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    ROBERTO AMARAL

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    UNESCO 2003 Edio publicada pelo Escritrio da UNESCO no BrasilNatural Sciences SectorDivision of Science Analysis and Policies

    As autoras so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelasopinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem aOrganizao. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo deste livro no implicama manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquerpas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitao de suas fronteirasou limites

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    EdiesUNESCO BRASIL

    Conselho Editorial da UNESCO no Brasil

    Jorge WertheinCecilia BraslavskyJuan Carlos TedescoAdama OuaneClio da Cunha

    Comit para a rea de Cincia e Meio Ambiente

    Celso SchenkelBernardo Brummer

    Ary Mergulho

    Traduo:Guilherme Joo de Freitas TeixeiraReviso:DPE StudioAssistente Editorial:Rachel Gontijo de ArajoDiagramao:Paulo SelveiraProjeto Grfico:Edson Fogaa

    UNESCO, 2003

    Amaral, Roberto

    Cincia e tecnologia: desenvolvimento e inclusosocial / Roberto Amaral. Braslia: UNESCO, Ministrio da Cinciae Tecnologia, 2003.128p.

    1. CinciasDesenvolvimento Scio-EconmicoBrasil2. TecnologiaDesenvolvimento Scio-EconmicoBrasil3. Incluso SocialCinciasTecnologiaBrasil 4. DesenvolvimentoTecnolgicoDesenvolvimento Scio-EconmicoBrasil5. Transformao SocialTecnologiaBrasil I. UNESCO II. Ttulo

    CDD 338.9

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaRepresentao no BrasilSAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar.70070-914 Braslia-DF BrasilTel.: (55 61) 2106-3500

    Fax: (55 61) 322-4261E-mail: [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    SUMRIO

    Uma Nova Poltica de Cincia e Tecnologia............................................9

    Poltica de Cincia e Tecnologia.............................................................29

    Discurso Diretoria e membros da ABDIB..............................................29

    Aula-Magna Universidade do Rio de Janeiro, UNI-RIO.......................... 35

    Aula inaugural na PUC-RJ .......................................................................45

    Solenidade de Posse dos Novos Membros da ABC....................................53

    Incluso Social ........................................................................................69

    Abertura da 55 SBPC..............................................................................69

    Conferncia Online Educa Barcelona .......................................................80

    Temas Tcnicos Especficos ....................................................................99

    BioticaPronunciamento de Abertura do Frum Global de Biotecnologia.............99

    Projeto AeroespacialSolenidade de Posse do Novo Presidente da AEB....................................107

    Cosmologia, Relatividade e AstrofsicaSolenidade de Abertura da X Marcel Grossman Meeting- MG10 ...........116

    Centro de Tecnologia MineralDiscurso por ocasio do 25 Aniversrio do CETEM.............................124

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    UMA NOVA POLTICADE CINCIA E TECNOLGIA

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    O governo que se instala tem um compromisso indeclinvel com amudana. Trata-se de mandato imperativo, outorgado pela soberania popular,expressa de forma inquestionvel na memorvel manifestao de outubropassado. Ao eleger Luiz Incio Lula da Silva, estava, o nosso povo, conscien-temente, optando por um especfico programa de governo, fundado namudana, no compromisso de construo de uma nova sociedade. Acidadania elegeu novas prioridades: o povo e a ptria, o humanismo e odesenvolvimento, a riqueza a servio da justia social. Saberemos honrar

    esse compromisso e corresponder a essa confiana.Sim, neste governo, povo e ptria sero a razo e a finalidade.Nada nos far abdicar do nosso projeto de fazer deste pas uma nao

    livre e respeitada.A eleio do Presidente Lula a consolidao do largo processo

    histrico que deita razes nas primeiras manifestaes da nacionalidade e dacidadania brasileira. Este no um processo autnomo, fenmeno isolado

    ou puro produto das circunstncias. Pelo contrrio, o somatrio e a resul-tante de todas as lutas sociais desenvolvidas em nosso pas. Assim, rendemoshomenagens aos que, antes de ns, dedicaram suas vidas construo deum pas menos injusto. Lula ergue a tocha de seus antecessores, para dizerque vale a pena dedicar nossa existncia construo de um sonho.

    Este o primeiro governo de esquerda eleito em 500 anos dedominao de uma elite perversa sobre os interesses do povo e do pas.

    UMA NOVA POLTICADE CINCIA E TECNOLGIA *

    * Solenidade de Transmisso do Cargo de Ministro de Estado de Cincia e Tecnologia, Braslia, 2 de janeiro de 2003.

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    Antes de ns, os herdeiros de Zumbi e de Frei Caneca, os abolicionistas, osrepublicanos, os federalistas, os democratas, os progressistas, os anarquistas,os trabalhistas, os socialistas, os comunistas cada um com seu projetohistrico ou sua utopia lutaram pela ptria, pela liberdade, pela democra-cia, pela igualdade social, pela paz e pela soberania nacional. Antes de ns enos desvendando o caminho, os pioneiros da utopia industrialista do sculoXIX, os que enfrentaram a questo social no sculo XX, os que lutaram emtodos os tempos contra todas as ditaduras. Antes de ns, lutaram aqui osque no abdicaram do sonho de construir nesta terra uma civilizao: acivilizao da liberdade, da igualdade, da justia social, enfim, dos direitosfundamentais de todas as dimenses. Uma civilizao sempre prxima dafraternidade e do homem solidrio e sempre longe do egosmo e do indi-vidualismo que se converteram nos principais valores de uma elite alienadae fornea, enclausurada nos limites de seus prprios interesses. Nossopreito e nossa saudade aos que no puderam chegar at aqui, para conosco

    partilhar da festa cvica e do grande desafio de realizar o primeiro governopopular da histria republicana.

    Permitam-me trs evocaes pessoais:Abro o corao para recordar a memria de meu comandante Mrio

    Alves de Souza Vieira, lder da resistncia revolucionria ditadura militar,assassinado numa das cmaras de tortura instaladas no quartel da PE naTijuca, na minha cidade do Rio de Janeiro.

    Evoco a memria do militante socialista Antnio Houaiss, exemplarinsubstituvel de intelectual orgnico, primeiro presidente do PartidoSocialista Brasileiro em sua segunda fase. Choro sua ausncia.

    Por um mau fado do destino, uma dessas peas que a vida nos prega,no est aqui conosco, como prometera, meu jovem amigo Evandro Lins eSilva, fundador do meu partido e patrono dos advogados brasileiros.

    Ambos, Antnio Houaiss e Evandro Lins, foram tragados pelatragdia biolgica, pouco tempo antes de poderem fruir da grande quadra

    de esperana que vivemos agora.

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    Senhor ministro Sardenberg. Tenho muita honra em suced-lo.V. Exa. dignificou a Pasta e abriu sendas que sero percorridas.

    Minhas senhoras, meus senhores.Tem-se falado constantemente a ponto de tornar-se consensual

    que o complexo cincia-tecnologia desempenha funo estratgica nodesenvolvimento dos pases e da sociedade. preciso, no entanto, explicitarque essa funo estratgica deriva do fato de que, no decorrer da histria e de modo mais evidente a partir da Revoluo Mercantil, e sobretudo apartir da Revoluo Industrial , a tecnologia e o conhecimento cientficos,entranhados esto no cerne dos processos por meio dos quais os povos socontinuamente reordenados em arranjos hierrquicos: em suma, a cincia ea tecnologia, isto , o conhecimento, usado politicamente, comanda ahierarquizao dos povos. Da revoluo industrial emergiram, seja precoce,seja tardiamente, os atuais pases ricos do chamado primeiro mundo,caracterizados exatamente por economias de alto padro tecnolgico, e os

    pases pobres, os outros, ns, ou, no dizer de Darcy Ribeiro, a periferianeocolonial de naes estruturadas menos para atender s suas prpriasnecessidades do que para prover aqueles ncleos de bens e servios emcondies subalternas. Este legado que devemos perversidade de nossasseguidas elites dirigentes.

    Desenvolvimento tecnolgico, ou, o que a mesma coisa, inovaocontinuada, uma forma de expresso da cincia aplicada. Permitam-me,pois, o trusmo: no h cincia aplicada se previamente no h cincia.Assim, o decisivo continua sendo a livre criao do conhecimento queviabiliza a produo de tecnologia. esse o terreno que pases ricos, deten-tores de conhecimento cientfico e, inclusive, determinadas formaesempresariais, que, por serem to grandes, quase alcanam a posio deverdadeiros pases , se esforam por preservar, de modo a perpetuar suadominao. No refao essas observaes, que perigosamente se aproximamda obviedade, para lamentar a perversidade dos outros. Mas sempre til

    t-las em mente, para conscientizar-nos da nossa posio atual, de pases

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    dramticos desnveis sociais, pessoais e intra-regionais, sem altos e constantesinvestimentos em cincia e tecnologia.

    No haver democracia entre ns enquanto no assegurarmos a todosos cidados igualdade de oportunidades no acesso educao e aos benef-cios do conhecimento cientfico e tecnolgico, enquanto no prestigiarmosadequadamente nossos mestres, cientistas e tcnicos. Prestigiar no apenasoferecer salrios adequados, em conformidade com o valor que agregam s suasprodues, mas , tambm, assegurar condies de trabalho, produtividadee realizao profissional.

    Socialistas, interessa-nos a fundo tudo o que humano. A funo datcnica, dizia-se j no comeo da era moderna, a de aliviar as canseirashumanas. Por isso, defendemos o desenvolvimento cientfico e tecnolgicocomo instrumento de melhoria da qualidade de vida das pessoas, de todo opovo brasileiro, enfim. A nova poltica brasileira de cincia e tecnologia,assim, ser orientada para a mudana social, a qual se configura, neste

    momento, como um esforo de toda a sociedade em favor da democratizaodo conhecimento cientfico, da tcnica e dos benefcios que ela propicia.Se no fizermos isso, o ciclo neoliberal, embora derrotado nas urnas, sobre-viver em nosso tempo. Para esse projeto de mudana, o papel da C&Tser fundamental, em duas vertentes: a primeira configurada pela busca aoatendimento s carncias sociais mais graves do nosso povo, definidas comoprioridade pelo governo Lula; a segunda, no desenvolvimento de instru-mental tcnico-cientfico-estratgico contributivo para a sustentabilidadedo desenvolvimento nacional em largo prazo.

    No estamos, desde logo, estabelecendo prioridades precisas, mas evidente que algumas aes cobram nossa ateno. Assim, precisamosavanar em reas estratgicas como o programa espacial, a tecnologia dainformao, as mudanas climticas, o uso sustentvel da biodiversidade eas relaes entre cincia e tecnologia e defesa nacional. Precisamos enfrentartodos os campos em que se revelar mais aguda nossa dependncia. o caso,

    por exemplo, da energia. A histria do Oriente Mdio, dilacerado por

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    invases, pelo colonialismo, por guerras passadas, guerras presentes, guerrasprometidas e guerras futuras, expe, para nossa oportuna reflexo, o carterdramtico, ou trgico, da combinao de recursos estratgicos e sociedadesatrasadas. A iminncia da guerra imperialista, e esta com data marcada,pode expor, de forma escandalosa, nossa vulnerabilidade, com a escassez sejade combustvel, seja de insumos bsicos, seja at de remdios. A proximi-dade do fim do ciclo do petrleo ainda na raiz de guerras, dominao esaques , deve nos encaminhar para a pesquisa de fontes alternativas, comoa energia elica, a energia solar, a bioenergia, enfim, uma nova matrizbaseada em fontes renovveis.

    A Amaznia, por seu potencial hdrico, energtico, alimentar, minerale gentico, pela riqueza de sua flora e fauna e pela sua importncia geopoltica,cobra nossa preocupao permanente.

    Como a biotecnologia, a poltica nuclear e espacial, a produo defrmacos, fertilizantes, alimentos, fibras, resinas e outras matrias-primas

    industriais, baseadas na diversidade biolgica e na informao gentica.Os pases que conseguiram construir parques industriais e tecnolgicos

    dependeram da mobilizao de suas sociedades, do papel de suas lideranassociais e polticas empenhadas em criar as condies objetivas necessriasao desenvolvimento da produo do conhecimento. Quer isso dizer que odesafio colocado diante de ns ser enfrentado e vencido se conseguirmosmobilizar e liderar a sociedade brasileira para esse enfrentamento. No sertarefa de um s ministrio ou s do governo Lula.

    Para ns, a poltica de C&T deve ser vista como questo de Estado.Ser comandada pelo MCT, mas em articulao com todo o Governo Federal,com os estados, com a comunidade cientfica, com o empresariado e com ostrabalhadores. Esperamos contar com os meios de comunicao de massa.

    O governo Lula tem metas objetivas, s quais devemos dar sustentao.Da meta central o homem derivam o crescimento e a desconcentraode renda, como meios de combater a misria e a excluso social. At por

    que, essa concentrao exacerbada insustentvel mesmo a mdio prazo. E

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    nada pode ser mais tico do que orientar as pesquisas para o atendimentodas necessidades maiores de milhes de homens e mulheres segregados dasriquezas materiais e culturais que o capitalismo vem produzindo. Obstruios fluxos de consumo, trava, ciclicamente, a reproduo do capital e conduz estagnao, crise e descontinuidade do crescimento e da democracia.

    O MCT pode aportar contribuio decisiva para oferecer meta docombate fome, anunciada como prioridade pelo presidente Lula, princi-palmente nas condies de sustentabilidade da produo agrcola e daagroindstria. Precisamos aumentar a produo de alimentos, melhorar suaqualidade e dar eficincia sua distribuio. Esta questo estratgicatambm do ponto de vista planetrio, diante do esgotamento do modelobaseado na utilizao intensiva das terras agriculturveis, de insumos qumi-cos e venenos, com a conseqente destruio de solos e dos recursos naturais,o aumento da poluio e dos danos sade e o consumo exagerado de recursose de energia, cada vez mais escassos. A crise ambiental anunciada sinaliza

    por mudanas favorecendo nossa opo pelo desenvolvimento de linhagensde microorganismos que fazem a fixao biolgica do nitrognio atmosfrico,eliminando a necessidade de fertilizantes nitrogenados, chave de uma futuraagricultura sustentvel e de alta produtividade, como demonstram nossasexperincias com a produo de soja e da cana-de-acar.

    O MCT ser companheiro do presidente Lula no seu esforo de fazera economia brasileira voltar a crescer, gerar os empregos necessrios e, aomesmo tempo, distribuir a renda gerada pelo desenvolvimento. Por isso, acincia e a tecnologia sero usadas para elevar os nveis de educao e sadedo povo, agregar valor a nossos produtos, aumentar-lhes a competitividadeno mercado internacional, democratizar o acesso informao e ao conheci-mento, expandir a oferta de postos de trabalho, promover um desenvolvi-mento que respeite o meio ambiente, enfim, promover a melhoria continuadada qualidade de vida de nosso povo. Sem ter cerceada a indispensvel auto-nomia da pesquisa cientfica e a demanda espontnea, que estimularemos e

    fomentaremos, faz-se necessrio estabelecer uma vinculao efetiva entre

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    cientistas, enquanto a regio Norte detm cerca de 10% do total. Isto mostraa que distncia nos encontramos da integrao nacional.

    Seja como for, a situao est longe de corresponder s necessidadesatuais do pas e muito menos s suas potencialidades. Para comear, setomarmos por base uma referncia combinando o tamanho de nossa populaocom o tamanho da economia brasileira no quadro mundial, deveramosestar publicando, pelo menos, o dobro do nmero de trabalhos e formandocerca de 10 mil doutores por ano. E Esta ser nossa meta mnima at o finaldo governo Lula.

    No que diz respeito, entretanto, cincia aplicada, a situao vexa-tria, pois ocupamos o 43 lugar numa classificao elaborada pela ONU,abaixo do Panam e da Costa Rica. Para compreender rapidamente talsituao basta lembrar que enquanto a Coria do Sul registrou 3.472 patentesnos Estados Unidos, em 2002, no passamos do inexpressivo nmerode 113 registros. Aplicando apenas algo como 1% do PIB em Cincia e

    Tecnologia, o Brasil fica, tambm, abaixo da Coria do Sul, que aplica 2,5%.Alm de aumentar os investimentos, a Unio precisa investir no

    registro de patentes.Do ponto de vista do desenvolvimento tecnolgico, nossas limitaes

    so muito grandes e a fragilidade no domnio da inovao evidente. Omodelo substituidor de importaes, praticado no Brasil entre os anos de1940 e 1970, no substitua a importao de tecnologia. De outra parte, omodelo de industrializao dependente no ensejava a pesquisa industrialprivada, basicamente concentrada nas matrizes das multinacionais. Oempresariado nacional ou no tinha flego para grandes investimentos ouno tinha compreenso para sua importncia,; pragmaticamente, optou, deforma recorrente, pela aquisio de tecnologia estrangeira porque represen-tava um custo privado menor que o incorrido no desenvolvimento interno.O formato do setor industrial brasileiro, fortemente oligopolizado, tambmno tinha porque exercitar a competio via inovao. Como fazer pesquisa

    cientfico-tecnolgica desligada do seu entorno industrial, econmico e

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    social? O processo de privatizao predatrio, adotado pelo governo passado,foi outro fator de desmobilizao, com a destruio dos centros de pesquisadas empresas estatais privatizadas, como foi o caso exemplar do CPqD daTelebrs. As excees, ao modelo inibidor, ainda se devem unicamente ainvestimentos estatais, como o caso da Petrobras, da Embrapa, do ITA a quem verdadeiramente se deve o sucesso da Embraer privatizada como atecnologia nacional de enriquecimento de urnio, desenvolvida pela Marinha.

    A incipincia da pesquisa aplicada, se confrontada com a escala denossas carncias, representa o maior entrave conquista, pelo pas, de suaautonomia tecnolgica, consequentemente da conquista das condies deatendimento s nossas emergncias sociais e de ampliao da competitivi-dade brasileira no mercado globalizado.

    A principal causa desse problema reside no fato de que a empresaprivada brasileira, e particularmente a indstria, ainda est muito longede desempenhar todo o papel que dela se espera no campo da inovao

    tecnolgica. Em pases desenvolvidos, mais de 70% dos resultados daspesquisas tm aplicao tecnolgica, e grande parte dos recursos destinados inovao sustentada pela prpria indstria. No Brasil, a situao rigorosamente inversa: o governo, alm de sustentar a pesquisa bsica, temde prover os meios para execuo da pesquisa aplicada.

    Como resultado, insuficiente nossa capacidade de produzir e expor-tar produtos e servios competitivos e de alta qualidade que ostentem asinovaes permanentemente exigidas pelos mercados internacionais. Essessetores praticamente no despertaram ou no atentaram tanto quantopoderiam para a necessidade de manter um esforo sistemtico de inves-tigao que conduza no s ao domnio de todos os processos de produoem si, como ao aperfeioamento e desenvolvimento de novos mtodose produtos. Assim, com raras excees, contentam-se ambos em utilizarconhecimentos de segunda mo pelos quais pagam no s pesados royaltiescomo o alto preo da permanente dependncia criatividade e viso de

    grandes empresas internacionais.

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    Da decorre estarmos condenados a tentar acompanhar as refernciasinternacionais empregando, em escalas variveis, componentes fabricadosnoutros pases, ou optar pela alternativa de fabricar produtos abaixo dessespadres, com reflexos negativos tanto para o nosso desenvolvimento indus-trial como para a balana de pagamentos.

    Pelas mesmas razes, a populao brasileira deixa de ter acesso a bense servios de alto valor tecnolgico, ainda restrito a uma minoria dotada decondies para pagar por seus custos de importao.

    Mudar esta situao, em mdio prazo, e desenvolver a parte especficaque lhe cabe no processo, uma das responsabilidades que a nova adminis-trao do MCT quer assumir.

    O conhecimento deste quadro tem levado, nos ltimos anos, os gestoresda cincia e tecnologia em nosso pas a privilegiar a aplicao de recursos narea de pesquisa aplicada, parte deles subtrada de recursos e fontes antesdestinados pesquisa bsica. Esta opo, completamente equivocada,

    desconhece que os cientistas que atuam em reas aplicadas so formadosatravs de cursos de ps-graduao cuja excelncia decorre, exatamente, daqualificao de professores dedicados, em tempo integral, pesquisa bsica,e de sua participao nas mesmas em situao real de trabalho. Negligencia,tambm, o fato de que o sucesso de projetos nas reas aplicadas impe aexistncia de vnculos permanentes com aquelas reas acadmicas deque depende, tanto para receber pessoal qualificado, quanto para a soluode problemas nas respectivas esferas de conhecimento. Nossa viso, nesteparticular, que a pesquisa pura, ou bsica, e a pesquisa aplicada, ou tec-nolgica, so parte de um mesmo conjunto e se constituem manifestaesde uma mesma e indissocivel atividade, no havendo como priorizar umadelas sem prejudicar a ambas.

    O sucesso da Petrobras na pesquisa de petrleo em guas profundas,em que realizou inovaes tecnolgicas de importncia estratgica e assumiuposio de destaque internacionalmente reconhecida, resultou, em grande

    parte, do suporte fornecido por especialistas de centros de pesquisa bsica.

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    A geologia brasileira est entre as melhores do mundo e esse status, diga-sede passagem, se deve aos investimentos, feitos a partir de 1955, na criaode centros de excelncia no setor, e formao de pessoal. A Embrapa,considerada a maior e mais bem-sucedida empresa de tecnologiaagropecuria aplicada s condies tropicais, inclusive no campo da biotec-nologia, recrutou seu pessoal de centros universitrios de excelncia, com osquais mantm estreita cooperao. A Embraer, que introduziu nosso pas nasofisticada indstria da aviao civil e militar, teve suas bases no InstitutoTecnolgico da Aeronutica (ITA), um dos mais respeitados centros deformao de pessoal da Amrica Latina nas reas das engenharias. Estessucessos pontuais poderiam ter sido estendidos a muitas outras reas,inclusive de produo de medicamentos, setor em que o Brasil continuadependente da importao at de sais destinados a simples analgsicos. Essescomentrios, tambm, podem ser referidos biotecnologia, aos semicondu-tores, engenharia gentica, fsica nuclear, nanotecnologia, cincia da

    computao e a muitos outros campos nos quais, a despeito de todas asdificuldades, j conseguimos estabelecer uma base promissora. Por exemplo,somos detentores de conhecimento e tecnologia originais no setor do lcoolda cana-de-acar e capazes de, a qualquer momento, revitalizar o Pr-lcoolcom tecnologia competitiva.

    A Universidade e os centros isolados de pesquisa acadmica devem-seconstituir em base de qualquer programa de cincia e tecnologia, posto quea eles corresponde a misso no s de formar pessoal como de criar novasidias e apoiar todos os esforos no campo das inovaes tecnolgicas. NoBrasil, entretanto, estas instituies esto cada vez menos aparelhadas paracumprir sua misso, os valores de bolsas e salrios esto defasados e, comodissemos, o horizonte de expectativas de seus pesquisadores encontra-se nos extremamente limitado como povoado de ameaas de toda a sorte.Mesmo assim, o governo passado pretendeu criar uma alta tecnologia,inclusive em reas de importncia estratgica e de grande complexidade,

    sem considerao a essas premisssas, sem projeto de formao de pessoal,

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    sem o concurso por todos os ttulos indispensvel, de instituies satlitesbsicas e tecnolgicas. o caso, por exemplo, do Sistema de Vigilnciada Amaznia, Sivam. Embora reconhecido como um dos mais amplos ecomplexos projetos do mundo ocidental, seus formuladores negligenciaramo fato de que, sem um vasto quadro de profissionais muito bem treinadosnas tcnicas de detectar e analisar dados, esse belo sistema pode se tornarcompletamente intil. Foroso lembrar que enquanto o Sivam, cujaimportncia no se discute, repetimos, foi instalado a um custo de umbilho e quatrocentos milhes de dlares, instituies de respeitadastradies de trabalho cientfico, como o INPA, no puderam pr emprtica seus programas, falta de cinco bilhes de dlares.

    As dimenses continentais do Brasil nos colocam diante da necessi-dade de realizar estudos e pesquisas permanentes no s sobre a Amaznia,mas, tambm, sobre outras regies, como o semi-rido e o cerrado, queprecisamos melhor conhecer para desenvolver e preservar, cada uma delas

    com agudos e complexos desafios que no podem ser enfrentados senopela via do trabalho cientfico multidisciplinar e integrado.

    As Foras Armadas, que j deram provas de capacidade para criare desenvolver atividades de pesquisa da mais alta qualificao e valorestratgico, como o caso dos centros de pesquisa nuclear da Marinha, doInstituto Militar de Engenharia e do Instituto Tecnolgico da Aeronutica,precisam no s ser apoiadas como inseridas neste conjunto integrado.

    Formou-se entre ns um bolso de riqueza imerso num mundo depobreza, misria, atraso e marginalidade. A concentrao econmica inerente reproduo ampliada do capital, mas que ciclicamente exacerba-se e agrideo prprio sistema que constri imps no Brasil a excluso social e o desequi-lbrio regional, aumentando a pobreza daquelas regies que no conseguiramacompanhar o projeto industrial. A excluso econmica tem repercussona excluso poltica, na excluso cultural, na excluso da informao, doconhecimento, da cincia e da tecnologia. Os absurdos desnveis regionais,

    resultantes do modelo de desenvolvimento capitalista pelo qual optaram

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    nossas elites dirigentes, fazem parte do processo geral de concentrao e exclusosocioeconmica. Quando esse desnvel se aplica ao ensino, cincia e tecnologia, transforma-se em instrumento de reproduo do modelo.

    Em uma s regio brasileira, o Sudeste, se concentram 64% doscursos de mestrado em P&D; 80% dos cursos de doutorado; 71% dosprofessores com ps-graduao; 63% dos bolsistas da Capes em cursos demestrado; 80% dos bolsistas da Capes em cursos de doutorado, 86% dosbolsistas do CNPq em cursos de doutorado. Nessa rea, foram aplicados66% dos recursos do CNPq.

    Como muito bem observaram os companheiros da equipe de transioque cuidou do setor C&T, fazer hoje o discurso do prmio competncia esta-belecida e ignorar as origens das diversidades apontadas na distribuio compe-titiva dos recursos federais cristalizar uma situao de injustia histrica.

    Sem que isso signifique qualquer ameaa de subtrao de recursos,precisamos encontrar meios de fomentar o ensino, a pesquisa e a inovao

    tecnolgica em todas as regies do pas, fixando o pesquisador em sua uni-versidade de origem.

    preciso destacar o mrito do MCT na criao dos fundos setoriais,como novo mecanismo, no oramentrio, para gerar recursos para a rea deC&T provenientes do sistema produtivo. Eles precisam, porm, ter revistosseus mtodos de administrao e gesto, que devem ser mais democrticos,com maior participao da sociedade, inclusive dos trabalhadores, e contem-plar a pesquisa bsica. Mas, afirme-se desde logo, sua existncia no podecontinuar sendo usada como justificativa para a no-alocao de recursosoramentrios para o fomento do CNPq e da Finep.

    Os salrios dos professores e pesquisadores atingem os mais baixosnveis da dcada, e as bolsas de estudos no conhecem reajuste e praticamenteesto fechadas a novos alunos e pesquisadores, que no conseguem ingressarno sistema do CNPq. Atualmente, apenas 16% dos alunos de mestrado e30% dos alunos de doutorado so bolsistas. Uma poltica irresponsvel

    de privatizao, de par com a desestruturao do ensino pblico, degradou

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    o ensino mdio e compeliu 70% do alunado brasileiro, no geral os maispobres, a procurar as escolas superiores privadas. Esse ensino, de qualidadequase sempre discutvel, despreza as reas cientficas e no investe empesquisa. O ensino mdio, sem laboratrios, se ressente de professores decincias, fsica, qumica, matemtica e biologia, que a universidade noforma. Assim, retardatrios, caminhamos na contramo da experinciados pases centrais, nos quais o sistema de ensino em geral e a universidadeocupam lugar especial nas polticas pblicas.

    O governo Lula no ser um arquiplago. Vamos integrar nossosesforos aos esforos do Ministrio da Educao, visando formao deprofessores de ensino mdio. Uma das primeiras aes do governo doPresidente Lula, mediante a articulao do MCT e do MEC com os governosestaduais, ser, no prazo de quatro anos, dotar todas as escolas pblicas deensino mdio de laboratrios para o ensino das cincias.

    O Presidente da Repblica reitera os compromissos de campanha.

    O governo aumentar progressivamente o percentual do PIB para a nossarea, que hoje est em torno de 1% do PIB, para algo prximo de 2% doPIB at o final de seu mandato, incluindo a o apoio a segmentos especficosde ps-graduao que forem definidos como prioritrios. Nossa primeirapreocupao ser uma ao em conjunto com o Ministrio da Educaovisando reviso do valor das bolsas da Capes e do CNPq. O Presidenterecuperar e fortalecer o Conselho Nacional de Cincia e Tecnologia, comoinstrumento de formulao de polticas e estratgias. Reestruturado, oConselho dever ter a participao dos Presidentes de importantes rgosfederais e de empresas, como BNDES, Petrobras e representao significativada comunidade cientfica, das classes empresariais e dos trabalhadores.O Estado recuperar seu papel indutor e o MCT ter fortalecido seu papelcomo formulador e coordenador das polticas de C&T. Esta ao nopode ser terceirizada.

    Nossa administrao ser democrtica e transparente e acima de

    tudo, participativa, envolvendo os mais variados setores da sociedade, da

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    comunidade cientfica, do empresariado e dos trabalhadores. Transparnciaque compreende a administrao dos fundos e a execuo oramentria.Nenhuma deciso fundamental ser adotada sem a prvia audincia social.A sociedade dever influir na nova regulamentao dos fundos, nas priori-dades cientficas. Queremos discutir com a sociedade, entre outras, a propostada lei de inovao.

    Pretendemos realizar, com a participao efetiva de todos os setoresinteressados, conferncias peridicas, precedidas de conferncias estaduais.Estimularemos os fruns de secretrios de cincia e tecnologia e dos presi-dentes das FAPs a buscar novos mecanismos de financiamento em parceriacom os Estados, adotando o princpio da contrapartida da Unio a cadainvestimento estadual. O CNPq e a Finep devero se articular com osEstados e publicar editais conjuntos.

    Discutiremos com nossos colegas de Ministrio a cooperao de nossaspastas em todas as questes. Menciono a questo ambiental, a poltica de

    tecnologias limpas, a poltica de patentes, a poltica de padres, a polticaaeroespacial, a pesquisa e produo de alimentos, o reequipamento doslaboratrios pblicos, a participao dos hospitais-escola no esforo dedesenvolvimento cientfico-tecnolgico.

    Da maior importncia ser a rea de intercmbio internacional.Os acordos atuais sero aprofundados e novas prioridades sero criadas,compreendendo o intercmbio cientfico como mo dupla. Interessa-nosuma maior aproximao com a Comunidade Europia, tanto quanto ofortalecimento de C&T em nosso continente, que no pode ficar restritoaos esforos de Brasil, Argentina e Chile. Relativamente ao Mercosul, oportuno lembrar que a cincia e a tecnologia desempenharam papelfundamental em sua linha evolutiva: o processo de integrao s se tornoupossvel com o fim das disputas entre Brasil e Argentina em torno doaproveitamento hidroeltrico das usinas de Itaipu e Corpus, de que seseguiu o Protocolo de Cooperao Nuclear entre os dois pases. Os mais

    recentes desenvolvimentos de monta no mbito da integrao so os acordos

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    UMA NOVA POLTICA DE CINCIA E TECNOLOGIA

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    de cooperao visando integrao energtica; alm dos quatro membrosdo Mercosul, j participam a Bolvia (membro associado) e a Venezuela. preciso colaborar com os demais pases do continente, como fundamentalcolaborar com a frica do Sul e as ex-colnias portuguesas de frica esia. Nosso intercmbio com China, Cuba e ndia deve crescer, o mesmoacontecendo com a Rssia e a Ucrnia. O Brasil procurar auferir o mximode recursos dessa diversidade de parcerias.

    Prioridade daremos popularizao das questes da cincia e datecnologia. Trata-se de tarefa da maior importncia poltica e ideolgica.Precisamos levar a cincia para o dia-a-dia de cada brasileiro, para que cadacidad e cidado, cada contribuinte, entendendo a importncia da pesquisae da inovao na qualidade de sua vida, se transforme em seu defensor.Mobilizaremos todas as foras disponveis.

    Vamos rever a estrutura do MCT, que deve prever uma Secretaria deTecnologia para o desenvolvimento socioambiental e integrar num complexo

    harmnico as unidades que compem nossa estrutura. O CNPq, fortalecido,ampliar seu apoio pesquisa bsica em todas as reas do conhecimento.Cabe Finep dedicar-se promoo do desenvolvimento tecnolgico, apoiando,sobretudo, as micro e pequenas empresas e retornando ao tradicional apoio infra-estrutura de instituies de pesquisa em todas as reas, inclusive associais, responsvel pela consolidao de nossas principais instituies.

    O governo conta com a estreita colaborao do Poder Legislativo,que j discute o uso soberano da Base de Alcntara e a lei de inovao.Com ele, queremos discutir a lei da propriedade industrial, cujos termosforam impostos ao pas e que no servem aos interesses nacionais.

    Lutaremos, finalmente, por uma poltica de planejamento estratgicoque contemple o mdio e o longo prazos e que tenha como fundamentoa continuidade das aes, de projetos, programas e investimentos.

    preciso superar todas as amarras, todos os condicionantes, objetivose ideolgicos, para que o velho no sobreviva no novo. Da a importncia

    que as cincias humanas tero no CNPq.

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    Nosso compromisso com a mudana.Quero, de forma muito comovida, agradecer confiana de meu Partido.

    Agradeo a todos os militantes, mas de forma particular ao presidenteMiguel Arraes, liderana que admiro, uma das colunas da luta social-popular brasileira, e ao companheiro Anthony Garotinho, que pude conhecermelhor na campanha presidencial, e de quem tanto espera a militncia denosso Partido.

    Quero agradecer a confiana que honra e enaltece do presidenteLula, que aprendi a admirar nos idos de 1988, quando, quixotes retardatrios,intentvamos, com Jamil Haddad, Jos Dirceu e Gusiken, a construo daFrente Brasil-Popular, fonte e ponto de partida para a inesquecvel campanhade 1989, raiz da vitria de 2002.

    uma honra histrica participar deste Ministrio.Nosso dever servir ao governo do presidente Lula. Servindo-o com

    competncia e lealdade, estou certo de que estarei servindo ao meu Partido,

    ao meu pas e ao povo brasileiro, meio, fonte e fim.

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    UMA NOVA POLTICA DE CINCIA E TECNOLOGIA

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    DISCURSO DIRETORIA E MEMBROS DA ABDIB(Associao Brasileira da Infra-Estrutura e Indstria de Base),BRASLIA, 10 DE ABRIL DE 2003.

    Senhor presidente, minhas senhoras, meus senhores, membros daAssociao Brasileira da Infra-Estrutura e Indstria de Base,

    Posso dizer, senhor presidente, que as palavras com as quais acaba deme saudar poderiam constituir o discurso de qualquer membro do governodo presidente Luiz Incio Lula da Silva, particularmente do ministro daCincia e Tecnologia. Queremos o dilogo, buscamos o dilogo, mais doque o dilogo, a interao, o companheirismo. Queremos que os senhorespartilhem no apenas das discusses, mas, igualmente, do processo decisrio.Movem-nos razes polticas, razes ideolgicas e razes de necessidade.

    Compreendemos ser impossvel administrar a poltica de Cincia eTecnologia em nosso pas se no dispusermos de uma poltica industrial aela contempornea. igualmente impossvel pensar em uma coisa sem aoutra, pois elas so interdependentes e reclamam a participao ativa dosetor produtivo do pas.

    Alguns dos senhores, com os quais tive o prazer de me reunircomparecendo a outras associaes e entidades de classe, j devem ter ouvidominha proposta de dilogo e cooperao. Permitam-me, pois, o risco de

    repetio. A primeira entidade que visitei foi a Fiesp. A segunda, outra

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    instituio de classe, a Firjan. E a terceira tambm seria uma instituio declasse, a CNI. Essas visitas no se fizeram ao acaso, nem as entidadesforam escolhidas ao azar. A escolha meditada reflete nossa preocupao,do nosso governo e de nosso ministrio e deve ser recebida como umasinalizao para o empresariado e a sociedade.

    Qual a linha que permeia nosso ministrio? A necessidade decontribuirmos para o processo de desenvolvimento do pas. De um lado,agregando valor aos itens atuais da nossa pauta de exportaes, de outraparte participando do processo de substituio seletiva de importaes,sem a retomada de incentivos fiscais ou o apelo a polticas de reserva demercado, mas, por meio da inovao tecnolgica, de novo agregando valor,contribuindo para que a indstria brasileira possa substituir produtos, pease equipamentos cuja importao hoje se faz necessria. De uma forma e deoutra, aumentando nossa competitividade em um mercado ao mesmotempo globalizado e seletivo, aberto e protecionista.

    Para esse esforo ser fundamental a participao da universidadebrasileira. E ns todos precisamos romper com nossos preconceitos mtuos.A universidade no pode perder de vista que o investimento pblico quegera o ensino, a pesquisa e a tecnologia financiado por toda a sociedade,pelos cidados-contribuintes que no tm filhos na universidade e quesequer passaram pelas caladas das universidades e que no tm a menoresperana de verem seus filhos na universidade. Portanto, essa pesquisa eessa inovao precisam estar disponveis ao desenvolvimento do pas.

    A empresa privada e o empresariado precisam compreender que somosaliados nesse esforo e que eles devem participar permitam-me a observao com mais cumplicidade, com mais dispndio, com mais dedicao doesforo criativo de tecnologia e de inovao, seja na rea industrial, seja narea agrcola, seja na rea de bens; seja investindo em pesquisa cientfica.

    H, neste pas, uma distoro que no vem de hoje. Possivelmentetemos vises distintas do modelo de importao capitalista e industrial do

    nosso pas. Sou crtico desse modelo. Permitam-me que eu o seja. O processo

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    de substituio de importaes que herdamos dos anos 50 no foiprodutor de inovao nem ensejou transferncia de tecnologia. Mais queum exemplo, um paradigma desse modelo a indstria automobilsticabrasileira. Alimentada pela reserva de mercado, ela se caracterizou pelaimportao de mquinas e equipamentos ajustados produo de modelosj obsoletos em suas matrizes. A industrializao se fez mediante a importaode fbricas, produtos e modelos.

    Esse paradigma da dependncia tecnolgica, num mercado quedesconhecia a concorrncia, dispensava o investimento em inovao.

    Por isso, o pas no investiu e agora investe muito pouco em cinciae tecnologia. E ainda se trata de investimento desequilibrado, porque noconta com a participao correspondente da empresa privada brasileira.Os Estados, governos e iniciativas municipais, isto , o poder pblico, responsvel por mais de 80% dos recursos aplicados em Cincia e Tecnologia.So as universidades pblicas federais e estaduais responsveis por mais

    de 90% da pesquisa universitria brasileira. Essa pirmide exatamente ocontrrio do que ocorre na Europa desenvolvida, inclusive na Espanha, enos Estados Unidos. Naquele pas, a iniciativa privada responde por quase90% dos investimentos. Na Europa, esses investimentos chegam perto dos80%, e na Espanha, cujo estgio de desenvolvimento pode ser consideradoequiparvel ao nosso, os investimentos privados esto em torno de 60%. preciso lembrar, porm, que nosso pas vive, h pelo menos 20 anos, em umregime econmico permanentemente beirando a recesso, enquanto a cargatributria faz do Estado scio privilegiado dos lucros empresariais e aselevadas taxas de juros fazem do setor financeiro um scio privilegiado doslucros empresariais. Tudo isso de par com a instabilidade econmico-financeira, a crise crnica da dvida pblica e da balana de pagamentos.

    Como apostar em inovao tecnolgica?Fao essas observaes para dizer que temos de cobrar da iniciativa

    privada mais participao, mas, ao mesmo tempo, assegurando-lhe mais

    oportunidade de participao. Principalmente da mdia empresa, da pequena

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    e mdia empresa de base tecnolgica, aquela que mais sofre com o alto custodo capital.

    O desenvolvimento cientfico e o desenvolvimento tecnolgico sodesafios que dizem respeito ao futuro do pas. Temos projeto de futuro,projeto de construir nesse pas uma civilizao altura de nosso povo. Temosde dar saltos. No nos basta simplesmente crescer na rea tecnolgica.Precisamos dar saltos. Precisamos crescer com urgncia. E sem esse cresci-mento no conseguiremos o desenvolvimento do pas, nem a mdio nem alongo prazos. No aplacaremos a violncia desse pas, que resultado daexcluso social, que resultado da pobreza do povo de um pas talvez omaior exportador de gros do mundo, e ao mesmo tempo, com 40, 30 milhesde pessoas sem o direito a uma refeio por dia. Ns, os que no podemosnos orgulhar deste quadro, temos um compromisso, acima de tudo, tico demudar essa realidade. Mas j sabemos que nada faremos se no associarmosa vontade poltica ao desenvolvimento cientfico e tecnolgico deste pas.

    O quadro internacional, j de anos deteriorado, associa, ao fim da guerra-fria, a emergncia da unipolaridade e, dela decorrente, a paz americana,qual a conhecemos no Oriente Mdio, e a globalizao do mercado, e davida, com a hegemonia do hemisfrio Norte. Nesse quadro, fundamentalcompreender quanto crucial para ns o domnio da tecnologia.

    Nosso pas, desse ponto de vista, revela vrias fragilidades. alta nossadependncia de insumos bsicos, de tecnologias, de conhecimento. aindarelativamente pequena nossa produo cientfica; ao invs de produzirpatentes, pagamos royalties. Precisamos de uma poltica de desenvolvimentoe de desenvolvimento autnomo. No se veja nisso qualquer dose de xeno-fobismo. Se no quadro internacional no h mais espao para desenvolvimentoabsolutamente autctone nenhum pas uma ilha preciso quesaibamos, hoje mais do que nunca, que, se no dominarmos a tecnologiade que carecemos, senhores do nosso prprio desenvolvimento, continuaremospor muitos anos como um pas permanentemente emergente, permanente-

    mente candidato ao desenvolvimento, permanentemente candidato

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    realizao de seu projeto de potncia. Permanentemente postergando ofuturo.

    Espero que o debate que se seguir seja possibilitador da troca deidias e o esclarecimento mtuo de nossas posies, ensejando a construodo consenso necessrio sobre o projeto do pas. Com vistas a tal objetivo este apenas um primeiro encontro, o primeiro momento de nossa parceria.

    A partir desses consensos setoriais, entendimento por entendimento,precisamos construir nosso projeto de sociedade, nosso projeto de futuro,nosso projeto de nao. Que civilizao pretendemos construir nestestrpicos? Que pas pretendemos para nossos filhos? Estas respostas consti-tuem o projeto nacional. No se trata de programa de Estado, mas deprojeto a ser construdo por toda a sociedade.

    Desconhecemos na histria moderna, em nossos pases, a construode um projeto de pas que no tenha partido de um projeto de nao. Trata-se de projeto anterior ao Estado, que, sem derivar da institucionalidade,

    seja seu condicionante, um projeto que alimente o Estado, que alimentea poltica e que a poltica seja dele servidora. Este o ensinamento querecolhemos dos Estados Unidos no sculo XIX. Este o exemplo querecolhemos no sculo XX da China e, mais recentemente, da Coria.Precisamos construir na sociedade brasileira a convico de que precisoconstruir esse pas, que possvel desenvolver esse pas, que temos todas ascondies de fazer desse pas o territrio de um povo feliz. Que dispomosde todas as condies necessrias, dispomos, como poucos, de recursosnaturais, dispomos de recursos cientficos e tecnolgicos. Precisamos apenasque esse projeto deixe de ser um projeto de grupo, um projeto de elites, deelites governamentais, de elites empresariais e se transforme num projeto dasociedade brasileira. E que nos transformemos em servidores desse projeto.Quando conseguirmos construir esse projeto, quando a sociedade brasileiraassumir essa bandeira da construo social, a, sim, teremos apontado parauma linha clara no horizonte e num horizonte prximo.

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    Senhor presidente, estou aqui para dizer aos senhores que queremos odilogo, queremos conversar. Estamos permanentemente dispostos a con-versar. Estamos abertos a aumentar a participao empresarial naadministrao, na gesto e no processo decisrio do Ministrio da Cinciae Tecnologia. Convido os senhores a participar do nosso esforo noMinistrio da Cincia e Tecnologia. No sou dono nem candidato a donoda verdade. Ao pas que cabe ditar regras para a administrao pblica.O administrador pblico servidor do pas e enquanto estiver no cargodeve-se sentir como funcionrio pblico, com muita honra por estar pre-stando servio ao seu pas.

    Quero estender a mo para convid-los integrao conosco.Muito obrigado.

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    AULA MAGNA, UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO,UNI-RIO, RIO DE JANEIRO, 28 DE ABRIL DE 2003.

    Minhas senhoras, meus senhores,

    Agradeo alta direo da UNI-Rio o convite para participar desteevento e, em nome do governo do presidente Luiz Incio Lula da Silva, falarsobre a poltica de Cincia e Tecnologia adotada pelo seu governo demudanas. Professor universitrio, h longos anos partcipe desta comunidade,sei da fora e da carga de significao de suas instituies e dos seus smbolos.

    As consideraes que aqui farei no configuram, exatamente, umaaula magna, na tradio medieval do termo; nem mesmo uma aula inaugural,que no se pretende maior que outras, no se realiza sob o clima autoritriodo magister dixit, tampouco impe ao auditrio a presena de algum quetransporta a grande verdade a ser revelada. , antes de tudo, um chama-

    mento ao dilogo e uma homenagem de um colega de vocs Universidade,como instituio que precisa transitar do conformismo, da continuidade,da reproduo, para a renovao, a inovao, a criao e a mudana.

    O compromisso da Universidade com o pensamento criador. Ocompromisso do cientista com a construo do novo. O passado s nosinteressa como lio para revolver o presente e construir as bases de um novofuturo.

    Estamos aqui, to-somente, para enunciar e discutir, no incio de umciclo acadmico e todo ciclo acadmico , deve ser, um novo ciclo aca-dmico, temas nacionais de interesse da nossa contemporaneidade e da per-manncia do Brasil como nao. Mas pensando sempre na construo deum novo amanh. Estamos aqui, pois, para trilhar um caminho de inda-gaes, formular questes e buscar construir respostas substantivas.Precisamos duvidar, duvidar do presente, duvidar do statu quo, duvidar dasverdades que nos ensinam, das rotinas que nos querem ver repetindo.

    A dvida como mtodo especulativo e como instrumento de trabalho.

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    Questionarmo-nos sempre se o que estamos fazendo poderia ser feitode forma diversa. Se a sociedade que herdamos poderia ser diferente, portanto,ela pode ser modificada. Eventualmente poderemos nos confrontar com aperplexidade de no podermos responder imediatamente a algumas das nossasprprias indagaes, talvez at as que se ligam aos aspectos mais centrais donosso rol de preocupaes. Nesses momentos, a perplexidade deve ceder alegria verdadeiramente cientfica de conhecer o ignorado, de caminhar portrilhas ainda no desbravadas. Menos manuais explicadores do conhecido,relatrios do pensamento estratificado, guias de procedimentos consagra-dos; mais dvida, mais especulao, mais insubordinao, mais inovao.

    O papel da academia , deve ser, nestes termos, anticonformista erevolucionrio.

    Como tudo mais no universo e na sociedade, a tecnologia ou discursoda arte lembremos que a raiz de tecnologia deriva de tchn, arte, habilidade,talvez uma premonio grega conceito que pode ser examinado de vrios

    aspectos, dependendo da tica do observador e do universo de interessesque a condicionam. Na acepo mais simples, tecnologia apenas conheci-mento aplicado produo social de bens, que servem ou deveriam servir,em ltima instncia para diminuir as canseiras humanas, tornar o mundomais confortvel e sempre menos penoso o exerccio de viver em sociedade.

    pelo menos assim que se pensava no incio da modernidade, pocade notvel avano tcnico, em que foram criados aparelhos e instrumentos como os culos, a relojoaria, o tear, o torno mecnico, o locomvel avapor cuja utilizao massiva alterou completamente o rumo da histriahumana, com a destruio de velhos estamentos e a criao de novas classessociais, novas relaes de produo, novos formatos de estado, enfim, novaformao social, nova cultura, nova civilizao. Enfim, novas provocaes,novas reas a serem conhecidas, novos problemas a serem solucionados.

    O conhecimento em que se baseia a gerao de novos entes tecnolgi-cos no precisa, necessariamente, ser conhecimento cientfico, no sentido

    estrito da expresso: pode resultar da experincia individual, da observao

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    direta da realidade, assistemtica, exercida pelo criador independente e detalento, no associado ao establishmentacadmico ou cientfico.

    Isto era mais comum h cem ou duzentos anos, no comeo daera moderna ou na fase de maturao da Revoluo Industrial. De fato,nenhum dos homens sobre cujos inventos assentaram-se as bases dessagrande revoluo veio da academia. Todos eles foram simplesmente artesosde talento: Gutenberg, com sua tipografia manual; Thomas Newcomen,com seu tear mecnico; Jacob Watt, com sua mquina a vapor; Thomas AlvaEdison, com sua lmpada eltrica.

    E o nosso Santos Dumont, certamente o mais bem-sucedido dosinventores brasileiros, era antes de tudo um amador, um pesquisadorisolado, quase um diletante.

    Ocorre que a formao econmica capitalista, que se apia na basetcnica oferecida pelo industrialismo, leva em conta fatores e condiessobre os quais as formaes sociais anteriores jamais cogitaram: o tempo,

    a produo em massa, a competio entre produtores, o rebaixamentopersistente dos custos de produo, a eficincia dos produtos, a reduoda incerteza enfim, a necessidade da inovao tcnica sistemtica, pormeio da qual cada competidor se aparelha para enfrentar a luta darwinianapela sobrevivncia no mercado.

    O invento a criao em sua acepo mais larga, inclusive a criaosocial deixa de ser produto quase exclusivo, de pura vocao, de pulsespessoais, insights, para se converter em resposta a necessidades criadas pelanova economia, num crculo vicioso ou virtuoso de demandas que determi-nam novas demandas.

    Sai de cena o arteso para que o proscnio seja ocupado pelo cientista.Se a racionalidade fundamental para a demonstrao das descobertas

    e para sua aplicao realidade, o ato da descoberta cientfica, que absolutamente idntico ao da criao artstica, resulta sempre de um insight,ou seja, de uma viso no nevoeiro, e representa sempre uma quebra de

    simetria, uma invaso no escuro e uma ruptura com o que, at ento, se

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    pensava a respeito. Coprnico, Galileu, Newton, Einstein, Csar Lattes,a mecnica quntica.

    O maior inimigo do capitalismo a incerteza. A concorrncia, que o motor da destruio e da reconstruo permanente do modo de produocapitalista e da formao social burguesa que lhe corresponde , no podeesperar, no seu devir/devenir, a ocorrncia aleatria do arteso de talento eda inovao revolucionria: o sistema tem de produzir com regularidadeesse talento e essa inovao. J em 1847, Marx e Engels escreviam, noatualssimo Manifesto Comunista que Marshall Berman banalizaria 140anos depois: Sob o capitalismo tudo que slido se desmancha no ar. Estasentena a sntese completa dessa volatilidade inerente reproduo capi-talista, desse fazer-se e desconstruir-se para reconstruir-se outra vez.

    A soluo para que essa incerteza sistmica seja suportvel pode serencontrada na gerao artificial do talento pela capacitao tcnica das pes-soas comuns, no alargamento sistemtico das fronteiras do conhecimento

    pela pesquisa pura e na instrumentalizao das propriedades da natureza edo pensamento em entes tecnolgicos teis, em inovaes, via pesquisaaplicada, a primeira filha da pesquisa bsica ou pura.

    Essa apropriao da cincia pelo sistema produtivo, sob o capitalismomaduro, trouxe implicaes profundas para a cincia e para o capitalismo:a principal delas que a produo de cincia que no passado foi territriolivre do especulador independente , assim como a produo de utilidadestcnicas em que essa cincia resulta, converteu-se em um setor de produosocial especfica, regido pela disciplina industrial e subordinado a todos osdemais ritos e cnones da produo capitalista de mercadorias.

    Qualquer tecnologia sirva ela para fabricar sorvete, adestrar pessoasno domnio de lnguas ou construir satlites artificiais mercadoria,para o bem ou para o mal. Mercadoria que serve para produzir outrasmercadorias. Logo, mercadoria que configura bem de capital.

    Isto nos autoriza a dizer que tecnologia gerada sob o modo de

    produo capitalista, dentro de um setor de produo social bem delimitado

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    e criando objetos de conhecimento apropriveis privadamente capitalem estado puro. No capital sob a forma dinheiro que hoje at rara dese encontrar mas, de qualquer forma, capital.

    A digresso to longa para chegar a essa concluso singela que malocupa uma linha em letra de forma pode ser longa demais, e at cansativa,mas se presta a produzir clareza em nossa conscincia de cidados. Assim,quando afirmamos que o Brasil pas dependente do capital estrangeiro,podemos no estar dizendo, na maioria das vezes, que o pas dependentedo capital-dinheiro, mas do capital sob a forma de tecnologia, cuja utilizaoimplica custo para o usurio e cujos proprietrios e titulares tm sede edomiclio fora do pas.

    Da, derivamos duas outras asseres: primeira, a acumulao nacionalde tecnologia corresponde a uma acumulao de capital; e, segunda, odesenvolvimento nacional depende, no que diz respeito ao do Estado,de uma poltica nacional de desenvolvimento cientfico e tecnolgico voltada

    para as demandas sociais do pas. Se permanecer dependente ad aeternumdo capital tecnolgico externo, o pas ter, no muito, o desenvolvimento queconseguir alcanar no marco das restries impostas desde o estrangeiro;no ter, necessariamente, o desenvolvimento que o seu povo precisa e quer.

    O setor de atividade econmica que, nos ltimos 250 anos, arrastoue deu formato sociedade ocidental, foi a indstria. E a mercadoria indus-trial que acabou se tornando a essncia do industrialismo embora, diantedo senso comum, no seja, por bvio, a de maior visibilidade a tecnologia.

    Pas de industrializao tardia, nada espanta que o Brasil seja,tambm, um produtor mercantil tardio do capital tecnolgico. E tardio,tambm, no incorporar aos seus valores culturais a noo de que apesquisa aplicada conforma um setor de produo social, economicamentevalorvel no uma geradora de erudio cientfica pura e simples , eque a acumulao de tecnologia , para todos os efeitos, uma forma deacumulao de capital. A mais efetiva, alis, para fins de acelerao do

    desenvolvimento nacional.

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    A criao dessa cultura, que valoriza e favorece o desenvolvimentocientfico e tecnolgico, inseparvel do desenvolvimento econmico e socialdo pas, objeto de uma poltica de Estado no Brasil: a Poltica Nacional deCincia e Tecnologia. Ao Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT) cabe,na liderana da comunidade cientfica e tecnolgica brasileira, formular,propor e coordenar a execuo dessa Poltica. Quais fundamentos eprioridades conferem significado social Poltica Nacional de Cinciae Tecnologia o que discutiremos a seguir.

    A Poltica Nacional de C&T (chamemo-la assim, daqui por diante,com alguma intimidade) funda-se em demandas e carncias brasileiras,estruturais e conjunturais, reveladas pela sociedade e pelo Estado, por inter-mdio dos vrios mecanismos de participao democrtica de que dispomoshoje, como os movimentos sociais, as organizaes da sociedade civil, ossindicatos, os partidos polticos, o Congresso, dentre outros.

    A poltica brasileira de C&T, liderada, como disse, pelo Ministrio da

    Cincia e Tecnologia, estratgica para o governo do Presidente Luiz IncioLula da Silva e para o Pas, na medida em que um dos seus compromissosfundamentais a retomada do crescimento da economia nacional. Cres-cimento que nada significa por si s, mas sim pelo fato de que requisitonecessrio para a expanso do emprego, a melhoria da distribuio de rendae a elevao geral da qualidade de vida dos brasileiros.

    E, assim, enunciamos o primado orientador de nossa poltica: suafundamentao tica. No governo do presidente Lula, o complexo cincia& tecnologia no constitui um fim em si, uma categoria autnoma, que sejustifica e se auto-abona, per se. Ao contrrio, ela persegue fundamentoshumanistas e encontra justificativa, to-s, em um quadro de valores: ocompromisso de alterar a realidade em benefcio do ser humano, em bene-fcio da igualdade, da eqidade, do bem-estar.

    Subjacente retomada do crescimento e sua instalao como processocontinuado e sustentvel est, pois, o desenvolvimento cientfico e tecnolgico,

    materializado em inovaes de produtos, de processos, de manejo, de

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    marketing capazes de potencializar a produo e elevar a produtividade daeconomia, contribuir para a ampliao das exportaes brasileiras, para asubstituio seletiva de importaes de bens e servios estratgicos para odesenvolvimento nacional e para o fortalecimento da base produtiva comque atender s carncias mais agudas de nossa sociedade.

    Vista de uma perspectiva mais esquemtica, a poltica de fomento pesquisa cientfica e inovao tecnolgica que se prope para o pas, sob ogoverno Lula, orienta-se segundo dois eixos de atuao: o estratgico, quebusca assegurar a soberania poltica do Brasil, reduzir significativamente adependncia tecnolgica do pas em relao aos pases desenvolvidos egarantir sustentabilidade tcnica ao desenvolvimento nacional a mdio elongo prazos.

    Em torno desse eixo estratgico, situam-se ramos tecnolgicos chama-dos estruturantes, ou elos condutores do sistema econmico em seu estadode desenvolvimento contemporneo, como energia especialmente a de

    fontes renovveis e de baixo impacto ambiental , tecnologia da informao,tecnologia aeroespacial, biotecnologia, nanotecnologia.

    No segundo eixo, de natureza ainda mais pragmtica, procura-seapoiar, por meio de inovaes baseadas no conhecimento cientfico, osprogramas de governo voltados para o atendimento s carncias sociais maisimediatas do sistema produtivo e da sociedade brasileira, refletidas nasprioridades definidas pelo programa do governo de mudana do presidenteLula. Dentre elas: (i) segurana alimentar e combate fome; (ii) agregaode valor aos produtos e ampliao das exportaes brasileiras; (iii) forta-lecimento das micro, pequenas e mdias empresas, visando a acelerar a ger-ao de empregos, melhorar os padres de distribuio de renda e doabastecimento interno; (iv) melhoria da infra-estrutura social bsica e deservios pblicos (gua, esgoto, habitao, transporte urbano, segurana),da educao e da sade da populao; (v) eliminao das desigualdadessociais e inter-regionais; (vi) conservao do meioambiente e contribuio

    para a manuteno do equilbrio ecolgico global.

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    AULA MAGNA, UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO UNI-RIO

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    Como j enunciei, aqui, a tecnologia, como forma de expresso docapital, fator de produo, insumo. Com a peculiaridade de que rea deproduo desse insumo cabe a misso, seno de produzir, de, pelo menos,aperfeioar os insumos que recebe de reas conexas como da educao,por exemplo. Assim, neste governo, ser reforada a articulao do MCT,por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico(CNPq) e o MEC, pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal deNvel Superior (Capes), com o objetivo de desenvolver a formao defora de trabalho de alta qualificao especialmente mestres e doutores ,com que apoiar o processo que visa a reduzir a dependncia tecnolgica eatender demanda dos sistemas educacional e produtivo em expanso.At o final do governo do presidente Lula, estaremos formando, pelo menos,10 mil doutores, contra os seis mil atuais. Com esse propsito, j nosprimeiros 30 dias de atuao deste governo, foi ampliado em cerca de14 mil o nmero de bolsas de pesquisa e de docncia concedidas pelo

    CNPq. Essas bolsas esto sendo objeto de estudo oramentrio-financeiro,visando atualizao dos seus valores reais, irresponsavelmente congeladosh sete anos, bloqueando a formao de novos cientistas.

    A nova poltica de C&T leva em alta conta a necessidade de incorporar,eqitativamente, a contribuio de todas as universidades e centros depesquisa do pas, promovendo a pesquisa e a inovao em todas as regies,diminuindo o fosso que estabelece e refora na economia, na poltica, naeducao, na cidadania, na pesquisa & desenvolvimento tecnolgico asdesigualdades inter-regionais e intra-regionais.

    A esse propsito, significativo registrar a desigualdade abissal quese observa entre o Sudeste, onde esto nossos centros de excelncia maisnumerosos e destacados, e o conjunto das demais regies brasileiras. Somenteo Estado de So Paulo ao qual, alis, a cincia brasileira tanto deve investe em ensino universitrio e pesquisa & desenvolvimento algo comoR$ 4,5 bilhes por ano, o que corresponde a cerca de duas vezes o oramento

    de investimento do MCT e do seu complexo administrativo.

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    O esforo de investimento que essa poltica requer, todavia, no podeficar apenas ao encargo do poder pblico, que hoje responde por cercade 80% dos recursos aplicados em cincia & tecnologia. Para que o Brasilchegue ao final do mandato do presidente Luiz Incio da Silva, aplicandopelo menos 2% do PIB na rea de C&T, como de seu compromisso, sernecessria a participao efetiva do empresariado, da iniciativa privada emgeral mas particularmente da universidade privada, que dever integrar-senesse esforo com recursos prprios.

    O compromisso do governo e da sociedade brasileira, que a polticade desenvolvimento cientfico e tecnolgico pressupe, no pode prescindirde uma nova estratgia de proteo do produto nacional. Estratgia queno reabilitar frmulas j esgotadas, como sistemas de incentivosfiscais, reservas de mercado ou outros instrumentos de construo decartis de atraso.

    A proteo de que estamos falando, aqui, at com alguma licena

    de linguagem, baseia-se em esforo lcito de atribuio de qualidade ecompetitividade aos produtos brasileiros, mediante o desenvolvimentotecnolgico, de modo a atender demanda nacional efetiva oureprimida por produtos, bens e insumos que ainda importamos por faltade capacidade instalada para cri-los no pas. o caso, dentre outros, debens das indstrias aeroespacial e de microeletrnica responsvel, estaltima, em 2002, por um dficit de US$ 8 bilhes, em nossa balanade pagamentos.

    Precisamos, tambm, superar a timidez colonial (de colonizados) eassumir, na Amrica do Sul, o papel que os irmos hispano-americanos noscobram. Alm de aprofundar nosso intercmbio com a Argentina, deverdo Brasil colaborar com os demais pases do subcontinente, inicialmentecom os integrantes do Mercosul, colaborando no desenvolvimentocientfico e tecnolgico. Um dos instrumentos dessa poltica de cooperaobem pode ser uma poltica de vagas nos nossos cursos de mestrado e

    doutorado e de bolsas de pesquisa.

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    Nossa preocupao com a Amrica do Sul, e com os povos irmosda frica depredada desde sempre pelo colonialismo e pela guerraestimulada, arrasada pela fome e pela Aids , no afasta nem substitui ofortalecimento de nosso intercmbio tradicional com os Estados Unidos,com a Frana, com a Alemanha, para s mencionar os mais destacadospases desenvolvidos, com os quais mantemos tradicionais linhas decooperao cientfica e tecnolgica. Estamos avanando no fortalecimentodo intercmbio com esses pases e abrindo novas frentes de cooperao,entre outros, com a Ucrnia, a China e a Rssia, na rea aeroespacial, ecom a China e a ndia na pesquisa comum de frmacos e na exploraoda biodiversidade, em que nossos pases so to ricos. Estamos, igualmente,desenvolvendo novas parcerias com Israel, particularmente na transfernciade tecnologia sobre o semi-rido, e com a Espanha, com quem estamostrabalhando em projeto de defesa da latinidade.

    Finalmente, o grande desafio ao MCT e nova poltica de Cincia e

    Tecnologia este: trabalhar o presente e instrumentalizar-se para o futuro.Atualizar a pesquisa e o conhecimento cientfico e tecnolgico, contribuirpara o atendimento s carncias sociais brasileiras e, ao mesmo tempo,antecipar os caminhos que deveremos trilhar amanh. Tudo isto para quenossos sucessores no tenham de lamentar o tempo perdido, como fazemosainda agora, embora nosso lamento induza ao e no ao conformismoou quietude.

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    AULA INAUGURAL NA PUC/RJ(Pontifcia Universidade Catlica),RIO DE JANEIRO, 16 DE MAIO DE 2003.

    Senhoras e senhores,

    Este encontro rene inumerveis significados que no so, apenas, oencontro de acasos. Destaco, na ordem pessoal, estar aqui, antigo professor daPUC, magistrio que me ensinou a estimar e respeitar esta instituio, na quali-dade de Ministro do governo de mudanas do presidente Lula, com o encargoe a responsabilidade de gerir a estratgica pasta da Cincia e Tecnologia.

    O fato de esta no ser uma universidade pblica, no sentido estritoda acepo jurdica, no anula sua caracterstica fundamental que a de seruma instituio de esprito pblico, de vocao pblica, de responsabilidadepblica. E como seria proveitoso para a educao brasileira se esse exemplo

    da PUC sua marca de proficincia e tica pudesse ser padro observadopor todas as universidades do chamado setor privado do ensino... paramim agradvel estar na minha cidade, que me adotou desde 1965, quandoo Golpe Militar me impediu de permanecer em minha cidade natal, Fortaleza.Minha formao social, minha formao tica, minha concepo revolucionriatudo isso me dizia que eu deveria retornar ao meu Estado e, respeitadasminhas limitaes, oferecer a contribuio possvel para as transfor-maes necessrias em regio tragicamente marcada por profundas e ina-ceitveis injustias sociais. No entanto, a vontade individual muito poucodeterminante em face da realidade objetiva. Somos, fundamental-mente, nossas circunstncias, e foram elas que ditaram meu caminho eme mandaram para o Rio de Janeiro. Foi essa terra que me deu abrigo,casa, emprego. E eu sou, tambm, desde ento, fluminense e carioca.Tenho aqui meus filhos, minha famlia e meu destino poltico.

    Mas estou aqui para falar sobre o programa de cincia e tecnologia

    do governo de mudana do presidente Luiz Incio Lula da Silva. a

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    segunda vez que, nesta ainda breve interveno, me utilizo do termomudana. E vou repeti-lo outras vezes. Porque este o desafio que encon-tramos em face de qualquer iniciativa, sob todos os aspectos, em todos osmomentos, no dia-a-dia, no cotidiano, na atividade poltica e na atividadeadministrativa. Este o nosso enfrentamento. Realizar as mudanas combater o Estado conservador. Todos sabemos que esta uma sociedadeperversamente autoritria, apropriada pelos interesses de suas elites, expro-priadora do pblico, donatria do Estado. E no podemos, os combatentesda democracia, deixar de registrar, por lamentvel oportunidade, a perdacom que fomos atingidos ontem, de um dos mais notveis intrpretes, nosei se eu diria, da civilizao brasileira, da histria brasileira ou da tragdiabrasileira. Refiro-me a Raymundo Faoro.

    Aos mais jovens, principalmente queles que foram poupados pelascircunstncias do tempo que minha gerao teve de viver, e sofrer, eu teriade dizer por que aprendemos a admirar Raymundo Faoro, uma espcie

    de cavalheiro andante da liberdade, percorrendo este pas como louco edesatinado como todos os revolucionrios. E obsessivo como todos aquelesque tm uma utopia e que pretendem realiz-la. A utopia de RaymundoFaoro era a liberdade, a redemocratizao, a reconstitucionalizao destepas ento entregue ao arbtrio. Presidente do Conselho Federal da Ordemdos Advogados do Brasil em momento crucial de nossa histria recente,desempenhou papel insubstituvel na retomada do processo democrtico,ainda hoje em construo. Faoro era intelectual multifacetado, orgnico namelhor acepo gramsciana, extraordinrio intrprete de Machado de Assis,advogado, procurador do Estado, historiador e socilogo. Mas o permanentede sua obra ser a revelao, desde as entranhas, do processo de apropriaodo Estado pelas elites de sempre, da perversidade da elite brasileira, dona dopoder. E foi para mudar esse processo de dominao e apropriao patrimo-nialista que a cidadania brasileira elegeu um homem do povo, operrio metalr-gico a quem as circunstncias negaram o direito vida universitria, aps

    lhe haverem imposto a migrao, como alternativa para a sobrevivncia.

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    Obedecendo a todas as regras constitucionais, no mais estrito e rigorosorespeito s regras do jogo, estamos implantando o processo de mudana.Dificlimo. Falo das resistncias que nosso Ministrio enfrenta. No se tratade resistncia a esta ou quela mudana, mas de resistncia mudana,qualquer mudana, como tese. Porque, neste pas, qualquer mudana, nofalo sequer em reforma, a mais insignificante, a mais irrelevante, atingeprivilgios no falo de direitos insuportveis na Repblica. So privil-gios enraizados, que dominam a estrutura burocrtica, que monopolizamas instituies do Pas. Esta viso dos donos do poder, e eles esto em todasas instncias, que organiza a resistncia mudana. Isso porque qualquermudana, que no seja aquela sugerida pelo Prncipe de Lampeduza, isto ,a mudana necessria para que fique tudo como est, esbarra em privilgios.Inclusive na rea acadmica. Quantas vezes nos julgamos donos da verdade,intrpretes dos interesses do pas e, portanto, titulares de direitos que noso partilhados com o conjunto da sociedade? Mas, em regra, nosso discurso

    no tem correspondncia em nossa prtica. Movendo essa malha h algomais resistente que as prprias estruturas. Todo dia, e sistematicamente,temos de repetir que a mudana necessria, que a mudana possvel.Mas h uma fora que domina e leva mesmo o quadro de esquerda a pensarde forma conservadora. Em determinados momentos, parece que h umafora superior fora da concepo filosfica. Eu me refiro ao apelo corpo-rativo que encontra na estrutura burocrtica do Estado aliado extraordinrio.

    Estou fazendo essas observaes para ressaltar que precisamos deapoio. As transformaes, as mudanas necessrias no sero alcanadas sedependerem pura e exclusivamente do entendimento poltico-institucional.Essas mudanas dependem do pronunciamento, do apoio, da clareza dasociedade civil, da Universidade brasileira, que tem responsabilidadehistrica de que no sei se ela tem conscincia, e no sei mesmo se ela est,do ponto de vista humano, preparada para responder a este desafio. H,inclusive, uma questo sobre a qual ns todos, estudantes, professores e

    instituio, teramos de nos debruar um pouco para refletir: nossa respon-

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    sabilidade tica, pessoal e coletiva, diante do mundo e do Pas. s vezes, difcil nos mantermos lembrados, neste pas de desigualdades, de que sestamos aqui a minoria que somos graas grande massa que permanecel fora. So as grandes massas que esto financiando a Universidade brasileira.Hoje, os investimentos em educao, cincia e tecnologia so suportadospelo poder pblico em algo como 80%. E o poder pblico so os impostospagos por aqueles que jamais entraram e entraro em uma universidade ecujos filhos tambm jamais entraro em uma universidade, pois, por serempobres, esto em escolas pblicas depredadas, pela vontade dos donos dopoder. Como esquecer que o Estado leva de 14 a 15 anos para formar umdoutor? Que um doutor custa ao poder pblico algo como 250 mil dlares?Ser que depois de receber esse ensino, pblico, com o acesso a informaes,freqentando mestrado e doutorado e ps-doutorado, ns nos lembramosainda de que esto l fora e l permanecero aqueles que financiaram nossaformao? a partir dessas reflexes que pensamos a cincia e a tecnologia

    da mudana. Queremos uma poltica de C&T a servio do Pas.Para no me estender demasiadamente, tentarei resumir em cinco

    mudanas as diretrizes de nossa poltica.Mas, antes, quero reiterar o apelo, o termo exato este, apelo, ao

    dilogo com a Universidade, com a comunidade cientfica universitria. Eudiria o apelo s sugestes, colaborao na administrao e no processodecisrio. Quero chefiar uma administrao participativa. Fao um apelo crtica. Precisamos da crtica para errar menos. Porque neste governo notemos o direito, e nem tempo, de errar. Agora j nem digo mais a nossapoltica, mas sim a nossa proposta de poltica de cincia e tecnologia queapresento para ser discutida, comentada, criticada, corrigida.

    A primeira mudana j foi, de certa forma, iniciada: a mudana tico-humanstica. No sei se o termo exato mudana tica ou identificar oelemento tico na poltica de cincia e tecnologia. Quero dizer que, para

    ns do governo do presidente Lula, a cincia e a tecnologia no so uma

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    categoria per se, no se auto-homologam, no se autolegitimam, mas sejustificam, se legitimam quando podem responder a que vieram, a que e aquem servem, a que projeto de Pas, a que projeto de sociedade. Do nossoponto de vista, C&T so o instrumento fundamental para a construo deuma nova sociedade, livre da concentrao, da injustia social e do autori-tarismo. Sociedade na qual o orgulho de sermos os maiores exportadores degros do mundo no seja anulado pelo fato de o nosso presidente ser obrigadoa eleger como projeto-sntese de seu governo, o combate fome.

    Poderamos, nos perguntar: quantos de ns, na Academia, na Univer-sidade, nos institutos vm pensando a fome como problema brasileiro? Quantosde ns j pararam para pensar qual a contribuio de cada um (cientistas,professores, pesquisadores, pensadores, filsofos e instituies) para a questoda fome no Pas, estudando, pesquisando e construindo alternativas?

    A segunda mudana, um pouco decorrente desta viso tica, huma-

    nstica, da cincia e da tecnologia, a transformao do projeto de exclusono projeto de incluso.

    A excluso, neste pas, atingiu parmetros tais que ningum maispode pensar que seja obra do acaso ou das circunstncias. Ela deriva do projetode sociedade de nossas elites, apartadas da histria do povo, dos interessesda nao. Elites que podem viver muito bem, ainda que o pas v mal.

    A excluso percorre todos os aspectos da vida nacional: exclusosocial, econmica, excluso da renda, do emprego, da sade, da cidadania.E agora, comeamos a construir a pior delas, a mais perversa, porquealimentadora de todas as demais: a excluso da informao, matria-primado conhecimento, o mais importante fator de produo da economia doterceiro milnio. Conhecimento da formao de recursos humanos, doacesso informao e de sua difuso.

    A terceira mudana a desconcentrao.

    O que ocorre neste pas, em termos de concentrao de renda e

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    quantas vezes diremos e quantas vezes ouviremos que este pas tem um dospiores ndices de concentrao de renda do mundo se reproduz naconcentrao da economia nacional, construindo e alimentando os perigososdesnveis regionais. insustentvel para o futuro do pacto federativo, amanuteno da atual distncia entre o desenvolvimento do Sudeste e o restodo pas, fosso que tender ao alargamento se permitirmos o aprofundamentodo apartheidtecnolgico. Se no tivermos engenho, arte e competncia paramudar esse modelo, estaremos construindo fala-se em bolso, eu diria uma ilhota de desenvolvimento cercada de pobreza por todos os lados. E esteser o ltimo dos apartheids, tornando impossvel, no horizonte de nossasgeraes, a recomposio do pas. O desafio , ao tempo em que devemosgarantir a continuidade do desenvolvimento dos atuais centros de exceln-cia, promover o desenvolvimento das regies menos desenvolvidas.

    A quarta mudana pensar o Brasil de hoje.

    Cabe-nos a rdua tarefa de, a um s tempo, promover o desenvolvi-mento cientfico e o desenvolvimento tecnolgico, e ensejar a mais rpidaintroduo das inovaes ao processo produtivo. Esta tarefa de urgncia.Porque aquele fosso antes denunciado, que est separando o Sudeste dorestante do Pas, a reproduo fractal do fosso que est separando nossospases do chamado primeiro mundo. Ou reunimos todas as nossas forasneste investimento e nos cabe cobrar permanentemente a participaodo empresariado privado e da Universidade de um modo geral ou ns,que j perdemos a revoluo comercial e a Revoluo Industrial, assumire-mos o papel de eternos coadjuvantes, de eternos reprodutores, realizando asina, a m sina, de pas reflexo, com cincia reflexa, tecnologia dependente. verdade que nossa elite continuar bem, seus filhos fazendo cursos em NovaYork, mas o pas continuar dependente, sem oportunidade de futuro.

    E a quinta mudana realmente pensar o futuro.

    Eu j usei uma imagem, uma metfora, que vou repetir aqui. Estamos

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    num avio que identificou, em pleno vo, uma pane gravssima, que no teminformao de qualquer aeroporto por perto; portanto, tem de consertar apane em pleno vo. Enquanto estamos nos esforando para asseguraro desenvolvimento do pas, temos de pensar l na frente, do contrrioestaremos, uma vez, mais aceitando o papel de reprodutores das linhas depensamento, de pesquisa, de desenvolvimento tecnolgico ditadas peloprimeiro mundo. Precisamos saber hoje de que profissional, que doutor,que mestre, de que professor precisaremos daqui a 14, 15 anos. Cumpre-nospensar, hoje, o que ser o genoma dos anos 20, o que ser a nanotecnologiados anos 20, para comearmos a formar agora aquele profissional capazde responder a estes desafios. Precisamos comear a formar hoje aqueleprofissional capaz de enfrentar os desafios do Estado, da sociedade quequeremos daqui a 20 anos.

    Para no dizer que no falei em cincia e tecnologia, devo dizer que ameta geral do Ministrio de mudana agregar valor cadeia produtiva.

    Devemos contribuir para o processo que visa a agregar valor aos itens da atualpauta de exportaes. Exportar menos matria-prima, menos gros e maisinteligncia, mais conhecimento agregado. No desdobramento dessa poltica,pretendemos contribuir para uma poltica seletiva de importaes, fundadade novo num processo que visa a agregar valor nossa produo. Con-tribuindo, a partir do conhecimento universitrio, da pesquisa desenvolvidana universidade, para a criao de prottipos que possam suprir o mercadointerno. Para tanto, devemos continuar investindo o mximo possvel napoltica de bolsas. Estamos formando, hoje, cerca de seis mil doutores porano. Mas o presidente Lula tem o compromisso de, at o final de seugoverno, formar 10 mil doutores. Hoje, estamos investindo em cincia etecnologia algo entre 1% e 1,2% do PIB. O presidente da Repblica reafirmao seu compromisso de chegar no final de seu governo aplicando 2% do PIBpor ano em C&T. a nossa parte. Nossa parte limitada, que no podeficar s no poder pblico. Precisamos estimular os Estados a uma maior

    participao. Precisamos cobrar do empresariado sua maior participao.

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    preciso lembrar aos empresrios que esse esforo de agregar valor ao seuproduto, de introduzir inovao deve ser encarado como um imperativo desobrevivncia. Se ns no agregarmos valor e inovao tecnolgica aosnossos produtos, perderemos o mnimo de competitividade no mercadointernacional. Num segundo momento, perderemos competitividade mesmono mercado interno, pois nossos produtos no tero mais condies deconcorrncia com os produtos importados, com as barreiras abertas, com omercado internacionalizado. Precisamos, ns da Universidade, olhar acolaborao com a empresa com menos dvida e menos preconceito. E oempresrio precisa ver na Universidade um aliado, respeitar os que esto nachamada pesquisa pura porque no existe pesquisa aplicada, porque no seaplica o que no se tem, o que existe cincia. O papel da Universidade produzir cincia. Quanto mais cincia ela produzir, cincia bsica, cinciaabstrata, o que quer que seja cincia, mais espao ela estar criando para aaplicao. No sei de nenhum pas que usufrua de uma poltica de pesquisa

    aplicada que no tenha feito antes cincia.Fecho aqui este ciclo fazendo apelo a uma grande discusso, em nosso

    pas, em torno da necessidade da mudana. A mudana necessria no se farnum ato de poder. Ela depende de uma coisa que ns no temos e que nopoder ser construda pelo governo Lula e nem por nenhum governo.Precisamos de um projeto nacional. Um projeto de nao, construdo pelanao. No sei se os senhores conhecem eu desconheo uma naomoderna que tenha realizado o seu projeto desenvolvimentista seno apartir de uma viso nacional, de um projeto de nao. Porque s quem podefazer isso a sociedade brasileira.

    Muito obrigado.

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    SOLENIDADE DE POSSE DOS NOVOS MEMBROS DA ABC(ACADEMIA BRASILEIRA DE CINCIAS),BRASLIA, 04 DE JUNHO DE 2003.

    O impondervel existe a ao das circunstncias costurando acasosaparentes mas nossa gerao, em grande parte, quis fazer a prpria hora.Estava ansiosa para fazer acontecer as mudanas. E nessa condio, departicipante da interveno nos acontecimentos sociais e pensvamos,naquela poca, que fazamos cincia e preparvamos a revoluo , queconstrumos esta histria. Antigo militante do movimento social, encontro-me aqui, hoje, como Ministro de um longo processo de transformaes,representando o Excelentssimo Senhor Presidente da Repblica nesteato em que a Academia Brasileira de Cincias, que reverencio desde sempre,recebe seus novos membros titulares. E no podendo dirigir-me a todosindividualizadamente, permitam-me que, de logo, sade a todos, saudando

    o maior pensador brasileiro vivo, nosso maior humanista, nosso sempreprofessor Celso Furtado, professor de Brasil, paradigma de minha gerao,que em sua obra encontrou caminho, luz e norte.

    Obrigado, professor Celso Furtado, pelo que fez pela nossa gerao,pelo Brasil, pela nova viso de nossa formao que ultrapassou fronteirase fez o mundo ver nosso pas com nossos olhos.

    Senhor Presidente Eduardo Krieger,Permita-me dizer-lhe que me sinto em casa. Logo aps convidado

    pelo Presidente Luiz Incio Lula da Silva para este honroso posto deMinistro de Estado do governo popular e democrtico de mudanas, foi estaAcademia a primeira instituio que procurei, para aconselhar-me, parapedir dilogo e colaborao. E em seus quadros fui recolher meus principaiscolaboradores. Nada menos de 10 dirigentes do MCT so membros titu-lares da Academia Brasileira de Cincias.

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