Ciências Humanas e Suas Tecnologias · Ciências Humanas e Suas Tecnologias nº21 Geografi a...

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Ciências Humanas e Suas Tecnologias 21 Geografia Prof.: Charles Weima O roteiro é conhecido. De repente, toneladas de solo, rochas e troncos de árvores, acompanhados do som que lembra um trovão, deslizam morro abaixo. Pelo caminho, arrasam construções, soterrando e matando pessoas e animais. A repetição dessas catástrofes no Brasil, durante o verão, parece sempre uma tragédia anunciada. As autoridades, pegas de surpresa, atiram a responsabilidade sobre os próprios fenômenos naturais, como se a chuva fosse algo anormal ou as rochas do morro estivessem todas carregadas de uma estranha má intenção. Os cidadãos, enlutados e estupefatos, perguntam se essas tragédias poderiam ter sido evitadas e como isso pode ser feito. Os movimentos de terra e solo que todos os anos provocam desastres nas cidades brasileiras fazem parte de um tipo de fenômenos naturais denominados movimentos gravitacionais de massa. Esses movimentos caracterizam-se pela dissipação de significativa quantidade de energia e pelo deslocamento de grandes massas de materiais terrestres, como rochas, solo, e por vezes troncos de árvores, sob a ação da gravidade. Os movimentos gravitacionais de massa têm geometrias, volumes e velocidades muito distintos entre si. Alguns tipos, como as quedas de blocos ou avalanches, são extremamente rápidos. Outros, como os rastejos, apresentam movimentos da ordem de centímetros por ano. Numa paisagem serrana qualquer do sul-sudeste do Brasil, enxergamos a princípio somente árvores, pedras e solo. Mas, longe de ser estática, essa paisagem está sofrendo a ação de forças tectônicas, que criam o relevo, e está sob a ação de diferentes agentes geológicos, como a água, o vento e os organismos vivos, que a modelam. A paisagem é o resultado desse somatório de processos no tempo. A formação de solos é mais intensa em climas tropicais quando as elevadas temperaturas e as precipitações atmosféricas fazem com que as rochas sejam mais facilmente decompostas e desagregadas, num processo denominado intemperismo. O principal produto do intemperismo é a formação de uma espessa capa de material desagregado e poroso, que contém desde finas partículas até blocos parcialmente decompostos de rocha. Essa capa é denominada regolito, ou manto de intemperismo. O regolito é composto por saprolito, a rocha total ou parcialmente decomposta, e pelo solum, que é o solo propriamente dito. TRAGÉDIAS DO VERÃO Chuvas torrenciais em áreas de ocupação indevida, associadas a outros processos de desequilíbrio ambiental, levam a desastres que podem ser evitados na maior parte dos casos, mas ainda produzem mortes e prejuízos materiais.

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Ciências Humanas eSuas Tecnologias

nº21Geografi aProf.: Charles Weima

O roteiro é conhecido. De repente, toneladas de solo, rochas e troncos de árvores, acompanhados do som que lembra um trovão, deslizam morro abaixo. Pelo caminho, arrasam construções, soterrando e matando pessoas e animais.A repetição dessas catástrofes no Brasil, durante o verão, parece sempre uma tragédia anunciada. As autoridades, pegas de surpresa, atiram a responsabilidade sobre os próprios fenômenos naturais, como se a chuva fosse algo anormal ou as rochas do morro estivessem todas carregadas de uma estranha má intenção. Os cidadãos, enlutados e estupefatos, perguntam se essas tragédias poderiam ter sido evitadas e como isso pode ser feito.

Os movimentos de terra e solo que todos os anos provocam desastres nas cidades brasileiras fazem parte de um tipo de fenômenos naturais denominados movimentos gravitacionais de massa. Esses movimentos caracterizam-se pela dissipação de signifi cativa quantidade de energia e pelo deslocamento de grandes massas de materiais terrestres, como rochas, solo, e por vezes troncos de árvores, sob a ação da gravidade.Os movimentos gravitacionais de massa têm geometrias, volumes e velocidades muito distintos entre si. Alguns tipos, como as quedas de blocos ou avalanches, são extremamente rápidos. Outros, como os rastejos, apresentam movimentos da ordem de centímetros por ano.

Numa paisagem serrana qualquer do sul-sudeste do Brasil, enxergamos a princípio somente árvores, pedras e solo. Mas, longe de ser estática, essa paisagem está sofrendo a ação de forças tectônicas, que criam o relevo, e está sob a ação de diferentes agentes geológicos, como a água, o vento e os organismos vivos, que a modelam.A paisagem é o resultado desse somatório de processos no tempo.

A formação de solos é mais intensa em climas tropicais quando as elevadas temperaturas e as precipitações atmosféricas fazem com que as rochas sejam mais facilmente decompostas e desagregadas, num processo denominado intemperismo.O principal produto do intemperismo é a formação de uma espessa capa de material desagregado e poroso, que contém desde fi nas partículas até blocos parcialmente decompostos de rocha. Essa capa é denominada regolito, ou manto de intemperismo.O regolito é composto por saprolito, a rocha total ou parcialmente decomposta, e pelo solum, que é o solo propriamente dito.

TRAGÉDIAS DO VERÃO

Chuvas torrenciais

em áreas de

ocupação indevida,

associadas a

outros processos

de desequilíbrio

ambiental, levam a

desastres que podem

ser evitados na maior

parte dos casos, mas

ainda produzem

mortes e prejuízos

materiais.

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FB NO ENEM

Em encostas íngremes, as águas escoam mais rapidamente, sem contato com as rochas por tempo suficiente para intemperizá-las, transformando-as em regolito. O pouco regolito formado em vertentes íngremes, quando atinge determinadas espessuras críticas para sua estabilidade, desloca-se vertente abaixo por erosão ou na forma de movimentos de massa. Por isso, o solo em áreas íngremes é menos espesso e pouco evoluído, ou mesmo inexistente.

A porção superior dessa vertente será então um maciço de pedra com algumas árvores isoladas, nos trechos onde o solo consegue se formar. Os morros tipo Pão de Açúcar, que modelam espetacularmente a paisagem do Rio de Janeiro e de outras regiões de serra, representam o estágio de maturidade de paisagens tropicais com vertentes íngremes sustentadas por rochas cristalinas, como gnaisses ou granitos.

O regolito, nessas áreas de alta declividade, terá sido sucessivamente deslocado por movimentos de massa e pelos rios para a base das vertentes, na forma de uma mistura caótica de blocos de rocha e solo. Esses depósitos não consolidados são denominados tálus. Como se trata de um material ainda inconsistente, o tálus é instável e pode facilmente ser instabilizado, provocando outros movimentos de massa. Em muitas áreas urbanas, são comuns os acidentes com movimentação gravitacional de massa em depósitos de tálus instabilizados pela ação humana.

As partículas de solo e blocos de rocha, numa encosta natural, sofrem a ação de dois conjuntos distintos de forças: as solicitantes e as resistentes. As forças solicitantes induzem o movimento das partículas encosta abaixo, paralelo à encosta, enquanto as forças resistentes se opõem a esse movimento. As principais forças resistentes ao movimento são a coesão interna entre as partículas e a resistência friccional entre os blocos de rocha e o solo.

A gravidade é uma das principais forças solicitantes. Num bloco de rocha qualquer numa vertente, a gravidade pode ser dividida em dois componentes: o perpendicular da gravidade atua em ângulo reto com a vertente e tende a manter o bloco de rocha onde está. Já o componente tangencial atua paralelamente à vertente e tende a movimentar o bloco de rocha para baixo. A inclinação da vertente também é importante, pois vertentes mais inclinadas apresentam maior componente tangencial da gravidade que as de menor inclinação.

A estabilidade de uma dada vertente é, portanto, o resultado da interação entre as forças solicitantes e as forças resistentes. Quando as forças resistentes excedem as solicitantes, a vertente é considerada muito estável. Porém, sob a ação de determinados processos, a perda de coesão é tão forte que as resistentes tornam-se menores que as solicitantes. Nesse caso, a vertente pode ser instabilizada a qualquer momento.

Uma das causas mais importantes que levam à perda de coesão e consequente ruptura de um material de encosta é a presença de água. E é fácil entender a razão disso. Quem já construiu um castelo de areia na praia sabe que, quando seca, a areia é instável e difícil de moldar. Quando umedecida, no entanto, a força de atração capilar entre os grãos e os poros cheios de água torna a areia passível de ser moldada. Se, no entanto, for acrescentado excesso de água, a areia fica saturada e perde a coesão. Torna-se fluida.

A água também pode estar presente em fendas e trincas do solo. Por vezes, a superfície de contato do regolito com a rocha íntegra funciona como um armazenador da água que não consegue se infiltrar. Essa superfície saturada cria um verdadeiro colchão de água na encosta, que perde sua coesão e desliza como um veículo em aquaplanagem quando seu condutor perde o controle.

Outros fatores importantes a serem levados em conta na estabilidade de vertentes são a forma das encostas, a natureza da cobertura vegetal e as características dos diferentes tipos de solos e de rochas. Dependendo das condições gerais de estabilidade de uma encosta, movimentos de massa podem ser iniciados por abalos sísmicos naturais ou induzidos por ações humanas.

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EXERCÍCIOS1. (UFJM/2011) Os deslizamentos são (...) fenômenos naturais contínuos de dinâmica externa, que modelam a paisagem da

superfície terrestre.Nelson F. Fernandes e Cláudio P. do Amaral.

Movimento de massa: uma abordagem geológica-geomorfólogica, 1996.

Scientific American Brasil, nº 94, março 2010.

Sobre os deslizamentos, afirma-se:I. A região Sudeste do Brasil, por suas condições climáticas e grandes extensões de mares de morros, está sujeita

aos desastres associados aos movimentos de massa nas encostas;II. Os deslizamentos que ocorreram em 2010, em Angra dos Reis (RJ), São Luís do Paraitinga (SP) e em Niterói (RJ)

tiveram como causas tanto fenômenos naturais como ação antrópica;III. Diversas metrópoles brasileiras convivem com acentuada incidência de deslizamentos induzidos por cortes para

implantação de moradias e de estradas, desmatamentos, atividades de pedreiras, disposição final do lixo, com grandes danos associados.

Estão corretas as afirmações:A) I e II, apenas.B) II e III, apenas.C) I, apenas.D) III, apenas.E) I, II e III.

2. A figura e seus conhecimentos sobre o tema levam à reflexão de que:

I. Em áreas de grande expansão urbana, os problemas erosivos tornam-se uma ameaça à população que vive em habitações urbanas informais, ou seja, improvisadas e inacabadas;

II. Em muitas cidades brasileiras sua expansão avança para terrenos topograficamente mais inclinados e geologicamente instáveis. É o caso de obras efetuadas nas vertentes dos morros, ou seja, em áreas extremamente suscetíveis à erosão pluvial;

III. Na ocupação urbana nas áreas de risco, as consequências são desastrosas principalmente para a população de baixa renda. O material que escorrega com o deslize de terras provoca o assoreamento dos rios, córregos e bueiros, contribuindo para as enchentes urbanas, catástrofes irreparáveis presentes em muitas cidades brasileiras, como o caso de Angra dos Reis e, recentemente, nos estados de Pernambuco e Alagoas.

Está(ão) correta(s):A) Apenas a proposição I.B) Apenas as proposições I e II.C) Apenas as proposições II e III.D) Apenas as proposições I e III.E) Todas as proposições.

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3. No Brasil, recentemente, houve vários episódios que demonstram a falta de atitude e insensibilidade das autoridades em relação aos brasileiros que vivem nas chamadas áreas de risco. São exemplos os desmoronamentos de terra ocorridos em Angra dos Reis e em Niterói, na cidade do Rio de Janeiro, e a inundação de cidades inteiras no interior de Pernambuco e Alagoas.Em relação à charge apresentada a seguir e aos desastres relatados, assinale a assertiva verdadeira.

A) Todas as pessoas que vivem em área de risco têm consciência de sua situação.B) As pessoas que moram em área de risco são tão somente indivíduos de classes sociais menos favorecidas.C) As áreas de risco só existem em regiões de montanha e ao nível da faixa litorânea das grandes cidades.D) A falta de uma política habitacional efetiva, a falta de planejamento urbano e a migração do campo para a cidade estão

entre os fatores de agravamento do problema.E) As áreas de risco resultam essencialmente das condições climáticas de cada região e das catástrofes naturais.

4. Numa casa localizada em uma encosta, o terreno onde é construída a moradia fica completamente encharcado em épocas de chuvas, em razão das águas que descem do telhado e do talude adjacente. A encosta assim exposta, sujeita à alta taxa de infitração, põe a casa em risco, pelo risco de deslizamentos em períodos de chuva. É possível atenuar os deslizamentos nos morros por meio de microdrenagem, um sistema de canaletas e tubulações. Calhas são instaladas no telhado da casa para recolher a água da chuva, e o excedente de água é conduzido para uma canaleta ao pé do talude.

Manual de Ocupação de Morros na RegiãoMetropolitana de Recife. Adaptado.

Sobre o sistema de microdrenagem, é incorreto afirmar que:A) A maioria dos deslizamentos acontece na época das chuvas porque a água pesa sobre a terra, que não consegue se

sustentar sobre as rochas e desliza.B) A água que cai dos telhados das casas aumenta a possibilidade de deslizamentos.C) A drenagem contém a água da chuva nos morros, como faz a vegetação em encostas ainda não ocupadas pelo

homem.D) Os sistemas de microdrenagem podem vir acompanhados de outras obras de pavimentação, como calçadas e escadarias

nos morros.E) Cada casa precisa ter canaletas de drenagem conectadas ao sistema principal.

GABARITO (V. 20)

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C E C D B

Professor Colaborador: Claudio Ponte

OSG: 47167/11 - André 04/6/11 – REV.: RM