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São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009 CIDADANIA, POLÍTICAS PÚBLICAS E GERAÇÕES Simone de Jesus Guimarães Universidade Federal do Piauí Maria do Rosário de Fátima e Silva Universidade Federal do Piauí Maria D’Alva Macedo Ferreira Universidade Federal do Piauí RESUMO Vivenciamos nesse século XXI os reflexos das transformações demográficas, biológicas, econômicas, sociais, políticas e comportamentais resultantes, sobretudo, das lutas sociais nas últimas décadas, que dimensionaram o alcance do processo de desenvolvimento científico e humano. As conquistas e problemas daí advindos, atravessam o recorte de geração, reposicionando, na cena contemporânea, sujeitos sociais plurais com suas necessidades, anseios e direitos. Sobressai neste cenário o aumento da expectativa de vida, passando o envelhecimento populacional, antes estigmatizado, a ser encarado como vitória da humanidade. Essa realidade põe para o Estado, no Brasil, alguns desafios: uma gestão pública condizente com os interesses sociais de todas as faixas etárias e numa perspectiva intergeracional; políticas sociais que contribuem para uma sociedade inclusiva e coesa; políticas que garantam os direitos estabelecidos a partir da Constituição de 88. Quanto ao idoso este deve ser visto como sujeito de direito e como ser social genérico, que tem vontade, capacidade e necessidades objetivas, materiais e espirituais. Nesse aspecto a discussão da cidadania torna-se fundamental. Cidadania entendida muito além dos marcos legais, institucionais e de contratos que regem a vida social e que possibilite mudanças nas relações entre Estado e sociedade. É dentro desses propósitos que vem ocorrendo, nos últimos anos as lutas dos idosos. A discussão da cidadania envolve as necessidades de outros sujeitos sociais, tais como os jovens sobre os quais têm recaído os efeitos das transformações do mundo do trabalho, marcado por precarização, dificuldades de acesso ao mercado e permanência neste. A cidadania requer políticas públicas universalizantes e emancipatórias, superando uma visão fragmentária e emergencial que tem caracterizado historicamente as ações voltadas, especialmente, para esses segmentos. É nesse contexto que se coloca a presente Mesa Coordenada, que refletirá sobre os seguintes temas: a relação entre o idoso, a cidadania e as políticas públicas; a questão da juventude e o mundo do trabalho.

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São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009

CIDADANIA, POLÍTICAS PÚBLICAS E GERAÇÕES

Simone de Jesus Guimarães Universidade Federal do Piauí

Maria do Rosário de Fátima e Silva

Universidade Federal do Piauí

Maria D’Alva Macedo Ferreira Universidade Federal do Piauí

RESUMO Vivenciamos nesse século XXI os reflexos das transformações demográficas, biológicas, econômicas, sociais, políticas e comportamentais resultantes, sobretudo, das lutas sociais nas últimas décadas, que dimensionaram o alcance do processo de desenvolvimento científico e humano. As conquistas e problemas daí advindos, atravessam o recorte de geração, reposicionando, na cena contemporânea, sujeitos sociais plurais com suas necessidades, anseios e direitos. Sobressai neste cenário o aumento da expectativa de vida, passando o envelhecimento populacional, antes estigmatizado, a ser encarado como vitória da humanidade. Essa realidade põe para o Estado, no Brasil, alguns desafios: uma gestão pública condizente com os interesses sociais de todas as faixas etárias e numa perspectiva intergeracional; políticas sociais que contribuem para uma sociedade inclusiva e coesa; políticas que garantam os direitos estabelecidos a partir da Constituição de 88. Quanto ao idoso este deve ser visto como sujeito de direito e como ser social genérico, que tem vontade, capacidade e necessidades objetivas, materiais e espirituais. Nesse aspecto a discussão da cidadania torna-se fundamental. Cidadania entendida muito além dos marcos legais, institucionais e de contratos que regem a vida social e que possibilite mudanças nas relações entre Estado e sociedade. É dentro desses propósitos que vem ocorrendo, nos últimos anos as lutas dos idosos. A discussão da cidadania envolve as necessidades de outros sujeitos sociais, tais como os jovens sobre os quais têm recaído os efeitos das transformações do mundo do trabalho, marcado por precarização, dificuldades de acesso ao mercado e permanência neste. A cidadania requer políticas públicas universalizantes e emancipatórias, superando uma visão fragmentária e emergencial que tem caracterizado historicamente as ações voltadas, especialmente, para esses segmentos. É nesse contexto que se coloca a presente Mesa Coordenada, que refletirá sobre os seguintes temas: a relação entre o idoso, a cidadania e as políticas públicas; a questão da juventude e o mundo do trabalho.

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IDOSO E CIDADANIA: entre o instituído e a realidade

Simone de Jesus Guimarães1

RESUMO Este trabalho tem o objetivo de discutir sobre cidadania e sua relação no cotidiano de vida das pessoas idosas. Mostrará que a cidadania do idoso, no país, vem avançando, sobretudo pós-Constituição de 1988, ainda que, no dia-a-dia, a maioria dos idosos tenha seus direitos desrespeitados. Mostrará, também, que muito necessita ser feito, tendo em vista à obtenção de novos direitos ao idoso e a uma visão mais ampla de cidadania, englobando as dimensões de singularidade, particularidade e de totalidade desse ser social genérico, inserido em dados contextos e estruturas. Palavras-chave: cidadania, idoso, cotidiano da pessoa idosa.

ABSTRACT The present work intends to discuss citzenship and its relations at elderly people daily lives. It will show that the elderly people citzenship is developing in this country, especially after the 1988 Constitution, even if, on their everyday lives, most part of the aged people have their rights disrespected. it will also show that a lot needs to be done focusing on the pursuit for new rights for the elderly people and on a wider view of citzenship, including the dimensions of sigularity, particularity and totality of this generic social being, placed in given contexts and structures. Key-words: citzenship, elderly people, aged people daily lives

1 INTRODUÇÃO

A população idosa brasileira vem crescendo a cada dia segundo dados do

IBGE e de estudiosos como Minayo (2004) e Faleiros(2007). Essa realidade traz a

necessidade de compreendermos quem é essa população, quais os seus anseios,

esperanças, problemas, dificuldades, direitos, entre outros aspectos das reais

condições de vida dessa população na perspectiva da cidadania.

A partir da década de 80 do século XX o número de idosos, no país

cresce em maior proporção se se comparar à faixa da população jovem. Segundo

1 Professora doutora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em

Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí.

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dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) o número de idosos

com 60 anos ou mais representava 19, 95 milhões de pessoas, representando

10,5% da população total do país, que atingia, nesse período, um total de

189.820.330 milhões de pessoas (ANSILIERO; CONSTANZI, 2008). Desde 1980,

por outro lado, crescem os movimentos voltados para a defesa dos direitos desse

segmento. Nesse contexto, muitas conquistas têm sido verificadas e que estão

consubstanciadas na Constituição de l988 e em leis de proteção social ao idoso, tais

como: a Lei 8842/94 e o Decreto 1948/96 que tratam da Política Nacional do Idoso;

a Lei 10.741/03, que trata do Estatuto do Idoso; a Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS) de 1993. Desse período em diante, mais do que antes, a pessoa idosa

passa a ter status de sujeito de direitos, ou seja, status de cidadania. No entanto,

entre o formal (o legal) e o real cotidiano de vida dos idosos a distância é enorme,

sobretudo daqueles que vivem em condições de miséria e pobreza. Assim a

cidadania deve ser vista para além da questão formal e legal, que institui um

conjunto de direitos civis, políticos e sociais para se colocar no cotidiano de vida das

pessoas e para incorporar as múltiplas dimensões desse ser social. Essas são as

questões de interesse e reflexão presentes neste trabalho, que tem o objetivo de

refletir sobre o conceito de cidadania e sua articulação com a vida da pessoa idosa,

suas necessidades, anseios e direitos como cidadão singular, particular e inserido

numa totalidade concreta em dadas situações e circunstâncias.

2 DESENVOLVIMENTO

A discussão em torno dos significados de cidadania não é recente e nem

a sua articulação na vida da pessoa idosa também o é. Do ponto de vista da

cidadania desde a Grécia antiga este conceito se referia á polis grega, na qual o

cidadão era aquele que participava da vida da cidade, sendo membro da

comunidade política. Nos tempos modernos Marshall (1967) concebe a cidadania

como um conjunto dos direitos civis, políticos e sociais que emergiram nos séculos

XVIII, XIX e XX, respectivamente, na Inglaterra. Bobbio (1992, p. 6-10) chama a

atenção para o surgimento de novos direitos, no século XX relacionados à ecologia

e ao meio ambiente, às questões da genética e do patrimônio genético de cada

indivíduo entre outros, mostrando ainda que uma coisa é “proclamar esse direito

outra é desfrutá-lo efetivamente”. Em nível de Brasil muitos autores têm contribuído

para o debate, entre eles destacam-se Carvalho (2003) ao afirmar que a cidadania

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no Brasil se deu de modo inverso ao efetivamente realizado na Inglaterra, retratando

que os direitos sociais, efetivamente, foram os primeiros a serem proclamados. As

contribuições de Benevides (1994, p. 9) são de extrema importância ao destacar:

a cidadania passiva – aquela que é outorgada pelo Estado, com a idéia moral do favor e da tutela – da cidadania ativa, aquela que institui o cidadão como portador de direitos e deveres, mas essencialmente criador de direitos para abrir novos espaços de participação política.

Enfim muitos são os autores que, de perspectiva teórica e política

diferente, promovem o debate sobre cidadania e suas formas de efetivação ou não

na realidade concreta dos indivíduos, grupos e classes sociais.

Cidadania, aqui, deve ser entendida muito além do debate em torno dos

marcos legais, institucionais e de contratos que regem a vida em sociedade. A

cidadania se constrói e se afirma dentro de dados determinantes econômicos,

políticos, sociais e culturais, sendo, portanto, um campo de disputas e de forças em

luta. Nesse sentido, mesmo de um ponto de vista formal, a cidadania não se

constitui apenas em um conjunto de direitos garantidos em lei. Para Teles (1996, p.

92),

os direitos não significam apenas garantias. Estruturam um campo de relações pela definição – e tipificação – de responsabilidades e obrigações; e articulam (ou se articulam com) com uma esfera institucional na qual e pela qual é sempre possível [...] proceder à imputação de responsabilidades, apelar às instâncias da Justiça e definir os termos de uma possível arbitragem.

Os direitos são parte da gramática social (TELES, 1996) de uma dada

sociedade, na qual se estabelece um contrato social, constituído por um conjunto de

regras de convivência e pactos necessários que promovam respostas às

desigualdades, estabeleçam canais de solução dos conflitos e respeito às forças

sociais presentes. Essa gramática se situa num campo de interesses contraditórios e

de luta. Daí a importância da associação dessa questão à idéia de democracia, pois

a definição e a ampliação de uma dada gramática social dependem do quanto a

realidade se coloca no horizonte da afirmação e consolidação dos processos

democráticos. E isso se torna fundamental no que respeita aos direitos dos

indivíduos e classes dominadas.

Nessa mesma linha de raciocínio, Nogueira (2005, p. 7) diz que os

direitos

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são uma espécie de tradução jurídica do processo de socialização política que acompanha a modernidade capitalista e que se manifesta na instauração de níveis progressivos de cidadania e na participação de grupos populacionais cada vez mais amplos na sociedade.

Nesse contexto o autor ressalta que, nas últimas décadas, a cidadania

amplia-se para a esfera de “novos direitos” que

não dizem respeito a grandes interesses agregados e homogêneos, mas a diversificados interesses difusos, multidimensionais, referidos a questões que são vitais para todos os habitantes da Terra. Incluem-se aí tanto os direitos vinculados ao gênero, às várias fases da vida (crianças, terceira idade), aos estados excepcionais da existência (enfermos, portadores de limitações físicas ou mentais), ao meio ambiente e à natureza, quanto aos direitos associados à integridade genética das pessoas (NOGUEIRA, 2005, p. 8).

Dagnino (1994), ao analisar o conceito de cidadania afirma que, este

conceito, no Brasil, nos anos 80, assume um caráter de estratégia política, pois

“expressa e responde [...] a um conjunto de interesses, desejos e aspirações de uma

parte sem dúvida significativa da sociedade, mas certamente não se confunde com

toda a sociedade” (DAGNINO, 1994, p. 103). Com base nessa análise a autora traz

a contribuição, para o debate sobre o tema, da emergência de uma nova noção de

cidadania, baseada nos seguintes aspectos: nas experiências dos movimentos

sociais em luta tanto pelo direito à igualdade quanto pelo direito à diferença; nos

processos de construção, extensão e aprofundamento da democracia; nas

estratégias de transformação social levados a efeito pela sociedade organizada em

direção a uma cultura democrática, na qual a cidadania incorpora “características da

sociedade contemporânea, como o papel das subjetividades, a emergência de

sujeitos sociais de novo tipo e de direitos de novo tipo” (IDEM, p. 104).

A relação entre cidadania e democracia também é trabalhada por

Coutinho (2000, p. 49-51). Para esse autor cidadania e democracia são conceitos

profundamente imbricados e, ambos, representam processos concretos de lutas

entre os indivíduos por soberania popular e pela emancipação humana. A esses

processos “a história atribui permanentemente novas e mais ricas determinações”.

Nessa perspectiva, democracia significa “a presença efetiva das condições sociais e

institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na

formação do governo e, em consequência, no controle da vida social”. Com respeito

à cidadania, diz o autor:

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é a capacidade conquistada por alguns indivíduos ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado, (COUTINHO, 2000, p. 50),

Em síntese, a história tem sido palco de lutas por mais democracia e por

mais cidadania, sobretudo, tem sido palco de lutas levadas a efeito por indivíduos,

grupos e classes não detentoras dos meios de produção e vivendo em sociedades

profundamente desiguais e desumanas. Sociedades em que riqueza e poder estão

concentrados nas mãos de poucos. Nesse contexto, lutar por cidadania e

democracia é uma questão estratégica fundamental em direção a novos horizontes

de sociedade e de relações entre indivíduos, grupos e classes sociais.

Hoje, a humanidade tem uma série de leis, códigos e normas relativos a

um conjunto de direitos, que foram objeto de muitas lutas e mobilizações, que

ampliam a noção de cidadania. No caso do Brasil, a partir da Constituição de 1988,

há uma ampliação dos direitos para o conjunto da sociedade, mas especialmente

para a classe trabalhadora e os mais pobres Mas em tempos de globalização, de

neoliberalismo e de reestruturação do capitalismo, via acumulação flexível, a

cidadania está sendo posta em xeque, pois a “nova ordem mundial” expressa-se em

menos direitos e mais mercado, onde tudo se resolve e se conquista no mercado e

através do mercado, Essa nova realidade do capitalismo aprofunda as

desigualdades, promove desemprego e exponencia a questão social. É nesse

contexto que a cidadania vem sendo traduzida por muitos, particularmente pelos

setores dominantes, como a capacidade de cada um consumir nesse novo mercado

global. Nesses termos o consumidor é que é o cidadão.

Essa realidade vem se impondo desde a década de 70. Os temas

relacionados à crise da sociedade capitalista moderna incorporam-se ao tema da

cidadania. As exigências neoliberais de enfretamento da crise capitalista pelos

governos redefinem as relações entre Estado, sociedade e mercado. A partir daí o

Estado passa a ter novas funções políticas, caracterizando-se como um Estado

mínimo para o social - no que respeita à formulação e efetivação de direitos,

principalmente para a população pobre – e como um Estado máximo para o capital -

no qual o mercado se torna um Deus nas relações entre Estado e sociedade,

tornando o cidadão e a cidadania meros consumos a serviço do capital.

Com respeito aos direitos sociais, diz Nogueira (2005, p. 10):

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Apesar de vivermos numa ”‘era de direitos” repleta de conquistas e avanços, os direitos sociais parecem hoje viver muito mais como direitos proclamados, “direitos em sentido fraco” ou expectativas de direitos, como diria Norberto Bobbio, do que como direitos efetivamente usufruídos, ou seja, “direitos em sentido forte”.

Mas cidadania é luta. Os direitos conquistados, ao longo da história da

humanidade e deste país, são frutos de mobilizações e resistências. Desde os anos

90 do século XX, no Brasil, convive-se, de um lado, com as propostas de diminuição

dos direitos e do empobrecimento do conceito de cidadania dentro das idéias

concebidas pelas propostas neoliberais e das novas exigências do capitalismo

mundial; de outro lado, convive-se com os avanços da Constituição de 1988 e todas

as leis de proteção social existentes no Brasil pós-Constituição, tais como a Lei

8842/94 e o Decreto 1948/96 que tratam da Política Nacional do Idoso; a Lei

10.741/03, que trata do Estatuto do Idoso; a Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS) de 1993 entre outras. Todas essas leis e políticas de proteção social

ampliaram os direitos da população brasileira e em especial da população

trabalhadora e pobre. É nesse embate que os movimentos sociais e os diferentes

sujeitos sociais se colocam desde então: pela afirmação de direitos já conquistados

e pela suas efetivas concreticidades na vida da população; pela criação e afirmação

de novos direitos; por uma visão de cidadania ampla, com respeito às diferenças, às

subjetividades, às singularidades e particularidades do homem, mas também

considerado, este, como ser social genérico, inserido numa totalidade histórica,

concreta, determinada e de muitas relações. Como diz Heller (1972, p. 23, apud

CARVALHO; PAULO NETTO, 2007, p. 26)

O indivíduo (a individualidade) contém tanto a particularidade quanto o homem genérico que funciona consciente e inconscientemente no homem [...]. O desenvolvimento do indivíduo é antes de mais nada, mas de nenhum modo exclusivamente, função de sua liberdade fática ou de suas possibilidades de liberdade. A explicitação dessas possibilidades de liberdade origina, em maior ou menor medida, a unidade do indivíduo, “a aliança” de particularidade e genericidade para produzir uma individualidade unitária. Quanto mais unitária for essa individualidade (pois essa unidade, naturalmente, é apenas tendência, mais ou menos consciente), tanto mais rapidamente deixa de ser aquela muda união vital do genérico e do particular a forma característica da inteira vida.

Nessa perspectiva o homem como ser social genérico deve ser

apreendido nas suas dimensões de singularidade, particularidade e universalidade

ao estabelecer relações históricas e sociais que impulsionam ou não sua dimensão

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humana que, segundo Heller (apud CARVALHO; PAULO NETTO, 2007, p. 29), está

referida a cinco atributos, a saber: o trabalho, a socialidade, a universalidade, a

consciência e a liberdade. Esses atributos, para a autora, devem ser considerados

como potências, possibilidades, que podem ou não se concretizarem na realidade. É

nesse horizonte de análise que se deve compreender a cidadania numa perspectiva

mais ampla: como uma história de luta contínua, como uma dimensão que extrapola

um conjunto de direitos e deveres e como uma possibilidade concreta de caminhada

à emancipação humana e a novas relações entre indivíduos, grupos e classes

sociais, entre Estado e sociedade e entre sociedade, natureza e o universo.

Do ponto de vista do debate da cidadania em sua relação com a pessoa

idosa pode-se dizer que desde a década de 60 do século XX, pelo menos, o tema

ganha maior evidência, na esteira do aumento da população idosa no mundo,

provocada por vários fatores e entre eles citam-se: a queda na taxa de fecundidade

e de mortalidade da população; o aumento da expectativa de vida da população ao

nascer; diminuição relativa da população jovem; a melhoria das condições de vida;

os avanços tecnológicos e científicos, em especial na área da medicina; o aumento

das garantias de proteção formuladas especialmente a partir do período dos “Trinta

Gloriosos Anos”2.

Alguns dados sobre a realidade da população brasileira e especialmente

no que respeita ao segmento idoso, importa conhecer. É o que se segue: em

primeiro lugar, do ponto de vista da expectativa de vida da população, ao nascer,

deve-se ressaltar que esta correspondia a 61,74 anos em 1980 e que, em 2006,

esse número passa para 72,3 em termos de expectativa de vida, sendo que as

mulheres, nesse quadro, superam as estimativas reveladas para os homens

(ANSILIERO; CONSTANZI, 2008); em segundo lugar, a importância dos idosos no

cenário demográfico é cada vez mais significativa e, nesse contexto, as projeções

apontam que, em 2020, a população idosa atingirá um patamar de 25 milhões de

pessoas, representando, 11,4% dos habitantes brasileiros (MINAYO, 2004) e que,

em 2050, a participação dos idosos, no conjunto da população, alcançará um

percentual em torno de 20% da população total; em terceiro lugar o envelhecimento

da população poderá ser melhor visualizado ao se estabelecer uma relação entre os

grupos etários. Nesse caso deve-se destacar que dos anos 1970 aos anos 2000 o

2 Período que vai da década de 40 à década de 70 do século XX, que se caracteriza pelo avanço da

proteção social, especialmente no mundo desenvolvido, a partir do chamado Estado de Bem-Estar-Social.

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número de pessoas com 60 anos ou mais vem crescendo em todas essas décadas

- segundo dados censitários do IBGE (apud CARVALHO; GARCIA, 2003) - enquanto

que a faixa mais jovem da população vem decrescendo. Assim, o que se presencia?

Nos anos 70 a população de 0 a 14 anos correspondia a 42,20% da população total

do país, enquanto a população idosa correspondia a 5,07% desse total; já nos anos

2000 a população de 0 a 14 anos representava 29,60% do total da população

brasileira, enquanto a população a partir de 60 anos significava 8,56% desse total.

Esses dados mostram que o envelhecimento da população brasileira é

uma realidade que vem crescendo, seguindo uma trajetória que outros países já

vivenciam desde décadas anteriores. Mas importa registrar que, nos países mais

desenvolvidos, o envelhecimento populacional se configurou dentro de um longo

período histórico de suas trajetórias. No Brasil o envelhecimento da população idosa

é um fenômeno mais recente e com crescimento vertiginoso a partir de dado tempo

histórico. Nesse contexto, deve-se dizer que até a década de 60, a população

brasileira era fundamentalmente jovem, já que 52% da população se encontrava

abaixo dos 20 anos de idade e menos de 3% era acima de 65 anos. É a partir da

década de 70, portanto, que esse crescimento se revela mais significativo, segundo

dados do IBGE (apud CARVALHO; GARCIA, 2003) já apontados. Acrescem-se,

nessas informações, que as pesquisas sobre o envelhecimento da população

brasileira, ganham expressividade e notoriedade no ano de 1988 durante a

realização do VI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da Associação

Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) - entidade voltada para a discussão da

realidade populacional do país (CAMARANO, 2002).

É a partir dos anos de 1988, também, que os direitos da pessoa idosa no

Brasil ganham destaque na Constituição e na promulgação, posterior, de Leis,

Decretos e outras normativas legais relacionadas à defesa da cidadania da pessoa

idosa, tais como: a Lei 8742/1993 – que trata da Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS); a Lei 8842/1994 e o Decreto 1948/1996 - que dispõem sobre a Política

Nacional do Idoso; a Lei 10.741/2003 que trata do Estatuto do Idoso.

Na Constituição de 1988 o Artigo 230 diz o seguinte: “a família, a

sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua

participação na sociedade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantido-lhes

o direito à vida” (BRASIL, 2004, p. 130).

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No que respeita a Lei Orgânica da Assistência o Art. 1º já define que a

assistência social é direito do cidadão, devendo o Estado prover os mínimos sociais

necessários ao atendimento às necessidades básicas do indivíduo. No que respeita

aos direitos da pessoa idosa ressalta, o Art. 2º, incisos I e V, que a assistência

social garantirá:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; [...] V – [...] 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. (CRESS, 2000, p. 197-198)

A Política Nacional do Idoso, por seu turno, estabelece um conjunto de

diretrizes e princípios gerais com respeito aos direitos dos idosos nas diferentes

esferas estadual, municipal e federal. Nessa política os direitos da pessoa idosa, são

compreendidos a partir dos seguintes princípios, expressos no Art. 3º:

I – a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos de cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida; II – o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos; III – o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza; IV – o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas através desta política; V – as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, na aplicação desta lei. (LEI 8.842/94, apud NEPI, 2008, p. 7).

Já o Estatuto do Idoso, ao se referir aos direitos da pessoa idosa, em seu

Artigo 2º, diz o seguinte:

O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e espiritual e social, em condições de liberdade e dignididade.

O mesmo Estatuto do Idoso afirma, em seu Art. 8º, que o “envelhecimento

é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social” Mais adiante, ainda,

o Estatuto, no Art. 10º, amplia e reforça as garantias de cidadania da pessoa idosa

ao expressar que: “é obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa

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a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos

civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis”. (BRASIL,

2003). O Estatuto pode ser considerado uma das maiores leis já aprovadas em

respeito à cidadania do idoso, depois da promulgação da Constituição de 1988,

sendo responsável pela efetivação de muitos direitos já conquistados por esse

segmento populacional.

Essas e outras leis de proteção social, enfim, constituem um conjunto de

direitos voltados para a pessoa idosa, que são provenientes de lutas e

reivindicações dos movimentos sociais em geral, mas, particularmente, dos

movimentos ligados aos direitos e à cidadania da pessoa idosa. Esses movimentos

têm exercido, especialmente a partir da década de 80 do século XX, um papel de

protagonistas centrais na luta pelos direitos da população pobre, da pessoa idosa e

dos trabalhadores em geral. Eles foram fundamentais na definição dos direitos

sociais inscritos na Constituição de 1988 e no alargamento de um conjunto de

direitos voltados para esse segmento em leis e políticas de proteção social, além de

exigirem respeito, dignidade humana e reconhecimento, da pessoa idosa, como ser

social com diferenças, singularidades e particularidades.

Assim, observa-se: de um lado, a pessoa idosa é portadora, sobretudo

pós-Constituição de 1988, de um conjunto de direitos deflagrados em leis, portanto,

tendo status de cidadania, Nesse aspecto um conjunto de direitos, proclamados em

lei, podem e devem ser acionados em relação a um conjunto de aspirações e

necessidades materiais e sociais do cotidiano de vida dos idosos e em relação à

efetividade da cidadania da pessoa idosa enquanto sujeito social portador de

direitos. Mas, entre a proclamação e a garantia em lei e a efetividade real e concreta

da cidadania da pessoa idosa, a distância ainda é bastante enorme, sobretudo no

que respeita à cidadania da pessoa idosa pobre.

De outro lado, verifica-se que o idoso, constantemente, tem sido vítima de

violências, preconceitos, discriminações e injustiças sociais as mais variadas. Nesse

contexto violências de toda ordem e natureza vêm sendo praticadas contra a pessoa

idosa, provenientes do Estado e da sociedade, em diferentes contextos e situações.

Aqui cabe destaque para a violência material e psicológica, praticada contra o idoso

e sob o patrocínio de indivíduos, grupos e instituições, mas que atinge

especialmente as mulheres idosas e pobres. Como diz Faleiros (2007, p. 32):

A dinâmica violenta constitui-se em prática social (estado, grupos, indivíduos) repetida, pelo jogo estratégico de busca de vantagens de uns

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sobre os outros, pela inferiorização do outro, pela negação de possibilidades, pela violação de direitos do outro, pela provocação da insegurança ou da incerteza, pela segregação, pela violação da integridade física do outro, pela diminuição da liberdade ou autonomia do outro, de produção do medo, pela perversidade, pela exclusão, pela imposição da “solução” repressiva ou mesmo pela extinção do outro.

A violação à cidadania do idoso está dentro de casa e pode ser

observada pelas diferentes formas de agressão a que um dado idoso possa está

submetido no seio da família. Nesse contexto a violência passa pela falta de atenção

e carinho dos entes familiares, pelo silêncio que se torna o cotidiano do idoso, pela

falta de assistência material, psicológica e social, entre outras expressões de

violência. Nesse caso, estudos têm mostrado (GUIMARÃES, 2008), que é no seio

da família um dos principais lócus de violências praticadas contra o idoso. Nesse

espaço os membros consangüíneos mais próximos do idoso são os principais

agressores da pessoa idosa, cabendo destaque aqui para os filhos e, neste

segmento, os filhos mais jovens. Nessa mesma linha de raciocínio a visão de

Faleiros (2007, p. 35 – grifos do autor), é elucidativa: “a violência intrafamiliar e

doméstica tem sido pouco denunciada, no contexto do segredo ou conluio

familiar, vinculado à honra, à cumplicidade, à confiança entre vítima e agressor e ao

provimento da família, visto que o agressor é próximo da vítima”. E, aqui, muitos são

os motivos, alegados, pelo agressor, para a prática da violência contra o idoso. No

caso dos jovens algumas questões perpassam com respeito aos motivos da

agressão praticada. Esses motivos, muitas vezes, estão relacionados às

problemáticas da droga, do álcool, do conflito intergeracional, do desemprego e das

condições materiais de vida indigna da maioria da família brasileira. Revelam que a

realidade da violência contra a pessoa idosa é expressão da questão social -

atravessada por conflitos geracionais - e é síntese da não cidadania do idoso

(GUIMARÃES, 2008).

Mas a violação à cidadania do idoso está presente na rua, na cidade, no

campo e nos diferentes espaços físicos, geográficos, sociais, culturais e temporais.

É quando se presenciam, por exemplo, inúmeros desrespeitos ao idoso sejam

aqueles relativos à acessibilidade física, sejam aqueles referentes ao acesso à

informação, a atenção às especificidades culturais e religiosas dentre outros. Como

assegura Faleiros (2007, p. 40):

No dia-a-dia ocorrem os eventos de violência, múltiplos, fragmentados, que parecem isolados uns dos outros, manifestando a heterogeneidade da violência nas suas

São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009

expressões de dominação, de discriminação, de rejeição, de exclusão, de periferização, de marginalização, de negligência, enfim de negação do outro e da diferença. Essa violência social, impregnada nos hábitos e na cultura cotidiana, faz com que o agressor sequer perceba que está exercendo violência [...].

Do ponto de vista do Estado a violação aos direitos sociais constitucionais

e respaldados por inúmeras leis de proteção voltadas para a pessoa idosa, torna-se

uma realidade sempre presente. O analfabetismo entre os adultos idosos, a falta de

saúde pública com qualidade, a falta de condições de habitabilidade e moradia para

a maioria dos idosos são exemplos de violação. Aqui se deve destacar que a maioria

da população idosa é constituída de pessoas pobres, que nem sempre têm uma

aposentadoria e quando esta existe, situa-se na faixa de um a dois Salários

Mínimos. Salário este que, na maioria das vezes, constitui-se na única fonte de

renda para a sobrevivência do idoso e para compartilhar, este salário, com os

demais membros de sua família, tais como filhos, netos, genros, sobrinhos dentre

outros familiares. Essa realidade leva o idoso a buscar continuamente sua inserção

no mercado formal ou informal de trabalho, pois o tempo de envelhecer e de se

aposentar da atividade laboral remunerada não tem significado, na sociedade

capitalista, tempo de viver e usufruir a vida com dignidade e respeito aos direitos

humanos universais.

Na sociedade capitalista, e o Brasil não tem diferenças substantivas

quanto ao modo de ser do capitalismo, o velho não é considerado como ser

produtivo para os detentores do capital. Para os capitalistas, em geral, o velho já não

apresenta condições físico-psíquicas capazes de alavancar a reprodução material e

social da sociedade como mão-de-obra na qual se extrai mais-valia, lucros e

riqueza. Nesse contexto, o cotidiano de vida de boa parte das pessoas idosas é

permeado de pobreza, miséria, desemprego e desalentos de toda ordem e natureza.

O Estado brasileiro, como um ente fundamental nas relações sociais de produção e

reprodução estabelecidas entre sociedade e mercado, não tem dado, ao longo da

história desse país, respostas significativas e amplas para mudar, de fato, as

condições de vida da maioria da população pobre. O sistema de proteção social

público - expressão máxima da responsabilidade política e legal do Estado para

responder pelos problemas e necessidades decorrentes da questão social – por sua

vez, não tem sido capaz de contribuir para alterar essa realidade desde que se

implantou nos anos 30 do século passado até os momentos atuais.

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Mas o Estado também viola a cidadania do idoso à medida em que as

instituições estatais, passam a fornecer serviços precários e de baixa qualidade ou a

serem responsáveis por práticas de agressão e violação aos direitos humanos.

Nesse contexto, por exemplo, a V Caravana Nacional de Direitos Humanos da

Câmara dos Deputados, mostrou que, em 2001, no Brasil, havia, no mínimo, 19.000

idosos vivendo em abrigos conveniados com o Estado (CÂMARA DOS

DEPUTADOS, apud FALEIROS, 2007, p. 42). Os dados constatados por essa

caravana elencou algumas características de alguns desses locais de abrigo de

idosos, a saber:

depósito de idosos, local de ociosidade, demência e abandono, local de aprendizagem do silêncio, local de apropriação indébita de salários, local de maus-tratos, local de religião e solidão, local de pessoal despreparado, local de isolamento e abandono, de condições subhumanas e de ociosidade.

Analisando essa realidade de violência praticada contra a pessoa idosa

em abrigos e em instituições que recebem apoio financeiro do Estado, Faleiros

(2007, p. 42) diz que: “nesses locais predomina um modelo de atendimento que se

estrutura pela dominação do corpo do asilado que se incorpora no seu habitus pela

força da rotina, da impossibilidade de outra escolha para uma vida digna” E conclui:

“fere-se o pacto de direitos e também a realização de si (IDEM, p. 42).

Em síntese, reafirma-se, mais uma vez, a idéia de que direitos

conquistados não significam direitos efetivados e presentes no cotidiano de vida das

pessoas idosas nos diferentes contextos, situações e relações sociais

experimentadas e vivenciadas por essas pessoas.

Importa ressaltar, ainda, que há muitos direitos a serem conquistados no

quadro da cidadania voltada para a pessoa idosa. Esses direitos, no nosso entender,

devem estar referidos à condição da pessoa idosa ser considerada como um ser

social genérico, que tem vontades, capacidades e necessidades objetivas e

subjetivas, materiais e espirituais que extrapolam a idéia da cidadania como

conjunto de direitos civis, políticos e sociais.

Nessa perspectiva, a idéia de cidadania requer um conjunto de direitos e

deveres, mas também a possibilidade, concreta, de ser um instrumento de

viabilização das capacidades ontocriativas do ser social em direção à emancipação

humana e social. Nesse contexto, a luta pelo direito à igualdade, jurídica e concreta,

a ser viabilizada no dia-a-dia da pessoa idosa, é fundamental. Mas o idoso deve ser

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considerado: nas suas capacidades subjetivas e objetivas, nas suas diferenças,

singularidades e particularidades concretas, nos seus desejos e aspirações como

sujeito portador de vontade e de projetos individuais e coletivos, que, juntamente

com os demais sujeitos sociais, lutam por novas relações entre Estado e sociedade,

e almejam novos rumos para o país.

Nesse quadro de análises, a cidadania da pessoa idosa envolve as

múltiplas dimensões e realidades do idoso, ao estabelecer vínculos e relações

sociais no seio de uma dada sociedade. Mas, a cidadania do idoso deve ser vista

muito além das análises referidas às relações sociais entre as classes sociais,

embora essas análises sejam de fundamental importância numa sociedade

capitalista. È necessário, no entanto, entrelaçar a essas análises as questões de

gênero, raça, religião, cultura, situações de vulnerablidade social entre outras. Aqui,

importa destacar que a ausência de cidadania está relacionada diretamente às

várias formas de expressão da questão social, em dada realidade social. Como diz

Ianni (1992), aspectos importantes da questão social

se apresenta como um elo básico da problemática nacional, dos impasses dos regimes políticos ou dilemas dos governantes. Reflete disparidades econômicas, políticas e culturais, envolvendo classes sociais, grupos raciais e formações regionais. Sempre põe em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal

Nesse contexto, questões que dizem respeito a não cidadania da pessoa

idosa, têm relação direta à forma como a questão social se apresenta em dadas

circunstâncias e movimentos nas relações sociais que envolvem o idoso, a família, a

sociedade e o Estado, englobando, portanto, um conjunto de situações que resultam

de desigualdades econômicas, sociais e culturais, mas, também, da luta cotidiana

entre os indivíduos, os grupos, as classes, as gerações.

Sendo um ser social genérico, visto numa perspectiva de totalidade, o

idoso é um ser plural. Nesse contexto é portador de múltiplas necessidades e

carências bem como múltiplas possibilidades reais, concretas, singulares,

particulares em suas expressões imediatas e mediatas. Como tal é um ser histórico-

social, inserido em realidades diversas, dinâmicas e contraditórias. Nesses termos a

cidadania do idoso deve fortalecer essas várias dimensões.

Numa sociedade capitalista desigual, injusta e desumana como a

brasileira, torna-se bastante difícil falar numa visão de cidadania mais ampla, que

envolva essas várias dimensões abordadas e que esteja, de fato, no cotidiano de

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vida dos idosos. Em geral a cidadania mais propalada é aquela formal, legal e

constante na Constituição e nas leis vigentes. O idoso e os diversos movimentos de

luta pela efetiva cidadania desse segmento têm dado mostras que almejam mais.

Para tanto, mesmo nos marcos de uma sociedade capitalista torna-se importante a

continuidade dessas lutas. É isso que o movimento dos idosos vem construindo a

cada dia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão em torno da cidadania não é recente e cada vez mais ela se

coloca na ordem do dia. Suas idéias estão presentes no cotidiano de vida dos

indivíduos, grupos e classes sociais. Ela é defendida sob perspectivas diversas e

atravessa projetos de sociedade também de modo diverso. O recorte dado neste

trabalho mostrou que a cidadania representa um conjunto de direitos, participantes

de uma gramática social, estabelecida pelas forças sociais em luta numa dada

sociedade e em dados contextos e estruturas.

Historicamente e predominantemente, ao longo da modernidade e em

especial á partir do século XX, ela tem sido encarada como um conjunto de direitos

civis, políticos, sociais, culturais e relativos à vida e à relação entre o homem, o meio

ambiente e a natureza. Mas a cidadania deve englobar outras dimensões e

realidades do homem na sua relação com o mundo e com a natureza. Nesse

aspecto deve ser entendida a partir de uma dimensão mais ampla que explicite e

potencialize o homem como ser social genérico e que o projete em direção às suas

capacidades ontocriativas e ao mesmo tempo responsável por contribuir para a

definição de novas relações sociais: humanas, justas e fraternas. Nessa perspectiva,

cidadania é luta; é movimento; é busca de novos projetos; é construção de novas

realidades e relações sociais entre os indivíduos, os grupos e as classes sociais e

entre as gerações, as raças, as etnias, as culturas.

É nesse horizonte que se compreendeu a cidadania da pessoa idosa,

que, desde a Constituição de 1988, tem ampliado o conjunto dos seus direitos: não

apenas formal, mas, também, no que respeita ao cotidiano de vida das pessoas

idosas. Mas muito ainda precisa ser feito: tanto no que concerne aos direitos

formulados em lei - que ora são eliminados, diminuídos e subtraídos por outras leis

específicas ou por governantes em seus projetos políticos econômicos dentro do

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jogo de interesses presentes na sociedade capitalista contemporânea, ora são

desrespeitados e postergados ao infinito sem chances de serem usufruídos pela

pessoa idosa em vida - quanto no que diz respeito à construção de novos direitos,

no sentido da consideração da pessoa idosa como ser social genérico dotado de

vontade, capacidade, subjetividade e necessidades materiais, sociais e humanas

singulares e particulares na dinâmica das relações sociais construídas e

reproduzidas em dada sociedade e totalidade histórica.

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VELHICE E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

Maria do Rosário de Fátima e Silva1

RESUMO

O presente texto reúne reflexões produzidas pela autora através de estudo exploratório realizado por meio do seu engajamento como docente e pesquisadora do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão Universitária para a terceira Idade - NUPEUTI e do Núcleo de Estudos,Pesquisas e Extensão sobre Serviço Social e Questão Social da Universidade Federal do Piauí. O estudo realizado explora como foco de atenção o processo de formulação e execução das políticas públicas dirigidas especificamente ao segmento social idoso no Brasil, reconhecendo e localizando na cena pública brasileira nas duas últimas décadas a pessoa idosa como sujeito político de direitos. Palavras Chaves: velhice, Políticas Públicas, sujeito social, direitos.

ABSTRACT

The present text congregates reflections produced for the author through carried through exploratory study by means of its enrollment as professor and researcher of the Nucleus of Studies, Research and University Extension for the third Age - NUPEUTI and of the Nucleus of Studies, Research and Extension on Social Service and Social matter of the Federal University of the Piauí. The carried through study it explores as focus of attention the process of formularization and execution of the public politics directed specifically to the aged social segment in Brazil, recognizing and locating in the Brazilian public scene in the two last decades the elderly as subject politician of rights. Keywords: Oldness, Public Politics, social citizen, rights.

1 INTRODUÇÃO

Vivenciamos no começo do século XXI os reflexos das transformações

demográficas,biológicas, econômicas, sociais,políticas e comportamentais resultantes das

lutas sociais empreendidas nas três últimas décadas do século XX e que dimensionaram o

alcance do processo de desenvolvimento científico, tecnológico e humano. Deste processo

evidencia-se como conquista marcante para todos os povos a possibilidade concreta do

1 Doutora em Serviço Social. Universidade Federal do Piauí. Email: [email protected]

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prolongamento da existência com o Aumento da expectativa de vida em todas as

sociedades, passando o envelhecimento populacional antes estigmatizado como problema a

ser encarado como vitória da humanidade.

Essa nova realidade caracterizada pela presença do ser humano longevo põe

para o Estado e governos uma gama de desafios que contribuem para redimensionar o perfil

da gestão pública condizente com os interesses sociais de todas as faixas etárias numa

perspectiva intergeracional e transgeracional. Entre os desafios postos convém destacar

com o apoio em Berzins, a necessidade de se criar condições para a formulação e

implementação de políticas e programas que promovam a concretização de uma sociedade

inclusiva e coesa para todas as faixas etárias. Um outro desafio a ser encarado se refere a

inclusão na agenda de desenvolvimento sócio econômico dos países, políticas que

promovam o envelhecimento ativo, propiciando qualidade aos anos adicionados à vida, em

consonância com as deliberações da última assembléia da ONU sobre o envelhecimento.

Na esteira dos dois primeiros desafios acima destacados se coloca a

necessidade da implementação de políticas e programas que contemplem os direitos, as

necessidades, as preferências e capacidades dos idosos, e que propiciem o envelhecimento

digno e sustentável.

O enfrentamento desses desafios como componentes essenciais da agenda

pública estatal subtende o reconhecimento em primeiro plano do direito à vida, à dignidade e

à longevidade como direito de cidadania a ser assegurado a todos e como dever do Estado.

Nesta perspectiva, se coloca a exigência da adoção de políticas públicas que habilitem a

pessoa idosa, reforcem e re-signifiquem a sua presença e o seu lugar na sociedade

enquanto sujeito de direitos.

2 A PESSOA IDOSA COMO SUJEITO DE DIREITOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO

BRASIL

As políticas, os programas e os projetos sociais destinados ao atendimento dos

direitos e necessidades dos idosos precisam ser implementados tendo em vista o

estabelecimento de novos papéis sociais aos idosos de maneira que os estimulem a

participar politicamente, reforçando e fortalecendo a sua independência e autonomia na vida

social. Neste aspecto, a estruturação das agendas governamentais deverá levar em

consideração a participação ativa desse segmento social a ser reconhecido na sua

especificidade mas também capaz de estabelecer vínculos que ultrapassem a condição e

ou limite geracional.

Trata-se do desenvolvimento de ações que tenham em vista a garantia da

solidariedade e da intergeracionalidade, do direito à igualdade de oportunidades,

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proporcionando o intercâmbio de experiências e saberes entre as gerações, contribuindo

para o estabelecimento de uma outra perspectiva de desenvolvimento humano sem

exclusão de qualquer natureza.

É incontestável que a humanidade se encontra neste início de século diante de

uma nova realidade onde a longevidade se põe como conquista e como desafio articulado à

trajetória de desenvolvimento experimentado por cada nação. Nesta trajetória se torna

necessário compreender, o modo como vêm sendo encaradas as necessidades e

especificidades de cada segmento social, considerando-se o critério etário, sobretudo dos

segmentos sociais que se situam nos pontos extremos da experiência de vida humana, ou

seja, as crianças e os idosos.

As crianças e os idosos no Brasil foram reconhecidos pela agendas pública

governamental no final do século XX, como entes de atenção prioritária no tocante a

proteção social a ser garantida pelo Estado. Neste caminho a Lei Orgânica da Assistência

Social é bastante explícita quando assegura no seu Artigo 2º que a Assistência Social tem

por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice.

Mesmo considerando a primazia do atendimento a esses segmentos a agenda pública com

base neste substrato legal tem recuperado nos primeiros anos do novo século a família

como matriz central para o desenvolvimento das políticas públicas por se constituir a célula

que aglutina no seu interior as necessidades de todos os segmentos sociais incluindo a

adolescência, a juventude e os adultos.

O desdobramento dessas medidas de proteção social, em ações efetivas,

acompanha o formato da agenda política governamental nas instâncias federativas que

compõem o aparelho estatal brasileiro, ou seja em âmbito federal, estadual e municipal. A

composição desta agenda é estimulada pela pressão social que vem exercendo o segmento

social idoso organizado através de fóruns específicos. Estes tem interpelado o poder público

por ações que encarem o envelhecimento como uma fase natural da existência humana

com necessidades e especificidades que precisam ser reconhecidas como direito de

cidadania.

O cenário que se descortina no país na conjuntura dos anos 2000, registra a

presença questionadora da pessoa idosa como novo sujeito social exigindo do Estado a

efetivação das garantias já estabelecidas nas legislações específicas voltadas para as

necessidades dos idosos a exemplo da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso,

promulgados pelo governo brasileiro respectivamente em 1994 e 2003. Estas conquistas

são muito recentes na sociedade brasileira diante de décadas e mais décadas marcadas

pelo abandono e desrespeito ao segmento social idoso enquanto sujeito de direitos.

Ao fazermos uma rápida incursão histórica sobre a agenda governamental tanto

no plano federal quanto estadual nos anos que antecederam a aprovação da Constituição

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vigente datada de 1988 do século XX, iremos localizar uma atenção de caráter pontual aos

idosos mediada por ações assistenciais imediatistas coordenadas no âmbito da União pela

extinta Legião Brasileira de Assistência - LBA e suas respectivas seccionais sediadas nos

Estados. À ação da LBA se somavam as atividades dos já extintos Serviços Sociais do

Estado e dos municípios, hoje substituídos pelas atuais secretarias de assistência social,

aos quais se juntavam as entidades filantrópicas e também aquelas de caráter confessional

a exemplo das Ações Sociais Arquidiocesanas ligadas à Igreja Católica. Nesta mesma linha

de procurar assegurar algum tipo de assistência aos trabalhadores idosos situava-se o

Serviço Social do Comércio – SESC.

As atividades desenvolvidas por esses órgãos até então se dirigiam ao

atendimento de necessidades emergenciais reveladas pelas limitações próprias da faixa

etária dos idosos, principalmente nos aspectos de saúde, assistência e necessidades

referentes às dificuldades de convivência social. Estas últimas atendidas por programas de

lazer e cultura nos grupos e ou centros de convivência de permanência momentânea ou por

meio de encaminhamentos para as instituições de longa permanência como os abrigos ou

asilos. Estas ações muitas vezes contribuíam para segregar ainda mais os idosos excluindo-

os da sua condição de cidadania.

As ações que predominaram nesse período histórico como centro do

atendimento direcionado à pessoa idosa, não traziam o recorte de medidas caracterizadas

como políticas públicas que reconhecem e operacionalizam direitos vinculados à

responsabilidade governamental. Pelo contrário, demonstravam a falta de compromisso do

poder público para com as necessidades desta faixa etária. Este procedimento atestava

conseqüentemente a inexistência na sociedade brasileira de uma cultura de civilidade que

valorize a sabedoria e experiência acumulada por esse segmento social e o localize na cena

pública como sujeito de direitos a um envelhecimento cidadão.

Somente a partir da Constituição de 88, as necessidades dos idosos brasileiros

juntamente às necessidades das crianças, adolescentes e deficientes passam afigurar como

agenda do Estado e como direitos de cidadania, conformando neste sentido as áreas das

políticas públicas no campo da saúde, assistência social e previdência social que compõem

na carta magna o tripé da Seguridade Social brasileira. O sujeito social idoso permeia as

três grandes áreas que compõem as políticas de seguridade social, demandando direitos

com vistas à garantia do envelhecimento saudável.

Apesar da atenção aos idosos figurar como responsabilidade do Estado

reconhecida pelo texto constitucional desde 1988, os direitos dessa categoria só foram

regulamentados pelas leis complementares promulgadas pelo governo brasileiro a partir

dos anos 90: em primeiro plano destaca-se a Lei Orgânica da Saúde assinada em 1990, na

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seqüência é assinada a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS , sancionada em 1993 e

as demais leis que se seguiram nos anos subsequentes.

No campo da assistência Social os idosos constituem um dos sujeitos sociais de

atenção preferencial aos quais foi garantido pelo texto constitucional o benefício de um

salário mínimo para o atendimento de suas necessidades, desde que comprovassem

impossibilidade de manterem o próprio sustento. A universalização do atendimento ao

contingente idoso habilitado para este tipo de benefício é ainda uma expectativa a ser

concretizada do ponto de vista dos investimentos governamentais na constituição do Fundo

Nacional de Assistência Social e seus respectivos desdobramentos nos âmbitos estaduais e

municipais.

Nesse lastro histórico de reconhecimento dos direitos da pessoa idosa ganha

realce em 1994, a promulgação da Política Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa,como

área das políticas públicas setoriais. A mesma estabelece uma atenção prioritária para o

segmento idoso reconhecendo o seu direito à cidadania plena e determinando o

encaminhamento de ações que possam assegurar o seu bem estar integral.

Nessa mesma esteira de conquistas é sancionado em outubro de 2003, o

Estatuto do Idoso, (lei nº 10.741), garantindo atendimento preferencial imediato e

individualizado ao idoso junto aos órgãos públicos e privados. O referido estatuto põe como

máxima a efetivação dos direitos fundamentais da pessoa idosa, expressos no texto da lei

com o seguinte detalhamento: “o direito à vida, à saúde, ao trabalho, à alimentação, à

educação, à cultura, ao lazer, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à

convivência familiar”. Estas prerrogativas propostas pelo estatuto serão operacionalizadas

com o estabelecimento de obrigações entre o poder público, a família, a comunidade e a

sociedade tendo em vista a efetivação da proteção social integral de que trata a lei na

perspectiva da garantia do envelhecimento saudável.

Uma outra conquista que se coloca neste campo de atendimento dos direitos da

pessoa idosa diz respeito à promulgação pelo governo brasileiro no ano de 2004, da Política

Nacional de Assistência Social, que passa assumir o status de política pública tendo o

Estado a primazia na condução das ações nesta área, estabelecendo a centralidade na

família para a concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos.

Nesta perspectiva os idosos figuram entre os usuários da política, dentro das modalidades

de proteção social previstas pela política. Na modalidade da proteção social básica se

encontram as ações que visam assegurar benefícios que se destinam a prevenir situações

de risco por meio de ações que visem o desenvolvimento de potencialidades e o

fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Na área da proteção social especial se

encontram as ações destinadas a combater as situações de violação de direitos e que

agridam a condição de cidadania da pessoa idosa.

São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009

Um outro aspecto importante que vem potencializar o idoso como um dos

centros das atenções no campo das políticas públicas diz respeito às ações no espaço da

política de educação mas precisamente no campo da educação permanente. As atividades

neste aspecto oportunizam a inserção e reinserção da pessoa idosa nas experiências do

processo ensino e aprendizagem a exemplo das universidades abertas para a terceira idade

– UNATIS, que proliferaram no país a partir de 1980.

As propostas de ensino e extensão e pesquisa nos programas desenvolvidos

sob a característica de Universidade aberta para a terceira idade têm contribuído para

estimular o potencial crítico dos idosos na luta pela defesa de seus direitos. O acesso ao

conhecimento nessas experiências de educação permanente oferecidas pelas universidades

tem oportunizado à pessoa idosa um novo olhar sobre a sua experiência acumulada ao

longo da vida e lhes permitido ousar na adoção de novos projetos de vida que buscam

qualificar a sua existência tendo em vista a longevidade cidadã.

Na Universidade Federal do Piauí foi implantado em 1998, o Programa de

Extensão Universitária para a Terceira Idade, denominado de Programa Terceira Idade em

Ação – PTIA, com o objetivo de proporcionar pela via do acesso ao conhecimento,

condições de um envelhecimento saudável. Durante dois anos os alunos que ingressam no

programa participam de cursos de curta duração com conteúdos que congregam as

diferentes áreas disciplinares, mobilizando professores dos diversos departamentos, numa

proposta pedagógica que valoriza o diálogo e a troca de saberes como ferramenta de

aprendizagem. Coordena este programa o Núcleo de Estudos,Pesquisa e Extensão

Universitária Para a Terceira Idade - NUPEUTI que também oferece um curso de Pós-

Graduação lato sensu na área de Gerontologia Social, destinado à capacitação de técnicos

oriundos de diversas áreas os quais poderão qualificar o atendimento na rede de serviços

básicos voltados para as necessidades dos idosos no Estado do Piauí.

Ao lado das atividades de extensão e ensino o NUPEUTI tem estimulado o

desenvolvimento de pesquisas na área do envelhecimento e das políticas públicas

envolvendo estudantes da graduação e da Pós-graduação ao tempo em que fornece

subsídios para a qualificação das instituições governamentais no atendimento dos direitos

dos idosos. O espaço do NUPEUTI e do PTIA tem se constituído também em espaço de

aprendizado profissional para os alunos de graduação através da experiência de estágios

curriculares e extracurriculares, estabelecendo-se a perspectiva da intergeracionalidade no

encaminhamento das ações cotidianas que concretizam esta experiência de construção

coletiva do conhecimento.

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3 CONCLUSÃO

Todo o elenco de conquistas aqui enumerado demonstra uma nova perspectiva

histórica que se apresenta no país, a qual poderá contribuir para reposicionar o idoso no seu

lugar social como sujeito de direitos. Trata-se na realidade da adoção de um novo patamar

de direitos e de agenda pública que necessita ser permanentemente demandado pela

sociedade e principalmente pelas instâncias que conformam o novo desenho das políticas

públicas no Brasil.

As políticas públicas incorporadas pelo texto constitucional vigente no país como

dever do Estado e direito do cidadão trazem na sua estrutura a marca de um novo

encaminhamento democrático nas relações entre o Estado e a sociedade. Pela primeira vez

na história do país, a Constituição nomeada como ”Constituição Cidadã” admite a

participação da sociedade como condição necessária ao processo de formulação,

implementação, execução e avaliação das políticas públicas. Isto se encontra claramente

expresso no capítulo dos direitos sociais e no capítulo reservado às políticas de seguridade

social, demarcando um novo posicionamento do cidadão enquanto sujeito político.

A participação da sociedade é reconhecida nos termos da partilha de poder no

âmbito da gestão pública de forma a qualificar as medidas de garantia do interesse público.

Ao fazer isso a lei magna desdobra um de seus princípios básicos que é a garantia da

participação direta do cidadão nos atos administrativos governamentais, sobretudo naqueles

que dizem respeito ao interesse de todos. É nesta seara de participação cidadã, que

ganham destaque nos últimos anos, os conselhos gestores, os conselhos de direitos, de

políticas públicas, as conferências e os fóruns de defesa de direitos. Nesta direção vem

ganhando realce os conselhos e as conferências dos direitos da pessoa idosa. Nestes

espaços são discutidas, formuladas e fiscalizadas as diretrizes das políticas atinentes a este

setor, e onde o segmento idoso tem uma participação massiva e efetiva, exercitando a sua

condição de sujeito de direitos.

REFERÊNCIAS

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A REALIDADE BRASILEIRA E PIAUIENSE DOS JOVENS NA RELAÇÃO COM O TRABALHO

Maria D’Alva Macedo Ferreira1

RESUMO Este artigo aborda questões relacionadas aos jovens, ao trabalho e as políticas públicas frente às desigualdades sociais presente na contemporaneidade. A pesquisa bibliográfica e empírica fundamenta a afirmação de que a expectativa dos jovens que fizeram parte da pesquisa, é de atingir um grau de escolaridade, ter uma profissão e/ou se profissionalizar para o ingresso no trabalho qualificado. Ainda é através do “emprego seguro” que esperam respostas às exigências internas – entre eles e a família - e externas através da pressão social e familiar a que são submetidos. A participação do jovem e/ou o seu reconhecimento na sociedade se dá ainda pelo trabalho, é com o trabalho digno que será qualificado como cidadão de direito. Porém, para se inserirem no mercado de trabalho, cada vez mais, está distante, em razão das transformações do trabalho que resulta em mudanças e em exigências por mais qualificação e mais conhecimento plural para que possam competir às ofertas no campo do trabalho formal. Palavras Chave: juventude, trabalho, emprego/desemprego

ABSTRACT This article discusses issues related to young people, to work and public policies against social inequality in the contemporary. The literature and empirical basis to say that expectations of young people who were part of the research is to achieve a level of schooling, have a profession and / or professional to join the skilled labor. It is through the "employment insurance" awaiting responses to internal demands - between them and the family - and through the external social pressure and family that are submitted. The participation of young and / or its recognition in society is given the work still is in decent work that will be qualified as a citizen of law. But to fall in the labor market, increasingly, is off due to the change in work that results in changes in qualification requirements for more and more pluralistic knowledge so they can compete to offer the field of formal work. Palavras chave: Juventude, trabalho, emprego/desemprego

1 Professora do Departamento de Serviço Social e do Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí

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1 O TRABALHO EM QUESTÃO “As capacidades dos trabalhadores de ampliar seus saberes [...] tornam-se uma característica decisiva da capacidade de trabalho em geral. E não é exagero dizer que a força de trabalho apresenta-se cada vez mais como força inteligente de reação às situações de produção em mutação e ao equacionamento de problemas inesperados”.

Marie Vincente

Pesquisar sobre o significado do trabalho para o jovem na realidade

piauiense e, de modo especial, na cidade de Teresina passou a fazer parte de

minhas preocupações, primeiro pelo fato de vivenciarmos relações diretas com

jovens de diferentes condições sociais e culturais que nos tem expressado uma

preocupação constante de ter, através do emprego, respostas às exigências internas

– entre eles e a família - e externas através das pressões sociais e culturais a que

são submetidos.

Um outro motivo está relacionado à apresentação, quase que sistemática,

nos meios de comunicação no que se refere à temática emprego x desemprego e as

exposições de pessoas nas longas filas, quando são divulgados os processos

seletivos, tanto por empresas privadas quanto por órgãos públicos, nas vários

cidades do país. Nestas filas percebe-se uma presença significativa de jovens de

diferentes idades e com uma variada formação escolar e profissional na esperança

de acessar a uma vaga no mercado de trabalho, mesmo sabendo que entre a

demanda e a oferta do emprego formalizado é muito distante.

É visível a crescente demanda para o emprego, mesmo que a sua

existência, enquanto espaço de relações socialmente determinada tenda a

“desaparecer”, como tem afirmado alguns estudiosos, em razão das transformações

e reordenamento do capital. Com isso verifica-se que as expectativas na maioria dos

grupos populacionais economicamente ativos não têm sido respondidas, crescendo,

portanto, a presença do trabalho informal e da precarização das atividades laborais.

A informalidade e o trabalho precário são possibilidades que os indivíduos,

em geral, acessam como meio que possa contemplar suas necessidades perdendo

de vista os direitos construídos e definidos historicamente nas relações entre o

capital e o trabalho, se preocupando apenas com o imediato, com a sua

sobrevivência. “A precarização das relações de trabalho repercute nos grupos que

ainda não vivenciaram a experiência de ter um contrato de trabalho” Giddens (2005).

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O trabalho é interpretado na atualidade como necessário, mas atualizado a partir de

uma nova roupagem. A flexibilização produtiva permite a redução do tempo e /ou

sua mobilidade nos aspetos tempo e lugar.

Associado a essa realidade a falta do emprego para absorver, mesmo os

mais qualificados é real. O trabalho como a via para o reconhecimento do indivíduo

como um ser social produtivo e criativo já não é mais possível para milhões de

pessoas – jovens e adultos.

Em Marx (1983) o trabalhador, antes de tudo, reproduz sua própria vida ao

produzir os meios de subsistência. Nesta perspectiva tem-se a defesa de que o labor

pela ótica do trabalho, exerce um grande significado para a vida dos homens. E esse

labor ultrapassa o sentido da reprodução de coisas materiais. O labor é criação para

a vida no seu sentido mais amplo – multidimensional. Foi em Marx que o labor

passou a ser a origem de produtividade e a expressão da própria humanidade do

homem. O labor deve ser visto como a suprema capacidade humana de construir

um mundo (ARENDT, 1995, p. 113).

Compreende-se que é necessário desenvolver estudos que possibilitem

ampliar as perspectivas já desenvolvidas nesse campo – trabalho sobre a ótica do

emprego -, a fim de construir outras interpretações sobre o mundo material das

relações entre o capital e o trabalho. Compreender o labor numa dimensão múltipla

que pode proporcionar como possibilidades para o desenvolvimento de outras

concepções de trabalho partindo das vivências dos grupos populacionais.

Isto se justifica quando os estudos já desenvolvidos nessa área apresentam

a construção social do trabalho no ocidente não apenas como produção e

reprodução dos meios de subsistência, mas como valor para que homem e mulheres

sejam reconhecidos em seu meio social. É através do trabalho que o homem se

dignifica, mesmo que este valor não seja um princípio orientador para todos os

indivíduos na sociedade moderna. E como valor o homem têm possibilidades de

construir os seus próprios meios de produção e reprodução de suas necessidades

objetivas e subjetivas.

São conceitos que fazem parte da pesquisa desenvolvida com jovens em

Teresina, em fase de conclusão, que fundamentam às análises sobre a realidade na

teia societal, vivenciada, de modo especial, pelos jovens e com o objetivo de

compreender o significado de outras práticas que vão emergindo no cotidiano de

suas relações. Identificar e compreender as práticas emergentes nesse campo como

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mediação de seus interesses, expectativas e respostas criadas por eles. Refletir

sobre quais atividades são consideradas trabalho e quais as desenvolvidas pelos

jovens que não são vistas como “trabalho digno” ? As atividades criadas por eles no

campo da cultura – música, dança, - são consideradas trabalho produtivo? Qual o

seu valor para que estes possam ser reconhecidos pelos demais grupos sociais?

Que dificuldades os jovens sentem quando se deparam com a negação de espaços

para o trabalho? Estas e outras questões são consideradas importantes para que as

tomadas de decisões em torno de políticas públicas nessa área sejam

desenvolvidas.

É nesse contexto que buscamos perceber o mundo dos jovens, numa

perspectiva de compreender como eles se vêem nesse campo de conflitos, de

incertezas e de insegurança com relação ao trabalho. Os jovens apresentam

expectativas em torno da questão do trabalho, muito embora este tema apresente

para eles também dificuldades quando se trata do acesso ao emprego.

Para os jovens é com o trabalho que esperam ser reconhecidos, ter

autonomia e encontrar a liberdade tão desejada por eles. Ao sair de suas famílias os

jovens pensam construir seus próprios caminhos e, para eles, a renda responderá

estes desejos conforme as pesquisas desenvolvidas nessa área.

A realidade do trabalho não tem se mostrado tão favorecida. O desemprego

é um dos problemas que afeta hoje a maioria da população economicamente ativa,

mesmo em países desenvolvidos o desemprego estrutural vem se constituindo

objeto de pesquisa e de preocupação pelos seus dirigentes.

Na América Latina o desemprego assume grandes proporções e no Brasil

ainda é mais preocupante, dada a escassez cada vez maior de possibilidades para a

inserção da população jovem no mercado de trabalho.

As discussões relacionadas às questões do trabalho x emprego na

atualidade merecem maior aprofundamento em razão das mudanças que vem

acontecendo como conseqüência do que tem sido denominado de “flexibilização

produtiva”. As relações entre o capital e o trabalho, no geral, são alteradas e

renovadas e, consequentemente, outras exigências são apresentadas para que os

grupos populacionais façam parte do mundo do trabalho.

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2 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O MERCADO DE TRABALHO

A sociedade contemporânea vem presenciando fortes transformações.

Entre essas transformações a revolução tecnológica é apresentada como uma força

nas mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas entre povos, estados e

nação e, entre os indivíduos e suas relações mais tradicionais. Uma revolução que

atualmente não é mais de criação e fixação de indústrias com objetivo de produzir

infra-estruturas, como aconteceram as revoluções anteriores, mas de sistemas de

organização do Conhecimento. É a própria máquina de inventar e de renovar

tecnologias que vem sendo revolucionada. (OLIVEIRA, 2005).

Para Harvey (1994) o acesso ao conhecimento científico e técnico

sempre teve grande importância na luta competitiva, mas atualmente se verifica uma

renovação de interesse e de ênfase, já que, num mundo de rápidas mudanças de

gostos e necessidades (em oposição ao sistema fordista estável e padronizado), o

conhecimento da última técnica, do mais novo produto, a mais recente descoberta

científica implica alcançar importante vantagem competitiva.

O próprio saber se torna uma mercadoria-chave a ser produzida e vendida

para quem pagar mais.

Por ser de caráter processual, essas transformações atingiram a partir de 80, um caráter altamente sofisticado, implicando uma nova forma de organização do trabalho e de estabelecimento de padrões culturais com rebatimento diretos na vida de milhões de pessoas no planeta. Devido a seu caráter inovador, seu avanço tem levado á defesa da idéia de que a tecnologia seria um fenômeno que por si só promoveria o desenvolvimento e o crescimento econômico, contribuindo para o progresso e a prosperidade dos países, nos moldes da destruição criadora de Schumpter. (Idem, 29).

As mudanças, no âmbito das novas tecnologias, juntamente com o

processo de globalização, apresentam desafios que testam tanto a capacidade de

indústrias e empresas de permanecer no mercado quanto à dos profissionais em se

manter aptos para desenvolver seu trabalho, uma vez que esse novo padrão exige

qualidade, flexibilidade e maior produtividade. Poderíamos dizer que a

caracterização principal do espaço e do que nele se constitui é por possuir um grau

de transformação e adaptação pessoal muito rápido, uma forte concorrência entre

setores do mercado. O mercado se organiza mediante desenvolvimento do capital. A

necessidade de nova roupagem, técnicas, linguagem diferente com boa aparência e

outros elementos são traços presentes, tanto na estrutura física das organizações

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empresariais quanto dos objetos mercadológicos que deve agradar ao “gosto dos

consumidores” desde que estes tragam retorno para a concentração de riquezas. No

trabalho exige habilidades para: analisar, interpretar, criar, tomar iniciativas e

decisões, corrigir instruções, trabalhar em equipe, comunicar-se, aprender

constantemente, trabalhar.

Essas transformações têm gerado, em grande escala e de modo invisível,

a competitividade entre os próprios trabalhadores. Quem são os capazes e os

incapazes, agregando valores pautados na competência, na capacidade de

acumular conhecimentos diversos. Capacidade de ser polivalente diante das

mudanças advindas do desenvolvimento de novas tecnologias e de desenvolver

habilidade no campo dos conhecimentos.

A nova organização flexível do trabalho aponta para a formação de um

novo tipo de trabalhador que tenha como requisitos fundamentais a habilidade em

transferir conhecimento de uma área para outra, facilidade em se comunicar e

entender o que lhe está sendo comunicado, capacidade de trabalhar em grupo e

com autonomia para tomada de decisões.

A população economicamente ativa e que atende aos critérios de idade

para o trabalho luta para a adaptação a essa lógica cada vez mais. Para ela não

aparece alternativas, pois as regras para o trabalho são claras. Se qualificar,

atualizar-se, e acumular conhecimento são palavras chaves, e são com base nelas,

que “novas” organizações e “novas” formas de gestão do capital vão sendo

definidas, adaptando-as as transformações exigidas pelo mercado.

A necessidade de um trabalhador mais qualificado requer a educação

como uma política pública capaz de proporcionar a capacitação dos novos

integrantes do mercado. Seus fundamentos devem então acompanhar os processos

de desenvolvimento de novas descobertas de métodos e técnicas eficientes,

previsíveis e capazes de responder, em tempo hábil, as exigências dos avanços

tecnológicos na atualidade, porém dos métodos e técnicas aplicados no Toyotismo.

No entanto, é preciso aprofundar estas afirmativas e levantar questões para o

debate acadêmico com o objetivo de compreender a essência da reestruturação

produtiva e seus reflexos na vida dos trabalhadores. Dentre as várias questões que

surgem nessa área apresentamos as seguintes: em que a formação educacional,

em seus diversos níveis, tem proporcionado a inserção dos que por ela tem passado

no âmbito do trabalho? A formação técnica e profissional vem sustentando a lógica

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dos avanços tecnológicos? O direito universal a educação é garantido com as

exigências da “qualidade total”, princípio que vem norteando os fundamentos da

“flexibilização produtiva?”. Todos podem adquirir conhecimentos plurais e se integrar

as novas formas de trabalho? Quem são os que mais sofrem com as “novas”

mudanças?

Para o processo de seleção de indivíduos para o trabalho é necessário

avaliar, analisar e definir regras/normas que aprove ou reprove quem não está apto

a fazer parte dos processos seletivos e/ou de concursos públicos no âmbito do

mercado e do Estado. Com isso cresce o grau de competitividade entre quem pode

absorver os conhecimentos polivalentes e tornar mais capaz e os que, por diferentes

fatores, não são capazes de atender as exigências para a inserção no campo do

trabalho. É o individuo que se exclui por não ter habilidades para se incluir nos

lugares que surgem no moderno e sofisticado desenvolvimento da sustentabilidade

integral.

A desigualdade social para alguns estudiosos não pode ser interpretada

como sendo resultado dos conflitos entre capital e trabalho, mas como resultante da

modernidade e dos avanços tecnológicos. Neste sentido a pobreza e suas

conseqüências são de responsabilidade do individuo. Assim, podemos verificar que

os mecanismos de enfrentamento da “questão social”, ao longo do processo de

estruturação e reestruturação do capital, restringem-se a mecanismos de adequação

ao atual estágio do capital. Os processos de exclusão são resultantes, como já

afirmamos anteriormente, das fragilidades, anormalidades, incompetência dos

indivíduos.

Os direitos sociais institucionalizados (Constituição de 1988) vão sendo

ignorados como direitos universais, restringindo-se a ações fragmentadas – projetos

sociais – focalizados nos denominados problemas sociais, mas executados para

indivíduos e grupos vulneráveis, focalizados de acordo com o grau vulnerabilidade.

Neste contexto, perde-se de vista a condição de classe social na relação

capital/trabalho, já que, na perspectiva de autores pós-modernos, o econômico deixa

de ser determinante na vida dos homens e mulheres, agora não mais explorados e

subordinados ao capital, mas excluídos diante dos processos sócio-culturais

inerentes na vida cotidiana. São considerados pelas políticas públicas como os

excluídos, as excluídas diante da impossibilidade de fazer parte do modelo de

desenvolvimento em vigor. Essa categorização vai orientar a elaboração de medidas

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governamentais e não governamentais com metodologias que fragmentam os

necessitados de ações pontuais.

As políticas sociais se voltam para o homem e a mulher

“vulnerabilizados(as)”, fragmentado-os(as) pelas diversas especialidades possíveis e

precisas, as quais apresentam explicações que fundamentam a elaboração de uma

abordagem direcionada às “situações-problema” demandadas. Assim, assistir os

vulneráveis e as emergências – fome, abandono, violência, negligência familiar,

crianças, adolescentes e jovens pobres e/ou jovens infratores, delinqüentes,

marginais - é reapresentado com maior força, ignorando os direitos de cidadania

conquistados historicamente.

Sabemos, por outro lado, que apesar de o desprego atingir a todos os

grupos sociais, os jovens soa os mais penalizados. Os dados divulgados no relatório

“Tendências globais de emprego para a juventude 2004” revelam que o crescimento

da população mundial entre os jovens entre 15 a 24 anos foi de 10,5% no período

entre 1993 e 2003. Todavia a oferta de empregos para essa faixa de trabalhadores

se expande apenas 0,2%. (BRANCO, 2005).

O retrato do desemprego em massa que atinge países desenvolvidos e

em via de desenvolvimento é estrutural, grande parte da população está fora das

condições reais de vida. Crianças, adolescentes, jovens, adultos (as), idosos (as)

vivem uma realidade que não condiz com o que é defendido como modernidade

tecnológica e a reestruturação produtiva necessária para o progresso, agora não

somente tecnológico, mas, do conhecimento globalizado atinge principalmente os

jovens entre 15 e 29 anos como podemos ver nestes dados:

A oferta de emprego para jovens abaixo de 25 anos no Brasil no ano de 2006 foi pior do que em 1996. Tanto homens quanto mulheres foram prejudicados pelo encolhimento do mercado.

Na faixa de 15 a 17 anos, por exemplo, o nível de ocupação teve uma redução de nove pontos percentuais, caindo de 39% em 1996 para 30% em 2006.

No grupo de 18 e 19 anos, a queda foi de mais de três pontos, indo de 55,1% em 1996 para 51,8% em 2006.

Para os mais velhos, houve melhora na ocupação, o que ajudou no desempenho geral no nível de emprego.

Os que tinham entre 25 e 29 anos, por exemplo, viram sua participação subir de 72%, em 1996, para 74,9%, em 2006, no mercado de trabalho.

Na faixa de 40 a 49 anos, a participação foi de 73,5% (1996) para 77,2% (2006), numa alta de quase quatro pontos percentuais. O grupo mais idoso, acima de 60 anos de idade, ficou estável, com 30,6% de nível de ocupação, tanto em 1996 quanto em 2006. (PNAD, 2006 – IBGE).

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Muito embora possa ser verificado nos dados acima que o grupo dos

jovens na faixa etária entre 25 a 29 anos apresente um crescimento na inserção no

trabalho ainda são significativos os índices de desemprego, principalmente em

alguns grupos que não conseguem acompanhar as transformações no mundo do

trabalho, dado a alterações nas tecnologias mercadológicas.

De acordo com o estudo, o desemprego entre os jovens não é um

fenômeno apenas brasileiro, mas global. No entanto, entre os dez países

pesquisados, o Brasil é o que apresenta a maior taxa de jovens desempregados,

com 46,6%. México vem em seguida com 40,4%, Argentina, 39,6%, Reino Unido,

38,6%, Suécia, 33,3%, Estados Unidos, 33,2%, Itália, 25,9%, Espanha, 25,6%,

França, 22,1%, e Alemanha, 16,3%. IPEA, 2009

A reestruturação produtiva tem levado ao aparecimento e

desaparecimento de algumas ocupações, ao surgimento de novas tecnologias e

modelos organizados. Essas mudanças contribuem para o surgimento de novas

exigências para a obtenção de emprego e dificulta a inserção de jovens que não

preenche aos novos critérios, gerando um grau maior de competitividade e

produzindo os denominados sobrantes que passarão a desenvolver atividades

laborais informais.

Lauro Ramos, pesquisador do IPEA e especialista em mercado de

trabalho afirma que o crescimento da informalidade no Brasil decorre de uma série

de transformações pela qual a economia do país vem passando, dentre elas a

expansão do setor de serviços – que passou de 35, 7% para 42,8% somando-se a

isto o processo de enxugamento das empresas que passariam a produzir mais com

menos trabalhadores e o crescimento da terceirização, sobretudo nas atividades de

limpeza e segurança.

A pesquisa sobre a realidade dos jovens em Teresina está em fase de

análise dos dados pesquisados (bibliográfico, documental e empírico) e de

sistematização do relatório final. No entanto, algumas considerações sobre as

expectativas da juventude brasileira e piauiense relacionadas à questão do trabalho

apresentaremos a seguir.

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3 EXPECTATIVAS DA JUVENTUDE NA CONJUNTURA ATUAL

A pesquisa que está sendo desenvolvida desde 2007 sobre ‘Juventude,

Trabalho, políticas públicas na cidade de Teresina’2 vem apresentando resultados

que confirmam a importância do trabalho para os jovens da cidade. É através do

trabalho, em especial do acesso ao mercado formal, que eles esperam encontrar a

independência e a autonomia em relação à família. Querem seguir os seus próprios

projetos de vida. Para tanto, compreendem que, somente através da preparação

para o trabalho é que conseguirão melhores colocações neste mercado que, para

eles, torna-se cada vez mais exigente. É importante termos acesso ao que eles

sentem – um desejo positivo por partes deles – o que contraria as injunções

negativas feitas por vários segmentos sociais, construindo um estigma de que eles

não têm “projeto de vida” e de que o futuro é o caminho para a delinqüência e para a

marginalidade juvenil.

É o jovem, em geral, que é responsabilizado pelo crescimento da

violência urbana nas grandes cidades. Daí o desenvolvimento de programas e

projetos voltados para a “proteção especial” com o objetivo de superar os “desvios

de comportamento” considerados resultantes da ociosidade e do despreparo para o

mundo do trabalho. O jovem vivencia um desejo de inserção social ao lado de uma

perspectiva que distancia muitos que vivem em família com menores possibilidades

de proporcionar as condições desejadas na atualidade.

Na realidade piauiense e, em especial, na cidade de Teresina a situação

desse grupo social é motivo de preocupação para as famílias, em razão destas, em

sua maioria, não dispor de condições econômicas, sociais e culturais que

proporcionem os meios exigidos para atender a lógica atual do mercado de trabalho.

A expectativa dos jovens, que fizeram parte da pesquisa é de atingir um

grau de escolaridade, ter uma profissão e/ou se profissionalizar para o ingresso no

trabalho qualificado. Ainda é através do “emprego seguro” que esperam responder

às exigências apresentadas na contemporaneidade. No entanto, é visível a presença

significativa de jovens de diferentes idades e com uma variada formação escolar e

profissional a procura de trabalho, seja através dos anúncios em jornais aos

2 Subprojeto coordenado por esta autora fazendo parte do Projeto de Pesquisa do NUPEC – A condição da juventude em Teresina desenvolvido no período de 2006 a 2009, financiada pelo CNPQ, sob a Coordenação da Profa. Dra. Vânia Teresa Reis, membro pesquisador do referido Núcleo.

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variados tipos de emprego, centrando mais no comércio e no Estado, seja via

concursos públicos, submetendo-os as parcas vagas destinadas, no geral, para todo

o Brasil.

Assim, o campo do trabalho, em suas diversas modalidades, torna-se

limitado ampliando para a informalidade, como por exemplo, a crescente presença

dos camelôs em vários pontos do centro da cidade. Enquanto que para a defensiva

neoliberal estes estão interagindo com as transformações do capital, atendendo a

lógica da flexibilidade produtiva. Os trabalhadores informais perdem sua identidade

enquanto trabalhadores produtivos e a condição de trabalhadores com direitos

conquistados através das lutas e conflitos entre o capital e o trabalho.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aproximação às questões aqui levantadas em relação aos jovens e ao

trabalho verifica-se que este é um tema complexo para se analisar. Os jovens em

qualquer lugar do país e, em outros países, buscam respostas ao que foi construído

socialmente como expectativas para sua entrada no mundo das relações sociais e

saída, na busca de sua autonomia, do espaço familiar para a construção de sua

própria caminhada.

A contradição reside nas dificuldades que estes enfrentam ao se deparar

com a limitação de acesso a um dos mecanismos exposto na sociedade capitalista

como possibilidade de produção e de reprodução do homem enquanto ser social. O

trabalho como discutimos anteriormente é um dos componentes que, nessa

sociedade se apresenta com a capacidade de proporcionar todas as condições

desejadas e apresentadas pelos objetos produzidos para ser consumido

socialmente.

As transformações do capital que aparece como crises cíclicas e o

reordenamento para a solidificação de um projeto global exclui a maioria da

população desse processo de mudanças aparentemente necessária, e os jovens

nesse meio continua a lutar por um lugar que ser reconhecido e acessar aos bens

produzidos necessários a condição humana.

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REFERÊNCIAS

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