) e um som comprimido no formato mp4, por

meio de cálculos numéricos sobre a própria matriz numérica. O automatismo numérico

permitiu que imagem, som e texto virassem informações camaleônicas, metamorfoseando-se

para aparecer em diversos lugares e aparatos, fiéis ao original ou remodeladas (o original pode

nunca ter existido de fato se for uma criação nascida virtual). Enfocando a imagem, Plaza diz:

“Não se trata mais de figurar o que é visível: trata-se de figurar aquilo que é modelizável.”

(PLAZA, 1993, p.43). Tanto a imagem pode ser modelada ou remodelada quanto a montagem

sequencial de módulos pode ser rearranjada facilmente.

Com as técnicas de numeração e digitalização, as imagens estão abertas a múltiplas

transformações que oferecem imensas possibilidades no campo da criação de novos

imaginários, de realismos conceituais e a transdução de múltiplas linguagens.

(PLAZA, 1993, p.83)

Manovich descreve por outras palavras essa capacidade de transformação, como

consequência de dois princípios, da codificação numérica e da estrutura modular de um objeto

midiático:

Um objeto das novas mídias não é algo fixo uma vez para sempre, mas pode existir

em diferentes, potencialmente infinitas versões. Esta é outra conseqüência da

codificação numérica de mídias (princípio 1) e da estrutura modular de um objeto

midiático (princípio 2). Outros termos que são usados frequentemente em relação às

novas mídias e que seriam apropriados em vez de "variável", são "mutável" e

"líquido". (MANOVICH, 2001, p.56)

Assim como Lévy declara que o hipertexto se organiza de um modo fractal, referindo-

se ao princípio do encaixe de escalas, Manovich destaca que o princípio de modularidade

também pode ser chamado de „estrutura fractal das novas mídias‟ e ilustra o modo como os

elementos hipermidiáticos se remodelam:

Esse princípio pode ser denominado “estrutura fractal das novas mídias”. Assim

como um fractal tem a mesma estrutura em diferentes escalas, um objeto das novas

mídias tem em si a mesma estrutura modular. Esses elementos são montados em

objetos de grandes escalas mas continuam mantendo suas identidades particulares.

Os próprios objetos podem ser combinados em objetos ainda maiores - novamente,

sem perderem sua independência. (MANOVICH, 2001, p.51)

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Mais um fator é importante frisar nesse processo que potencializou a convergência.

Esses módulos podem ser armazenados como pacotes de dados, codificados em matrizes

numéricas, permitindo a estocagem de diferentes tipos de informações em padrões digitais,

passíveis de serem armazenados em bancos de dados extensos, distribuídos em vários

aparatos midiáticos, interconectados através da web e providos de sistemas de busca e

aquisição velozes.

Elementos midiáticos são armazenados em um banco de dados; uma variedade de

objetos que variam em resolução, forma e conteúdo podem ser gerados por usuários

finais, quer previamente, ou a pedido, a partir desse banco de dados. (MANOVICH,

2001, p.56)

Esses dados dos bancos podem ser selecionados e trabalhados em uma grande

varidade de aparelhos tecnológicos, variando em forma, resolução, conteúdo, conforme a

interface que passa a integrar. Assim, permite sua mutação para formar diferentes interfaces,

ao mesmo tempo que baseia-se numa mesma matriz numérica, uma série de cálculos

numéricos programados por softwares que mantém a identificação da informação imagética,

sonora ou textual, ainda que manipuladas.

Portanto, somadas todas essas abordagens, concluímos que o processo da

convergência de mídias, instaurando novos protocolos e hibridação de tecnologias da

comunicação, baseia-se em boa parte na transdução e retransdução de imagem, som e texto

em códigos numéricos digitais, disponibilizados modularmente em bancos de dados e

processados por microprocessadores com uma eletrônica avançada e miniaturizada. De tais

fatores originou-se um veloz processo de convergência, resultando nos mais diferentes tipos

de invenções e interfaces, que por sua vez também convergem-se. Vamos descrever no

próximo tópico os fenômenos específicos da convergência que facilitaram esse projeto, quais

são essas invenções e interfaces.

Revela-se uma situação muito favorável ao desencadeamento de projetos

colaborativos. Os produtos da convergência alteram e são alterados por comportamentos

culturais, como a amplitude e o desejo de participação coletiva. E justamente por facilitarem a

participação, convidam à exposição da heterogeneidade das criações e de seus agentes

criadores. Como dissemos, esse projeto de pesquisa ressalta a exploração dessa

heterogeneidade e a potência criativa da produção coletiva.

Estamos nesse terreno, tal como sempre acontece quando nasce uma nova mídia, em

que nada está definido e todas as proposições são experimentos, primórdios de uma nova

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cultura de expressão artística.

2.3.3 A viabilização desse projeto pela convergência

Tecnicamente, as principais condições geradas pela convergência das tecnologias que

estão dando suporte a esse projeto são as seguintes:

. compactação de dados de vídeo e áudio e aprimoramento de codecs de conversão de

vídeos, elaborados para facilitar a preparação de vídeos para veiculação na internet e

para possibilitar a visualização dos vídeos em navegadores e sistemas operacionais

diferentes;

. tecnologia de streaming, aprimorando a transmissão e visualização de vídeos na

internet;

. facilidade de upload e download de vídeos para divulgação e compartilhamento na

internet;

. desenvolvimento das plataformas de armazenamento de vídeos e a disseminação de

aparatos computacionais pessoais com sistemas de memória e troca de arquivos;

. evolução de softwares de edição e conversão de vídeo e áudio dirigidos à facilitação

da produção e troca de arquivos pela internet;

. ferramentas de gravação audiovisual, como câmeras handycam e câmeras em

celulares, integradas aos softwares de compactação dos vídeos e conectadas à internet,

funcionando como mídias de produção e de divulgação;

. integração das ferramentas de gerenciamento de fóruns de discussão na internet às

plataformas de compartilhamento de vídeos, organizando a vinculação dos debates aos

vídeos;

. ampla possibilidade de distribuição e divulgação da produção audiovisual na internet,

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tornando acessível a exposição e compartilhamento de produções autorais.

É notável que todos esses comportamentos e tecnologias primam pela facilidade de

produção e pelo compartilhamento, e muitas vezes pela possibilidade de interferência e

mesclagem entre produções midiáticas. Essas são qualidades cada vez mais requeridas no

processo de convergência das mídias, organizando-se por sistemas de gerenciamento das

interações e das criações em rede.

O modelo desse projeto contém essa qualidade de gerenciamento da produção

audiovisual coletiva. Em seu desenvolvimento aproveitamos a estrutura tecnológica provida

pela interconexão das mídias e nos inspiramos em modos de ação coletiva organizada, como a

produção do filme Life in a Day (2011), produção gerada com participação coletiva (veremos

no tópico Referências mais detalhes sobre esse filme). Espera-se, no entanto, que a

organização gerencial também se dissolva em diversos centros. Podemos dizer que haverá um

centro organizacional, a plataforma de compartilhamento de vídeos. Afora essa base

estrutural, o modelo que propomos pode renascer de modos diferentes, gerenciados por

grupos diferentes e mesmo sem gerenciamento – não eliminando-se uma manifestação

caótica, em alguns momentos importante para redefinir interações. O objetivo de um primeiro

agrupamento num canal próprio criado dentro da plataforma tem caráter didático, é um centro

para difundir a idéia do projeto e iniciá-lo. Mais tarde o projeto não precisa estar centrado em

apenas um canal. Podem existir diferentes canais e, apesar de agrupar certos contextos, os

canais não deixam de se ligar e não deixam de ser mutantes.

A plataforma é a matriz estrutural pré-existente para a composição de produtos

artísticos, e não o produto em si. Ela é a interface com a qual os participantes publicam suas

criações e interagem. A plataforma Vimeo é um caso exemplar da convergência de mídias e

seus protocolos. Ela reúne: os players digitais de vídeo, a tecnologia de streaming,

compressão, upload e download, os fóruns de debate, os bancos de dados, as ferramentas de

rápido compartilhamento de postagens, a organização do conteúdo por perfis de usuários

(cálculos e rearranjos sobre módulos), as listas de reprodução dos players, a criação de grupos

de discussão, os álbuns dentro dos grupos. Tudo numa só plataforma. Assim, ela própria é

uma construção híbrida.

Além das facilidades técnicas geradas pela convergência, a sociedade da era digital já

vem se habituando aos novos protocolos sociais dos meios virtuais, como a amplitude do

compartilhamento de idéias na internet, o comportamento de criação em rede, descentralizado

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e hipertextual, e o entendimento da organização de narrativas e associações multilineares.

Sem essas transformações culturais e técnicas não seria possível desenvolver esse trabalho.

Ele é fruto de nossa época. Não só desenvolvemos a idéia desse projeto usando os benefícios

da convergência midiática quanto a própria idéia nasceu do hábito da interação em rede e dos

comportamentos culturais advindos de nossa era digital.

2.4 Labirinto e Rizoma

Neste tópico vamos relembrar a imagem da hipermídia como uma rede de lexias e

links, com o objetivo de desenvolver essa ilustração de uma forma mais condizente com esse

projeto. Com esse intuito, vamos projetar uma ilustração composta de duas metáforas

comumente usadas para descrever o comportamento da hipermídia, a do labirinto e a do

rizoma, e então vamos integrá-las para formar uma imagem híbrida, ora à semelhança da

imagem do labirinto ora à do rizoma, imersas uma na outra.

Antes de entrarmos nesse detalhamento, vamos fazer uma rápida explicação do uso da

metáfora do labirinto em duas esferas diferentes nesse projeto.

Um dos usos remete à escolha particular que fizemos para a definição de um tema

comum à criação coletiva. Nesse caso o labirinto é a metáfora que vai criar a unidade

temática, prover o primeiro contexto sobre o qual trabalhar, criar o universo para o

participante entrar. A invenção das cenas deverá estar contaminada por esse tema, como

vimos antes, da busca intrincada, da necessidade da resolução de enigmas, charadas, quebra-

cabeças alegóricos do dia-a-dia, conflitos psicológicos, saídas para a complexidade da

formação moral. Por ser o labirinto como um arquétipo, uma idéia facilmente apreensível e

compartilhada como uma representação universal, ou até um sentimento universal, é provável

que sirva para participantes de diversas culturas. Tomamos, no entanto, mas ainda abordando

a esfera temática, uma variação sobre o labirinto clássico grego construído por Dédalo. Nele

só há um objetivo e uma saída, já nesse projeto temos em vista os objetivos múltiplos e

mutantes dos participantes. Portanto adotamos do labirinto grego o caráter de busca, de

percepção de um objetivo, multiplicado. Há a busca dos objetivos particulares e há a

renegociação dos próprios objetivos buscados, portanto acontece uma busca dupla.

Explicada essa escolha, temática, interior ao projeto, vamos discorrer sobre a metáfora

usada como ilustração do mapa da rede que o projeto forma. Nesse sentido, essa metáfora se

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hibridiza à metáfora do rizoma para representar a imagem dinâmica da montagem

intercruzada de cenas e sequências.

O labirinto rizomático

Há pequenas diferenças entre a metáfora do rizoma e a do labirinto e apenas as duas

juntas representam esse projeto. A ilustração do labirinto grego contém mais visivelmente a

presença de corredores, filas, e portanto a presença de bifurcações claras entre caminhos

inteiros. Além disso, possui a sugestão de direções. Por exemplo, se existe uma linha e do

meio dessa linha nasce outra, apenas para um lado, transversal, sugestiona-se que a nova linha

é um caminho alternativo, pois a outra opção continua na mesma direção visual da linha de

onde vinha. Dessa forma sugestionam-se direções e alternativas de direções, facilitando assim

a criação do drama. Janet Murray (2003) diz que os pontos de bifurcação futuramente serão

mais explorados como sendo os momentos principais de tensão dramática. Por enquanto eles

apenas oferecem a escolha da tensão a que se vai chegar, eles não são tão bem explorados

como a própria tensão.

O labirinto, portanto, tem corredores ordenados. Essa ordenação compete ao

desenvolvimento do drama. Haverá em algumas áreas corredores inteiros sem escolhas de

alternativas. Eles são importantes para dar consistência à ação e à construção semântica de

algumas sequências. Os corredores também resguardam a ligação das sequências com seus

autores, expondo montagens autorais, ligando a criação à autoria. Do contrário, múltiplas

lexias e links sem ordenações afastam a possibilidade de enxergar uma sequência autoral.

A metáfora do labirinto por onde passa Teseu, no entanto, apresenta apenas uma saída,

um objetivo e uma ilustração do mapa do labirinto, se esse fosse visto de cima. Representa

melhor nossa proposta a imagem de um labirinto dinâmico, movediço, em constante

metamorfose, onde não mudam apenas os caminhos mas também, como dissemos, os

objetivos, e há mais de uma saída, que sempre leva à busca de outra. Ou, como se houvesse

um labirinto feito de labirintos, a cada conquista ou resolução de um deles reformulam-se

outros e um maior, e o objetivo alcançado ganha outra conotação do que realmente representa

- buscamos algo por alguma razão e esse algo ganha outro sentido quando alcançado. Ou

mesmo no meio do caminho algo muda e já não faz mais sentido seguir numa direção, os

caminhos devem ser revistos, a memória é “relembrada” em âmbitos e construções diferentes.

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Corredores vão continuar a existir, mas o mapa muda constantemente. Há a multilinearidade e

a metamorfose. Nesse ponto nos aproximamos da metáfora do rizoma.

Existe mais um ponto a frisar sobre a arquitetura do labirinto clássico. A linearidade

que apresenta, apesar de não oferecer opções, representa, justamente por isso, a estruturação

do caminho narrativo com início, meio e fim. O caminhante do labirinto portanto, ao traçar

um objetivo, projeta o futuro e um passado. No labirinto com qualidades de rizoma, ainda que

entre em metamorfose, essa projeção pode continuar a existir: será configurada uma nova

busca e um novo fio do passado, que dá suporte ao futuro, salvaguarda o presente e o coloca

em movimento. E quando uma projeção de um início, meio e fim muda para outra, o

caminhante busca uma projeção que sublima as duas anteriores, explicando a si mesmo a

ocorrência da metamorfose. Ou nada se explica e então move-se na direção de outra busca.

Nesse ponto torna-se interessante ilustrar labirintos no rizoma. Ou rizomas no labirinto.

Lúcia Leão desenvolve essa representação de forma alegórica:

Em quase todas as mitologias primitivas, o centro é um local de difícil acesso e

exige do fiel uma peregrinação árdua, cheia de perigos. Assim, o centro, como

imagem mítica, pode ser resgatado para um contraponto com as atividades de

navegação do internauta. Nesse sentido, não estou me referindo a um centro de

poder ou a uma visão hierarquizante, mas sim a um objetivo que o pesquisador lutou

para alcançar. A partir de uma metodologia simultaneamente acentrada e

policêntrica, o viajante do ciberespaço traça seu mapa de domínio de uma forma

mais fluida e dinâmica, sem se fixar em um centro único, como faria um pesquisador

de postura centrada. Mesmo assim, o nosso herói precisa passar por vários ritos de

passagem. Após cada conquista, diversos centros simbólicos, pontos de consagração

resultantes de um longo trabalho, cintilam na constelação. (LEÃO, 2005, p.69)

O rizoma labiríntico

A metáfora do rizoma mostra-se mais recíproca com o conceito de agência múltipla.

Cada participante pode escolher caminhos e mesmo inventar caminhos. Segue-se a

manifestação da individualização apresentada por Manovich (2001). As escolhas são dirigidas

ou criadas atreladas à sensibilidade de cada participante, ao contrário do mapa estável e único

do labirinto grego.

Apresentamos a seguir os princípios formulados por Gilles Deleuze e Félix Guattari

(1995) para a metáfora do rizoma:

1º e 2º - Princípios de conexão e de heterogeneidade:

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Qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo.

Diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer

com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a

traços de mesma natureza; ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes,

inclusive estados de não-signos.

3º - Princípio de multiplicidade:

Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente determinações,

grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude de natureza (as leis de

combinação crescem com a multiplicidade).

Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa

multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas

conexões.

4° - Princípio de ruptura a-significante:

Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma

segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas.

Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo as quais ele é

estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc; mas compreende

também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar.

5º e 6º - Princípio de cartografia e de decalcomania:

Um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo. Ele é

estranho a qualquer idéia de eixo genético ou de estrutura profunda, princípios de

decalque, reprodutíveis ao infinito.

Oposto ao grafismo, ao desenho ou à fotografia, oposto aos decalques, o rizoma se

refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável,

conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas

de fuga. Os decalques podem existir no rizoma, mas jamais são o rizoma; os decalques

podem tornar-se mapas.

Dada a caracterização do rizoma pelos princípios citados, vemos que a metáfora do

rizoma comporta algo móvel e em construção, com muitas entradas, saídas e meios, passíveis

de conexão por múltiplas formas e intercambiáveis.

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A incorporação desses princípios na construção das cenas e sequências favorece o

pensamento coletivo e colaborativo das atuações e das montagens, acentrado, dinamicamente

ressignificado, um processo sempre em construção, ainda que possam existir regiões ora mais

estáveis, porém não eternas. O rizoma favorece a mutação das regras do jogo, portanto ele

comporta em si vários jogos de criação e montagem, estruturados abstratamente por

pensamentos heterogêneos relacionados. Ele é provocador das singularidades dentro da

inteligência coletiva descrita por Lévy.

Mas oferece também, de forma contrária, a oportunidade das sequências audiovisuais

perderem suas conexões com seus autores, se elas forem por demais imbricadas,

multiplicadas, manipuladas. Essa condição, de afastamento da autoria individual, de

sequências múltiplas sem direções certas, pode ocorrer formando inclusive criações reveladas

pelo acaso. A passagem do caráter autoral para o fortuito é um momento de metamorfose em

que os sentidos atribuídos às sequências são colocados em xeque, o que será muito bem-

vindo. Ao mesmo tempo ocorre a confrontação de idéias entre os autores, confrontações

voluntárias, gerando metamorfoses não somente pela intenção do acaso, mas dos autores.

Há que se tomar cuidado para que esse caráter fortuito e uma multilinearidade

aleatória não tornem a criação coletiva muito fragmentada, formando direções em excesso.

Sugestões de bifurcações por todos os lados podem ser frustrantes, efêmeras demais.

Híbrido das duas metáforas

A metáfora do rizoma compete à formação polissêmica da rede, policentrada, às

múltiplas saídas, à metamorfose, à multilinearidade, à interferência coletiva e dinâmica. O

labirinto representa o desafio, a perdição e a investigação como pares, e as jornadas que vão

se formando.

Leão (2005) diferencia a impressão que nos passa o labirinto quando estamos dentro

dele, navegando, e quando vemos seu mapa, como uma vista por cima, quando o

compreendemos. De dentro, não vemos saída, início, nem meio nem fim, vamos construindo a

jornada pela construção da experiência vivida. Essa impressão de quem está dentro do

labirinto assemelha-se mais à planta do rizoma. Pode até existir um único início, meio e fim,

mas ele não está claro, portanto só existe a busca por simulação de diversas saídas feitas pelo

navegante a cada virada.

Citando Castoríades:

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A entrada do labirinto é imediatamente um dos seus centros, ou melhor, não

sabemos mais se existe um centro, o que é um centro. De todos os lados, as galerias

obscuras partem, emaranham-se com outras que vêm não se sabe de onde, que vão

talvez a parte alguma. (Castoríades, 1987:7 apud LEÃO, 2005, p.69)

2.5 A ilustração da rede de cenas com ritmos

Fizemos pois uma ilustração do projeto, alterando a ilustração anterior da rede

sistemática de lexias e links. A essa ilustração já alterada vamos adicionar mais um

comportamento, aproximando-a dos gráficos abstratos que desenham as variações de tensão

dramática em produções cinematográficas.

Doc Comparato (2009) apresenta em seu livro esses gráficos, sugerindo que as

montagens audiovisuais possuem picos de tensão dramática e períodos em que o tempo

dramático escorre de forma mais estável, mostrando, como um todo, como as obras são

construídas com a idéia de ritmo e gradação dramática.

Ismail Xavier declara a esse respeito:

As correlações entre o desenvolvimento dramático e o ritmo da montagem, assim

como o jogo de tensões e equilíbrios estabelecido no desfile das configurações

visuais, são dois instrumentos à disposição de qualquer cineasta. (XAVIER, 2008,

p.34)

A primeira ilustração que citamos no início da dissertação ilustra esse projeto, mas a

ela deve ser adicionada o entendimento das variações de ritmo e gradação, ou a dinâmica das

montagens corre o risco de ser vista apenas como uma interação sistêmica.

Os diagramas sistêmicos reduzem a informação a um dado inerte e descrevem a

comunicação como um processo unidimensional de transporte e decodificação.

Entretanto, as mensagens e seus significados se alteram ao deslocarem-se de um ator

a outro na rede, e de um momento a outro do processo de comunicação. (LÉVY,

1993 p.22)

Além da alteração de significados, também há alterações dramáticas. Não apenas se

conta uma história ou cria-se um contexto, essas composições são movidas por desejos,

intenções, exaltando diferentes estéticas e discursos, diferentes sensações, sentimentos,

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sensibilidades. Portanto não só as histórias e contextos se completam ou se chocam, também

se esbarram diferentes humores presentes nas lexias e nas passagens. É como o conceito de

plot, conforme a definição de Marcos Rey (1997, p.22), roteirista de antigas novelas e

minisséries brasileiras. O plot não é a narrativa em si, mas o motor que move a história, um

desejo nem sempre perceptível que embala os personagens e a própria história, e até mesmo o

próprio autor.

No Romeu e Julieta o plot é o ódio entre Montecchios e Capuletos. [...] No Dom

Quixote é a loucura do próprio. [...] No Hamlet o plot é o desejo de vingança. (REY,

1997, p.22)

Na dramatização hipermidiática ocorrem os plots e os encontros e choques entre plots,

criando múltiplas variações de ritmo e gradações. Por gradações queremos indicar as

evoluções entre os estados de excitação e os estados anímicos suscitados pelas cenas,

indicando uma ascenção ou diminuição desses estados durante a passagem do tempo. Por

ritmo indicamos o discorrer do tempo dramático, ora acelerando-se ora desacelerando-se, e

sua cadência. O tempo dramático, segundo Doc Comparato (2009), refere-se à impressão da

passagem do tempo, sentido emocionalmente, diferenciando-se do tempo cronológico,

medido.

A rede com seus labirintos e rizomas está cheia de ritmos, os nós e os links não são

ascéticos, planos, destituídos de calor e vibrações. Há velocidades de navegação diferentes,

buscas ansiosas e buscas sistemáticas. Esses ritmos podem comportar variações anímicas que

interligam-se justamente pela composição entre os diferentes ritmos e não somente por

associação semântica. Essas variações rítmicas não precisam mimetizar a linearidade dos

fenômenos naturais. Elas podem ser manipuladas, para mostrar ritmos invisíveis ou

inventados. São modelagens rítmicas que dão relevo à rede, como se andássemos por curvas,

morros, rios, ou como curvas de um gráfico musical. Causam na navegação diferentes

movimentos e velocidades, e podemos dizer, diferentes temperaturas.

Entre os módulos (as cenas), pode haver ruptura ou continuidade, curvas dramáticas

ascendentes ou descendentes, suaves ou bruscas. Essas variações formam os ritmos dentro das

sequências audiovisuais compostas e também entre elas. Os ritmos são, entre outros, os

motivos pelos quais os participantes escolhem os cruzamentos entre suas sequências.

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2.6 Referências para a composição desse projeto: teatro, cinema, games e

projetos na internet

A seguir vamos apresentar algumas referências que foram analisadas para o

desenvolvimento desse projeto. Algumas já foram citadas, vamos retomá-las com outro

enfoque. Cada uma oferece algumas das características das novas obras hipermidiáticas que

utilizamos. Da hibridização de todas aprimoramos esse projeto. Vamos mencionar a

estruturação temporal e espacial dos filmes e as relações temáticas que possuem com nossa

proposta. Abordaremos alguns temas concernentes à pesquisa por outro caminho

metodológico, partindo da explanação sobre as referências.

2.6.1 Labirynth (Direção: Jim Henson, 1986)

Labirynth é um imaginário da resolução de conflitos pessoais pela decifração dos

caminhos e desafios de um labirinto. A história evolui pela divisão do tempo do filme em

períodos destinados à resolução de enigmas em diferentes ambientes, espaços dramáticos

pelos quais se promove a evolução da história (por causalidade, vivência de etapas, etc.).

Estruturalmente, o labirinto apresentado é feito de módulos. Há uma divisão da

vivência da personagem em blocos de compreensão progressivos, como condensações do

tempo e espaço emolduráveis em ambientes e períodos do filme.

A tematização é desenvolvida como uma alegoria do caminho à maturidade pessoal

por meio de ritos, no caso, imaginários, dando sentido às ações e impressões ocorridas na

realidade, no dia-a-dia.

2.6.2 Trem-Fantasma (Direção: Christoph Schlingensief, 2007)

Espetáculo teatral apresentado em 2007 no Sesc Belenzinho, em parceria com o

Instituto Goethe, com produção de Ricardo Fernandes e Matthias Pees.

Um trem de parque de diversões conduz o público por 6 ambientes, 3 palcos

giratórios e cerca de 80 figurantes da comunidade local. Ao som de Wagner, o trem

passa por um palco contrastando militares e religiosos, percorre a história da ópera

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em várias cabines, invade a vila de Wagner e atravessa um tribunal com noivas e

guilhotinas. É possível caminhar por uma passarela suspensa e observar toda a

montagem sob outra perspectiva. A viagem desemboca em um bordel com cantores

gigantescos cobertos por adereços de escola de samba, bêbados decadentes e divas

luxuosas. Schlingensief propõe uma festa de estréia eterna, regada a muita cerveja.

(Resenha da peça teatral no site do SESC SÃO PAULO, 2007)

Esse espetáculo foi tomado como referência para esse projeto por sua característica

montagem, dividida em ambientes distintos de encenação, modulares, ligados num contexto

comum, atravessado pela linha do trem-fantasma. Enquanto o carrinho circula, assistimos a

diferentes performances, heterogêneas mas coerentes, como partes de uma festa carnavalesca

num hospício.

Também é referência a dupla possibilidade de vivenciar o trem-fantasma, navegando

pelo carrinho ou de cima, de uma passarela, com uma visão global, de onde se vê a

composição de todo o complexo.

O labirinto hipertextual também pede essa visão global, ordenadora, e o objetivo de

uma criação coletiva igualmente direciona-se para a percepção globalizante da criação

múltipla, a fim de enxergar o universo que é ou que está sendo criado, para que os

participantes vejam a si mesmos de outra perspectiva, como um coletivo, um complexo.

2.6.3 Imagine (Direção: Zbigniew Rybczynski, 1987)

Em 1987, o diretor Zbigniew Rybczynski produziu um videoclipe para o ex-Beatle

John Lenon em que um personagem caminha atravessando vários ambientes, divididos por

portas, e parece atravessar passagens de sua vida. A cada porta que vai abrindo salta no tempo

e vive um momento significativo de sua jornada, até a última porta, onde encontra novamente,

em outra situação, o carrinho a pedal do primeiro ambiente.

Identificamos nesse clipe uma bela montagem que simula um plano-sequência em

travelling, mostrando os ambientes do início ao fim, enquanto os atores atravessam-nos,

sempre numa direção. Não há cortes visíveis no filme, as transições são feitas pelas portas.

Nota-se aqui também a presença de módulos dramáticos, os ambientes emoldurando

passagens da vida. As portas são as metáforas para os saltos temporais e espaciais, os links, tal

como escolhemos. Porém, ao invés da câmera em travelling, adotamos a câmera subjetiva e

plano-sequência para cada cena.

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2.6.4 Sonhos (Direção: Akira Kurosawa, 1983)

O diretor Akira Kurosawa imaginou a jornada inteira de um homem, da infância à

velhice, compondo cenários e situações metafóricas próprias a cada passagem da jornada. As

cenas são fabulares, mostram com certa fantasia os medos, angústias e deslumbres do

personagem. A jornada é dividida em fases, mostrando visões diferentes da vida conforme a

idade do personagem. Como a porta no clipe de Zbigniew, o fio condutor entre as fases é o

tempo, aqui especialmente referindo-se à idade, o amadurecimento.

Também vemos aqui a modularidade na construção espaço-temporal, com

ambientações bem distintas a cada fase, e um relacionamento entre essas fases, construído

pelas diferentes idades de um mesmo homem, construindo uma continuidade que não é visual,

é metafórica. Esse tipo de composição por metáforas provavelmente será um artifício bastante

usado em nosso projeto, por sua riqueza de significações e por causa da distância geográfica

entre os participantes, limitando a continuidade visual.

2.6.5 Doom (Produção: id Software, 1993)

Esse game histórico apresenta uma arquitetura de navegação para os avatares similar

ao clipe Imagine, com ambientes e portas, com a diferença de que a câmera não mostra a

passagem do tempo de fora do ambiente. Há a câmera subjetiva, como se fosse os próprios

olhos do personagem que navega pelo espaço. Quem controla a ação desse personagem é o

jogador (ressalte-se a manifestação da agência). Navegamos por ambientes construídos tal

qual a planta de um labirinto.

Não existem transições como cortes, fade in, fade out. As mudanças de contexto são

feitas pelas mudanças de ambientes na navegação espacial, como se assistíssemos a um plano-

sequência em tempo real.

2.6.6 Being John Malcovich (Direção: Spike Jonze, 1999)

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No filme o protagonista descobre um túnel numa parede que o leva para habitar o

corpo e a visão de outra pessoa. Ele passa a descer o túnel frequentemente e ainda cobra para

outras pessoas viverem essa experiência subjetiva do outro. Representa-se um certo desejo de

voyeurismo, passando-se à possibilidade de participar das decisões da outra pessoa (e no caso

do filme esse desejo vai um pouco mais além, manipula-se a outra pessoa).

O filme é uma ótima alusão à troca de subjetividades entre os participantes da criação

coletiva, e à mútua interferência em seus atos de expressão. E ao voyeurismo, pelo desejo de

observar o universo íntimo do outro - que é também um desejo de quem observa de

compartilhar seu próprio universo com o observado, explicitamente ou não.

2.6.7 Arca Russa (Direção: Aleksandr Sokúrov, 2002)

O filme foi inteiramente filmado num único plano-sequência, narrando a história russa

alegoricamente, através da navegação por ambientes de um palácio, metáforas de diferentes

tempos da história.

Não há cortes, a unidade dramática de cada passagem é definida pelos ambientes do

palácio, e seus corredores. Temos também a câmera subjetiva, incorporando o passeio de um

dos personagens pelo relato alegórico. Forma-se a cada ambiente uma incrível coreografia,

preparada para receber a passagem da câmera, que comanda o tempo das atuações. E todo

esse tempo é preenchido por milhares de atores, improvisando dentro das regras da

coreografia.

O plano-sequência, tal qual no game Doom, segue atravessando ambientes, corredores

e portas, ligando as atuações e coreografias pela navegação espacial. Em Doom essa

navegação é moldada digitalmente, portanto é uma simulação, de um tempo presente. Em

Arca Russa os ambientes são reais, ao passo que as encenações em cada ambiente compõem

alegorias para diferentes tempos.

Nosso projeto procura um híbrido das duas criações. A escolha da câmera subjetiva e

do plano-sequência em toda cena tem por objetivo simular uma continuidade. A transição

entre portas de diferentes lugares será forjada, por isso perceptível visualmente. Mas assim

como a ausência de continuidade visual de um filme com cortes é suprimida pela presença de

uma lógica a favor da narração (XAVIER, 2012, p.28), esperamos que a transição perceptível

seja admitida em favor da imaginação de ambientes diversos numa mesma arquitetura. Assim,

pretende-se simular um plano-sequência inteiro, atravessando as portas sem desligar a câmera,

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invocando a ligação entre as paredes de lugares distantes geograficamente, assim como Arca

Russa conecta tempos diferentes. Essa intenção corrobora a idéia da condensação do tempo e

do espaço por meio da dramatização.

2.6.8 Life in a Day (Direção: Kevin Macdonald, 2011)

Esse filme é resultado da montagem de diversas gravações feitas por pessoas de vários

cantos do mundo, realizadas no mesmo dia, da meia-noite até um segundo antes da meia-noite

seguinte. O dia é o fio condutor de todo o filme, unindo a todos pela passagem do tempo,

assim como a lua-aranha. Centenas de participantes mandaram seus filmes e o estúdio cuidou

da montagem, portanto a filmagem das cenas não coube à equipe que produziu o projeto. A

edição final contemplou uma visão caleidoscópica da rotina de pessoas de diferentes culturas

e localidades. Cabe muito bem aqui a menção de Ismail Xavier sobre o cineasta Kracauer:

Kracauer admite diferenças de etilo conforme as distintas culturas, mas no interior

de cada sociedade ele promove uma homogeneização; solidariedade na contingência

da vida, condição humana universal; luta diária. (XAVIER, 2008, p.70)

Life in a Day apresenta essa contingência heterogênea da vida, fortalecida pela

filmagem das cenas pelos próprios indivíduos em seus espaços. Dessa forma houve um

compartilhamento de universos íntimos, com uma espontânea informalidade. Interessante

notar que há cenas em que as pessoas não fazem nada de especial, nada que pudesse ser

interessante a uma produção épica. Esse tipo de cena dificilmente aparece em grandes

produções, já aqui, ao contrário, elas são requeridas e não descartadas, com o intuito de

mostrar o cotidiano simples, não triunfante nem trágico, a sensação de cotidiano que todos os

habitantes do mundo vivenciam.

Uma outra percepção sobre o filme: um homem senta-se na cadeira do cabeleireiro e

discursa sua visão solidária do mundo: “Quando fecho meus olhos, consigo ver todas as

diferentes pessoas do mundo, de cidade a cidade, de país a país. Posso sentir, posso tocar,

posso ver.” E na saída do cabeleireiro: “Sinto-me renovado com meu corte de cabelo. É hora

de continuar minha jornada.” (01:25:45). O homem expressa de uma maneira singular as duas

dimensões do filme, a globalidade da existência humana e as jornadas pessoais de cada

indivíduo, motivadas por seus mais peculiares rituais.

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2.6.9 O Jantar (Direção: Ettore Scola, 1998)

Dramas pessoais que se vêem acontecer em cada uma das mesas e entre uma mesa e

outra. Drama da solidão, do tempo que passa, dos sonhos desfeitos. Dramas

pessoais, que aparecem na tela temperados pelo humor, pela auto-ironia e, mais

raramente, pela sabedoria simples que consiste em aproveitar o momento presente.

Essa comédia dramática intimista é feita da relação que as pessoas estabelecem entre

si. (ORICCHIO, 2007)

O Jantar se passa num restaurante. Os personagens sentam-se às suas mesas e

passamos a ouvir os diálogos de cada mesa, aos poucos forma-se um mosaico de sentimentos

e discursos. Os personagens interagem em suas mesas e às vezes observam as outras. Numa

mesa, uma aluna perdida de amor por seu professor observa um casal numa mesa ao lado e

diz: “Viu, eles também sofrem de amor”. O casal apontado, na verdade, são pai e filha e estão

resolvendo desavenças. Um velho professor olha, ao fundo, dois dramaturgos criando uma

peça, confusos por não saberem quando o outro está conversando ou imitando um diálogo da

peça. Nessas situações citadas, os personagens interpretam-se à distância. Em outra passagem,

a dona do restaurante consola a mãe hedonista de uma filha que optou por ser noviça. A esfera

de aproximação encurta, os discursos antes especulativos tornam-se diálogos. O velho

professor convida uma mulher e seus amantes a sentar-se com uma mãe comemorando a

graduação do filho. O velho une situações díspares. Um mágico causa um acidente com o

garçom que chama a atenção de todos. O acontecimento fica suscetível a diferentes opiniões.

O filme forma um mosaico de situações e diálogos ambientados no restaurante e

emoldurados nos modos de comportar-se num restaurante. Sentados em suas mesas, com seus

micro-contextos, os comensais aos poucos interferem nos contextos alheios ou são

incomodados por eles. Por discórdia ou solidariedade acontecem as interseções. Por vezes,

após essas interseções, os micro-contextos alteram-se. Como quando um homem, sentado à

mesa com sua namorada, vai ao banheiro e encontra a mulher da mesa oposta que vinha

paquerando com os olhos. Ela bate nele e lhe dá um sermão, indignada. Ao voltarem às suas

cadeiras, a mulher passa a ignorar o homem (e mais à frente deixa-se paquerar por outro) e o

homem fica abobado com a surpresa. Descrevemos essas passagens como parábolas para a

rede formada pela montagem participativa. As mudanças de percepção de uns sobre os outros

exemplificam os cruzamentos das sequências audiovisuais numa rede coletiva.

No final um lento plano-sequência amarra os universos dos comensais, ao ritmo de um

concerto para harpa e flauta de Mozart. A mesma música, ouvida por todos, oferece um alívio

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para todas as almas. Expressa finalmente uma unidade nas relações que vão se transformando

durante o filme. Nessa passagem também é visível uma “solidariedade na contingência da

vida”.

2.6.10 Edifício Master (Direção: Eduardo Coutinho, 2005)

Tudo deriva do tema central, o edifício, de uma abrangência circunspecta ao edifício,

sob uma planta comum: o ambiente interno, externo, corredores ligando microcosmos, lado a

lado, amontoado de moradias e estereótipos ora aproximando-se, ora repelindo-se,

aprofundando relações, criando intimidade (como o senhor que cuida dos idosos vizinhos),

deixando de lado estereótipos (desfeitos ou fortalecidos em algumas aproximações por entre

janelas, corredores e saguões; como a da mulher que tem a curiosidade de saber quem é a

criança vizinha que escuta diariamente e um dia a encontra no elevador; ou outra que diz que

os barulhos e brigas dos vizinhos “entram” por sua janela), as intimidades fechadas ou

compartilhadas, cosmologias particulares de cada morador, diferentes visões sobre suas

próprias conexões com os vizinhos.

O filme vai direto à intimidade dos moradores, às motivações profundas que os

movem. Em nosso projeto pretendemos aproximar ambientes fechados, íntimos, torná-los

expressões. O filme também anuncia o voyerismo, como o único contato possível ou um

primeiro contato que aos poucos abre portas e depois liga intimidades.

A heterogeneidade é abarcável num conjunto, o edifício. Há um centro governante e

múltiplos centros de convivência. Existe para isso catalogação, ordenação, dimensionamento,

direção e memória. O governo político do edifício existe como um centro, hierarquizado. O

síndico fala: „Educo como Piaget, se não funciona... governo como Pinochet.” Já os

depoimentos narram centros diversos, direções contrárias, decisões informais, marginais,

desobediências (como um pileque de uma moradora com os porteiros), reunidos na imagem e

arquitetura do edifício, o fio temático. O fio do governante em choque ou consonância com a

rede de fios informais e o fio do edifício Master, mostrado por meio das tomadas dos

corredores e ambientes comuns.

Os depoimentos às vezes referem-se à convivência no bairro do edifício, descrevendo

um ambiente externo opressivo, perigoso, violento, barulhento, ou o prazer da praia, da

caminhada, do bate-papo na rua. Esses discursos ligam outros fios à rede do edifício. Além da

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ligação com outros contextos, expõe-se o princípio das escalas de Lévy, sendo o

hipercontexto representado pelos micro-contextos dos moradores, por sua vez, inseridos em

contextos maiores.

2.6.11 Clouds Interactive Documentary

(Projeto lançado no site de crowdfunding Kickstarter, 2013)

Projeto apresentado na internet no site de crowdfunding Kickstarter. Pretende

apresentar uma série audiovisual de entrevistas num formato multilinear gerado por uma

plataforma computacional, permitindo várias montagens de seu conteúdo, que poderão ser

assistidas de modos diferentes, conforme os interesses de cada um. Com o uso de softwares,

capazes de realizar associações semânticas, e a aferição de tags (palavras-chave usadas para

classificar conteúdos), os trechos de várias entrevistas estarão disponíveis como módulos para

diversas montagens. O futuro dessa experiência é promissor: trará um aprimoramento da

classificação e interligação de palavras-chave, buscando o relacionamento de conceitos e

contextos inteiros.

A proposta de Clouds ilustra bem a tentativa de compor narrativas (e o intento de

Clouds não objetiva senão a composição de cadeias associativas que tenham o intuito de

narrar). Ao contrário de obras multilineares exaustivamente preparadas com múltiplas

histórias prontas após uma bifurcação, em Clouds os espectadores interatores poderão compor

versões narrativas imprevistas, pois os criadores do projeto terão o controle das tags, mas não

de todas as possibilidades narrativas que geram automaticamente. Forma-se um riquíssimo

leque de versões e uma personalização, características que queremos explorar.

Vale destacar que as tags de Clouds serão aplicadas para a formação de um hipertexto,

por meio da transcrição das entrevistas (as entrevistas filmadas não precisarão ser

apresentadas juntamente com textos, mas o processo de análise semântica baseia-se na análise

discursiva somente dos textos, não de gesticulações ou expressões faciais, ou seja, não há

análise visual). Em nosso projeto a criação de associações será articulada pela percepção de

discursos visuais, sonoros e textuais.

Em relação à diversidade de composições que as associações entre tags podem gerar

os autores avisam:

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Sendo este um documentário, a história é crucial. Um componente essencial do

nosso processo envolve desenvolver algoritmos para explorar um banco de dados de

idéias e conversações. Tomando uma abordagem de geração de narrativas corre-se o

risco de produzir sequências que pareçam desconexas ou repetitivas. Aplicando

conhecimento baseado em software de processamento e recomendação de linguagem

natural em conjunto com exaustiva atribuição de tags ao nosso conteúdo, podemos

criar um sistema para customizar a experiência conforme seus interesses, levando

você a encontrar conteúdo que realmente lhe interesse. Tudo isso vai resultar num

Gerador de Histórias que oferece à audiência vários pontos de acesso a esse mundo

de arte e códigos.

(KICKSTARTER: CLOUDS INTERACTIVE DOCUMENTARY, disponível em

<http://www.kickstarter.com/projects/1636630114/clouds-interactive-documentary>. Acesso em: 26 mar. 2013)

Em nosso projeto também há esse risco, mas a produção de narrativas fragmentadas

estará ligada à intenção dos próprios participantes, de forma que a fragmentação poderá ser

proposital ou produto do ensaio amadorístico. Sendo proposital, pode se assemelhar com

algumas montagens cinematográficas que criam narrativas fragmentadas como elementos

alegóricos para esmiuçar o método de montagem que tem a intenção de narrar (esse tipo de

montagem está melhor explicado no capítulo Montagens na Hipermídia).

Clouds dará aos espectadores a oportunidade de seguir as entrevistas conforme seus

interesses, escolhendo as tags e contextos semânticos que mais lhe interessam. Vamos seguir

esse desenvolvimento da individualização, porém caberá aos participantes criar não somente

as associações (feitas com a escolha de cenas já usadas em outras montagens) mas também as

possibilidades de associação. Em Clouds há apenas um centro humano decisor das tags e

também um centro comandado por um software. Nossa intenção é descentralizar. Ao invés

dos propositores do projeto desenvolverem tags, ou do software identificar associações

semânticas (o que depende de uma programação de software intencionada), quem ligará as

sequências serão os próprios participantes. Além disso, a multiplicidade da participação

coletiva torna o processo associativo dinâmico, mutante, alterando constantemente as

ideologias que fundam as estratégias de associação. Isso confere um poder político aos

participantes. Como anuncia Pollyana (2012), a definição e atribuição de tags vem se

tornando uma importante questão política, já que elas direcionam a associação entre as

informações, dando ao interator uma navegação presumivelmente livre.

De Clouds, feitas as diferenciações que destacamos, buscamos referências de

personalização e a hibridação de formatos audiovisuais tradicionais com plataformas

computacionais que permitem a multilinearidade, um passo além das narrativas multilineares

previamente preparadas, que fornecem um quebra-cabeça com propabilidades mínimas e

previsíveis. Clouds, com essa ambição de não prever todos os caminhos, se aproxima da

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estética dos games, uma influência também motivadora de nosso projeto.

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2.7 Modos de Atuação

Sequências de cenas inteiras podem ser criadas por um só participante, filmando todas

essas cenas ou traçando um roteiro ou sugestões para que outros filmem. Nesse caso, as cenas

serão preparadas para seguir uma sequência contínua, com “ganchos” para novas

interpretações. Numa outra forma de composição, os participantes podem criar suas cenas

sem nenhum contato preparatório entre eles. Ou com pouco contato, para discutir apenas um

esboço sobre o qual vão inventar. Seja de forma totalmente independente ou minimamente

ensaiada, demandará o improviso, da atuação e da posterior montagem. Com a criação de um

roteiro, ainda que haja um planejamento, haverá improvisação com diferentes elementos,

diferentes tipos fisionômicos, diferentes cenários e arquiteturas, costumes, moda, etc. Mesmo

considerando a roteirização e a filmagem por um só participante, as sequências que se

formarão cruzando essa sequência roteirizada serão invenções sobre a primeira, possivelmente

remetendo a seus elementos, o que dá margem à paródia, suscetível a um maior caráter de

improvisação, justamente porque os novos elementos não serão iguais aos da sequência

original. Enfim, o que estamos destacando é a qualidade do improviso que deverá evidenciar-

se na maior parte das criações.

A atuação poderá ser ainda mais livre durante a filmagem, sem roteiro algum, apenas

baseada em temas, e a improvisação começa quando a câmera é ligada. Essa improvisação

direta, acredita-se, também terá forte presença nesse projeto, considerando o que dissemos

sobre o caráter informal proporcionado pela internet. Muitas das criações deverão revelar uma

espontaneidade criativa improvisada no ato. Possivelmente estarão imbuídas de uma

informalidade análoga às expressões textuais informais produzidas num chat (plataforma de

comunicação textual instantânea). Nos chats os interlocutores estão menos interessados na

precisão e nas regras gramaticais de seu discurso e mais desejosos de uma comunicação

dinâmica tal qual a comunicação oral, mais sujeita a erros formais com correções

imediatamente posteriores. Esse modo de ensaio, de abertura ao erro, com posterior correção

ou não, supõe-se, estará refletida também na atuação.

Podemos falar também de uma improvisação “profissional”, como uma apresentação

de jazz, em que os integrantes da banda têm uma grande versatilidade musical e improvisam

sobre uma base, variando sobre ela ou inclusive ignorando-a para perder o ritmo e depois

retomá-lo, em conjunto. Na esfera da produção cinematográfica, temos dois exemplos dessa

improvisação virtuosa: o filme O Câncer (1972), de Glauber Rocha, e Timecode (2000), de

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Mike Figgis.

2.7.1 Timecode (Direção: Mike Figgis, 2000)

Em Timecode a tela é dividida em quatro, em cada quarto da tela é mostrada uma ação

em plano-sequência e todas elas ocorrem ao mesmo tempo. Esses planos acompanham os

personagens do filme, algumas vezes invadindo um ambiente onde já estão outros, passando a

acompanhar a ação de outro personagem. Dessa forma os acontecimentos vão ligando-se. O

foco da atenção sobre uma ou outra tela é dirigido pelo volume do som, colocando o foco

sobre um ou outro diálogo. De períodos em períodos ocorre um tremor nos ambientes, uma

ameaça de terremoto. As quatro telas captam os tremores em ambientes diferentes. Esses

instantes de tremores e outros momentos do filme são passagens em que fica evidente um

tempo de ação combinado que os atores devem obedecer. Todas as filmagens devem

acompanhar a evolução dos outros quadros, concomitantemente, para que situações como os

tremores aconteçam exatamente no mesmo tempo. Quando um casal tem relações sexuais

atrás de uma tela de projeção onde se reúnem outros personagens, a entrada e saída das ações

devem ser muito bem casadas para que aconteçam ao mesmo tempo. As marcações são feitas

quando todos os personagens estão a ponto de atingirem as ações necessárias para um

acontecimento conjunto.

Entre as passagens que marcam o tempo não há como planejar um roteiro de falas

exato. A coreografia entre os atores e a câmera tem de atender às marcações no tempo, entre

essas passagens deve haver uma improvisação sobre o script. Os atores devem preencher o

tempo que corre entre as marcações encarnados em seus papéis. Seria mesmo impossível

seguir um diálogo estrito, correndo o risco de “sobrar” ou “faltar” tempo para a evolução do

diálogo. Portanto houve uma preparação dos personagens para que eles lidassem com o acaso

durante o tempo de que dispunham, e, podemos dizer, dessa forma o exercício da atuação é

intensificado, pois os atores não copiam o diálogo de um texto, eles devem se inserir no

mundo fictício do personagem e dialogarem tal qual faria o personagem no momento corrente

de seu tempo, sem roteiro do que fazer no próximo segundo. Esse tipo de atuação demanda

dos atores uma improvisação virtuosa, criando momentos dramáticos fortes.

Ações como essa podem ser feitas com a atuação coletiva, pela criação de situações e

não de roteiros. Por exemplo, vamos imaginar, um participante vai a uma lanchonete tomar

café seguido por um coro de participantes que o repetem em tudo, nos gestos, movimentos,

atitudes e falas. Entram na lanchonete e todos pedem café, um após o outro, mimeticamente.

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Tal situação está sujeita ao acaso, ao humor do atendente da padaria, à interação dos clientes,

ao espaço de movimentação e acomodação da padaria. Uma outra situação, mais parecida

com o empreendimento de Timecode: a câmera movimenta-se num espaço público e os

participantes devem fazer o possível para estar no enquadramento (como se não estar na

janela da câmera fosse não estar no mundo, ou o contrário, ser filmado é estar diante do

mundo). A câmera cria um tempo e uma coreografia e os participantes devem improvisar para

acompanhá-la. O acaso potencializa a atuação e a vivifica.

2.7.2 O Câncer (Direção: Glauber Rocha, 1972)

O Câncer compõe-se de improvisações ainda mais inventivas, com tempos muito mais

alongados para serem preenchidos (ou construídos). O diálogo improvisado determina a sua

direção no momento mesmo em que vai sendo criado. Glauber mantém um longo período de

gravação ininterrupta e deixa que os atores levem o diálogo adiante, vez por outra “puxando”

o diálogo para uma situação aberta ou sugerida pelo diretor, no correr da cena. Glauber

declara:

Queria fazer uma experiência técnica sobre o problema da resistência de duração do

plano cinematográfico. [...] e estudar a quase eliminação da montagem quando existe

uma ação verbal e psicológica na mesma tomada. (TORRES, 1970 apud

VALENTINETTI, 2002, p.146)

Não há uma trama:

Câncer é constituído por vinte e sete sequências com três atores que improvisavam

situações, que eu lhes dava, sobre o tema da violência. Violência psicológica, sexual,

racial, social, em um plano de improvisação. (VALENTINETTI, 2002, p.34)

Trata-se de um experimento, e como tal não segue regras estritas de atuação. Glauber

tem a intenção de usar em seus filmes a teatralidade, e isso exige a performance direta do

teatro. No teatro não há chance de retoques, cortes na atuação pela montagem ou revisão da

coreografia dos movimentos, e nem se deseja que assim funcione o teatro. Nesse sentido os

filmes de Glauber mantêm uma certa teatralidade. “[...] utilizo o teatro por trás dos meus

filmes deliberadamente; por isso jamais dirigiria teatro; já o tenho nos meus filmes e me

agrada.” (TORRES, 1970 apud VALENTINETTI, 2002, p.34)

Em O Câncer temos essa teatralidade experimentada com veemência pelos atores,

com total improvisação, mantendo uma “ação verbal e psicológica” duradoura.

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Glauber ainda declara que não fez o filme pensando nos circuitos de exibição: “[...] é

uma obra em que me diverti com meus amigos” (VALENTINETTI. p.145). De fato o filme

tem um tom lúdico e de experimentação. Esse tom transparece por exemplo quando o

personagem representado por Rogério Duarte toma um tiro, morre, se levanta rindo da própria

situação, e morre novamente.

A não formalidade do filme é deliberadamente intencional, o foco está numa

experimentação ampliada, não feita sob encomenda ou com objetivos de exibição, e por isso,

justamente por causa da liberdade da brincadeira (que para realmente experimentar deve ser

muito bem fundada), é capaz de criar novas estéticas.

A criação participativa que almejamos sem dúvida vai mostrar em muitos casos esse

tom lúdico, e em outros um tom crítico, ambos de experimentação. Haverá tanto a

experimentação de modos de atuação quanto, no caso dos amadores, a experiência de ver-se a

si mesmo atuando. Como as cenas no final vão ser montadas lado a lado, a experimentação

ficará mais patente ainda, na observação da diferença e, por conseguinte, na similaridade do

esforço de experimentar.

2.7.3 Grupo Teatral Ueinzz (Direção: Sérgio Penna e Renato Cohen, fundado em

1997)

Um terceiro exemplo de improvisação, muito interessante, são as atuações do grupo

Ueinzz, companhia teatral formada por pacientes e usuários do serviço de saúde mental de São

Paulo, atores profissionais, terapeutas, filósofos e compositores. “As encenações são criadas a

partir de estudos textuais, imagéticos, sonoros, mitológicos, pessoais e oníricos em

laboratórios onde experimentam sobreposições de narrativas, percursos físicos e criação de

línguas” (Resenha disponível no blog do grupo UEINZZ, postado em 2009).

Tomamos como referência nas peças do grupo o caráter hipertextual do processo de

criação citado acima, compondo uma tessitura com línguas, sonhos pessoais e mitologias, e o

enciclopedismo das encenações gerado pelas origens diversas da tessitura, dando margem a

novas imaginações durante as peças. Ao vivo o que ocorre á a expressão particular da

encenação de cada participante, a reverberação das ficções pessoais na atuação, uma parcial

imprevisibilidade na evolução do enredo e uma boa dose de informalidade das atuações,

recheadas com conversas espontâneas, improvisações inesperadas dentro de um roteiro. O

roteiro na peça funciona como o fio de Ariadne, e importa mais por ser um fio que pelo

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enredo, pois o mais interessante é como os atores atuam e interagem com o próprio roteiro e

sua fala, e as divagações espontâneas que desencadeiam.

Na peça GOTHAM SP, dirigida por Renato Cohen e Sérgio Penna, dois atores estão

dentro de um táxi seguindo um script, mas ao mesmo tempo parecem se divertir com a

própria atuação. Nesse momento seus personagens dão licença para os atores e eles parecem

conversar entre si fantasiados de seus personagens. Estão cientes da platéia e da tarefa de

atuar, como se jogassem com essa tarefa, mas expressando os humores que estão realmente

vivendo no momento.

Vemos essa licença ocorrer frequentemente também nos sites de streaming ao vivo na

internet, veiculando transmissões de webcams pessoais para o mundo. É bastante comum

vermos jovens diante das webcams cantando ou fazendo uma encenação, entremeada por

conversas entre eles próprios (se for um grupo) ou conversas entre eles e o espectador

invisível. São como apresentações e alusões às apresentações no mesmo momento em que

elas acontecem. Esse tipo de manifestação pode ocorrer durante a criação das cenas para esse

projeto. Diante do improviso há mais chances para o escape até um universo de divagação

próprio, ligado à realidade do autor e não do personagem, podendo resultar numa mistura

entre ator e personagem e ser expandida para outras cenas. Alguma alusão a elementos de

outras cenas também podem surgir durante a atuação, indicadas explicitamente pelo ator ou

por seu personagem. Ou seja, a interligação entre as cenas pode se dar não somente pelas

expressões dos personagens mas também dos participantes que os interpretam. À montagem

final de sequências é então acrescido um outro elemento a ser trabalhado, a percepção da

atuação. À opção do montador, uma sequência pode usar dessa percepção para aguçar

diferenças de interpretação e revelar relações que não sejam apenas as construídas

intencionalmente (como uma narração por exemplo). Ou estará em evidência um misto de

narrativa envolvendo personagens com licenças para os participantes “entrarem” eles próprios

nas narrativas.

Com esses três exemplos ressaltamos a receptividade que esse projeto pode ter para

criações não-formais, alheias a um roteiro e a um preparo meticuloso de todas as passagens da

criação. Mas esse oposto também será incentivado, pois temos a intenção de fazer interagir

diferentes formas de criação. Por vezes serão mais ricas as interseções entre elas que elas

próprias isoladas. Assim como Janet Murray afirma sobre a potencial dramaticidade dos

pontos de bifurcação nas narrativas multilineares, as junções e contraposições entre as

criações dos participantes podem suscitar uma boa dose de drama. Havendo o cruzamento

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entre eles, em meio a estilhaços e fragmentos criativos, esperamos, após algum tempo de

prática coletiva, ter a formação de algumas primorosas composições, tal como virtuosas

improvisações de jazz.

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3 MONTAGEM PARTICIPATIVA NA HIPERMÍDIA

Nesse capítulo apresentamos as possibilidades de montagem da rede de cenas criadas

pelos participantes, desde a montagem linear de apenas uma sequência até a montagem

multilinear e dinâmica da rede. Serão revistos diferentes métodos de montagem

cinematográfica com o objetivo de traçá-los num panorama da montagem na hipermídia,

incluindo novos fatores como os bancos de dados e a edição audiovisual por diversos

montadores.

O processo de montagem será oferecido aos próprios participantes por meio do

download das cenas carregadas na plataforma de vídeo, montagem em softwares de edição

gratuitos e upload da sequência montada. As mesmas cenas poderão ser usadas para diferentes

montagens e também as sequências podem ser aproveitadas para o início de novas sequências.

Não haverá um mapa mostrando a rede de sequências formadas (essa é uma intenção a ser

desenvolvida futuramente), mas assistindo-se às sequências ficará evidente a presença de

algumas cenas em mais de uma delas, e portanto estarão sugeridos os cruzamentos entre as

sequências.

Outra forma, mais fácil, de montar as cenas é através do software de edição de vídeo

virtual da própria plataforma de compartilhamento de vídeos. Com o editor próprio do

YouTube, como vimos, basta selecionar as cenas já carregadas pelos participantes (sob a

licença de compartilhamento Creative Commons) e montá-las no editor na ordem que se

queira. Em seguida publica-se a montagem realizada, que estará sempre passível de ser

reeditada por qualquer participante.

Uma terceira forma de montar é usando as listas de reprodução das plataformas. Nesse

caso não há uma continuidade na transmissão dos vídeos, ocorre uma pausa entre um vídeo e

outro até que o segundo começe a ser carregado. Será especulado ao fim dessa dissertação as

vantagens que a supressão dessa pausa pode trazer. Excetuando-se essa pausa, as listas

oferecem muitas das necessidades requeridas pela montagem participativa e a associação

entre as montagens, como a disposição dos vídeos como módulos disponíveis para a

construção de variadas listas, a permanência da independência dos módulos dentro das listas,

a associação das listas com os seus criadores e a possibilidade de passar de uma lista a outra

através de uma cena (essa última função também pode ser aprimorada nas plataformas).

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3.1 A disseminação da “língua” da montagem

Cem anos depois do nascimento do cinema, padrões cinematográficos de ver o

mundo, de estruturar o tempo, de narrar uma história, de conectar uma experiência à

seguinte, estão sendo extendidos para tornarem-se os padrões básicos pelos quais

usuários de computador acessam e interagem com todos os dados culturais. Nesse

sentido, o computador cumpre a promessa de um cinema tal qual um Esperanto

visual, intento perseguido por vários cineastas e críticos na década de 1920, de

Griffith a Vertov. De fato, milhões de usuários de computador se comunicam entre

si por meio da mesma interface computacional. E, em contraste com o cinema no

qual a maioria de seus “usuários” eram aptos a “entender” a linguagem

cinematográfica mas não a “falar” (no sentido de fazer filmes), todos os usuários de

computador podem “falar” a linguagem da interface. Eles são usuários ativos da

interface [...]. (MANOVICH, 2001, p.87)

Nessa era surge uma nova oportunidade, os usuários das interfaces hipermidiáticas

podem “falar” a linguagem audiovisual, ou seja, agora são potenciais montadores. Demanda-

se então uma nova forma de produção, em que sabe-se que o filme não acabará em si, será

revisto por muitos, portanto ele deve ser feito pensando-se nas expansões ou alterações que

terá, e nas remontagens que deverá proporcionar.

Em livro de 2001, Victor Burgin faz indagações sobre nossa relação prolongada com

as imagens lembrando que muito do que definimos como experiência do cinema não

se dá como embate direto com a imagem física projetada na tela ou no vídeo, mas

como uma riquíssima elaboração secundária, feita de afetos e cadeias associativas,

em que os fragmentos mais pregnantes se impõem de modo a que se recomponha

um outro filme na memória que se expande e permanece disponível para novas

relações. (XAVIER, 2008, p.198).

Essas cadeias associativas atualmente podem ser expressas realmente em novos

filmes, não somente impressos na memória do espectador, mas em quadros reinventados,

visíveis e armazenados em bancos de dados digitais.

O desejo da agência nascido da participação pede a interferência nas montagens. Essa

é a primeira condição demandada pela montagem participativa. Há pouco tempo atrás o

espectador teve a chance de experimentar uma primeira impressão sobre o ato da montagem

nos filmes, pela chegada do vídeo-cassete, mas ainda não podia interferir nela.

[...] abre-se experiência nova que, antes terreno do montador e do crítico, se

disseminou com o home vídeo: a possibilidade de “suspender o fluxo”, tomar nosso

tempo diante da imagem. Tal forma de manipulação altera o regime do espectador

radicalmente. (XAVIER, 2012 ,p.197)

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Atualmente o espectador pode ser de fato montador. Mais do que interferir, pode criar.

Isso dá aos indivíduos (e não somente às organizações) um poder antes relegado a poucos. O

caráter ideológico da montagem está aberto a múltiplos montadores.

Montagem [...] tornou-se uma tecnologia-chave para manipulação ideológica, por

meio de seu emprego em filmes comerciais, documentários, notícias, propagandas,

etc.. (MANOVICH, 2001, p.140)

Os novos montadores têm em mãos o poder de montar seus próprios filmes,

propagandas, notícias e também de usar suas próprias filmagens. Ou de ressignificar uma

propaganda, uma notícia audiovisual reeditando-as com simples alterações da sequência ou

inserindo novas cenas. A oportunidade de criar suas próprias atuações e montagens lhe

conferem poder de expressar seus discursos, criando, coletivamente, mosaicos de múltiplos

discursos. “[...] uma questão a ser pensada pelos autores em hipermídia é o desafio de

desenvolver um sistema aberto a uma pluralidade de discursos. Um sistema que dê espaço a

múltiplos centros e a múltiplas falas” (LEÃO, 2005, p.76).

3.2 Interseções entre tipos de montagens

Com a entrada desses novos atores no cenário da produção audiovisual, integrados

numa mesma mídia, a hipermídia, e produzindo suas criações com amplas interferências umas

sobre as outras, também os tipos de montagens podem sofrer incontáveis interferências.

Sendo assim, os tipos de montagem que convencionou-se qualificar na história do cinema

podem ser postas umas dentro das outras pelos diversos montadores, a seus próprios critérios.

Assim, a integridade de uma decupagem clássica por exemplo poderá ser descontruída por

uma montagem que objetive mostrar a construção do discurso da anterior, na mesma

interface. Ainda assim a montagem clássica continuará tendo sua independência.

Por decupagem clássica convencionou-se chamar a montagem que prima por uma

continuidade produzida obedecendo a uma cadeia de motivações psicológicas, atendendo à

função de narrar, buscando a neutralização de uma descontinuidade visual elementar por meio

de uma coerência na evolução dos movimentos em sua dimensão puramente física (por isso

existe a função do continuista), com a intenção de tornar a montagem invisível (XAVIER,

2012, 32). Diferentemente, a montagem vertical cria uma composição sem a intenção de

narrar, ela oferece por exemplo a fruição da imagem fotográfica, dos movimentos do

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ambiente ou o primor entre diferentes enquadramentos da câmera.

No clássico, os procedimentos e os olhares se subordinam ao drama; é um cinema

„orientado para a personagem‟ (expressão de David Bordwell) que procura prender o

olhar a motivos que têm o drama como centro e impedem que o espectador perceba

que “as folhas se movem” [ao fundo da ação principal do drama]. No cinema

moderno (versão européia), há um movimento de reposição daquela dimensão da

imagem pouco ou nada explorada pelo clássico. Renova-se a atenção ao dispositivo

e pergunta-se de novo “o que é o cinema?” (XAVIER, 2008, p.194)

Todos os tipos de montagem, da clássica à moderna, poderão sofrer transformações

diante do contexto hipermidiático. Por exemplo, à montagem narrativa será algumas vezes

demandada a multilinearidade, para atender as escolhas de múltiplos interatores. A narrativa

poderá sofrer bifurcações tantas quanto os montadores da rede desejarem (lembrando que as

limitações de distância entre os grupos criadores devem provocar narrativas baseadas em

continuidades lógicas ou metafóricas, não em continuidades visuais). Assim, haverá muitos

caminhos extendendo a narrativa ou interceptando-a. Até aqui nota-se apenas a inclusão da

multilinearidade na narrativa. Mas essas bifurcações não precisam ser bifurcações apenas da

narrativa, com a manutenção da mesma estética ou do mesmo processo lógico na construção

das novas narrativas. Uma bifurcação pode ser justamente uma diferenciação da construção

lógica que vinha-se seguindo, ou seja, não é apenas a história que muda, altera-se também o

modo como ela é contada pela montagem, ou mesmo desconstrói-se o que vinha sendo

construído e depois volta-se a uma outra lógica de montagem narrativa. Assim ocorrem

transmutações entre tipos de montagens, na mesma sequência ou nas mesmas redes de

sequências multilineares.

3.3 Composição múltipla de discursos

No filme A Greve (1925), Eisenstein faz a montagem com a intenção de construir um

discurso, expondo uma tática e não apenas descrevendo lances espetaculares de um ato

revolucionário. Usa a montagem como uma língua ideogrâmica, em que o encadeamento

entre duas imagens gera um discurso. Cinema que “pensa por imagens” ao invés de “narrar

por imagens” (XAVIER, 2008, p.133).

Seguindo essa construção semântica, na montagem hipermidiática, as montagens

podem ter o intuito de serem discursos montados por diferentes montadores. Diferentemente

das mídias antigas, baseadas em processos fotoquímicos ou mecânicos, que distribuíam seus

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produtos gravados em objetos isolados, como as fitas-cassetes, na hipermídia as montagens

podem ser apresentadas na mesma interface, e os discursos entrelaçados na mesma

plataforma. Assim, uma discussão gerada pelos discursos não precisa ser apenas

transmidiática (como críticas em jornais, ensaios em livros, quadrinhos, peças teatrais, etc.). A

mesma plataforma hibridiza discursos e coloca-os em choque no mesmo aparato. Além disso,

o caráter discursivo da montagem fica explícito por causa da existência de mais de um

discurso audiovisual usando as mesmas cenas.

No método de montagem do discurso, “[...] nas palavras de Ismail Xavier, „à

manipulação da câmera no sentido de obter uma unidade dos fatos‟ , naturalista, „Eisenstein

opõe a manipulação dos fatos para obter uma unidade do pensamento’ ” (BASBAUM, 2007).

Na hipermídia seria uma „manipulação dos fatos por diversos montadores para obter

primeiramente uma múltipla manipulação dos fatos, seguida de mutações do pensamento. A

atenção é dirigida às mutações, além do pensamento em si.

3.4 Montando com os bancos de dados

A montagem em plataformas digitais é feita coletando-se dados audiovisuais

armazenados em bancos de dados. Estando em computadores pessoais ou em servidores, esses

bancos de dados “permitem a formação de iconotecas multimediáticas, analisáveis,

visualizáveis, renováveis e transmissíveis à distância” (PLAZA, 1993, p.79).

Essas montagens podem usar os mesmos vídeos para criar diferentes versões, e ainda

assim esses vídeos continuarão sendo apenas pacotes de dados num banco de dados

(MANOVICH, 2001). A diferença está na forma de arranjá-los e visualizá-los.

Vertov foi um precursor desse tipo de montagem baseada num banco de imagens:

A montagem, para Vertov, se faz em três etapas: “o inventário de todos os dados

documentais que tenham alguma relação, direta ou não, com o tema”, cuja seleção

permite uma visão mais precisa do objeto temático escolhido; “o resumo das

observações feitas pelo olho humano sobre o assunto tratado”, cuja seleção permite

estabelecer o plano de filmagem; “a ordenação do material filmado”, em grupos

classificados por assuntos ou afinidades plásticas (enquadramento, movimento, etc.)

para a montagem definitiva do filme. (BASBAUM, 2007)

O que nos interessa aqui, porém, é acentuar o processo de criação de Vertov:

trabalhando com a acumulação e classificação de grande variedade de materiais que

remetam ao seu tema central, Dziga Vertov antecipa os métodos de criação que vão

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ser característicos das novas mídias, com a criação e edição de “bancos de dados” a

partir dos quais procede à montagem final. (Manovich, 2001: 237-243 apud

BASBAUM, 2007)

Com esse método ressalta-se a edição com bancos de dados e os valores e

classificações que a montagem define para a manipulação de um banco de dados,

evidenciando seu poder de dar sentidos a um estoque de dados. Esses sentidos, na hipermídia,

são potencializados na medida em que a associação dos dados é feita por diversos pontos de

vista. Havendo montagens coletivas e reunidas numa só interface, as diferentes cadeias

associativas montadas com os mesmos dados deixam claro a existência de diferentes

estratégias para manipulação dos dados. Além disso abre-se aos montadores a contínua

transformação de cadeias associativas iniciadas, ressignificando os dados novamente. Esse

processo dinâmico é possibilitado pelo fácil acesso aos bancos de dados, dado seu caráter

fluido e a transmissão veloz à distância, fazendo-os disponíveis em vários pontos da rede.

No Jogo da Amarelinha, romance escrito por Julio Cortázar em 1963, o leitor pode

começar do capítulo 1 e ir até o 56, tendo assim uma bem construída história sobre um

triângulo amoroso. Ou pode optar por começar no capítulo 73, e seguir a ordem indicada por

Cortázar. Escolhendo a segunda opção, o leitor verá os acontecimentos pulando capítulos para

depois voltar aos mesmos, como se fosse um jogo da amarelinha (POLLYANA, 2012, p.276).

Fazendo-se uma analogia, sendo os capítulos módulos audiovisuais num banco de

dados, a disjunção temporal da ordem apresentada pelo montador favorece a percepção de

novos tópicos na relação entre as cenas, criando um campo aberto para outras associações.

Esse modo de construção também pode ser atribuído a uma montagem narrativa:

O “usuário” de uma narrativa está atravessando um banco de dados, seguindo links

entre seus registros tal como estabelecidos pelo criador do banco de dados. Uma

narrativa interativa (que também pode ser chamada de “hipernarrativa” em analogia

com hipertexto) pode então ser entendida como a soma de múltiplas trajetórias

através de um banco de dados. (MANOVICH, 2001, p.200)

Por meio de um constante upload de novas cenas, expandindo o banco de informações

em torno de uma narrativa, a reformulação da cadeia associativa pode intensificar as conexões

entre duas diferentes montagens. Podemos ver numa cena do filme Short Cuts (1993) uma

alusão ao que seria uma primeira etapa do encontro entre duas histórias, quando dois

personagens vão pegar envelopes com fotos que deixaram para revelação e acabam levando

os envelopes trocados. Um pescador pega as fotos de uma mulher, uma sessão de fotos tiradas

pelo marido dela, após maquiá-la como se ela tivesse sido espancada (o marido é maquiador

profissional e montou essa produção para incriminar o padrasto dela) e a mulher vê nas fotos

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do pescador um corpo de uma mulher afogada boiando nas águas de um rio (o pescador foi

pescar e apenas achou o corpo). Ambos procuram memorizar as placas dos carros um do

outro. Este seria um primeiro estágio de um encontro controverso. A partir daí, novos extratos

de informação, novos uploads, podem ir remodelando a visão que cada um tem do outro,

como um jogo investigativo.

Nesse ponto as montagens se assemelham mesmo a um jogo, não somente à contação

de histórias ou à composição associativa. A atenção dos montadores pode estar direcionada à

intensa revisão dos significados da cena, ao mesmo tempo explicitando que jogam com o

caráter construtivo da montagem, dissecando a cena em diferentes possibilidades de

entendimento e uso, ampliando também a percepção de sentidos sobre uma só cena. Essa

condição de jogo explora ao máximo o caráter fluido e mutante das interfaces de bancos de

dados.

3.5 A montagem alegórica

As montagens desse projeto em especial não estarão restritas à montagem clássica,

atendendo por vezes mais ao jogo entre montadores, jogando com sentidos e metamorfoses.

Até mesmo por causa da distância geográfica, distância cultural, diferença de locações das

cenas, diferenças fisionômicas entre os atores, etc., o interesse pode voltar-se para a percepção

de discrepâncias ou unidades nas diferenças, no caráter inventivo inerente a qualquer

interpretação teatral e no diálogo por alegorias.

Explicando o que pode ser um diálogo por alegorias, Xavier diz sobre o filme A greve

(1925): “No final de A greve (1925) o matadouro não pertence ao espaço da ação em que se

desenvolve o massacre dos operários; a montagem o introduz porque o narrador quis fazer

uma metáfora” (XAVIER, 2008, p.63). Num jogo de alegorias, essa metáfora ou muitas outras

podem ser inseridas por outros montadores numa sequência não previamente preparada para

recebê-la, provocando uma interação audiovisual, mais do que simplesmente uma segunda

versão.

Uma montagem alegórica foi amplamente usada no cinema brasileiro durante os anos

60-70. Filmes como O Bandido da Luz Vermelha (1968) e Bang Bang (1971) contêm em si

um diálogo alegórico ironizando a decupagem clássica e criando uma estética peculiar,

fragmentada, sendo essa fragmentação em si um elemento alegórico, uma desconstrução da

linearidade narrativa da montagem clássica. A fragmentação construída propositalmente

apresentava um novo olhar sobre a montagem no cinema brasileiro.

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[...] o estilo alegórico moderno é associado à descontinuidade, pluralidade de focos,

colagem, fragmentação ou outros efeitos criados pela montagem “que se faz ver”.

(XAVIER, 2012, p.38)

Em O Bandido da Luz Vermelha, o diretor Rogério Sganzerla “[...] mobiliza a

colagem, o senso lúdico, parodiando tanto o thriller da indústria quanto a obra realista”

(XAVIER, 2012, p. 124). “Trata-se de um faroeste sobre o Terceiro Mundo”, diz o locutor

logo na apresentação do filme. “O monstro mascarado, o Zorro dos pobres”, anuncia-se no

letreiro luminoso, seguindo-se cenas noturnas de ação policial e fuga na cidade. Há exagero

na construção dos personagens, clichês deliberados para qualificar bandidos, menores de rua.

Entre fartos comentários sonoros e muitas citações, apresentados de forma descontínua,

configura-se o mundo como um caos geral. Imita-se o discurso dos meios de comunicação,

moldado num folclore urbano. Há um jogo de realidade e aparência que subverte

constantemente nossas hipóteses (XAVIER, 2012, p.141). Referências a outros filmes são

usadas para compor a identidade do bandido/herói, causando uma fragmentação da identidade

que atinge a própria forma do filme. Este cinema não está enraizado na progressão da intriga,

desencadeia-se por esquemas associativos, desfiles de imagens e palavras. A montagem

errática e sem progressão é a própria identidade do bandido e do Terceiro Mundo, numa

polifonia de vozes e citações.

Esse modo associativo de montagem não é circunspecto a si somente, a todo o tempo

faz referências a outros filmes, como aos filmes de suspense e de heróis americanos, ou ao

noticiário dos meios de comunicação. Assim expõe-se por alegorias, a própria montagem

torna-se uma paródia multifacetada.

Bang bang intensifica ainda mais a montagem fragmentada, descontínua, voltando-se

deliberadamente para o foco no processo de montagem, num “[...] jogo sistemático de

sabotagem à progressão de uma história” (XAVIER, 2012, p.395). Bang bang traz uma

alegoria dirigida ao próprio cinema e à transfiguração mítica que o cinema faz da experiência

urbana. O diretor Andrea Tonacci toma fragmentos de um gênero de cinema popular, o

gênero policial, mas retirando das ações as suas consequências naturais, criando desconforto e

desafiando o espectador em seu esforço para conhecer as regras do jogo. Tonacci dialoga com

Sganzerla ao trazer o “gângster perigoso” e a “família bonachona”, ironizando a tradição que

vem da chanchada. Mas o intuito principal do filme é a experimentação com o espaço e

tempo, o jogo plástico.

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Em Bang bang, o paradigma central é o da perseguição, esse dado coextensivo à

história da narração no cinema. Presente tal paradigma, Tonacci sonega seus

motivos e desenlace; atém-se à exposição dos movimentos, mediada por câmera e

montagem. [...] Prevalecem as operações de desconcerto, frustração de expectativa,

transgressão bem-humorada das regras do cinema clássico. (XAVIER, 2012, p.399).

Torna-se mais relevante a discussão da relação entre filme e espectador que o uso

convencional de um poder do cinema na comunicação de mensagens.

Há uma passagem do filme em que um mágico comanda a montagem ao dar petelecos,

e as mudanças de quadro brincam com a continuidade clássica. A personagem “mãe” vira

homem, o janota assume o papel de travesti, uma maleta não aparece em cena e quando um

dos gângsters grita “E a maleta, cadê a maleta?”, ela cai do teto. No fim da cena a maleta tão

solicitada está abandonada. Numa outra cena de perseguição a um jipe, o próprio carro onde

está a câmera se exibe, pela sua sombra na estrada, mostrando-se como o próprio perseguidor.

A perseguição salta da narração para o desafio ao espectador, como se a própria equipe de

produção perseguisse o espectador.

Esses dois filmes expõem formas de montar bastante inventivas. Pela construção de

alegorias compõem um mosaico multirreferenciado, uma bricolagem de discursos verbais e

visuais, de maneiras de montar e de seus motivos. O diálogo não se dá no nível da “contação

de histórias”. Interessa mais o jogo com o espectador e o jogo com o processo de contar

histórias. Tanto essa polifonia de múltiplas vozes presentes no mesmo filme quanto sua

consequência na montagem são manifestações propícias a ocorrer numa montagem

hipermidiática, formada por múltiplos montadores e distintas sensibilidades. Mais do que um

autor trazendo para a tela múltiplas vozes, serão múltiplos autores diante de outros, todos

criadores e montadores. Assim como o autor delineia sua visão, os montadores serão

mediadores de suas criações e de suas trocas, elucidando construções alegóricas relevantes

entre si.

Um entrelaçamento entre montagens pode ser criado a partir da percepção de alegorias

que uma cena ou uma sequência inteira revelam em seu próprio modo de construção, ou pela

invenção de alegorias entre-cenas ou inter-cenas. Os montadores confrontarão modos de

inventar, ou seja, estarão referindo-se à inventividade do outro, não só ao que ele conta. Seja

ironizando ou elogiando, haverá um jogo de construção e reconstrução alegórica entre

diversos montadores.

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3.6 A montagem-pensamento

O método godardiano tem relações com o método de Vertov: Godard também

coleciona imagens, idéias, citações, sons e referências diversas que entende

remeterem ao seu tema de trabalho. No entanto, não abre mão de momentos de

representação, nem tampouco do risco da improvisação – estampada em muitos de

seus filmes já desde a década de 60, que questionaram o mito do roteiro na linha de

produção do cinema industrial. (BASBAUM, 2007, p.8)

Basbaum ressalta que a montagem nos filmes de Godard funciona como uma forma de

representação do pensamento, a “montagem-pensamento”. A montagem é mediada pelo

objeto a que faz referência, o pensamento. Godard, em alguns de seus filmes, compõe uma

bricolagem. Podemos dizer, uma bricolagem montada para representar o pensamento e

questionar a montagem naturalista de Hollywood, baseada na continuidade clássica e na

roteirização. No filme La Chinoise (1967), não somente há múltiplas citações como também

experimentações plásticas no decorrer do filme, como de iluminação. No filme Le Mépris

(1963), os próprios personagens questionam a existência de um roteiro, e a trilha sonora é

ligada e desligada de forma a ficar perceptível todas as suas entradas e saídas, como uma

revelação ao espectador e um ensaio do diretor, durante o filme. Nesse sentido, as montagens

de Godard apontam a si mesmas, revelando-se ao mesmo tempo em que se passam.

Os novos montadores na hipermídia também poderão ter a intenção de representar a

própria montagem hipermidiática, referenciando-se, assim como no cinema, ao próprio objeto

com o qual trabalham. A representação da hipermídia seria a representação de um pensamento

hipermidiático, uma forma discursiva que já incorporou em si algumas das qualidades de seu

objeto, ou seja, o pensamento em si percebe-se rizomático, mutante (tal qual usamos

paralelismos com as lógicas de programação de softwares para explicar a mente na era da

computação).

Para o caso da montagem coletiva, a representação da hipermídia tem de levar em

conta a inteligência coletiva descrita por Lévy. Como não há apenas um ponto de vista, não há

a possibilidade de uma só representação, esgotada como sendo única. Mais uma vez, assim

como dissemos sobre a montagem em si, a atenção dirige-se ao processo coletivo de

representação. Como uma meta-representação, a representação do processo múltiplo e

interarticulado de representações. Sendo acentuada a atenção ao processo, talvez haja mais

montadores preocupados com fluxos de representação, padrões de representação em

movimento na rede ou mutantes em si mesmos. Considerando que haja o frequente upload de

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cenas e os novos arranjos em torno de uma rede de sequências, a ação de montar passaria a

jogar exatamente com a condição mutante das montagens, querendo expressar justamente a

mutação e seus comportamentos.

Assim, ainda de forma imprecisa, apontamos uma possível evolução desse projeto e

outros que também almejem formas de montagem na hipermídia. Após um maior aprendizado

sobre a “língua” da montagem hipermidiática e um bom número de experiências de

composição das cenas e sequências em redes, os novos montadores provavelmente terão

interesse em ver seus próprios processos de trabalho, os processos elaborados individualmente

(singularmente), interligados aos processos elaborados coletivamente. Esse intento se

aproximaria das promissoras criações de Godard e de Eisenstein, uma montagem em

hipermídia que “pensa a si mesma”, mas coletivamente.

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4 CONCLUSÃO

O conjunto das ações desse projeto envolve desde a criação das cenas com o uso do

corpo e da teatralidade, até o jogo de montagens executadas na hipermídia por múltiplos

montadores, possivelmente os mesmos criadores das cenas. Todo esse processo instaura-se

com o fenômeno da agência, infiltrado em todas as etapas, provendo aos participantes a

possibilidade de “falar as línguas” de construções artísticas antes reservadas a poucos.

No entanto, os novos arranjos que tais transformações causam, no meio virtual e

também presencial, não são mais tão somente justaposição de protocolos de interação antigos.

A multilinearidade, a agência, o policentrismo e outras qualidades da hipermídia, diante da

criação coletiva, ganham alterações em suas manifestações. Com a representação de diversos

pontos de vista na mesma plataforma, a emergência dessas características se intensifica e o

processo de criação e montagem coletiva vira um jogo dinâmico de criações entrelaçadas,

com uma multiplicidade de variáveis, mas ao mesmo tempo vinculadas a seus autores. Além

das possibilidades de interação por composição audiovisual de discursos, alegorias, narrativas,

associações, é evidenciada também a própria evolução dessas composições e o

acompanhamento do processo de metamorfose no jogo dinâmico da criação.

Além disso, volta-se a atenção para a consciência de diferentes pontos de vista sendo

gerados pela interação, por identificação ou confrontação. A heterogeneidade de novas

posições ideológicas ou concepções artísticas em debate torna-se elemento-chave nesse

processo. Dessa forma a participação amadora pode inserir novas percepções estéticas

derivadas de múltiplas interseções estéticas.

As composições de cenas e sequências viram um jogo criativo. Os participantes, como

num game, jogam entre si. Essa interação entre jogadores junta-se à tradicional exposição a

uma platéia, como no cinema e na tv. Portanto o jogo recai na interação entre essas duas

manifestações, o intento de exibir uma criação e o de jogar com as mutações de sentido das

sequências intercruzadas.

O desenvolvimento das montagens na hipermídia, exemplificadas por esse projeto,

baseadas no relacionamento entre a visão de uma rede de lexias e links com as transições

entre cenas nas montagens audiovisuais, pode transformar-se numa prática habitual. Nesse

sentido, os links passam a explorar a idéia da transição entre os cortes audiovisuais e deixam

de ser apenas índices para outras lexias. Atualmente nas interfaces hipermidiáticas é mais

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comum que as lexias alterem-se completamente quando clicamos num link, sem preocupação

de criar associações audiovisuais entre elas, não sendo tampouco uma fragmentação

proposital.

O link terá uma função maior como atribuição de significado. A sua exploração tende

a aumentar, assim como o foram as transições no cinema, os cortes, a inclusão de efeitos

gráficos misturando a fronteira entre duas cenas. A transição por links tende a um

aprimoramento de si mesma, inclusive criando novas transições, modeláveis, interativas,

baseadas em bancos de dados e modelagem digital. Os links aproximarão cada vez mais os

contornos entre as cenas.

O entrelaçamento de lexias audiovisuais por transições segue a tendência afirmada por

Júlio Plaza (1993), da ascenção de um caráter diagramático das representações, baseados

menos em construções de origem verbal e mais em composições ideogrâmicas.

Essa visão também favorece a criação de obras audiovisuais já pensadas para serem

completadas, como obras abertas, potenciais, multirreferenciais, enciclopédicas, já projetadas

para se entrelaçarem numa rede complexa e em movimento.

Culturalmente, a possibilidade de “falar a língua” da montagem traz aos interatores a

oportunidade de notar seu próprio modo de comunicação, pela observação de suas próprias

montagens ou pela sugestão de percepção gerada pelo cruzamento de outra montagem.

Lévy cita a elaboração do teórico Gregory Bateson sobre essa oportunidade, fazendo

uma analogia ao método terapêutico chamado de terapia familiar:

No prolongamento da cibernética, Gregory Bateson contribuiu para difundir a idéia

de que todo sistema dinâmico, aberto e dotado de um mínimo de complexidade

possui uma forma de „mente‟. [...] Ao invés de tratar da doença mental de um

indivíduo, os terapeutas familiares tentam modificar as regras de comunicação, de

percepção e de raciocínio que prevalecem no seio do grupo em que vive o „paciente

designado‟. [...] O terapeuta utiliza diversas técnicas (o humor, o paradoxo, a

recontextualização, etc.) para intervir na família, considerada como um sistema

cognitivo. Supõe-se que a terapia familiar produza modificações de natureza

epistemológica ou cognitiva: o grupo transforma a representação da realidade que

ele tinha construído; adquire uma capacidade de abstração (poder comunicar ao

sujeito, por exemplo, sobre seu modo de comunicação); as possibilidades de

aprendizado e de interpretação do sistema familiar como tal são abertas, suas reações

não estarão mais limitadas a umas poucas respostas estereotipadas. (LÉVY, 1993,

p.140)

Tal analogia foi levantada aqui para demonstrar que a complexidade de diversos

pontos de vista numa teia com montagens articuladas pode causar um processo acentuado de

revisão das posturas de cada criador no processo de construção coletiva. Ao invés de criar

uma argumentação audiovisual que defenda seu ponto de vista ou que concentre-se em narrar

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apenas sua história, o participante estará colocando sua expressão num jogo de constante

revisão das posturas apresentadas por cada um. Dessa forma pode-se intensificar um cenário

na produção audiovisual hipermidiática, dirigido não somente à percepção dos sentidos das

sequências, mas também às ideologias pessoais que os fundam. Com a atenção voltada ao

processo empreendido por múltiplos criadores e montadores, enfoca-se a construção de

subjetividades individuais, e o que essas subjetividades particulares engendram numa

subjetividade coletiva.

4.1 Especulações

A seguir vamos fazer algumas especulações da evolução desse projeto e de outras

experiências de criação coletiva e montagem articulada, mediadas pela internet, apostando em

possíveis aprimoramentos que podem ser facilitados pelo desenvolvimento de novos

hibridismos nas interfaces digitais, especialmente as plataformas de vídeo, se integradas

também a mapas de visualização e redes sociais.

4.1.1 Mapas das montagens em rede

A possibilidade de geração automática de mapas de visualização dos cruzamentos

entre sequências poderá incrementar bastante o desenvolvimento desse projeto. Havendo a

integração de mapas a plataformas de compartilhamento de vídeos, a formação de sequências

audiovisuais interligadas pode ser automaticamente ilustrada em mapas dinâmicos, mostrando

uma visão espacial abstrata das interações, evidenciando os caminhos formados, os

cruzamentos entre as sequências e a presença de cenas em diferentes sequências.

A forma como apresentamos esse projeto consiste apenas na transmissão das

sequências formadas. Como dissemos, assistindo-se a elas, estará clara a presença de cenas

iguais em sequências diferentes, e com isso presume-se uma articulação entre os caminhos

das sequências. Essa percepção também é facilitada pelo compartilhamento das sequências

entre seus criadores, que podem convidar uns aos outros a notarem o uso de cenas comuns.

Uma visualização dessa rede em mapas traria um avanço à percepção da

multilinearidade e deixaria ainda mais visível a manipulação contínua do arranjo multilinear

dinâmico.

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A massa de dados digitais disponíveis se infla o tempo todo. E quanto mais ela

cresce, mais é preciso estruturá-la, cartografá-la, criar uma matriz com estradas

expressas e avenidas lógicas [...] (LÉVY, 1993, p.108)

Assim como Dédalo foi o projetista do labirinto do Minotauro e depois perdeu-se no

seu próprio labirinto (tendo que inventar asas de cera para escapar), esse projeto pode conter

essas duas dimensões, a que está dentro do labirinto, mostrando a visão dos corredores (as

sequências) pela fruição da montagem audiovisual, e a dimensão fora, vendo de cima o mapa

do labirinto, contextualizando a arquitetura da construção multilinear e a mutação dessa

arquitetura (no caso do labirinto ser dinâmico, como propusemos).

Essas dimensões integradas são típicas das interfaces de games que mimetizam o

plano da câmera subjetiva, a visão em primeira pessoa, como em Doom. Enquanto nosso

avatar circula por espaços labirínticos, vemos no canto da tela um mapa dinâmico informando

onde ele está e os caminhos ao seu redor.

4.1.2 Associação de bancos de dados por relações familiares nas redes sociais

Adotando a visão da rede de cenas pela metáfora do rizoma, pode-se articular um

número incontável de caminhos possíveis. As redes sociais criam uma articulação capaz de

apresentar apenas o que interessa a cada indivíduo numa teia de relações complexa. A

integração desse método de articulação à apresentação do mapa das cenas pode facilitar a

participação e o interesse dos criadores por meio da vinculação a suas relações familiares,

sejam essas relações indivíduos, objetos virtuais ou interesses pessoais.

Assim haveria uma visualização do rizoma em recortes particulares, causando

interesse pela relação familiar e daí expandindo-se para novas bifurcações. Por exemplo:

numa suposta jornada pessoal montada por mim (uma sequência audiovisual) há uma cena

que também está presente na jornada montada por um amigo meu. Posso continuar vendo

minha jornada ou optar por visualizar a jornada de meu amigo, partindo de uma mesma cena.

Dessa forma podem ser visualizados extratos do rizoma conforme nossos interesses

particulares e sugestões de expansão da visualização a partir dos elos familiares. A

visualização esquemática de todo o rizoma pode ser complexa e enfadonha para muitos

participantes, a mutação das visualizações a partir do centro do participante pode ser um

interessante ponto de partida.

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4.1.3 A sugestão para as listas de reprodução de vídeos

A simples ausência de pausa entre clipes de vídeo nas listas de reprodução já é capaz

de catalisar uma mudança de percepção das listas, integrando a visão de linkagem à percepção

da montagem, potencializando as mudanças culturais citadas durante essa dissertação,

simplesmente fazendo com que o último frame de um clip já continue imediatamente no

primeiro frame do clipe seguinte. Isso tornaria o processo de edição extremamente fácil e

veloz, pois a lista já seria o editor, e ainda preservaria a modularidade das cenas, que já

estariam, durante o processo de montagem, sendo apontadas em diferentes listas, na medida

em que as listas de reprodução já têm essa função de conectar diferentes autores e listas.

4.1.4 Principais propostas desse projeto em relação à montagem coletiva

Esse projeto lança duas condições principais para a montagem coletiva e multilinear

na hipermídia.

1. A consciência de que o processo de montagem também existe na hipermídia e

pode ser melhor trabalhado. A essa afirmação podemos relacionar a montagem das

listas e a ferramenta histórico oferecida pelos browsers de navegação na internet.

A criação das listas já é uma intenção voluntária do criador de fazer montagens,

mas ainda não são trabalhadas com o objetivo deliberado de criar narrativas,

discursos, cadeias associativas ou montagens verticais; o histórico é a formação da

memória da navegação e futuramente também pode ser usado como método de

montagem. Ao mesmo tempo em que navegamos pela internet podemos ir

manipulando o histórico para ir criando montagens intencionais. A consciência

desses métodos de montagem também depende do aprimoramento dessas

ferramentas recuperando a cultura da montagem.

2. A percepção de cada montador de que a sua própria montagem está ligada a

diversas outras (portanto a percepção de que na hipermídia podem ser feitas

hipermontagens), e a percepção de que há a interconexão entre montagens

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múltiplas, porém autorais (mesmo que o autor não se manifeste). Com isso virá a

atenção ao processo de montar especificamente para a hipermídia, à

multivocalidade, e à metamorfose da rede de montagens autorais.

4.1.5 Montagem temporal com montagem vertical (um passo além de nossa

proposta)

E se uma cena, presente no cruzamento de várias sequências, pudesse ser alterada

dentro de si mesma? E ainda assim essa cena, como um módulo, continuasse no mesmo lugar,

pertencendo às sequências já formadas anteriormente? Nas listas de reprodução atuais isso

não é possível, já que uma refilmagem da cena requer um novo upload e a exclusão da

primeira cena implica em sua exclusão de todas as listas de reprodução a que pertencia. Em

muitos softwares, como o Microsoft Word, o princípio da modularidade possibilita que um

pacote de dados seja alterado e mesmo assim ainda continue aparecendo, no mesmo lugar no

meio de um texto. A conexão a esse pacote (que pode ser uma imagem digitalizada por

exemplo) não se perde, bastando manter o mesmo nome para a imagem alterada ao gravá-la e

o mesmo endereçamento no banco de dados. A visualização da imagem dentro do texto é

mostrada no mesmo lugar, do mesmo tamanho, com a alteração feita apenas dentro da

imagem.

Se essa funcionalidade puder ser atribuída às listas de reprodução, o jogo de

montagens se altera bastante. Se antes não era possível alterar uma cena internamente

mantendo-a em todas as listas de reprodução, a tendência era que a montagem das sequências

e dos cruzamentos se ampliassem, em muitas dimensões. Com a possibilidade de alteração

interna da cena e sua permanência nas listas ocorre um fenômeno novo, as montagens deixam

de ser apenas temporais (alterando sentidos pelo rearranjo de sequências), passando a ter seus

sentidos alterados pela modificação interna de uma só cena, causando o que Lev Manovich

chama de modelização de um só shot (MANOVICH, 2001). O autor refere-se à modelização

de uma imagem, ao invés da montagem de uma sequência audiovisual. Essa possibilidade, se

trazida para a montagem na hipermídia, causa uma alteração considerável no processo de

montagem participativo que vimos até aqui, em vista dos constantes uploads que poderão ser

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feitos com alterações de cenas já localizadas no meio de várias sequências. Isso pode causar a

mudança de sentidos das sequências de forma mais intensa e dinâmica que as ações de

reorganização temporal das sequências.

Imaginemos que um único mapa de sequências cruzadas não sofra rearranjo nenhum

de seus módulos e sequências. Ainda assim estará recebendo uma constante revisão de suas

significações, na medida em que qualquer cena dessa sequência, mesmo estando no mesmo

lugar na montagem, terá uma presença efêmera, podendo ser remodelada internamente a

qualquer momento. Esse sistema passa a ser um jogo efêmero em que todos os criadores

jogam o tempo todo com as construções narrativas, discursos ou cadeias associativas que

derivam de suas cenas, pois num momento elas expressam algo e em outro já pertencem a

uma rede hipertextual diferente, provocando mesmo nas cenas intocadas outras expressões,

sem quaisquer rearranjos espaciais das sequências.

Ambos os jogos de montagem, o apresentado nesse projeto e esse acrescentado agora,

oferecem promissoras manifestações na hipermídia. E podem ser hibridizados, como num

documento do Word, em que pode-se alterar a cadeia linear do texto (a construção sequencial

do texto) e também uma imagem em si mesma (visualizada de forma não sequencial),

modelizável internamente.

Enquanto a montagem tradicional privilegia a montagem temporal em vez da

montagem dentro do plano – porque tecnicamente a última era muito mais difícil de

alcançar – compositing equaliza as duas. (MANOVICH, 2001, p.145)

O estágio mais recente da montagem hipermidiática portanto já está disponível para

hibridizar-se com os métodos da montagem audiovisual temporal, integrando-se numa

composição híbrida.

4.1.6 O sonho da montagem coletiva na hipermídia

Há toda uma dimensão estética ou artística na concepção das máquinas ou dos

programas, aquela que suscita o envolvimento emocional, estimula o desejo de

explorar novos territórios existenciais e cognitivos, conecta o computador a

movimentos culturais, revoltas, sonhos. (LÉVY, 1993, p.57)

A possibilidade da montagem coletiva na hipermídia participa do sonho da montagem

do pensamento coletivo múltiplo e interconectado. A hipermídia aflora um desejo de

participar, uma volta à economia de troca, em que não havia distinção entre produtores e

espectadores. Ante essa situação, predomina uma cultura em que todos participam da

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produção de seu próprio lazer e sua própria cultura. São todos consumidores e produtores a

um só tempo, as criações são refletidas como fractais, de forma caleidoscópica, sob diversos

pontos de vista. Em nossa cultura, com a mediação da hipermídia, estamos adentrando cada

vez mais numa forma de criação interarticulada em que as invenções são polissêmicas e as

vozes se irradiam como os fractais, alastrando-se, porém sendo capazes de manterem-se vivas,

conectadas a seus criadores, revigorando-se por interferências.

Esse projeto de pesquisa e de desenvolvimento prático investe nessa articulação de

agentes, trazendo o corpo, a teatralidade, a voz e o gesto para uma arena virtual composta de

diversas outras expressões, e lugar onde a inventividade se cruza através da montagem

audiovisual, fazendo com que as novas criações já premeditem sua articulação com outras,

provendo novos desafios à montagem e a nós mesmos.

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REFERÊNCIAS

Bibliografia

BASBAUM, Sérgio. No meio da caminho tinha a imagem de uma pedra, in BAIRON, Sérgio;

RIBEIRO, José da Silva (org.). Antropologia Visual e Hipermédia. Porto: Edições

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Filmes

Longa-metragens

2001: UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO. Direção: Stanley Kubrick. MGM, 1968. 1 DVD (141

min).

A GREVE. Direção: Serguei Eisenstein. Soviet Union: Goskino, 1925. 1 DVD (82 min).

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS. Direção: Tim Burton. USA: Disney/BUENA VISTA,

2010. 1 DVD (108 min).

AMNÉSIA. Direção: Christopher Nolan. Paris Filmes, 2000. 1 DVD (113 min).

ARCA RUSSA. Direção: Aleksandr Sokúrov. Versátil Home Vídeo, 2002. 1 DVD (97 min).

BEING JOHN MALKOVICH. Direção: Spike Jonze. USA: USA Films, 1999. 1DVD (112

min).

CUBO. Direção: Vincenzo Natali. Lw Editora , 1997. 1 DVD (90min).

EDIFÍCIO MASTER. Direção: Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: VideoFilmes, 2005. 1

DVD (110 min).

LABIRINTO, A Magia do Tempo. Direção: Jim Henson. USA: Sony Pictures, 1986. 1 DVD

(101 min).

LIFE IN A DAY. Direção: Kevin Macdonald. LG. 2011. (95 min). Disponível em: <

http://www.youtube.com/user/lifeinaday>. Acesso em: 26 mar. 2013.

MATRIX. Direção: Andy Wachowski, Lana Wachowski. USA: WARNER BROS, 1999. 1

DVD (136 min).

O CÂNCER. Direção: Glauber Rocha. Brasil: 1972. (86 min). Disponível em: <

http://www.youtube.com/watch?v=KwOzL2J7QL4>. Acesso em: 26 mar. 2013.

O JANTAR. Direção: Ettore Scola. Itália: Paris Filmes, 1998. 1 DVD (126 min).

SHORT CUTS. Direção: Robert Altman. USA: Fine Line Features, 1993. 1 videocassete (187

min).

SONHOS. Direção: Akira Kurosawa. USA, Japão: Warner, 1990. 1 DVD (119 min).

STAR WARS. Direção: George Lucas. USA: Fox Films, 1977. 1 DVD (121 min).

TIMECODE. Direção: Mike Figgis. USA: Columbia TriStar Home Video, 2000. 1DVD (97

min).

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Clipes/Curta-metragens/Séries

IMAGINE (J. Lennon). Direção: Zbigniew Rybczynski. 1987. Disponível em:

<http://vimeo.com/8120934>. Acesso em: 26 mar. 2013.

DOOM First-Person Scene (HD). 2005. Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=cpb13mDBP1I>. Acesso em: 26 mar. 2013.

Sites

CREATIVE COMMONS. Disponível em: <http://creativecommons.org/licenses/>. Acesso

em: 26 mar. 2013.

STARWARS UNCUT. Projeto participativo de recriação e remontagem do filme Star Wars.

Disponível em: <http://www.starwarsuncut.com/watch>. Acesso em: 26 mar. 2013.

DEFENSE AGAINST THE DARK ARTS. Site de fãs das séries Harry Potter. Disponível em:

<http://www.dprophet.com/dada/>. Acesso em: 26 mar. 2013.

REVISTA ONLINE DO SESC-SP. Peça teatral Trem-Fantasma (Direção: Christoph

Schlingensief). Disponível em:

<http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/subindex.cfm?Paramend=1&IDCategoria=5251>.

Acesso em: 26 mar. 2013.

CLOUDS INTERACTIVE DOCUMENTARY. Projeto lançado no site de crowdfunding

Kickstarter. Produção: James George, Jonathan Minard. USA, 2013. Disponível em:

<http://www.kickstarter.com/projects/1636630114/clouds-interactive-documentary>. Acesso

em: 26 mar. 2013.

Games

THE BEAST. Jogo de realidade alternativa (ARG) para promoção do filme de Steven

Spielberg A.I.: Inteligência Artificial (apresentado como um evento de 12 semanas).

Microsoft. 2001. Descrição disponível em: <

http://en.wikipedia.org/wiki/The_Beast_(game)>. Acesso em: 26 mar. 2013.

DOOM. Science fiction horror-themed first-person shooter video game. Produtora: id

Software. 1993. Disponível em: < http://clickjogos.uol.com.br/Jogos-online/Tiro/Doom/>.

Acesso em: 26 mar. 2013.

Imagens

DIRECTORS OF CENTRAL INTELLIGENCY AGENCY (CIA). A figurative view of the

World Wide Web. 2007. 1 ilustração. Webgallerie. Disponível em: https://www.cia.gov/library/

center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/csi-

studies/studies/vol49no3/html_files/Graphics/webmap_pg58.jpg>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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ADENDO

Lista de links do site experimental desse projeto (acessado em 15/04/2013):

Grupo no Vimeo - “Labirinto de Cenas”:

https://vimeo.com/groups/labirintodecenas

Vídeo explicativo:

https://vimeo.com/groups/labirintodecenas/videos/53781926

Roteirização de cenas de exemplo (disponível no fórum do grupo):

https://vimeo.com/groups/labirintodecenas/forum

Idéias futuras para o projeto (disponível no fórum do grupo):

https://vimeo.com/groups/labirintodecenas/forum

Álbuns para organização das cenas escritas, cenas gravadas e sequências gravadas:

https://vimeo.com/groups/labirintodecenas/albums

Vídeos inspiradores para o projeto:

https://vimeo.com/groups/labirintodecenas/albums/4961