Cicero : estoicismo romano e lei natural

20
CÍCERO: ESTOICISMO ROMANO E LEI NATURAL BITTAR, Eduardo C.B. ALMEIDA, Guilherme Assis de Curso de filosofia do Direito. São Paulo, Atlas, 2001

description

Filosofia do direito

Transcript of Cicero : estoicismo romano e lei natural

CÍCERO: ESTOICISMO ROMANO E LEI NATURAL

BITTAR, Eduardo C.B. ALMEIDA, Guilherme Assis de Curso de

filosofia do Direito. São Paulo, Atlas, 2001

Direito Natural

“Chamo lei tanto à que é particular como à que é comum. É lei particular a que foi definida por cada povo em relação a si mesmo, quer seja escrita ou não escrita; e comum, a que é segundo a natureza. Pois há na natureza um princípio comum do que é justo e injusto, que todos de algum modo adivinham mesmo que não haja entre si comunicação ou acordo; como, por exemplo, o mostra a Antígona de Sófocles ao dizer que, embora seja proibido, é justo enterrar Polinices, porque esse é um direito natural”

(ARISTÓTELES. Retórica. 2. ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 2005, p. 144)

Os Estóicos

Os filósofos estóicos e os pensadores cristãos, desenvolvendo a tradição aristotélica, privilegiavam a razão como fonte das normas morais. Sustentavam que a racionalidade permitiria aos seres humanos discernir a finalidade da vida a partir da compreensão da ordem da natureza e do papel da vida humana dentro dessa ordem.

Pensamento ciceroniano

Marcus Túllius Cícero, como estóico afirma que a natureza humana só se pode realizar uma vez observada as regras do cosmo e a ordem divina das coisas. 132

“… o que é moral não pode estar vinculado a nenhum outro atrelamento senão à própria realização moral.”

Independência regularidade e dever

“A ética estóica caminha no sentido de postular a independência do homem com relação a tudo o que o cerca e seu atrelamento com causas e regularidades universais. A preocupação com o conceito de dever (kathékon) irrompe com uma série de conseqüências histórico-filosóficas que haviam de marcar nuanças anteriores inexistentes. Razão, dever, felicidade, sabedoria e autonomia, relacionam-se com proximidade inusitada dentro da tradição romana…” 133

Ética estóica

A ética estóica é uma ética da ataraxia. O homoethicus do estoico é o que respeita o universo e suas leis cósmicas e se respeita. (…) é capaz de alcançar a ataraxia, o estado de harmonia corporal, moral e espiritual, por saber distinguir o bem do mal. Este homem não se abala excessivamente nem pelo que é bom nem pelo que é mau,…

Significa, então, descoberta de sua interioridade, posse de um estado imperturbável diante das ocorrências externas. 134

Ação, felicidade e dever

Na ética estóica convivem conhecimentos lógicos e físicos, não é a contemplação a finalidade da conduta humana, mas sim a ação, pois é nesta que reside a capacidade de conferir felicidade ao homem. É por meio da ação que surgem as oportunidades de ser ou não ser; é na ação que reside o ideal de vida estóico.

A ética estóica (…) determina o cumprimento de mandamentos éticos pelo simples dever.(…) A ética deve ser cumprida porque se trata de mandamentos certos e incontornáveis da ação. 135

A honra e as leis naturais em oposição ao interesse

“Se o que nos leva a ser honrados não é a própria honradez, mas sim a utilidade e o interesse, então não somos bons, somos espertos” 135

“Mas, o maior absurdo é supor-se justas todas as instituições e leis dos povos.” 136

“Essa obediência aos mandamentos éticos se deve ao fato de tais mandamentos decorrerem de leis naturais. (…) É da phýsis que emanam as normas do agir.” 136

A felicidade, a harmonia e a sabedoria

Elas residem num estado de alma em que o homem se torna capaz de ser indiferente às mudanças que estão a sua volta, a um só tempo: a) por reconhecer a fugacidade de todas as coisas, por ser temente a Deus; b) por confiar na justiça que decorre de seus atos; c) por estar certo de que age de acordo com sua lógica; d) por conhecer de um conhecimento certo as coisas pela causa física e) por respeitar a natureza e os preceitos dela decorrentes; f) por viver conforme o que é capaz de produzir um benefício para a comunidade. 137

Ética ciceroniana e justiça

Duas contribuições são importantes, a formação da ética a partir da intuição natural e a afirmação da ação.

“No cosmos é que Cícero encontra a reta razão (…) que a tudo ordena, e de acordo com a qual se devem pautar todas as condutas humanas. A ética ciceroniana movimenta-se a partir de uma lei absoluta preexistente, imutável, intocável, soberana e perfeita que tudo governa:” 138

Lei natural, bem e razão

“O parâmetro da conduta humana deverá ser a observância da lei natural, e isso porque nela se encontra a noção de bem que deve ser seguida.” 138

“Se o bem é louvável é porque encerra em si mesmo algo que nos obriga a louvá-lo; pois o bem não depende das convenções e sim da natureza.”

“Se a razão é o distintivo humano, a virtudede acordo com a reta razão será o distintivo do ser humano justo:”

Lei natural, bem e razão

“ A razão reta, conforme à natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem, afasta do mal que proíbe e, ora com seus mandatos, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente ante os maus. Essa lei não pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo senado; não há que procurar para ela outro comentador nem intérprete; ...

Lei natural, bem e razão

... não é uma lei em Roma e outra em Atenas – uma antes e outra depois, mas una, sempiterna e imutável, entre todos os povos e em todos os tempos; uno será sempre o seu imperador e mestre, que é Deus, seu inventor, sancionador e publicador, não podendo o homem desconhecê-la sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se do seu caráter humano e sem atrair sobre si a mais cruel expiação, embora tenha conseguido evitar todos os outros suplícios”

(CÍCERO, Marco Túlio. Da república. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 346. - Coleção Os Pensadores).

Natureza do Direito e natureza do homem

“Para que se possa iniciar um estudo acerca das leis, ter-se-á, então, que iniciar um estudo sobre a natureza e as leis naturais,…”

“Temos de explicar a natureza do Direito e buscaremos a explicação no estudo da natureza do homem.”

(…) a lei é a razão suprema da natureza, que ordena o que se deve fazer e proíbe o contrário.

Lei, natureza e razão

“… para falar de Direito devemos começar pela lei; e a lei é a força da Natureza, é o espírito e a razão do homem dotado de sabedoria prática, é o critério do justo e do injusto.” 140

“A razão é o que há de ligação, (…), entre os homens e os deuses.” 140

A razão justa é a lei, outro vínculo entre os homens e os deuses. Logo, devemos considerar que o nosso universo é uma só comunidade, constituída pelos deuses e pelos homens.

Felicidade constituição e República

“Em suma, não há felicidade sem uma boa constituição política; não há paz, não há felicidade possível, sem uma sábia e bem organizada República”. 141

“…a natureza nos criou para que participássemos todos do Direito e o possuíssemos em comum.”

A lei natural e eterna é a fonte do Direito. 141

O Bem e a razão divina

“… a noção intuitiva de bem, de acordo com a razão eterna e divina, precede a qualquer convenção humana e a qualquer ato legislador.”

“Por isso a lei verdadeira e essencial, a que manda e proíbe legitimamente, é a razão do grande Júpiter.”

“Assim como a mente divina é a lei suprema, do mesmo modo a razão é a lei quando atinge no homem seu mais completo desenvolvimento; mas este desenvolvimento só se encontra na mente do sábio.” 142

República, Direito, leis naturais e Deus

“A república pressupõe Direito, e o Direito pressupõe leis, e as leis pressupõem leis naturais, e as leis naturais pressupõem Deus. Assim, a investigação ciceroniana em torno do problema da justiça, da virtude e do Direito se entrelaça com razões cósmicas, com razões naturais…” 145-146

Obrigações da justiça

“A primeira obrigação da justiça é não fazer mal a ninguém, sem que se seja provocado por qualquer injúria; e a segunda, usar dos bens comuns como comuns, e como próprios dos nossos em particular.” 146

Numa profunda ordenação cósmico-natural se pode encontrar o fundamento de toda ética e de todo conceito de justiça na teoria ciceroniana.

Virtudes, sociabilidade e realização humana

“As virtudes são estimuladas pela lei natural, e os vícios são repreendidos por ela. ”

“É a sociabilidade condição natural humana, de modo que a organização do Estado, das leis, da justiça são condições para a realização da própria natureza humana.”

Tem-se uma ética do dever, na base da lei natural, cuja finalidade é governar o todo. “É com a república que surge a felicidade humana.” 147