Ciencia Hoje

download Ciencia Hoje

of 8

Transcript of Ciencia Hoje

E C O L O G I A

A fragmentao de diferentes ambientes naturais, decorrente da ao humana, vem ameaando a preservao de muitos animais e vegetais. A extino de muitas espcies s ser evitada com a formulao de estratgias que levem em conta esse processo e seus efeitos sobre as populaes em perigo. Esse um dos objetivos da biologia da conservao, que nos ltimos anos, com o desenvolvimento da chamada teoria de metapopulaes, vem mudando a forma de avaliar os problemas e propor solues.

Te

Onildo Joo Marini-Filho Rogrio Parentoni Martins Laboratrio de Ecologia e Comportamento de Insetos, Departamento de Biologia Geral, Universidade Federal de Minas Gerais2 2 C II N C IIA H O JJE v o ll.. 2 7 n 1 60 2 2 C N C A H O E v o 2 7 n 1 60

eoria de metapopulaesNovos princpios na biologia da conservaoA biologia da conservao tem como objetivo manter a diversidade biolgica do planeta. Esse campo da biologia abrange outras reas do conhecimento ligadas vida silvestre, como a administrao de reas naturais protegidas e o estudo das relaes da fauna e da flora com populaes humanas. Por seu interesse em preservar a maior diversidade de organismos pelo maior tempo possvel, a biologia da conservao contrape-se crise ambiental causada pelo desenvolvimento tecnolgico, que levou ao aumento da populao humana e ao uso no-sustentvel dos recursos naturais. A explorao inadequada da natureza vem provocando a extino de grande nmero de espcies, nos diferentes ecossistemas da Terra, em especial nos pases em desenvolvimento situados em regies tropicais, onde por muitas razes, entre elas o clima se encontra a maior biodiversidade. A perda e a fragmentao de hbitats so hoje as causas mais comuns dessas extines. A perda de hbitats elimina espcies com distribuies restritas, enquanto a fragmentao impede que espcies de maior porte, que precisam de espaos maiores ou distribuem-se de modo mais esparso, consigam manter popula4 es estveis em fragmentos pequenos.maio de 2000 CINCIA HOJE 23

E C O L O G I A

E C O L O G I A

Figura 1. Segundo os princpios da teoria de biogeografia de ilhas para o desenho de reservas naturais, as alternativas esquerda seriam melhores que as direita, mas a validade dos princpios B, C e F ainda debatida

Os conhecimentos gerados pela biologia da conservao podem subsidiar tanto decises sobre a configurao e localizao de reservas naturais, que podem ajudar a reduzir as extines de espcies, quanto aes que promovam a sobrevivncia de espcies nativas em um meio ambiente muito alterado pelas aes humanas.

Da biogeografia de ilhas para as metapopulaesNos ltimos cinco anos, o modo como a biologia da conservao considerava os problemas e propunha solues, visando diminuir o nmero de extines, sofreu uma grande mudana qualitativa. Os estudos sobre a conservao de espcies em grandes reas tinham como principal referncia a teoria de biogeografia de ilhas, lanada em 1967 pelo eclogo canadense Robert H. MacArthur (1930-1972) e pelo bilogo norte-americano Edward O. Wilson (1929-). As famosas regras de configurao de reservas (figura 1) basearam-se em parte nas previses dessa teoria sobre a perda de diversidade decorrente2 4 C I N C I A H O J E v o l . 2 7 n 1 60

de extines de espcies e da falta de recolonizaes. Assim, reas pequenas e distantes de fontes emissoras de espcies teriam maiores perdas que reas grandes e prximas. Algumas dessas regras, porm, foram muito contestadas. Uma das mais difundidas, a regra de que uma reserva grande melhor que muitas pequenas, foi tanto reforada quanto desmentida em estudos de campo. A falta de consenso levou os bilogos da conservao a questionarem a aplicao dos princpios da teoria de biogeografia de ilhas para a definio de tipo e tamanho de reservas ambientais. Essa teoria mostrou-se insuficiente, por exemplo, para a previso da extino de muitas espcies, pois os tempos mdios de extino podem ser ou muito maiores ou muito menores que os previstos por ela. Isso tornou impossvel predizer quantas espcies sero encontradas em determinado local, a mdio e longo prazos, baseando-se apenas em sua rea. A teoria tambm dizia que fragmentos pequenos teriam um nmero menor de espcies do que se observava em estudos de campo. Alm disso, a biogeografia de ilhas admite que as populaes intercambiam indivduos sem limitaes em uma rea, enquanto hoje se acredita que as populaes dividem-se em grupos locais, que apresentam limitado intercmbio de indivduos. Todas essas condies afetam as dinmicas das populaes naturais, incluindo a possibilidade de seu restabelecimento aps extines parciais. Uma grande limitao da teoria da biogeografia de ilhas que esta mede variveis referentes a comunidades (conjuntos de espcies) que no podem ser aplicadas s populaes de cada espcie, dificultando as previses sobre o destino destas. Tais limitaes, e os resultados de pesquisas sobre a distribuio espacial de organismos em hbitats fragmentados (figura 2), fizeram ressurgir a teoria da dinmica de metapopulaes. Essa teoria foi proposta pelo eclogo norte-americano Richard Levins (1970), pouco depois da teoria de biogeografia de ilhas, para suprir a maior deficincia dos modelos clssicos de dinmica de populaes, que ignoravam o fluxo de indivduos entre populaes vizinhas. Uma metapopulao, portanto, pode ser definida como uma populao de populaes um grupo de populaes locais conectadas por migraes. Migraes, colonizaes e extines so os principais processos populacionais envolvidos no estudo das metapopulaes. A quantificao desses processos permite determinar, na regio estudada, a viabilidade de populaes de variados tamanhos ao longo do tempo e a necessidade de intervenes que assegurem sua persistncia. A teoria das metapopulaes ganhou importncia para a conservao quando estudos em reas de

E C O L O G I A

pequenas dimenses constataram que tais reas eram as nicas que continham populaes (tambm pequenas) de certas espcies, sendo por isso as mais adequadas para sua conservao. Essa mudana de paradigma alertou os conservacionistas para a necessidade de preservar pequenos fragmentos e estudar taxas de reproduo, mortalidade e movimento de organismos entre tais fragmentos. No atual estgio da biologia de populaes, a teoria de metapopulaes abriu espao para a integrao de outras disciplinas, como a matemtica, e de reas da prpria biologia que evoluram quase isoladas. Os estudos metapopulacionais incluem muitas vezes complexas modelagens matemticas, envolvendo dados sobre dinmica e gentica de populaes, sobre interaes entre organismos de diferentes nveis na cadeia alimentar, sobre estrutura de comunidades e, principalmente, sobre a estrutura espacial do ambiente (ver As bases lgicas dos modelos). 4

As bases lgicas dos modelosOs modelos metapopulacionais mais simples no levam em conta o tamanho das populaes locais, computando apenas sua presena ou ausncia nos fragmentos. O que interessa, quando se quer conservar alguma espcie, prever a permanncia das populaes em nvel regional. Assim, os fenmenos mais importantes so a extino local e a (re)colonizao de fragmentos desabitados. A escala dos modelos, portanto, a regional, reunindo um conjunto de fragmentos de hbitat. Alguns modelos prevem apenas a frao de fragmentos habitados por uma metapopulao em equilbrio, sem considerar vrios fatores (tamanho do fragmento, distncia para o fragmento mais prximo, recursos ambientais necessrios e presena de competidores, parasitas e predadores) que podem interferir na dinmica das populaes locais. Do ponto de vista da metapopulao, pode-se diferenciar entre extino local (uma subpopulao morre) e extino regional (toda a populao morre). Mesmo que no haja migrao entre as subpopulaes, o risco de extino regional ser sempre muito menor que o de extino local. Usando um modelo simples, possvel constatar que as chances de persistncia de uma populao so bem maiores se ela ocupar mais de um fragmento. Clculos tericos revelam que, se uma populao que s habita um fragmento tiver uma probabilidade de persistncia (de um ano para outro) de 30%, essa chance diminuir para 9% no segundo ano, para 2,7% no terceiro e assim por diante. Mas se essa populao habitar, por exemplo, 10 fragmentos, a chance de que pelo menos uma delas chegue ao ano seguinte subir para 97%. Tais clculos ainda no consideram as migraes entre as populaes locais, que podem recolonizar fragmentos onde eventualmente ocorre a extino da populao. Considerando esse fator, as chances de extino e colonizao em cada fragmento passam a depender da frao de fragmentos ocupados. Uma metapopulao vive em constante mudana, por conta das extines e colonizaes, mas h um equilbrio quando as taxas de extino e colonizao se igualam. Modelos metapopulacionais mais complexos podem incluir outros fatores, como os efeitos do tamanho dos fragmentos e do seu isolamento em relao ao fragmento habitado mais prximo.

Figura 2. O sistema de capes de mata de galeria naturalmente fragmentado, visto no Parque Nacional da Serra da Canastra (MG), apresenta, em meio a campos limpos, fragmentos de mata (capes) que distam de dezenas a centenas de metros uns dos outros, o que torna o local adequado para estudos metapopulacionais

FOTO DE MIGUEL A. MARINI

maio de 2000 CINCIA HOJE 25

E C O L O G I A

AQUARELAS DE EDUARDO PARENTONI BRETTAS

A

B

Figura 3. As borboletas, que sempre atraram muito interesse por suas cores, hoje mostram-se importantes nos estudos de biologia da conservao as imagens mostram as espcies Parides ascanius (A sobre a planta Lantana camara) e Dryas julia (B sobre uma orqudea)

Estudos metapopulacionais: a contribuio das borboletasEstudos com vrios organismos j demonstraram a validade de alguns modelos da teoria de metapopulaes. Tais estudos incluem um sapo (Rana lessoniae) e seu peixe predador (Esox lucius) em lagoas na costa do mar Bltico, na Sucia, pulgasdgua (gnero Daphnia) em pequenas lagoas, aranhas em ilhas das Bahamas, trs subespcies de corujas-pintadas (Strix occidentalis) na Amrica do Norte e sistemas de interaes em trs nveis trficos como o que rene a planta Senecio jacobea, a mariposa-desfolhadora (Tyria jacobaeae) e seu parasitide (Cotesia popularis) , alm de diversas espcies de borboletas na Amrica do Norte e na Europa. As borboletas so os organismos que mais contriburam para o conhecimento e os testes de modelos de metapopulaes. Os principais estudos foram realizados em reas naturalmente fragmentadas da Finlndia, com a espcie Melitaea cinxia (famlia Nymphalidae, subfamlia Melitaeinae), e dos Estados Unidos, com Euphydryas editha (Nymphalidae,

Melitaeinae), e em reas fragmentadas pela ao humana na Gr-Bretanha, com Hesperia comma (Hesperiidae), Plebejus argus (Lycaenidae) e Thymelicus acteon (Hesperiidae). Tais estudos podem servir de modelos para outras populaes de borboletas. Estima-se, por exemplo, que cerca de 75% das espcies de borboletas da Gr-Bretanha e 60% das espcies da Finlndia tenham estrutura metapopulacional. Borboletas so os insetos que mais atraem a ateno, por sua ampla variedade de formas e cores (figura 3). Por isso, sempre despertaram interesse, seja de bilogos profissionais ou de amadores (a estes deve-se grande parte do conhecimento da biologia de vrias espcies desses insetos, em todo o mundo). Alm de terem inspirado a gerao de teorias evolutivas fundamentais, como a do mimetismo, as borboletas so hoje alvos de grande ateno porque so adequadas para testar novas idias importantes para a biologia da conservao. Como tm vida curta, e portanto muitas geraes em pouco tempo, permitem a acumulao rpida de informaes taxonmicas, ecolgicas e evolutivas. Alm disso, a facilidade de captura, marcao (figura 4) e recaptura

2 6 C I N C I A H O J E v o l . 2 7 n 1 60

E C O L O G I A

torna esses insetos ideais para o estudo de dinmica de populaes e para determinao de padres de distribuio espacial. Anos antes da criao do termo metapopulao, o eclogo norte-americano Paul R. Ehrlich (1932-) comeou a estudar a dinmica de populaes e seus mecanismos evolutivos utilizando a borboleta Euphydryas editha, comum na estao ecolgica do campus da Universidade de Stanford. Durante 25 anos, ele e seus colaboradores (estudantes e pesquisadores) fizeram descobertas importantes sobre a dinmica de populaes e a evoluo dessa espcie e de outras afins. Esses resultados podem ser generalizados para espcies diferentes que vivem em condies ecolgicas parecidas, ou comparados s caractersticas de espcies semelhantes que vivem em outros ecossistemas. O prprio Ehrlich compara a histria de vida de E. editha com a da borboleta neotropical Heliconius erato (Nymphalidae, Heliconiinae). Esse mtodo comparativo ajuda a entender a ecologia de organismos evolutivamente aparentados, j que vrias espcies podem exibir os mesmos tipos de adaptaes ao ambiente, ou indicar caractersticas ecolgicas universais responsveis pela evoluo de certas adaptaes. o caso, por exemplo, da evoluo do mimetismo, nas borboletas que imitam os padres de colorao de espcies txicas para os predadores. Uma descoberta fundamental do grupo de Ehrlich, muito importante para o manejo e conservao de populaes, foi a de que estas podem ter distribuies espaciais descontnuas, ou seja, diferentes grupos de indivduos da mesma espcie podem crescer em unidades de hbitat isoladas. As dinmicas de cada populao so quase totalmente independentes, mas elas ligam-se por eventuais migraes entre as unidades. Essa configurao espacial de uma populao (a metapopulao) hoje reconhecida em vrias espcies de invertebrados e vertebrados. Antes de submeter tais populaes a um plano de conservao, para evitar sua extino, indispensvel entender como interagem. Caso a persistncia de uma espcie em uma regio dependa da existncia de vrias populaes isoladas, que troquem indivduos entre elas, a estratgia de conservao precisar incluir no algu-

mas populaes isoladas, mas o conjunto das populaes.

Modelos variados de metapopulaes de borboletasUm dos melhores exemplos de estrutura metapopulacional em borboletas o da espcie Melitaea cinxia, estudada pelo eclogo finlands Ilkka Hanski e colaboradores. Populaes dessa espcie so comuns em fragmentos isolados de campos secos em ilhas rochosas do mar Bltico, ao sul da Finlndia. Tais fragmentos, com 1.300 m2 em mdia, mantm pequenas populaes locais com menos de 400 indivduos. At nas populaes maiores, porm, o risco de extino alto, em decorrncia de variaes ambientais estocsticas (que independem do tamanho da populao). Em um ano excepcionalmente seco, por exemplo, a menor disponibilidade de alimento para as larvas pode extinguir populaes de vrios fragmentos. Em geral, as borboletas esto presentes apenas em parte dos fragmentos, ou seja, em qualquer momento h fragmentos desocupados. As populaes locais ligam-se atravs da disperso de pequeno nmero de indivduos migrantes, que fundam novas populaes ou se juntam a populaes preexis- 4

Figura 4. Nos estudos populacionais com borboletas, os indivduos so marcados como esta Hamadryas arete (Nymphalidae), da mata atlntica da Reserva Florestal de Linhares (ES) para que sua movimentao possa ser acompanhadamaio de 2000 CINCIA HOJE 27

FOTO DE ONILDO J. MARINI FILHO

E C O L O G I A

Figura 5. Exemplos de reas naturalmente fragmentadas mostrando as diferenas entre o sistema de Levins (em azul), com muitos fragmentos de tamanhos variados, mas nenhum muito maior que a mdia, e o sistema continenteilhas (em laranja), com um fragmento grande cercado de fragmentos menores

tentes. A distncia mdia de deslocamento de um indivduo de M. cinxia 590 m, enquanto a distncia mdia entre fragmentos de campos secos 240 m, o que possibilita movimentao suficiente de indivduos entre diferentes fragmentos. Como as dinmicas das populaes so relativamente independentes em cada fragmento, extines em alguns podem ser compensadas por recolonizaes. Espera-se que a relao entre colonizaes e extines mantenha-se constante, caso no haja mudanas no hbitat. Logo, a persistncia de uma metapopulao a longo prazo depende da existncia de vrias populaes relativamente prximas, para garantir o fluxo de indivduos entre fragmentos, como prev o modelo de Levins. Esse modelo simula o fluxo de indivduos em uma metapopulao onde no h uma subpopulao muito maior que as outras, de modo que a migrao entre todos os fragmentos, sejam pequenos ou grandes, importante para a manuteno da populao a longo prazo. Se, por falta de informaes biolgicas, essa espcie fosse tomada como uma populao clssica (no sentido de que todos os indivduos de todas as subpopulaes seriam capazes de colonizar qualquer fragmento, a qualquer distncia), uma estratgia de manejo que priorizasse a conservao de apenas alguns fragmentos povoados, mesmo de tamanhos considerveis, poderia levar sua extino. Como a estrutura metapopulacional, o aumento e a manuteno das populaes dependem da existncia de fragmentos temporariamente povoados e despovoados. Assim, a conservao de vrios fragmentos isolados, povoados e despovoados, no muito distantes entre si, necessria para garantir a preservao desse inseto por longo tempo.

J a borboleta Euphydryas editha, estudada no monte Morgan, na Califrnia (Estados Unidos), e em fragmentos adjacentes, exibe estrutura populacional diferente da de M. cinxia. As populaes de E. editha habitam fragmentos de vegetao tpicos de terrenos serpentinos (formado por silicatos hidratados de magnsio), nos quais as populaes so proporcionais ao tamanho do fragmento. Populaes locais pequenas (10 a 100 indivduos) so mais suscetveis extino, mas tm grandes chances de recuperao se estiverem a menos de 5 km de distncia de uma rea maior (como o monte Morgan), fornecedora de indivduos colonizadores. O monte, onde uma populao de cerca de um milho de indivduos mantm-se em equilbrio, atua como fonte provedora de indivduos para os fragmentos adjacentes. Esse tipo de estrutura metapopulacional chamado de continente-ilhas ou Boorman-

2 8 C I N C I A H O J E v o l . 2 7 n 1 60

E C O L O G I A

Levitt, em referncia aos eclogos que o propuseram em forma de modelo matemtico (figura 5). Os modelos de Levins e Boorman-Levitt, embora provados experimentalmente, no devem representar as situaes reais mais comuns, que provavelmente incluem caractersticas de ambos os modelos. Em sistemas naturais com grande variedade de tamanhos de fragmentos, pode no haver um continente, e nesse caso tanto o fluxo de indivduos oriundo dos fragmentos grandes quanto as trocas entre os fragmentos pequenos devem ser considerados. Alm disso, a lio da biogeografia de ilhas lembra aos bilogos da conservao que preciso evitar, sem comprovao experimental, a aplicao dos modelos de metapopulao no manejo e conservao da vida silvestre, mesmo que tais modelos sejam mais adequados que aquela teoria.

Como anda a conservao de borboletas no BrasilSe ainda faltam dados para a maioria das borboletas mais estudadas na Europa e nos Estados Unidos, estes so ainda mais escassos para as numerosas espcies da regio neotropical. Estudos sobre a capacidade de deslocamento e as chances de colonizao de reas isoladas so raros para quase todas as espcies brasileiras. Entre essas poucas informaes, destacam-se as do projeto Dinmica Biolgica de Fragmentos Florestais (PDBFF), que h anos pesquisa os efeitos, sobre animais e plantas, da fragmentao da floresta amaznica, em 25 fragmentos (de 1 ha a 1.000 ha) de floresta de terra firme isolados entre reas de pastagem. Vrios pesquisadores tm estudado, nesses fragmentos, o que ocorre com diferentes espcies, entre eles o eclogo norte-americano, radicado em Campinas (SP), Keith Brown Jr., que trabalha com borboletas. Brown e colaboradores registraram, por exemplo, relativa abundncia desses insetos: 455 espcies nos 25 fragmentos. Quase 50% desse total s ocorrem em cinco ou menos fragmentos, e 75 espcies vivem apenas nas bordas de fragmentos isolados as espcies desses dois grupos foram consideradas raras. Aps o registro de cerca de 110 mil borboletas, durante 10 anos, concluiu-se que, alm da fragmentao, vrios fatores influenciam a diversidade de espcies de determinada rea, como sazonalidade, sucesso temporal, heterogeneidade espacial, graus de perturbao e isolamento dos fragmentos. Essa avaliao tambm depende da capacidade (do pesquisador) de realizar uma amostragem exaustiva. O estudo registrou, adicionalmente, eventuais aumentos populacionais no relacionados aos tamanhos

dos fragmentos de aranhas, aves e outros predadores que devastaram populaes de borboletas. Alguns indivduos foram recapturados a mais de 1 km de distncia do local onde foram marcados, inclusive em outros fragmentos, sugerindo conexes entre possveis subpopulaes. Mas borboletas como Catonephele acontius (Nymphalinae) e espcies dos gneros Heliconius (Heliconiinae), Pierella (Satyrinae) e Stalachtis (Riodinidae) foram bastante residentes, persistindo por meses no local da marcao. O nmero de espcies de borboletas, nos fragmentos maiores estudados pelo PDBFF, foi sempre menor que o previsto pela teoria de biogeografia de ilhas. Esta previa o dobro de espcies para um aumento de uma ordem de grandeza (10 vezes). O estudo na Amaznia, portanto, em vez de apoiar a idia de que uma reserva grande melhor que muitas pequenas, sugere que ambas so necessrias para a conservao de maior nmero de espcies. Embora esses estudos com borboletas no tenham sido especificamente planejados para verificar a existncia de estrutura metapopulacional em espcies desses insetos da floresta amaznica de terrafirme, seus resultados fornecem subsdios importantes para uma anlise metapopulacional.

Estratgias de conservao podem ser melhoradasA fragmentao do hbitat original de inmeras espcies de animais e plantas freqente hoje no Brasil, em especial nos estados mais desenvolvidos, em funo da rpida expanso agrcola. No entanto, a conservao de um nmero muito maior de espcies, em reas agrcolas e urbanas, poderia ser garantida apenas mantendo-se, em cada propriedade, reas relativamente pequenas de matas, cerrados e campos, criando-se assim um sistema de fragmentos de vegetao capazes de interconectar populaes atualmente restritas a unidades de conservao. O cumprimento da Lei de Uso da Terra, que determina a manuteno de 20% do ambiente original em cada propriedade das regies Sul e Sudeste e a preservao das matas riprias, deve portanto ser incentivado, pois isso garantiria a existncia de fragmentos capazes de sustentar metapopulaes de animais e plantas. Alm disso, o incentivo ao programa de Reservas Particulares do Patrimnio Natural, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama), pode beneficiar muito a conservao da fauna e da flora brasileiras em regies altamente afetadas por atividades humanas. n

Sugestes para leitura:EHRLICH, P.R. O mecanismo da natureza, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1991. HANSKI, I. Metapopulation ecology, Oxford University Press, Oxford, 1999. HUNTER, M. L., Jr. Fundamentals of conservation biology, Blackwell Science, Cambridge, 1996. PULLIN, A. S. (Ed.) Ecology and conservation of butterflies, Chapman & Hall, London, 1995.

maio de 2000 CINCIA HOJE 29