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    Rua Clvis Bueno de Azevedo, 176 IpirangaSo Paulo SP 04266-040 Tel.: (11) 3491-0529

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    UNIVERSO DO CONHECIMENTO - UNIVERSIDADE SO MARCOS

    LAMA PADMA SAMTEM - 17/ AGOSTO/ 2006

    "A CINCIA E A MENTE"

    Boa noite a todos. Gostaria de agradecer por esse convite honroso. Esse tema umtema difcil, ns tratarmos desse encontro de mundos, do encontro de universos culturaisdiferentes, de concepes de mundo e do encontro de mandalas. Eu acredito que o budismotem uma responsabilidade, tem uma possibilidade de enriquecer e enriquecer-se tambm

    nesse dilogo. Vocs provavelmente tm acompanhado a trajetria de sua santidade o DalaiLama, no seu encontro com o Ocidente, e provavelmente j perceberam a profundidade dessamensagem que pode ser trazida atravs de sua santidade o Dalai Lama e como isso de fatopode trazer elementos novos para a nossa cultura e oferecer solues para os problemas que agente tem se defrontado, de forma assim muito visvel e muito intensa, nos dias de hoje.Nesse nosso encontro, ainda que seja um encontro breve, gostaria de transmitir parte desseentusiasmo que sinto tambm nesse dilogo que ns podemos desenvolver entre civilizaes,nesse dilogo entre culturas, cada uma com um grande potencial de contribuio para os sereshumanos.

    A cultura budista se desenvolveu em condies completamente diferentes das nossas eela se desenvolveu a partir da investigao da prpria mente. Vocs podem imaginar que huma possibilidade de ns investigarmos o universo olhando externamente a todas as coisas.Ns podemos dizer que a cultura ocidental se desenvolveu especialmente atravs disso, nototalmente atravs disso, mas especialmente atravs da nossa possibilidade de contemplar oque est fora de ns. J a cultura oriental se desenvolveu examinando internamente. Nacultura vdica pr-budista h essa imagem de que, se ns vamos profundamente nacompreenso de Dharma, do mundo externo, ns terminamos encontrando Atma, o mundointerno. Por outro lado, se ns vamos profundamente no mundo interno, em Atma, nsterminamos encontrando o mundo externo. Ento esse dilogo que ns encontramos hoje, quens vemos ocorrer especialmente no budismo, atravs da influncia de sua santidade o DalaiLama, esse dilogo, esse debate, esse encontro na verdade quase que essa imagem de Atmase encontrando com Dharma, ou seja, o mundo externo se encontrando com o mundo interno.Na prpria cultura ocidental ns vamos encontrar momentos onde esse afloramento se deu.Essa uma das razes pelas quais ns vemos a fsica quntica freqentemente ser associada a

    algo espiritual, ou a estar ligada especialmente ao budismo tambm. Alguns autores associama fsica quntica tambm ioga, aos ensinamentos vdicos. Isso de fato ocorre porque a fsicaquntica introduz um elemento muito interessante que, na linguagem da cincia, ns diramosque uma varivel que no havia sido considerada, especialmente dentro da perspectivaclssica da cincia, que a do prprio observador. Ento a cincia clssica tenta extinguir opapel do observador, ela tenta neutralizar e despersonalizar completamente as observaes eo conhecimento cientfico; enquanto que na fsica quntica, especialmente atravs dacontribuio de Niels Bohr, que foi quem concebeu a viso complementar da fsica quntica, sereintroduz o papel do observador, mostrando a impossibilidade de ns olharmos de formaneutra a realidade. Hoje ns temos muitos autores que contemplam tambm isso, mas, se nsolharmos de forma rigorosa, talvez ainda no tenha surgido a cincia efetivamente capaz delidar com essa varivel e de considerar de uma forma fcil o papel do observador. Ns

    seguimos olhando a realidade a partir da noo da separao entre aquilo que ns vemos e

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    aquilo que ns somos. Ento esse um ponto muito importante e ele trata justamente dessa

    ponte entre o mundo interno e o mundo externo. Ns podemos dizer que o Buda foi aqueleque descobriu o sofrimento no mundo, que descobriu o fato de que o sofrimento se escondeatrs da prpria aparncia de felicidade de todas as coisas, quando ele ento concebe a nooda experincia cclica. Ento se diz: mesmo que ns tenhamos uma aparente felicidade, muito raro encontrarmos uma felicidade que no traga dentro de si a possibilidade desofrimento futuro, pela prpria causa da prpria felicidade que hoje ns usufrumos. Isso se dcom os nossos familiares, com os nossos filhos, com o nosso trabalho. Ento muito difcil queaquilo que ns buscamos e nos conectamos como sendo um fator de felicidade no setransforme no futuro numa causa de sofrimento. Buda tem uma palavra para isso, a palavraduka. Duka significa felicidade e sofrimento inseparveis. No budismo ns dizemos que poderiahaver dois caminhos para ns tentarmos superar ou ultrapassar duka. O primeiro seriadesenvolvermos grande habilidade em transformar as condies externas de tal maneira que,se tivermos poder e recursos, sempre transformamos as situaes externas de tal modo queelas sejam favorveis a ns. como se esse fosse o caminho eleito pelo mundo ocidental, oupor um tipo de civilizao. Por outro lado, existe o caminho que o prprio Buda ensinou, queno exclui o primeiro, mas que potencializa o primeiro introduzindo outras possibilidades. ocaminho no qual olhamos para dentro de ns mesmos e descobrimos como transformar,atravs da inseparabilidade que h entre os elementos externos e os elementos internos, anossa experincia diante das circunstncias. Ento essa varivel, essa possibilidade, existe.Ns adentramos nesse mundo de possibilidades e estudamos isso atravs das quatro nobresverdades e do nobre caminho de oito passos, sendo que os trs passos finais do nobrecaminho de oito passos introduzem justamente a possibilidade da meditao. Esse opanorama geral da questo. Na viso budista, todos ns estamos presos a duka e todos nsaspiramos ultrapassar esse sofrimento, aspiramos felicidade. Ns temos meios que foramdesenvolvidos por nossa prpria cultura e hoje temos esse intercmbio entre culturas e

    podemos ainda aprender outros recursos que so trazidos tambm atravs do budismo. Esseencontro entre Ocidente e Oriente um encontro muito antigo. No entanto, talvez emnenhuma poca esse encontro tenha sido to profundo quanto nos tempos de hoje. Essadificuldade de olharmos uma cultura diferente da nossa, h uma dificuldade inerente a isso,que vem do fato de que ns olhamos sempre como quem olha um espelho. difcil que agente olhe e veja o novo se o novo no estiver dentro de ns. muito difcil ver o que estfora como algo verdadeiramente diferente do que ns temos dentro. Ento, se ns quisermosefetivamente entender uma outra cultura, uma outra forma de conhecimento, precisamospenetrar de fato nessa forma de conhecimento. Hoje ns estamos vivendo esse tempo onde hmuitos praticantes, h muitas pessoas que tentam de fato olhar o budismo de dentro doprprio budismo. Ento esse entendimento se torna mais possvel e o nosso encontro hojetraduz justamente esse esforo para que no s esse entendimento ocorra, mas que isso seja

    de um modo verdadeiro e profundo e que pontes se estabeleam entre essas formas deconhecimento para benefcio de todos os seres.

    Eu tive a felicidade de aprofundar o meu conhecimento na rea tanto do budismoquanto da cincia. s vezes eu fico pensando: vocs sabem que no budismo as pessoasimaginam que eventualmente vivem de novo, de novo e de novo, a eu pensei que na prximavida acho que vou continuar estudando fsica de novo, porque achei muito til isso. Eu acreditoque a motivao dos fsicos muito parecida com a motivao tambm dos cientistas damente, porque essencialmente os fsicos aspiram entender a realidade da forma mais profundae os cientistas da mente tambm aspiram entender a realidade da forma mais profunda.Justamente estudando fsica quntica. E no foi de outra forma que na minha trajetriapessoal me foi possvel entender justamente esse fato, quando ns olhamos a realidade,

    inevitavelmente ns olhamos com os culos dos prprios paradigmas e das prprias estruturas

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    cognitivas que esto presentes nessas teorias que ns estudamos. E no h outro jeito. Assim,

    se ns pretendemos alguma liberdade no olhar da realidade que a gente vai chamar deexterna, ns precisamos purificar as estruturas internas. Isso me levou inevitavelmente aestudar o budismo, porque o budismo me pareceu o sistema mais perfeito de purificao desseprocesso, dessas estruturas internas. A imagem disso justamente um monge sentadomeditando, ultrapassando todas as suas estruturas e seus pensamentos compulsivos. Qual aviso de mundo que se desenvolve a partir de uma mente que progressivamente se purificadesses contedos invasivos, que todos ns podemos perceber? Esse um desafio. Quando euentrei por essa porta, me dei conta de que o mundo interno continha muitos universos e que omundo externo aparentemente contm um nico universo. Ento h uma riqueza muitogrande no mundo interno e eu senti que no deveria desperdiar essa oportunidade derealmente investigar isso, de penetrar por esse mundo. Centrando-me nisso como se eutivesse feito um voto interno de no me afastar de fato e de manter essas pontes decompreenso entre esses mundos. O Centro de Estudos Budistas j foi criado com esseobjetivo. Este ano ns estamos completando 20 anos, ele foi criado com esse objetivo deestabelecer o dilogo, de estabelecer pontes entre as culturas budistas e no budistas. Por issoeu me sinto especialmente feliz por estar aqui hoje, na Universidade So Marcos, falandosobre esse tema.

    Dentro disso me foi possvel observar algumas linhas que vou apontar, que me parecemespecialmente necessrias de serem aprofundadas posteriormente. O primeiro ponto aperspectiva que ns temos da neutralidade da cincia. A noo de neutralidade da cincia no completamente verdadeira, ela apontada por sua santidade o Dalai Lama como umobstculo num certo sentido. Eu vou trazer essa reflexo para vocs. Hoje, quando olhamos acincia, temos a tendncia de acreditar que qualquer linha de investigao e de pesquisa til,porque afinal estamos descobrindo coisas que esto a para serem descobertas. Ento o

    cientista um ser que investiga e olha de forma profunda a realidade que se d no seuentorno. No entanto, na viso budista o que ocorre assim: ns no descobrimospropriamente o mundo externo, ns descobrimos possibilidades de relao. Por exemplo,quando ns temos um equipamento experimental e vamos medir uma partcula, na verdadeno estamos medindo uma partcula, ns estamos estabelecendo relaes entre aquilo que nschamamos partcula e aquilo que chamamos de equipamento experimental. Quando essasmedidas se do, especialmente na fsica microscpica, de modo geral (Niels Bohr at chamavaa ateno disso), antes de medirmos a partcula, ns nem mesmo sabemos que ela existe, todiminuta ela . Depois que ela foi medida, a ns temos certeza de que ela no existe mais,porque pela interao ela se decompe, ou passa a fazer parte de outros sistemas. Assim, apartcula algo quase abstrato. Quando ns medimos essa partcula, no momento da interaocom o equipamento experimental, aquilo que a gente chama equipamento experimental, ns

    vemos as propriedades. Mas no h como separar as propriedades da partcula daspropriedades do prprio equipamento, porque ela se revela no contato com o equipamento.Por exemplo, se eu bater aqui na mesa, vocs ouvem, no ouvem? A gente podia pensar: esse o som da mesa. Mas isso no verdade, porque se a mo no batesse, no haveria som.Esse o som da mo tambm junto com a mesa, mas por uma simplificao ns dizemos:esse o som da mesa. Esse o som do cho, esse o som da mesa, so diferentes. Esse osom da minha perna. Agora, seu eu bato uma mo na outra, pelo mesmo critrio eu digo: esse o som da mesa, esse o som do cho, esse o som desta mo. Mas no. Eu sou obrigado aentender que o som das duas mos, no h o som de uma mo. Ento esse o exemplobudista: qual o som de uma nica mo? No h isso, os fenmenos so conjuntos. Quandons fazemos os experimentos na cincia clssica, temos a sensao de que medimos algo queest diante de ns e que o equipamento experimental no tem nenhuma funo. Ento em

    verdade ns estamos estabelecendo a propriedade dessa relao entre a mo e os objetos.

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    Ns estamos criando correlaes e, a partir dessas correlaes, podemos produzir sons

    especficos que agora j sabemos como so. Ento ns criamos formas de manipulao e deproduo de outros resultados. A cincia, na viso clssica, comea a descrever os objetoscomo se os objetos tivessem propriedades. A ns comeamos a compor objetos emanifestamos essas condies aonde eles manifestam as propriedades que a gente aspira. Porisso ns somos capazes, hoje, de tomar pedras e fazer naves espaciais que se elevam, notem nada ali que no sejam pedras que se elevam e se dirigem a Marte, chegam em Marte,pousam e rodam como carros em Marte. Extraordinrio. Mas no podemos dizer que a gentedescobriu coisas, ns fomos estabelecendo conhecimentos de correlaes, ns noconhecemos nada separadamente de fato. Ento ns podemos tambm decidir que tipo decorrelaes ns vamos estudar. Ns podemos dar uma direo para o prprio estudo e para aprpria pesquisa.

    Sua santidade o Dalai Lama introduz um tema difcil de ser tratado, que o tema datica na relao com a pesquisa, com a cincia. Ento ele diz que no haveria nenhuma razopara ns pesquisarmos, por exemplo, coisas ofensivas humanidade, coisas cujoconhecimento vo ameaar a vida, vo ameaar a nossa felicidade. No tem nenhum sentidons ficarmos descobrindo como matar uma maior quantidade as pessoas, como envenenar osseres, como produzir malefcios. Ns poderamos usar a mesma energia canalizando-a nadireo de obter resultados ou mtodos para nos tornarmos mais felizes. Como a cincia, porexemplo, na medida em que ela no est descobrindo as coisas do universo, mas como umaengenharia, est estabelecendo construes de conhecimento, ns deveramos estabelecerconstrues de conhecimentos positivos. Por exemplo, os cientistas do passado estudaram,com muito cuidado, como as bombas nucleares podem existir. Depois as academias militaresde cincia e de engenharia estudam, com muito cuidado, como lanar bombas para que orecurso do contribuinte tenha um maior resultado, ou seja, o contribuinte paga as bombas,

    ento ele precisa ter mais gente morta por moeda investida. Mas isso no algo muitointeressante, prefervel estudar de outras formas. Do mesmo modo a gente pode pensar: oscientistas descobriram modos maravilhosos de controlar pestes e insetos; isso parece que uma cincia completamente pura. Mas essa cincia traz embutida dentro de si a noo damonocultura, a noo de grandes centros urbanos, uma certa viso de sociedade que temesses prprios problemas. O cientista diz: as pessoas tm tais doenas mentais, tm taisquestes, ento ns precisamos ter tais drogas que aliviem os sintomas dessas coisas. Issoest correto. Mas quando ns diagnosticamos as pessoas importante entender que essediagnstico se d dentro de uma cultura, dentro de uma viso de mundo, dentro de umaexperincia de normalidade que pode no ser absoluta. Assim, quando ns comeamos a olhardesse modo, vemos que aquilo que descoberto pela cincia tem pressupostos e estespressupostos tm bases culturais, bases econmicas, bases arquitetnicas, concepes de vida

    e concepes espirituais especficas. A cincia completamente dependente desses fatorestodos. Quando ns pensamos assim: a cincia neutra, pura, um conhecimento da naturezaque externo a ns, isso no completamente verdadeiro. Essa sensao de que ns estamosestudando aquilo que externo nos elimina a possibilidade de introduzirmos a questo damoralidade e da tica dentro do trabalho da cincia. Talvez ns estejamos justamente nesseponto onde precisamos introduzir a tica no apenas na cincia, mas tambm na economia,tambm na produo, nos sistemas de produo, na organizao humana e na cincianaturalmente. Introduzirmos a tica na cincia algo realmente necessrio. Se nodescobrimos isso, seguimos nessa rota problemtica que estamos vivendo hoje, em nossacivilizao planetria, que ns sabemos insustentvel, mas no encontramos mtodos e nemmesmo linguagens para tratar de forma adequada essa questo. Ento precisaramosintroduzir na pesquisa cientfica, no trabalho acadmico, a viso da tica e da moralidade

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    tambm. Eu apenas proponho essa questo. No pretendo aqui esgotar a questo, estou

    apenas abrindo essa linha de reflexo.Ns temos outras linhas de reflexo que me parecem realmente muito importantes e

    que so, por exemplo, as que tratam da questo cognitiva, que abordei aqui de um modorpido. Essa questo nos aproxima ao pensamento dos meditantes do pensamento acadmico,especialmente ligado fsica quntica. Essa uma linha de pesquisa realmente muitoimportante. importante a gente examinar dentro de uma perspectiva que sua santidade oDalai Lama, tambm desafiadoramente, coloca, dizendo assim: os cientistas no sosuficientemente cticos. Eu acho esse desafio maravilhoso. Por qu? Porque os cientistasdizem que os mticos so crentes, no so cticos. A vem sua santidade o Dalai Lama, emprincpio um mstico, dizendo: os cientistas no so suficientemente cticos. Esse um pontomuito maravilhoso e que a gente deveria olhar com muito cuidado. Se vocs examinarem essatransio do pensamento medieval para o pensamento que deu origem prpria cincia, vover alguns autores apontando os textos hermticos como a origem dessa revoluo, ou dessamudana da forma de pensar que possibilitou a cincia.

    O que aconteceu quando os textos de Hermes Trimegisto, que tm a sua origem noEgito, passaram para a Grcia e da Grcia passaram para a Europa? O que trouxe esse tipo depensamento de Hermes Trimegisto e como ele contribuiu para a cincia? O que acontece assim: o pensamento medieval era um pensamento no qual ns vivamos num tempo quasecomo um tempo de passagem, aqui no havia nada propriamente compreendido, as coisastinham sido feitas por Deus de um modo incompreensvel, ele no precisava de uma razopropriamente para construir as coisas como haviam sido construdas. Dentro de uma visosimples, ns podemos imaginar que Deus simplesmente fez os astros, fez a Terra, fez asmontanhas, fez os seres e colocou aquilo tudo em movimento e deu ao homem essa

    prerrogativa de reinar sobre as criaturas. Hermes Trimegisto introduziu a noo dopensamento oculto. Isso muito profundo. Ele introduziu a noo de que Deus no tinhaconstrudo as coisas no aspecto externo, mas construdo leis que por sua vez passavam aproduzir as coisas. Ento Deus no falava a linguagem comum dos seres, ele fazia leis que amaior parte dos seres no conseguia entender, ainda que estivessem submetidos a elas, eessas leis poderiam ser descobertas. Ento, dentro do pensamento de Hermes Trimegistohavia isso que o oculto, ou seja, ns temos uma aparncia, mas temos leis atrs. Porexemplo, para ns completamente bvio que a gente se levanta e caminha por aqui. Mas sens estamos num planeta redondo, como que a gente pode caminhar de cabea para baixo?Est certo que a gente no est de cabea para baixo, mas se um est de cabea para cima ooutro necessariamente, do outro lado do planeta, est de cabea para baixo. A gente no temum sistema universal de dizer o que para cima e o que para baixo, mas como os dois

    podem ser atrados na mesma direo? Ento a gente descobre essa coisa to simples: temuma lei que a lei da gravitao, a matria atrai a matria. Na poca as pessoas nemrefletiam sobre isso, mas agora ns podemos ver que a lei da gravitao algo extraordinrio,toca em todos ns. A gente pode no saber, qualquer criana corre pelo cho sem nenhumproblema, joga a bola para cima, a bola volta, tudo funciona direitinho. Porm, ainda que tudoisso funcione, ns no vemos as leis. Elas esto ali, mas ns no vemos. Ento essepensamento comea a se filtrar, at que h aquele fenmeno balstico que a ma que cai nacabea de Isaac Newton. Vocs imaginem, qualquer pessoa em uma condio normal vaipegar a ma e achar que foi literalmente um presente divino, dando um ultimato para obicho: voc se retire, ou ento ser devorado. A pessoa vai comer a ma. Mas Isaac Newton,talvez por efeito daquele impacto, pensou em algo muito profundo, ele pensou que havia umalei universal. Pensem. A gente no sabe o que acontecia naqueles tempos, ele estava vivendo

    no campo, na poca da Grande Peste, sabe-se l que chs ele tomava, mas ele teve uma idia

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    completamente improvvel: ele teve a idia de que havia uma lei universal, uma coisa

    psicodlica. A ma lhe atingiu a cabea e ele: Oh, sim, as estrelas e os planetas todos girampor essa mesma fora. Se tivesse um psiquiatra ali, por certo ele seria internado em crisespsicticas, porque ele viu o universo inteiro naquela ma. Mas ele descobriu a lei dagravitao universal. como se Hermes Trimegisto tivesse retornado com aquela capacidadede ver algo diminuto e encontrar o universo atrs daquele algo diminuto. um pensamentoque maravilhou cientistas que passaram a surgir e se misturavam com o pensamento deocultistas (cientistas e ocultistas eram a mesma coisa) e eles comearam a ver Deus atrs dasaparncias todas. No maravilhoso isso? Eu acho que deve ter sido um tempo realmenteextraordinrio, porque a pessoa podia realmente constatar Deus presente nas manifestaestodas, porque elas descobriam as leis por trs.

    Logo em seguida surgiram os cientistas classificadores. Eles no olhavam as flores, asfolhas, troncos, razes, isso no tinha importncia. O mundo era um mundo de sofrimento e depassagem. Eles comeam a olhar as folhas e a ver semelhana entre as folhas, descobriram asemelhana das razes e comearam a classificar as plantas todas. Foi um momento mgico.Eles comearam a adivinhar o pensamento de Deus atrs das coisas. evidente que havia umpensamento de Deus, tanto que as rvores da sia e da Amrica tinham semelhanas. espantoso isso. Ento um momento mgico e este momento mgico segue. Ns estamosdominados pela noo de que Deus fez o universo atravs das leis. A gente s esqueceu deDeus, o cientista esqueceu dessa hiptese, o cientista pode considerar intil, porque afinal eleclamou por Deus e Deus no alterou nada, deixou as leis. Ento tudo bem, aquilo est igual,Deus um fator que no importa para a maior parte dos cientistas. Ento ns precisamosencontrar as leis, mas a surge a fsica clssica que vai estruturando essas leis. O prprio IsaacNewton vai trabalhar nisso. Ento ns temos as torturantes leis de Newton que castigam osalunos de engenharia, de fsica e de arquitetura eventualmente. Ns estudamos isso com

    cuidado. Agora, a maior surpresa que ns vamos ter depois disso que, por decorrncia dasleis da mecnica e desse prprio conjunto de pensamentos, ns vamos chegar s leis doeletromagnetismo, que so chamadas leis de Maxwell. Esse um ponto muito interessante,porque no livro que educou geraes de engenheiros e fsicos, se v assim: E Deus disse. Avm as leis de Maxwell. Ento houve essa sensao de que era possvel matematizar ouniverso. E no para menos, porque o sucesso das leis de Maxwell vai at ao ponto onde nsencontramos o valor terico da velocidade da luz como uma expresso de constantes. A partirdesse clculo terico do valor e da velocidade da luz, ns fazemos os experimentos comrespeito a que velocidade teria a luz e encontramos o mesmo valor. uma teoria maravilhosa,uma teoria que converte energia eltrica em energia magntica e vice-versa, ela permite todoo funcionamento dos motores e todo o eletromagnetismo clssico. At a tudo bem, no verdade? Na seqncia surgiram problemas. Esses problemas so o esgotamento da

    possibilidade desse conjunto de leis clssicas dar conta de todos os fenmenos. Por isso essasleis passaram a ser chamadas de leis clssicas, porque surgiram desdobramentos que noestavam mais de acordo com essas vises. Surgiu a relatividade e posteriormente surgiu afsica quntica.

    A fsica quntica, enquanto um arcabouo terico, demorou um pouco a surgir, porqueprimeiro surgiu a falha experimental de certos fenmenos que no conseguiam ser explicadosatravs da fsica clssica. Isso forou o surgimento de uma fsica quntica, de uma explicao.Os cientistas se reuniram muitas vezes tentando elaborar isso e foi justamente na dcada de20 do sculo passado que Niels Bohr apresentou essa viso, que chamada de visocomplementar. Ele diz que existe uma varivel adicional no contemplada. Do mesmo modoque na teoria da relatividade existe uma varivel no contemplada que o tempo, no trato das

    questes da realidade existe uma varivel no contemplada que a inseparabilidade entre o

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    equipamento experimental e o objeto de medida. O observador tem o seu papel, o observador

    determina. Esse um ponto muito interessante. Acredito que esse ponto ainda no foisuficientemente estudado, que essa uma rea realmente muito especial e aqui no vouaprofundar, justamente porque o meu objetivo tambm no esse. Ns estamos apenas nosencontrando rapidamente aqui e levantando alguns pontos. Mas acredito, por exemplo, quedeveramos tomar isso e olhar com muito cuidado o aspecto cognitivo, como ns geramoscertezas sobre as nossas certezas, questionar as nossas certezas e os pressupostos que estodentro dessas certezas. No ano de 1986, eu tive a oportunidade de estar num congressointernacional que tratava do centenrio de Niels Bohr. Nesse congresso, encontrei um filsofoque veio trazer justamente a posio da complementaridade. Ele trabalhava em Copenhagen,no instituto fundado por Bohr, e ele me apontou como uma das chaves da compreenso dacomplementaridade: a leitura de Ludwig Wittgenstein, especialmente o Tratactus logico-philosophicus. Deixo essa indicao para vocs. Lembrem, h essa conexo muito ntima defato entre a noo dos espaos de possibilidades e os espaos das variveis qunticas.Wittgenstein introduz a noo de que a nossa cognio se d por dentro de espaos depossibilidades. Ns trabalhamos internamente, sem que a gente perceba, estruturas depossibilidades. Essa uma descrio filosfica que se aproxima muito da viso dos espaos depossibilidades que ns trabalhamos na fsica quntica. Ento essa uma ligao. Como estouapenas apontando avenidas e portas, tambm gostaria de lembrar que Robert Thurman, umdos grandes eruditos budistas, nesse livro que chamado Golden speach, onde ele trata daobra principal desse grande mestre iluminado fundador da linhagem qual sua santidade oDalai Lama deve a sua formao. Robert Thurman, tratando desse tema que a compreenso,o que engano e o que realidade na viso desse grande mestre iluminado Jey Tsong Kappa,dedica 21 pginas dos seus comentrios no Golden speach a Ludwig Wittgenstein, dizendo queWittgenstein como se fosse uma emanao de Manjushri, que o Bhodisattva da Sabedoria.Bhodisattva quem examina com muito cuidado, com muita acuidade o que verdadeiro e o

    que no verdadeiro naquilo que ns falamos e pensamos. Eu acredito que essa uma pontemuito interessante para ser estudada teoricamente: Tsong Kappa, Golden speach, RobertThurman, Wittgenstein, Niels Bohr, fsica quntica. Existe uma ponte clara de autores comtrabalhos eruditos nessas vrias reas.

    Essa parte da cognio, no que diz respeito ao budismo, tambm pode serpotencializada por um outro lado. Ns temos um estudo dos 12 elos da originaointerdependente. Por exemplo, ns podemos dizer assim: a realidade nos engana. Mas todosns temos uma sensao de solidez nessa realidade que nos engana. De onde isso brota? Nobudismo, o prprio Buda, quando ele atinge a iluminao, se faz essa pergunta: como os seresse enganam? H um estudo acadmico muito cuidadoso que trata do que se chama

    Originao Dependente. Nessa originao dependente ns temos os 12 elos, onde nsprogressivamente geramos vises de realidade mais complexas, mas dependentes darealidade anterior e como ns nos tornamos, portanto, dependentes de uma viso que, mesmono sendo completamente verdadeira, se torna a nossa viso vigente. Ento se estuda, commuito cuidado, como isso se estrutura. No CEBB, ns estamos desenvolvendo a nossa linha detrabalho e de dilogo justamente nessa rea; acreditamos que o estudo dos 12 elos deoriginao dependente pode potencializar e trazer idias novas educao, cincia geral, fsica, s questes da sade, s questes das vrias formas de reflexo da sociedade ocidental.No encontro que tivemos algumas semanas atrs, ns justamente delimitamos essas reas deestudo e estamos buscando essa possibilidade de desenvolver trabalhos de mestrado edoutoramento para vrios alunos que tm essa formao nessas reas. Eu acredito que muitasidias novas podem surgir e que essas idias novas podem efetivamente colaborar com asofisticao da nossa sociedade, com a melhoria das nossas condies e tambm com agerao de uma sociedade mais estvel e mais feliz.

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    Acredito que o meu tempo se esgotou. Eu vim aqui para falar um pouco salteado de

    vrios temas mesmo, mais para instig-los a posteriormente tambm refletir sobre isso eobservar linhas de pesquisa, linhas de investigao e reflexo. Agradeo a ateno de vocs ens temos ainda alguns minutos para responder perguntas e dialogar. Muito obrigado.

    DEBATE

    P. Em que medida a espiritualidade deve ser levada em conta na tomada de decisespolticas?

    LAMA SAMTEN Na viso budista, especialmente a partir de sua santidade o DalaiLama, a espiritualidade essencialmente bom senso. um bom senso que comea com aseguinte reflexo: todos ns aspiramos felicidade, aspiramos ultrapassar o sofrimento. Entoisso naturalmente se reflete perfeitamente dentro das decises polticas e das deciseseconmicas. Ns precisamos tomar decises que tenham essa base. Hoje ns temosdificuldades em tomar essas decises, mas eu sempre procuro algum exemplo. Vocsobservem: quase sempre, os economistas imaginam que temos leis econmicas a obedecer,que no podemos usar o corao para decidir sobre as coisas econmicas. Mas se vocsobservarem com cuidado, foi justamente o corao que nos trouxe at hoje, tornando a nossasociedade vivel. O corao nos trouxe at aqui, at as portas do sculo 21. Agora que nsestamos com essas novidades assim: vamos abandonar o corao e vamos ser pragmticos.No tem dado muito certo. Por outro lado, se vocs olharem, as donas-de-casa tm uma

    noo de economia, elas no precisam pensar. Eu posso gastar qualquer quantidade dedinheiro? Ns sabemos que a gente no pode gastar qualquer quantidade. Mas, por exemplo,no faz nenhum sentido a gente usar as leis econmicas externas dentro da nossa famlia. Nsinvestimos nos nossos filhos, a gente no est pagando as contas deles e promovendo eles,ns estamos investindo neles e naturalmente vamos querer um retorno, com um jurorazovel. Est certo que a gente d uma carncia de 25 anos, mas depois ns queremos oinvestimento de volta. Isso no faz sentido. A ns olhamos para os filhos e dizemos: invistoneles ou no? Eu acho que vou investir no filho do vizinho que ele est com uma cara melhor?Isso no diz respeito. Ento ns fazemos todas as loucuras do nosso corao, ou seja, nsinvestimos nos nossos filhos, ns cuidamos da esposa e do marido a fundo perdido. A razo daeconomia essa, servir os seres humanos, nos tornarmos mais saudveis, mais educados,nos promover efetivamente. Ento esse o sentido. Agora, externamente ns tambmdeveramos ser capazes de usar isso, seria uma sabedoria para os polticos. Esse mtodopragmtico que eles tm usado no est funcionando muito bem.

    P. Qual seria a sua recomendao do ponto de vista do budismo para tratar pessoascom ansiedade e pnico?

    LAMA SAMTEN Esse um ponto muito interessante. Eu acredito que o budismo podecontribuir nessa rea da doena mental ou da sade mental. Por exemplo, se ns pensarmosdentro de uma viso acadmica comum, a gente olha para algum separado do seu entorno,separado do seu mundo, separado do que a gente chama mandala, o aspecto sutil onde apessoa se v. Mas ali dentro onde ela se v que produzida a lgica do comportamento dapessoa. Na viso budista no h doentes mentais, no isso propriamente, o que ns temosso pessoas agindo sob condies de um certo modo. Agora, se a gente congelar as situaes

    todas, a situao interna da pessoa, considerar que ela pea de uma engrenagem, que ela

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    no sai daquela engrenagem e nem pode olhar o mundo de outra forma, a eu concordo com

    voc, a prefervel que a gente simplesmente d alguma substncia para que a pessoaconsiga viver dentro daquilo, porque, afinal, onde ela pode viver. Mas na viso budista nssomos inseparveis do mundo onde ns estamos, completamente inseparveis. Logo, nsprecisamos curar as relaes. Esse o ponto. Ns no adoecemos, o que adoece so asrelaes. Ento esse o primeiro ponto. Assim, essa uma sugesto para vocs. Se vocsquiserem melhorar as suas prprias vidas, faam uma listinha de todas as relaes que noesto andando bem e tratem de melhorar uma por uma. A vocs vo ver a sade de vocsmelhorando, porque ns existimos atravs de processos de relao, ns no existimossozinhos. Quando algum lhes d um carto, ou quando vocs do um carto para algum, oque est escrito ali? Esto escritas as relaes como vocs esto dispostos a fazer, vocs sepropem como mdicos, dentistas, professores, seja como for, mas aquilo que vocs estodispostos a fazer. Vocs no so aquilo. Quando ns nos estabelecemos nas relaes, assimns nascemos. Ento necessrio que a gente refaa as relaes. Ns vamos saber que ascoisas esto difceis justamente porque as relaes esto difceis. Qualquer pessoa que tenhauma grande aflio mental e um diagnstico, ela provavelmente est com muito poucosamigos e est com relaes danificadas em muitas direes. muito difcil uma pessoa quetem boas relaes, por todos os lados, enlouquecer.

    P. O conceito de incerteza, que central na fsica quntica, no seria tambm umacaracterstica da prpria histria humana?

    LAMA SAMTEN O conceito de incerteza muito profundo. Ele est ligado noo deque a incerteza est ligada noo de certeza e a noo de certeza est ligada a que osexperimentos podem ser perfeitos, exatos. Mas os experimentos no podem ser perfeitos eexatos. Justamente Niels Bohr vai trabalhar com essa noo, ele vai mostrar como h sempre

    uma incerteza, que mesmo em experimentos clssicos ns temos incertezas. umacaracterstica do universo clssico a incerteza.

    P. O sofrimento uma possibilidade?

    LAMA SAMTEN O sofrimento surge a partir de construes. Ontem estava o time doSo Paulo l no Sul, eu no queria falar nada disso, mas confesso que o time que venceu aLibertadores no assim o mais prximo, mas de qualquer maneira... Agora, vocs vejam,esse um momento de reflexo profunda: se a pessoa se constri como torcedor de um time,inevitavelmente ela tem, a partir da sorte daquilo, as alegrias e os sofrimentos. Se a genteolhar no fundo, no fundo de ns mesmos, ainda que os torcedores do So Paulo digam que soso-paulinos mesmo, torcedores do So Paulo mesmo, no fundo, no fundo, no h isso. Ns

    nos construmos. A cidade do So Paulo j existia antes do time do So Paulo surgir. Ento agente no pode dizer que primeiro Deus fez o So Paulo e depois o resto do universo. No foibem assim. Tem uma construo artificial. Uma vez que aquela construo feita, s vezes ospobres dos meninos nem nasceram e os pais j esto disputando qual o time. Outro dia, euaprendi isso assim: a me de um time e o pai de outro, mas j que a me est naquelasituao, ela no pode se defender direito, a primeira fotografia a que vale, ento joga omacacozinho do time do pai, tira a primeira foto e pronto. O que acontece nesse momento? Apessoa ganha uma identidade, uma identidade de sofredor, porque s vezes ganha, s vezesperde, e aquilo segue. Ento essa a experincia do sofrimento, o sofrimento tem essacaracterstica: ns surgimos como uma identidade e, a partir desta identidade, surge osofrimento. Ele no real. A nossa natureza, o que ns verdadeiramente somos, est alm doespao, alm do tempo, no envelhece. bom que a gente diga isso. No uma boa coisa?

    No tem nome, no tem forma. Para essa natureza no tem time tambm. Naturalmente se

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    diz assim: no h nascimento e no h morte, h uma presena incessante. Isso o que os

    mestres nos dizem. Essa a realidade da nossa vida, mas ns nos fazemos mortais, ns nosconstrumos como torcedores de alguma coisa, como aquele que defende a sua prpriaidentidade e, a partir disso, o sofrimento se torna presente.

    P. Fale mais sobre o que engano e o que realidade.

    LAMA SAMTEN Esse um bom tema, realidade e engano. Existe a palavra iluso e apalavra deluso. Esse um ponto interessante. A palavra deluso, deixa-me ver se temalguma coisa aqui para ilustrar. Vocs esto vendo, no cu, voando ali, no logotipo doUniverso do Conhecimento? Eu olho assim, no sei se vocs vem tambm, eu acho que uma figura masculina. Isso no uma iluso, a gente pode chamar a pessoa que desenhou eela vai dizer: Eu desenhei um homem. um homem realmente, est ali, a gente olha e podereconhecer. Ento o homem no uma iluso, mas o homem ali seria uma deluso. Por qu?Porque no h homem de fato ali, mas h homem, mas no h, mas h. Ento h uma duplarealidade. A deluso tem uma dupla realidade. Por exemplo, posso dizer que sou um lama,mas no sou, mas sou, no sou. Ento existe uma identidade, mas numa dimenso profundano h isso. Cada um de vocs pode pegar o carto de vocs e olhar o seu prprio nome e asua descrio: ns somos isso. Mas olhem os cartes anteriores. assim. A deluso um tipode fraude. A gente pode at brincar que fraude, porque, se a gente entregou no ano passadoum carto e hoje aquele carto passou, ento ns nunca fomos aquilo, seno no passava.Ento a gente devia recolher, fazer um recall de todos os cartes, houve um pequeno enganoali. Na verdade, ns somos a liberdade, mas todas as coisas se traduzem por uma liberdade.Isso nos introduz variveis importantes, coisas muito importantes. Por exemplo, h umapessoa diante de ns, vamos supor uma coisa rara, no trabalho vocs tm um colega amargo,difcil, negativo, spero, vamos supor que alguns de vocs tenham um colega desses. A ns

    podemos olhar para ele com amargor tambm, porque a presena dele manifesta amargor ens sentimos amargor. Agora, ns tambm podemos olhar para ele de um outro jeito. Essaviso de eu vejo o outro amargo deluso. J que deluso, tenho a liberdade de produziruma outra forma de compreenso. A olho para ele e vejo: ele um ser livre dominado poramargor; amargor no ele, amargor o sofrimento que ele tem. A eu olho de outro jeito.Quando ele est amargo, penso: como posso fazer para revelar o que ele alm desseamargor? A ns j nos sentimos bem quando vemos aquele ser, j estamos olhando assim: deque jeito ns podemos tirar aquele sofrimento dele, porque ele no aquele sofrimento,aquele sofrimento est aderido a ele. Isso realidade tambm, tanto que a gente faz isso efunciona. Agora, o nosso colega do lado diz: No, eu no consigo, no entendo isso, aqueleser horrvel. Tambm uma outra realidade, as realidades so compostas de deluses. Nstemos uma capacidade de agir sobre a realidade externa diretamente mobilizando a nossa

    realidade interna. Aqui eu respondi brevemente sobre essa questo da realidade.

    P. Entendo que o consciente est para a terceira dimenso, assim como oinconsciente est para a quarta dimenso. Qual o elo que liga a quarta dimenso, oinconsciente, as religies e a fsica quntica? A cabala, os vedas e a fsica quntica parecemfalar a mesma linguagem. Quando inventarem os culos qunticos, poderemos ver que acincia e a religio dizem a mesma coisa?

    LAMA SAMTEN Eu acredito que sim. Mas eu diria assim: a noo de inconsciente uma noo (eu vou arriscar aqui) freudiana. Ela no uma noo muito interessante na visobudista, porque como isso: a gente est numa terra onde todos tm um olho danificado.Ento a pessoa diz: eu tenho um olho bom e um olho inconsciente. Tem um problema no olho.

    Na viso budista, o inconsciente significa apenas que existe uma regio que a gente descobre

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    que atua, mas a gente no tem como reconhec-la. Agora, para os meditantes a regio do

    inconsciente est aberta, ela no inconsciente, ela pode ser acessada. Por isso que eu achoque essa noo freudiana no muito interessante. Ns podemos olhar e reconhecer essasregies. Agora, h regies mais profundas do que aquilo que a gente chama de inconsciente.Essas regies mais profundas realmente podem ser o ponto aonde a cincia, a cabala etradies muito profundas, como a tradio vdica e a tradio budista, podem se encontrar. a regio onde existe uma natural profundidade das vrias tradies religiosas. Talvez nemtodas acessem isso, mas, de alguma maneira, por indireta que seja, todas chegam a isso. Essaregio a regio aonde a cognio no penetra. Esse um ponto curioso, porque a gentepodia pensar que a cognio penetra em tudo, mas a cognio no penetra em tudo peloseguinte: quando a gente entende o que se chama a vidia, como o budismo entende, porexemplo, que a mente surge quando a nossa natureza, que mais profunda, mais ampla, maisbsica do que a prpria mente, quando a nossa natureza se divide entre o objeto e oobservador. Quando surge essa diviso, comea o pensamento. Essa diviso assim: a nossanatureza se manifesta como o objeto e se manifesta como o observador. Quando surge essepar, surge a capacidade de pensar sobre os objetos. Os objetos no esto separados, mas elesparecem separados de ns. Quando surge essa separao, surge a mente que manipula isso.Toda a filosofia e a cincia, por exemplo, operam dentro dessa mente. A mente que operacom a filosofia e com a cincia. Ento a filosofia e a cincia vo at o ponto em que a mentepode ir, ou seja, at o ponto em que a diviso pode ir. J a religio, ou seja, nesse sentidomais profundo dos contempladores, da viso dos iogues, dos meditantes, ultrapassa esseponto, daquilo que pode ser observado cognitivamente. O que brota intuitivamente, brotacomo um objeto tambm, ento tambm no isso, parecido. Por exemplo, vou entrarnuma avenida assim: ns podemos ter muitos pensamentos, essa a nossa experincia, masnenhum pensamento se fixa. Ns no precisamos ter nem mesmo uma coerncia entre umpensamento de agora e o pensamento seguinte. Eles podem ser incompatveis, incoerentes,

    eles podem no dizer nada, nada a ver uma coisa com a outra, so pensamentos livres,eventualmente absurdos, como sonhos, leves. Agora, ainda que tudo isso se produza, h umacontinuidade, algo que no tem forma, que no surge na forma de um pensamento, mas que contnuo, que contm, que permite o surgimento destes pensamentos todos. Ento h umacontinuidade atrs da qual no consigo falar, porque ela no aparece, em si mesma, comouma face. No budismo vamos falar disso como presena, que existe uma presena. Se nssentamos em meditao em silncio, avanamos em direo presena. Ela (presena) podeestar livre desses prprios pensamentos, ela pode originar esses pensamentos. Entodescobrimos na mente uma capacidade de luminosidade, que a capacidade de produzir essespensamentos, idias etc. Tambm a capacidade de produzir as energias das quais essas idiasso dotadas. Ns temos idias com mais energia ou menos energia, vemos isso presente. Aluminosidade produz isso. Indiretamente, podemos observar que h uma presena e ela no

    muda ao longo da vida. As idias mudam, as sensaes mudam, as energias mudam, masessa presena no muda. Esse o aspecto mstico que h por trs, que se d antes, ouparalelamente, at ao prprio processo da cognio, mas ele no depende da cognio, eleest antes da cognio. Essa uma rea muito interessante em que acredito que os msticostodos penetram dentro disso. Eles encontram a vida que est alm da vida, enquanto mutaoconstante, eles encontram uma vida que est antes das prprias manifestaes transitrias.Ela est l. Ento isso se torna um fenmeno real. Esse um ponto interessante. Isso mepermite tambm, de passagem, introduzir um fator importante para ns trabalharmos, que definido pela palavra Lung. No Budismo, Lung significa energia. Podemos ver, por exemplo,que s vezes ns tomamos decises do tipo agora vou emagrecer, mas essas decises, poralguma razo, no tm fora quando passa um quindim por perto. A gente vai dizer: A culpano foi minha, mas eu me defrontei com aquele ser vivo, brilhante e ele dizia alguma coisa

    para mim. E a nossa mente pode, momentaneamente, basta cinco minutos, e esquecemos do

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    regime. Depois a gente lembra do regime novamente, mas a j comeu o quindim. Ns temos

    essas dificuldades. A gente promete no ficar bravo, mas a surge aquilo e ento dizemos queLung domina. No um aspecto cognitivo que falta para ns, sabemos direitinho, estamoscom o quindim na mo e lembrarmos: aqui tem colesterol, leos, gorduras saturadas e cco.Que maravilha. Como que podemos ter tais pensamentos? Percebemos que aquela cognioest clara. Mas o que brota em ns que se ope, se subverte a isso tudo? Ento podemos dizerque tem um Lung. necessrio entender isso, um ponto crucial. A maior parte das nossasvises sociais e sociolgicas vai at o nvel cognitivo. Nossa educao, em boa medida, vai ato nvel cognitivo, ela no inclui o nvel Lung. Mas se no mudarmos em nvel Lung, nomudamos nada. Ento necessrio que se introduza isso. E os iogues, os meditantesdesenvolveram essa habilidade de trabalhar com o nvel Lung. Se quiser saber comoemagrecer com o seu Lung, colaborando, isso muito melhor. Esse um bom nome,poderamos chamar de a dieta do Lung. Tudo isso diz respeito realidade, mas diz respeitotambm a essas questes que as vrias tradies espirituais vo trabalhar. As tradiesespirituais trabalham no nvel de emoo tambm, elas mobilizam o Lung. J o Budismotrabalha unindo Lung e cognio. Ns trabalhamos dentro disso. possvel, por exemplo,tentar responder essas perguntas: Quando que algum que vive com o cenho franzido, comsofrimento e com dio no corao repentinamente pode mudar para uma perspectiva amorosae compassiva? Como isso possvel? No basta chegar para ele e dizer que o mundo no assim como ele v; ele vai provar para ns que o mundo como ele v. Mas como o mundo,apesar de ser hostil como ele v, nem todas as pessoas, olhando esse mundo hostil, tm talsentimento negativo? Como que ns podemos mudar isso? Isso algo que diz respeito aoLung. Eu vi agora, recentemente, l no Sul, uma tese de doutoramento nessa rea. S que elano trabalhava com o Lung, e sim com o pensamento de Piaget, sobre como pode haver osentido naturalmente bom, como que ele pode ser criado, como ele pode ser ensinado paraalgum. Ser que possvel ensinar isso? Ensinar isso no ensinar algo cognitivo, alguma

    coisa a mais. No Budismo isso est ligado noo de mandala, noo de viso de mundo.Cada um de ns vive numa mandala. Existem mandalas de lucidez, mandalas de perfeio,mandalas de compaixo, onde, no importa o que acontea, o nosso sentimento decompaixo e ns agimos de forma apropriada no mundo. E tem seres que esto em mandalasde sofrimento. No importa o que acontea, eles sero raivosos, infelizes e agressivos. possvel fazer uma transio de uma mandala para outra? Essa uma sabedoria e estasabedoria pode ser includa no sistema de educao, podemos aprender a fazer isso. muitoimportante que a gente entenda, introduza essas linguagens e desenvolva essa capacidade.Isso so pontes de contato entre educao, cincia, psicologia, medicina tambm, psiquiatria,e aquilo que ns vamos chamar de mstico. Porque no h nada mais mstico do que atransio de uma mandala para outra. Como uma mandala pode ser introduzida? Umamandala de sofrimento muito fcil. Uma pessoa tira da roupa aqui um revlver e aponta:

    Um vai morrer agora. Pronto, entrou todo mundo em sofrimento. As mandalas de sabedoria,as mandalas de compaixo tambm podem ser introduzidas atravs de objetos, atravs desituaes assim. Esse o sentido, por exemplo, na tradio budista, de uma iniciao. Umainiciao a introduo de algum numa mandala, numa mandala de sabedoria. J que meperguntou, eu vou lanar um livro agora sobre isso. O tema justamente esse, o Mandala doLtus, que trata de como entrar nessa mandala, de como fazer isso. como se fosse a minhacontribuio, em parte, para facilitar esse processo. Mas h um processo, passo a passo,sociolgico que nos podemos fazer. Por exemplo, um dos primeiros, que no o primeiropasso, mas um dos primeiros passos, dar nascimento ao outro. Por exemplo, quando nsabrimos uma roda, sentamos em roda, damos espao a cada um. Se a pessoa se levantar ali,tem uma cadeira vazia, aquela cadeira vazia significa que a roda se abriu para acolher aquelapessoa. Quando ns ouvimos algum, no importa a bobagem que o outro disser, se todos

    ouvem atentamente e respondem, aquela pessoa estabeleceu relaes. Ns precisamos

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    estabelecer relaes a partir de bondade e compaixo. Quando ns estabelecemos essas

    relaes com aquela pessoa a mandala se abre, com os outros ela pode estar fechada. E assimns vamos abrindo em rede essa mandala, estabelecendo relaes. Ento esse um mtodo.Existe na verdade uma cadeia de mtodos interconectados para ns avanarmos nesseprocesso. Mas isso um processo milenar, que ns podemos traduzir na nossa linguagem eutilizar assim.

    P. - Bem, a ltima pergunta. Se a gente deseja ou necessita alguma coisa, elaacontece?

    LAMA SAMTEN - Essa uma boa pergunta. Eu diria assim: se ns efetivamenteperseguirmos aquilo, terminamos obtendo esse resultado, mas eu aconselho a vocs noagirem assim. Eu aconselho vocs a primeiro definir a motivao da ao. A motivao deveriaser uma motivao de trazer benefcios aos outros e de trazer benefcios a ns mesmos;estabelecer relaes que sejam positivas para ns, positivas para os outros, positivas parauma unidade organizada e para a natureza. Quando vocs se colocarem dentro disso, vocsestaro dentro da mandala. Mandala, no mnimo, da cultura de paz. Quando ns,inegavelmente, olhamos a todos com esses olhos, vocs iro descobrir que existe umainteligncia operando igual a essa que vocs esto fazendo, ns estamos j protegidos porinteligncias maiores. Eventualmente ns no vemos porque olhamos para nossa vida edizemos: eu tenho que chegar s 7h no trabalho, ou s 9h no trabalho, ou que preciso isso,preciso daquilo. Ns estamos olhando tudo com inteligncias muito curtas. Ns perdemos ainteligncia estratgica. A inteligncia estratgica vem atravs da motivao. A gente poderiadizer todo dia: eu me movo para beneficiar as pessoas, para que eu possa crescer e me tornarmais capaz de ajud-los, para que eu possa reforar as inteligncias humanas coletivas, queso positivas, para que eu possa tambm reforar a prpria natureza e outros seres com os

    quais no h separao, porque todos vivemos uma grande vida, que uma vida coletiva.Ento quando ns nos colocamos desse modo positivo, vocs vero que o Universo todo nosbeneficia. Efetivamente beneficia. prefervel que vocs se coloquem como um instrumentodessa Inteligncia maior do que vocs se colocarem como protagonistas de aes individuais.Essa a minha sugesto. Vocs se harmonizem, amorosa e compassivamente, com os outrose com a natureza, e vocs vo ver as portas se abrindo o tempo todo. Ento, por exemplo, hpessoas que tm essa capacidade de realizao, elas teimosamente perseguem algo e chegaml. Mas no uma grande coisa. Eventualmente este chegar l significa dores para muitaspessoas, destruies e muitas coisas. O ponto principal para ns, o chegar l, nosso objetivo,seria manter a motivao mais perfeita e conseguir operar com coragem, ou seja, ter acoragem de viver segundo essa motivao mais elevada. E ter tambm pacincia, no terculpa conosco nem com os outros. Isso pacincia, ter paz, pacincia conosco. Porque ns

    erramos, mas ns refazemos a motivao e seguimos. assim, ento a gente tem que terperseverana. Eu sugeriria isso: motivao adequada, coragem, pacincia e perseverana. Enunca culpar nem a ns nem aos outros. Em lugar de culpar, a gente muda e faz melhordepois. Muito obrigado.