Cidade Miniatura Triste

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Text by Álvaro Lapa // Porque Morreu Eanes // Editora Estampa O MEIOAMBIENTE "junksapceis pot-existencial; it makes you uncertain where you are, obscures where yougo, undoes where you want to be? Junkspaceis a web without spider. If space-junk is the human debris that litters the universe, junkspace is the residuemankind leves on the planet." Koolhaas, rem; junkspace, in guide toshopping, Taschen, 2001

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supermercado miniatura triste

O escudo da cidade!... “Os fregueses que seguem são vendidos à entrada! do lado da rua Passos Manuel, uma vez que por ai há mais falta.”

(Era agora iluminada por um sol mais forte.) “Os próximos 20 fregueses são para a entrada principal.”

a menina repete a ordem do gerente pelo microfone agudo. “Não está fechada !”

gritou. Uma voz lá de dentro:

“para que estava você para ai a martelar que nem um doido?”. perguntou um homem bem constituído:

“atrás de um buraquito?”

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“Mas entre”, continuou, “não vai ficar aí especado à porta”. “não incomodo?”, perguntou.Os 20 próximos vão alinhar-se na prateleira, simplificando a tarefa necessária com sacos de plástico apanhados à pres-sa com ordem na corrida com que é preciso resolver a vida.

Algures no tecto, filtrava-se um fraco

Tudo o que restava depois dos

dela se terem servido,caindo sobre o

“O escudo da cidade”. Ao principio, quando se começou a construir a Torre, as coisa corriam bem. Havia até dema-siada ordem. Apertados melhor, na prateleira, abrindo o espaço aos que se seguem para reparar as falhas declaradas nas gerências. Parecia que se teriam séculos à frente para trabalhar na ideia. Melhor ainda, a opinião geral era a de que nunca se seria lento demais.Do outro lado talvez haja faltas às três horas da tarde compreendam.

pobre cubículo que era aquela cabine.raio de luz solar. andares de cima

O essencialdo empreendimento é a ideia de construir uma torre que atinja o céu.”

“É preciso mostrar ao cliente é tão importante como vender, porque isso é vender. As pessoas pensavam assim.

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(Do outro lado talvez haja faltas às três horas da tarde compreendam.) Os que foram entrando levaram já decerto uns dez ou mesmo todos os da prateleira há pouco e, assim, o gerente ordena mais fregueses pela Menina, até pôr entre uns e outros todos os que forem entrando mais negócio.

Uma vez captada na sua grandeza, a ideia não poderá nunca mais desaparecer.

“Você não parece muito interessado em desembarcar; hã?”

“Estou pronto”, disse Karl. e como era forte e estava bem disposto pegou na mala e põ-la ao ombro. “não suporto ver gente a espreitar-me ali à entrada”, disse “Está sozinho?” “Sim. Estou completamente só.”

“Hoje é dia de pagamento. Quer vir dai?” “Para que me hei-de eu dar ao trabalho?podes vir tu trazer-me o dinheiro.”Enquanto houver homens haverá desejo.

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“Onde desencantaste esse rapazinho tão giro?”ouviram-se então as gargalhadasdas outras raparigas que tinham parado de trabalhar.

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Os que entram nas prateleiras são por vezes os que olham e que comprando levam tudo e voltarão, por-que é preciso resolver constantemente. Muitas vezes os carros de serviço interno carregados com gente “bem embrulhadinha”, como diz a menina da entrada, empurram outra gente que vai saindo e vai entran-do hora a hora, sem ver. Reparando veriam a sua própria falta nos stocks.E tudo seria ainda mais fácil.

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“ navio ”.apercebeu-se de que nunca estivera naquela parte doKarl

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A qual, durante a viagem, estivera reservada provavelmente aos passageiros da 1.ª e da 2.ª classe.

Era muito mais lógico imaginar pelo contrário que a geração seguinte,

na posse de um saber mais completo,

julgaria mal o trabalho feito,

abateria a obra dos percursores e recomeçaria com

novas forças. Educação, é o que falta ainda no plano central; m

as já se nota.

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é o processo automático em que “o Alemão” está totalmente avançado, como disse(“Ein Granz Kampf”,

“O produto não existe

”(Karl Braun

).

imediatamente traduzível.)

É claro que a sala inteira se encheu imediatamente de vida.Karl só custo se conteve para não dar um salto em frente.“É melhor deixar ouvir o que ele tem para dizer.” um processo sem falhas visíveis,

quer dizer perceptíveis

pois a própria percepção inclui já o acto que é o próprio cliente.

Alguns perfeitoe mais modernos

“artigos” aparecem expostos sem que ninguém os mande;

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“o produto é a entidadeXa que o sistema reduz o cliente.

E assim , o produto é o cliente . ”

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Assobiou baixinho. Ao aperceber-se disto Karl não pôde continuar ina-ctivo por mais tempo.( )

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Aqui é o cliente que é vendido,

a vendase não faz

coisa e um homemdo momento ultrapassado.

entrep o i s e s s a é ablasfémia

pela própria coisa.

“É preciso compreenderque

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Fenómeno totalmente humano, quer-nos parecer sem

A que não pode dar-se o tempo de existir,porque representaria um,

e simbolicamente imaginável em termos de função pelo cliente.

na equação total.

embaraço“realista”Uma vez que a sua“presença”

é gentil

blasfémia!”

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“Garanto-lhe que no momento já me chega.”com receio de ser apanhado pelos gestos largos;porém sentia-se mais forte, e de espirito mais lúcido,

“Eu sei”disse Karl que tinha dificuldade em se defender da torrente verbal,

que do que jamais se sentira em casa.

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Foi assim que passou a época da

1.ª “geração”. Após isto

“foi diferente”. acrescentemos que ai na

2.ª ou na 3.ª geração,

reconheceu-se a inutilidade de

construir (ou de reconstruir)

uma torre que chegasse ao céu:

tudo o que lá nasceu em contos e lendas está cheio de nostalgia, na prate-leira alta arrumam-se

ideias desinteressadas como artigos de vestuário a metro ou pronto a vestir ou os modelos de há seis meses que sempre interessam

quem lá está à espera de um

desconto percebendo as leis

disto tudo de uns anos para os

outros é um instante.

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Ao fundo aparece o artigo invendável.

pois muita gente acumula a contradição sob essa forma.

Mas esse é o quemais interessa,

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E à saída é-se próxima venda. Cada vez mais fácil, não

Sempre velar, pelo stock total,

porque ele é total, desde o momento

em que aqui se entra.

Vai lá sem saber o que a dirige e é a própria contradição que faz

encontrar aquilo.Ora aquilo é ainda humano, ealguémteremos que ter que o representar.

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Toda a passagem de resto lá está. Escrita! Mas são linhas de luz pura, para já. E só no fim do ano se podem ler em números certos. Agora oscilam, são os gráficos.

dava mesmo a impressão de que alguém estava a ser violentamente empurrado contra a porta.

Aos que se perdem são dados alguns números de referência e é possível saber sempre onde tudo se encontra.Basta ir ao catálogo “acende e apaga”, pelo sistema de índice.

Infalível.

Do lado de fora da porta, ouvia-se agora muito ruído e gritos,

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Quem é que está lá fora?” “São as minhas testemunhas.” “Mande-os entrar imediatamente.”

“Francamente, isto é demais! Atarem-me um avental de mulher à cintura!”

Alguém se começou a rir.“A isso chamo eu boa disposição!

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As caves. Para aproveitar ao máximo a alegria do momento.

(eis porque a cidade tem “um punho”

, no seu escudo.)A estes ninguém... E para passar o tempo. Nas caves. Caixas de cartão acumulam detritos.

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Na torre empenharam-se as línguas demasiadas, como se o seu acabamento viesse a depender,

doravante,da linguagem das próprias coisas.

A partir dai as dificuldades tronaram-se deus,quaisquer que fossem as razões do castigo. Quaisquer que fossem as razões do castigo.

Até que um dia este cessará, perante a redescoberta da língua original ou da capacidade dos construtores fazerem silêncio.

Pronuncia estrangeira actualizada pelo esforço. Ante a falésia a descoberto.

O antigo olhar. Na língua original,

o antigo olhar, a descoberto,

na construção da torre.

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Todo o piso envidraçado alugado aos fantasmas de clientes certos hora a hora vão só para ver a vista do que já se construiu em tão pouco tempo.

Karl voltou-se para ler no rosto dos presentes a impressão que a história podia ter causado. Nenhum deles se ria e todos escutavam com seriedade e paciência.

Em elevadores repara-se a quantidade constante dos sacos vazios hora acima hora a baixo. E uma leve melhoria nos lucros.

A compra do mês reflecte-o de resto na legenda do momento autocolante necessário. Karl sentia-se envergonhado se por ali passava e a via através da porta ligeiramente entreaberta.

Karl não ficou surpreendido por eles o não terem acordado quando se levantaram.

Eles sabem...

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