Ciencia e tecnologia no brasil
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CARLOS H. BRITO CRUZ
Cincia e tecnologia
no Brasil
CARLOS H. BRITO CRUZ presidente da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp) e diretor do Instituto de Fsica Gleb Wataghin, da Unicamp.
INTRODUO
s cientistas brasileiros publicaram 16.950
artigos cient cos em peridicos indexa-
dos em 2005, fazendo ento com que o
pas se tornasse o 17o maior produtor de
cincia no mundo. Por uma grande margem
(de aproximadamente 10:1) a maioria
desses artigos foi gerada em laboratrios
de universidades pblicas. Cientistas e
engenheiros em atividades de P&D do setor empresarial
criaram vrios casos de inovao competitiva de classe
mundial: a auto-su cincia em petrleo, o etanol mais
e ciente do mundo, jatos competitivos de passageiros, a
maior produo de soja, um sistema nacional para eleies
eletrnicas que capaz de contar mais de 100 milhes de
votos para centenas de candidatos at a meia-noite do dia
da eleio e os melhores carros bicombustveis. Mesmo
assim, o setor empresarial brasileiro registrou em 2005
apenas 283 patentes no USPTO (United States Patents
and Trademark Of ce). Apesar de o Brasil investir 1% de
seu PIB em P&D, a maior parte dos cientistas brasileiros
(75% de seu total) trabalha em instituies acadmicas e,
embora os lderes do setor empresarial tenham reconhecido
recentemente a importncia da criao de conhecimento
no apenas para garantir um certo grau de competitivida-
de como tambm para seguir a corrida tecnolgica global,
somente nos ltimos oito anos que polticas efetivas de
estmulo P&D industrial e do setor de servios foram
postas em prtica.
Este artigo foi preparado a partir de relatrios anteriores do autor sobre o tema.OPor motivos editoriais, as notas esto no nal do texto.
REVISTA USP, So Paulo, n.73, p. 58-90, maro/maio 200760
Este trabalho descreve o sistema de
inovao brasileiro em termos de suas
instituies (universidades, laboratrios
do governo, institutos e agncias de nan-
ciamento e instalaes de P&D do setor
empresarial), de sua demograa e do padro
nal de investimento, o qual demonstra uma
predominncia do investimento pblico em
P&D numa proporo mais alta que 60/40
em relao ao privado. Tambm descreve
alguns dos fatos estilizados relacionados
s produes desse sistema nacional de
inovao (publicaes cientcas, paten-
tes, produtos e balana comercial) e como
o governo brasileiro, principalmente aps
1999, mudou sua poltica de C&T (cincia
e tecnologia) de uma poltica de orientao
acadmica quase exclusiva para incluir o
aprimoramento de P&D do setor empresa-
rial como alvo relevante de tais polticas.
DADOS DIFCEISAntes de entrarmos em detalhes, ne-
cessrio mencionar algo sobre a diculdade
de se obter informaes completas sobre os
investimentos em P&D no Brasil. A fonte
bsica usada aqui o Ministrio da Cincia
e Tecnologia, que tem uma coordenao
ligada Secretaria Executiva que mantm
a base de dados dos indicadores. Essa co-
ordenao de indicadores faz um esforo
considervel sob condies adversas enfren-
tando restries de mo-de-obra e material.
Eles dependem dos dados a serem coletados
das organizaes federais, estaduais e mu-
nicipais e do setor privado.
A Fundao de Amparo Pesquisa do
Estado de So Paulo (Fapesp) tambm tem
envidado um esforo para a publicao
de indicadores de P&D relevantes para
o estado de So Paulo. Suas publicaes
incluem a anlise de dados, feita por es-
pecialistas da rea convidados, sendo que
a edio mais recente pode ser baixada do
endereo http://www.fapesp.br/ materia.
php? data[id_materia]=2060.
No caso das organizaes federais, o
oramento federal foi organizado para mos-
trar e marcar os itens relacionados P&D.
Nos governos estaduais, a organizao no
to grande, sendo que os dados dependem
de diversas fontes que nem sempre enten-
dem bem os conceitos envolvidos. Em se
tratando dos municpios, a situao ainda
mais frgil.
No caso do setor privado, desde 2000 a
organizao federal responsvel pelas esta-
tsticas no Brasil, o Instituto Brasileiro de
Geograa e Estatstica (IBGE), deu incio
a uma pesquisa bianual para a avaliao de
P&D e inovao no setor privado, o que tem
sido um grande avano apesar da limitao
da bianualidade, que torna difcil o uso dos
dados para avaliar os efeitos de curto prazo
das polticas. Uma grande diculdade em
se obter dados precisos do setor privado
se refere caracterizao adequada do que
signica P&D, especialmente desde que
inovao se tornou uma palavra querida
da mdia. A pequena tradio de P&D do
setor privado no Brasil geralmente leva as
pessoas a considerar, por exemplo, uma
simples aquisio de um equipamento so-
sticado como um investimento em P&D.
Entretanto, a cada aplicao da Pesquisa
de Inovao Tecnolgica (Pintec), os dados
tendem a melhorar em termos de cobertura
e preciso.
Uma outra fonte constante de confuso
a falta de discernimento entre as categorias
P&D e C&T (cincia e tecnologia). Enquan-
to a P&D se encontra razoavelmente bem
denida pela OECD1, a C&T, ao contrrio,
uma categoria mais voltil. Muitas vezes
as autoridades governamentais que esto
menos familiarizadas com os detalhes ten-
dem a favorecer a C&T porque geralmente
ela d nmeros maiores, especialmente
quando se fala de investimentos prximo
s eleies.
Em anos recentes, o Ministrio da Ci-
ncia e Tecnologia tem feito um esforo
relevante para melhorar a produo de
indicadores para C&T. O portal do mi-
nistrio, cujo endereo http://www.mct.
gov.br/index.php/ content/view/740.html,
uma fonte importante de informaes
para todo pesquisador interessado nesse
tipo de dados.
REVISTA USP, So Paulo, n.73, p. 58-90, maro/maio 2007 61
Finalmente, preciso dizer que os dados
tm uma robustez interessante. Em anos
recentes, o modo de clculo para o investi-
mento em P&D passou por vrias mudanas
e ajustes, mas em termos de porcentagem
do PIB os nmeros sempre permanecem
em torno de 1%.
O INVESTIMENTO BRASILEIRO EM P&D
O Brasil tem investido cerca de 1% de
seu PIB em P&D nos ltimos cinco anos2,
sendo que aproximadamente 60% do total
so investimentos do setor pblico e 40%
do privado. A Figura 1 mostra a evoluo
pobre do investimento brasileiro em P&D
desde 2000.
Ao nvel de 1% do PIB investido em
P&D, apesar de o Brasil superar os padres
da Amrica Latina (Figura 2), encontra-se
bem defasado em relao ao ndice praticado
pelos pases da OECD (Figura 3). O nvel
mdio de investimento em P&D para os 17
pases da OECD de 2,24% do PIB, uma
porcentagem que tem se mantido estvel
na ltima dcada. Apesar de o presidente
Lula da Silva ter prometido vrias vezes
aumentar o investimento brasileiro em P&D
para um valor de 2%3, mais prximo da
mdia da OECD de 2,2%, at o momento
tal promessa ainda no se materializou. Na
verdade, o investimento real caiu de um
pico de 1,05% do PIB em 2001 para 0,91
do PIB (Figura 1) em 20044.
Em termos de valor absoluto investido
em P&D, os 13 bilhes de dlares PPP do
Brasil se comparam ao investimento pra-
ticado pela Espanha (9 bilhes de dlares
PPP) ou pela Itlia (17 bilhes de dlares
PPP), embora, como veremos adiante, o
nvel de resultados obtidos pelo Brasil se
encontre em defasagem em relao ao da-
queles dois pases.
Uma caracterstica importante do in-
vestimento brasileiro que, como costuma
acontecer em quase todos os pases em
desenvolvimento, a maior parte do fardo
carregada pelo setor pblico.
De acordo com os dados publicados
pela RICYT (http://www.ricyt. org/default.
FIGURA 1Evoluo do investimento brasileiro em P&D em unidades de porcentagem
do PIB brasileiro
Fonte: Ministrio da Cincia e Tecnologia, consulta feita em 11 de maro de 2007 no endereo http://www.mct.gov.br/index. php/content/view/29144.html.
Inve
stim
ento
tot
al e
m P
&D
(%
do
PIB
)
1,10%
1,05%
1,00%
0,95%
0,90%
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
REVISTA USP, So Paulo, n.73, p. 58-90, maro/maio 200762
asp?Idioma=ENG), em 2003, 60% do in-
vestimento brasileiro em P&D foi provido
pelo setor pblico, seja por meio de gastos
governamentais diretos ou despesas com
o ensino superior. Isso coloca o nvel de
investimento pblico em P&D em 0,56%
do PIB. Uma comparao desse ndice
com o dos pases da OECD mostrada
na Figu