Cigarro: de mocinho a vilão

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16 | maio de 2011 | CIGARRO: de mocinho a vilão Por Camila Schäfer Jornalista (MTB 15120) [email protected] Há 60 anos, ele era tido como símbolo da transformação e mudança social: tirava as pessoas de seu universo simples, banal, para um mundo cheio de glamour; oferecia às mulheres sua emancipação; transformava os homens em verdadeiros símbolos de virilidade. O cigarro foi o herói de muitas gerações, sal- vando as pessoas de rótulos como “careta”, para oferecer-lhes o status de pessoas cultas, de ar superior. No cinema, bastava algum personagem entrar em cena que o cigarro, ou outros derivados do tabaco, também estavam lá. Com tanta exposição, não havia como evitar que as pessoas fumassem, e os números só fo- ram aumentando. Mas mesmo depois de todo esse tempo de encanto, o mocinho acabou se tornando vilão e quem o desmascarou foram os médicos. Cientes dos males que o cigarro causa às pessoas, eles começaram a alertar os fumantes. Campanhas anti-tabagismo foram criadas, assim como medidas oficiais, e hoje qualquer imagem que faça alusão ao ato de fumar é rapidamente banida dos meios de co- municação. Seguindo essa corrente iniciada há algumas décadas, a revista Matéria de Saúde dá a partida para sua primeira campanha de conscientização: a do Dia Mundial Sem Tabaco, celebrado em 31 de maio. O tabagismo é uma doença e é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a principal causa de morte evitável em todo o mundo. Somente no século passado, ele foi responsável por 100 milhões de mortes no planeta. Atualmente, são 5 milhões de óbitos por ano, o que corresponde a mais de 10 mil mortes por dia. No Brasil, esse vilão é respon- sável por cerca de 200 mil óbitos anualmente, o que corresponde a 23 mortes por hora. Para se ter uma ideia, hoje o tabagismo mata mais que a soma das mortes causadas por AIDS, cocaína, heroína, álcool, suicídios e acidentes de trânsito. Mas afinal, por que as pessoas fumam? Para a Mestre em Psicologia Arianne de Sá Barbosa (CRP 07/15985) são principalmente os fatores sociais que levam as pessoas a consumirem os derivados do tabaco. “Em 90% dos casos, o início do consumo de cigarros ocorre na adolescência, por volta dos 13 aos 15 anos. O convívio com pais ou colegas fumantes (principalmente mais velhos) e os pesados in- vestimentos da indústria do tabaco são fatores muito relevantes. Outros motivos individuais que podem contribuir para o início do consumo de cigarros estão relacionados com a heredita- riedade e a presença de transtornos psicológi- cos, tais como ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade. Na dissertação que defendi, mostrei que fu- mantes são mais impulsivos do que fumantes em tratamento e não-fumantes. Esse resultado mostra que pessoas impulsivas teriam mais propensão a fumar”, revela Arianne. Do primeiro cigarro para o vício é um pulo. Isso porque a nicotina, que é o princípio ativo do tabaco, age no sistema nervoso central causando dependência. Dessa forma, o ta- bagismo é classificado como doença e está inserido no Código Internacional de Doenças (CID-10) no grupo de transtornos mentais e de comportamento devido ao uso de subs- tância psicoativa. Segundo a psicóloga, as pessoas se tornam dependentes do cigarro por três fatores: o genético; o ontogenético (engloba todos os fatores individuais do pa- ciente que foram se desenvolvendo a partir da sua história de vida) e o fator cultural. “Há poucos anos, ser fumante não só era socialmente aceito, mas estimulado. Muitas vezes simbolizava status, liberdade, virilidade. Felizmente, com as campanhas de redução do tabagismo, essa realidade vem mudando. Fumar já é visto como um mau hábito”, afirma Arianne. MALEFÍCIOS DO TABACO Não resta nenhuma dúvida quanto ao potencial negativo do tabaco. Milhares de trabalhos mostram que o consumo de seus derivados causa quase 50 doenças diferentes, principalmente as cardiovasculares (infarto, angina), o câncer e as doenças res- CIGARRO: de mocinho a vilão

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Reportagem e diagramação para a revista Matéria de Saúde 7 (maio de 2011)

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CIGARRO: de mocinho a vilão

Por Camila SchäferJornalista (MTB 15120)[email protected]

Há 60 anos, ele era tido como símbolo da transformação e mudança social: tirava as pessoas de seu universo simples, banal, para um mundo cheio de glamour; oferecia às mulheres sua emancipação; transformava os homens em verdadeiros símbolos de virilidade. O cigarro foi o herói de muitas gerações, sal-vando as pessoas de rótulos como “careta”, para oferecer-lhes o status de pessoas cultas, de ar superior. No cinema, bastava algum personagem entrar em cena que o cigarro, ou outros derivados do tabaco, também estavam lá. Com tanta exposição, não havia como evitar que as pessoas fumassem, e os números só fo-ram aumentando. Mas mesmo depois de todo esse tempo de encanto, o mocinho acabou se tornando vilão e quem o desmascarou foram os médicos. Cientes dos males que o cigarro causa às pessoas, eles começaram a alertar os fumantes. Campanhas anti-tabagismo foram criadas, assim como medidas oficiais, e hoje qualquer imagem que faça alusão ao ato de fumar é rapidamente banida dos meios de co-municação. Seguindo essa corrente iniciada há algumas décadas, a revista Matéria de Saúde dá a partida para sua primeira campanha de conscientização: a do Dia Mundial Sem Tabaco, celebrado em 31 de maio.

O tabagismo é uma doença e é considerado pela

Organização Mundial da Saúde (OMS) como a principal causa de morte evitável em todo o mundo. Somente no século passado, ele foi responsável por 100 milhões de mortes no planeta. Atualmente, são 5 milhões de óbitos por ano, o que corresponde a mais de 10 mil mortes por dia. No Brasil, esse vilão é respon-sável por cerca de 200 mil óbitos anualmente, o que corresponde a 23 mortes por hora. Para se ter uma ideia, hoje o tabagismo mata mais que a soma das mortes causadas por AIDS, cocaína, heroína, álcool, suicídios e acidentes de trânsito.

Mas afinal, por que as pessoas fumam? Para a Mestre em Psicologia Arianne de Sá Barbosa (CRP 07/15985) são principalmente os fatores sociais que levam as pessoas a consumirem os derivados do tabaco. “Em 90% dos casos, o início do consumo de cigarros ocorre na adolescência, por volta dos 13 aos 15 anos. O convívio com pais ou colegas fumantes (principalmente mais velhos) e os pesados in-vestimentos da indústria do tabaco são fatores muito relevantes. Outros motivos individuais que podem contribuir para o início do consumo de cigarros estão relacionados com a heredita-riedade e a presença de transtornos psicológi-cos, tais como ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade. Na dissertação que defendi, mostrei que fu-

mantes são mais impulsivos do que fumantes em tratamento e não-fumantes. Esse resultado mostra que pessoas impulsivas teriam mais propensão a fumar”, revela Arianne.

Do primeiro cigarro para o vício é um pulo. Isso porque a nicotina, que é o princípio ativo do tabaco, age no sistema nervoso central causando dependência. Dessa forma, o ta-bagismo é classificado como doença e está inserido no Código Internacional de Doenças (CID-10) no grupo de transtornos mentais e de comportamento devido ao uso de subs-tância psicoativa. Segundo a psicóloga, as pessoas se tornam dependentes do cigarro por três fatores: o genético; o ontogenético (engloba todos os fatores individuais do pa-ciente que foram se desenvolvendo a partir da sua história de vida) e o fator cultural. “Há poucos anos, ser fumante não só era socialmente aceito, mas estimulado. Muitas vezes simbolizava status, liberdade, virilidade. Felizmente, com as campanhas de redução do tabagismo, essa realidade vem mudando. Fumar já é visto como um mau hábito”, afirma Arianne.

MALEFÍCIOS DO TABACONão resta nenhuma dúvida quanto ao

potencial negativo do tabaco. Milhares de trabalhos mostram que o consumo de seus derivados causa quase 50 doenças diferentes,

principalmente as cardiovasculares (infarto, angina), o câncer

e as doenças res-

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Por Camila SchäferJornalista (MTB 15120)[email protected]

Há 60 anos, ele era tido como símbolo da transformação e mudança social: tirava as pessoas de seu universo simples, banal, para um mundo cheio de glamour; oferecia às mulheres sua emancipação; transformava os homens em verdadeiros símbolos de virilidade. O cigarro foi o herói de muitas gerações, sal-vando as pessoas de rótulos como “careta”, para oferecer-lhes o status de pessoas cultas, de ar superior. No cinema, bastava algum personagem entrar em cena que o cigarro, ou outros derivados do tabaco, também estavam lá. Com tanta exposição, não havia como evitar que as pessoas fumassem, e os números só fo-ram aumentando. Mas mesmo depois de todo esse tempo de encanto, o mocinho acabou se tornando vilão e quem o desmascarou foram os médicos. Cientes dos males que o cigarro causa às pessoas, eles começaram a alertar os fumantes. Campanhas anti-tabagismo foram criadas, assim como medidas oficiais, e hoje qualquer imagem que faça alusão ao ato de fumar é rapidamente banida dos meios de co-municação. Seguindo essa corrente iniciada há algumas décadas, a revista Matéria de Saúde dá a partida para sua primeira campanha de conscientização: a do Dia Mundial Sem Tabaco, celebrado em 31 de maio.

O tabagismo é uma doença e é considerado pela

Organização Mundial da Saúde (OMS) como a principal causa de morte evitável em todo o mundo. Somente no século passado, ele foi responsável por 100 milhões de mortes no planeta. Atualmente, são 5 milhões de óbitos por ano, o que corresponde a mais de 10 mil mortes por dia. No Brasil, esse vilão é respon-sável por cerca de 200 mil óbitos anualmente, o que corresponde a 23 mortes por hora. Para se ter uma ideia, hoje o tabagismo mata mais que a soma das mortes causadas por AIDS, cocaína, heroína, álcool, suicídios e acidentes de trânsito.

Mas afinal, por que as pessoas fumam? Para a Mestre em Psicologia Arianne de Sá Barbosa (CRP 07/15985) são principalmente os fatores sociais que levam as pessoas a consumirem os derivados do tabaco. “Em 90% dos casos, o início do consumo de cigarros ocorre na adolescência, por volta dos 13 aos 15 anos. O convívio com pais ou colegas fumantes (principalmente mais velhos) e os pesados in-vestimentos da indústria do tabaco são fatores muito relevantes. Outros motivos individuais que podem contribuir para o início do consumo de cigarros estão relacionados com a heredita-riedade e a presença de transtornos psicológi-cos, tais como ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade. Na dissertação que defendi, mostrei que fu-

mantes são mais impulsivos do que fumantes em tratamento e não-fumantes. Esse resultado mostra que pessoas impulsivas teriam mais propensão a fumar”, revela Arianne.

Do primeiro cigarro para o vício é um pulo. Isso porque a nicotina, que é o princípio ativo do tabaco, age no sistema nervoso central causando dependência. Dessa forma, o ta-bagismo é classificado como doença e está inserido no Código Internacional de Doenças (CID-10) no grupo de transtornos mentais e de comportamento devido ao uso de subs-tância psicoativa. Segundo a psicóloga, as pessoas se tornam dependentes do cigarro por três fatores: o genético; o ontogenético (engloba todos os fatores individuais do pa-ciente que foram se desenvolvendo a partir da sua história de vida) e o fator cultural. “Há poucos anos, ser fumante não só era socialmente aceito, mas estimulado. Muitas vezes simbolizava status, liberdade, virilidade. Felizmente, com as campanhas de redução do tabagismo, essa realidade vem mudando. Fumar já é visto como um mau hábito”, afirma Arianne.

MALEFÍCIOS DO TABACONão resta nenhuma dúvida quanto ao

potencial negativo do tabaco. Milhares de trabalhos mostram que o consumo de seus derivados causa quase 50 doenças diferentes,

principalmente as cardiovasculares (infarto, angina), o câncer

e as doenças res-

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piratórias obstrutivas crônicas (enfisema e bronquite). Ele é responsável, por exemplo, por 85% das mortes causadas por bronquite e enfisema e por 90% dos casos de câncer no pulmão, o tipo de tumor mais letal no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde.

O tabaco pode ser usado de diversas maneiras: inalado (cigarro, charuto, cigarro de palha); aspirado (rapé) ou mascado (fumo-de-rolo) e todas essas formas são maléficas à saúde. Portanto, mesmo que a substância não seja tragada (como no caso do charuto), ela causa os mesmos problemas ao organismo.

De acordo com o Ministério da Saúde, o número de fumantes do sexo masculino vem diminuindo nos últimos anos. No entanto, a quantidade de mulheres fumantes se manteve a mesma. Isso é preocupante, uma vez que muitas utilizam anticoncepcionais orais que, combinados ao cigarro, podem se tornar ou-tro vilão. Estudos mostram que mulheres que fumam e utilizam anticoncepcionais orais têm 10 vezes mais risco de desenvolver infarto do miocárdio, embolia pulmonar e tromboflebite comparadas às que não fumam. Na gravidez, o tabagismo traz sérios riscos à mãe e ao bebê como abortos espontâneos, nascimentos pre-maturos, bebês de baixo peso, mortes fetais e de recém-nascidos, complicações com a placenta e episódios de hemorragia. Um único cigarro fumado por uma gestante é capaz de acelerar em poucos minutos os batimentos cardíacos do feto, devido ao efeito da nicotina sobre o seu aparelho cardiovascular. Se a ges-tante não fuma, mas aspira frequentemente a fumaça de cigarros, ela acaba absorvendo as substâncias tóxicas da fumaça, que depois são passadas ao feto pelo sangue. Durante a amamentação, o tabagismo também traz riscos. A nicotina passa pelo leite e é absorvida pela criança, que pode sofrer de

intoxicação

em função da substância (agitação, vômitos, diarreia e taquicardia).

Alguns estudos consideram a nicotina como porta de entrada para o uso de drogas ilícitas. Através de pesquisas foi comprovado que os usuários de drogas como álcool e maconha tinham iniciado suas experiências consumindo cigarros. “A maioria dos meus pacientes dependentes de drogas ilícitas (maconha, cocaína, crack), por exemplo, iniciou seu uso de substâncias a partir do cigarro e do álcool”, explica a psicóloga Arianne. Pesquisas mostram ainda que quanto mais precoce o início de uso de cigarro e álcool, maior a pro-babilidade de a pessoa se tornar dependente não apenas destas substâncias como de outras drogas consideradas mais pesadas.

Engana-se ainda quem pensa que apenas os fumantes terão problemas de saúde causa-dos pelo vício. Os fumantes passivos, pessoas que inalam a fumaça de derivados do tabaco ou convivem com fumantes, têm muito mais chance de desenvolver as mesmas doenças do que pessoas que não convivem com a fu-maça. Segundo a OMS, o tabagismo passivo é a terceira maior causa de morte evitável no mundo, atrás apenas do tabagismo ativo e do consumo excessivo de álcool.

O ar poluído contém, em média, três ve-zes mais nicotina, três vezes mais monóxido de carbono e até 50 vezes mais substâncias cancerígenas do que a fumaça que entra pela boca do fumante depois de passar pelo filtro do cigarro. Portanto, quem convive em ambiente fechado com fumantes tem maior risco de desenvolver doença por causa do tabagismo, proporcionalmente ao tempo de exposição à fumaça. Segundo o Ministério da Saúde, nas crianças o contato com o ar poluído causa maior frequência de resfriados e infecções do ouvido médio e risco maior de doenças respiratórias como pneumonia, bronquites e exacerbação da asma. Já os bebês têm maior

risco de desenvolverem doenças pulmonares até o primeiro ano de idade, proporcionalmente ao número de fumantes em casa.

PARANDO DE FUMARMesmo que a pessoa passe a maior parte

da vida fumando e já sinta as consequências do cigarro, no momento em que ela parar, seu organismo começará a se restabelecer. Segun-do o Ministério da Saúde, uma vez abandonado o vício, o risco de doença cardíaca começa a cair. Após um ano, ele reduz à metade e, após 10 anos, atinge o mesmo nível daqueles que nunca fumaram.

A nicotina é uma substância muito vician-te, por isso as pessoas têm dificuldades para parar de fumar. Ela leva segundos até chegar ao cérebro e causar o vício. O fumante sabe que está fazendo mal a si mesmo, mas não é capaz de parar porque a nicotina causa prazer. O vício ocasionado pela substância é tão sério quanto aquele causado por outras drogas e estudos mostram que parar de fumar é tão ou mais complicado que deixar de usar cocaína, por exemplo. Deixar de fumar sem ajuda pro-fissional é tão difícil que, apesar de 91% dos fumantes brasileiros desejarem abandonar o vício, apenas um terço destes é bem-sucedido em sua tentativa.

Para a psicóloga Arianne, o tratamento mais efetivo para o tabagismo envolve o uso de técnicas de uma abordagem da psicologia chamada Terapia Cognitivo-Comportamental. Essas técnicas se baseiam na detecção e re-solução de problemas e no desenvolvimento de habilidades que ajudarão o paciente a atingir e manter a abstinência de cigarros de forma prolongada. “Inicialmente, a terapia ajuda o paciente a detectar as situações em que a vontade de fumar é mais frequente ou intensa. Depois, é trabalhado o desenvolvimento de habilidades específicas para enfrentá-las. O

Ministério da Saú-de, inclusive,

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Se parar de fumar agora...• após 20 minutos sua pressão sanguínea e a pulsação voltam ao normal;• após 2 horas não tem mais nicotina no seu sangue;• após 8 horas o nível de oxigênio no sangue se nor-maliza;• após 2 dias seu olfato já per-cebe melhor os cheiros e seu paladar já degusta a comida melhor;• após 3 semanas a respiração fica mais fácil e a circulação melhora;• após 5 a 10 anos o risco de sofrer infarto será igual ao de quem nunca fumou.

desenvolveu programas de tabagismo basea-dos nessa abordagem”, explica a psicóloga.

O tratamento psicológico pode ser indi-vidual ou em grupo, mas, segundo a espe-cialista, o acompanhamento individual pode ser mais efetivo. De acordo com Arianne, são necessárias pelo menos quatro sessões, com 50 minutos de duração, durante duas se-manas, para que o paciente tenha benefícios terapêuticos. “Tratamentos de cerca de oito semanas são relativamente frequentes e, em alguns casos, os pacientes podem precisar de seguimento por mais tempo”, explica a psicóloga. A família também pode ajudar no tratamento do fumante, que envolve a mu-dança de hábitos de todos. “Mesmo quando a família não tem outros fumantes, alguns hábitos, pelo menos no início do tratamento, terão que ser revistos por todos. Por exemplo: para muitos pacientes, o cafezinho após o almoço pode despertar a vontade de fumar. Então, recomenda-se que ele evite tomar esse cafezinho no início do tratamento. A família, em uma situação como esta, pode ajudar: é só substituir o hábito por outro, de forma que o paciente se sinta apoiado por todos”, recomenda a psicóloga Arianne.

Uma boa estratégia para parar de fumar, recomendada pelo Ministério da Saúde, é escolher uma data para ser o primeiro dia sem cigarro. Este dia deve ser uma ocasião espe-cial, por isso o fumante pode programar algo que goste de fazer para se distrair e relaxar. A parada não precisa ser de uma vez. A redução no número de cigarros pode ser gradual, por dia, desde que não passe de duas semanas,

pois pode se tornar uma forma de adiar, e não de parar de fumar.

É normal que os primeiros dias sem nico-tina sejam difíceis, pois ela é uma substância que gera alta dependência. No entanto, as dificuldades vão diminuindo a cada dia. Alguns fumantes podem apresentar sintomas de absti-nência como fissura (vontade intensa de fumar) dor de cabeça, tonteira, irritabilidade, alteração do sono, tosse, indisposição gástrica e outros. “Esses sintomas atingem o auge em dois ou três dias e, a partir do final da primeira semana, começam a diminuir, passando dentro de duas a quatro semanas. Por isso, buscar a ajuda de um psicólogo para parar de fumar aumenta a chance de sucesso na cessação do tabagismo, pois, dentre outras intervenções, é ensinado ao paciente como lidar com a síndrome de abstinência de cigarro”, explana a psicóloga Arianne. É normal também um ganho de peso de até dois quilos, pois o paladar vai melhoran-do e o metabolismo se normalizando.

As primeiras recaídas não são motivo para preocupação, pois a maioria dos fumantes que deixaram de fumar fez em média três a quatro tentativas até parar definitivamente. Por isso, é importante que o paciente não desista, pois a vontade de fumar não dura mais que alguns minutos. Chupar uma bala, escovar os dentes ou comer uma fruta podem ser alternativas para os momentos de fissura.

PUBLICIDADEUma das maiores aliadas da indústria do

tabaco, a publicidade teve grande respon-sabilidade pelo sucesso do cigarro. Entre os

dedos da donzela, do cowboy ou do mocinho e até durante algum esporte, lá estava ele queimando. Por essa razão é que, atualmente, a publicidade está sendo usada com a função inversa: de conscientizar.

Em 2001, as propagandas de cigarro foram proibidas, exceto nos locais de venda. Essa medida tem mostrado resultados positivos em vários países, com significativa redução do consumo de derivados do tabaco. No ano seguinte, uma medida do Ministério da Saúde estabeleceu que as embalagens conteriam imagens trágicas, como bebês à beira da mor-te, impotência sexual e outros efeitos nocivos da fumaça. Outras medidas adotadas incluem a redução dos níveis de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono e a proibição de termos como “baixos teores”, “suave” ou “light” nos maços de cigarro.

Estas medidas tomadas pelo Ministério da Saúde já vêm mostrando resultados: 33% da população era fumante em 1989; em 2008, este número caiu para 15%. “Quando falamos em prevenção ao uso de tabaco temos que pensar em medidas mais amplas de intervenção sobre a população, que englobem ações educativas, legais e financeiras. Debates sobre o tema de-vem ser estimulados nas escolas, nas famílias, nas comunidades. Desde cedo, os jovens devem aprender sobre as consequências prejudiciais do uso de tabaco e, mais importante, devem ser estimulados a se engajar em atividades saudáveis de vida. O esporte e a espiritualidade, por exemplo, são fatores de proteção ao uso de cigarros e drogas em geral”, finaliza a Mestre em Psicologia, Arianne de Sá Barbosa.

O CIGARRO POR DENTROFumaça: é uma mistura de aproximadamente 4,7 mil substâncias tóxicas diferentes. Em sua fase gasosa é composta por monóxido de carbono, amônia, cetonas, formaldeído, acetaldeído, acroleína e outros. Já a fase particulada contém nicotina e alcatrão.

Alcatrão: é um composto de mais de 40 substâncias comprovadamente cancerígenas, formado à partir da combustão dos derivados do tabaco. Entre as substâncias estão aquelas usadas para veneno de rato.

Monóxido de carbono (CO): tem afinidade com a hemoglobina (Hb) presente nos glóbulos vermelhos do sangue. A ligação do CO com a hemoglobina forma o composto chamado carboxihemoglobina, que dificulta a oxigenação do sangue, privando alguns órgãos do oxigênio e causando doenças como a aterosclerose.

Nicotina: age no sistema nervoso central e, juntamente com o

monóxido de carbono, provoca diversas doenças cardiovasculares.

Além disso, estimula no aparelho gastrointestinal a produção de ácido clorídrico,

o que pode causar úlcera gástrica. Também desencadeia a liberação de substâncias quimiotáxicas no pulmão, que estimulará um processo que irá destruir a elastina, provocando o enfisema pulmonar.

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Depoimentos de ex-fumantesPABLO SILVA HERNANDEZ, 50 ANOS

SILVESTRE SILVA SANTOS, 53 ANOS

Depoimentos de ex-fumantes

Para a minha geração, cigarro sempre esteve as-sociado a status, mas nunca me convenceu. Experimentei várias vezes na adolescência e deixei pra lá. Comecei a fumar já adulto, em festas, já na universidade. Depois que comprei a primeira carteira, fumei 25 anos, na média de um maço por dia. Eu fumava porque precisava, o fumante inventa mil desculpas, mas fuma porque precisa, porque é viciado.

Decidi parar de fumar porque já tinha, há muitos anos, a convicção de que precisava parar. Sempre es-tive ciente que era um vício, jamais fumei dentro de casa, também nunca fumei próxi-mo a outras pessoas, mas não fazia nenhuma tentativa real de largar. Fisicamente, tinha o fôlego muito prejudi-cado. Algumas tentativas de jogar futebol foram extrema-mente decepcionantes. E o cheiro era terrível, incomo-dava muito. Então aconte-ceu um fato: uma reunião, uma escada e lá em cima o escritório. Quando cheguei estava mais ofegante que o normal e a senhora que me atendeu me ofereceu água e me aconselhou a parar de fumar. Perguntei como ela sabia que eu fumava e ela respondeu: pelo cheiro. Foi o último cigarro que fumei durante o dia. A partir daí fui reduzindo o número de cigarros e passei a fumar somente à noite, de dois a quatro cigarros. Mas a pes-soa chave que me fez parar de fumar foi minha filha, na época com sete anos. Certo

dia ela disse para a mamãe: “se tu e o papai morrerem por causa do cigarro quem vai cuidar de mim?”. A ma-mãe então procurou um mé-dico e parou de fumar e eu, no mesmo dia, parei com os meus cigarros noturnos. Fiz apenas uma tentativa para parar de fumar e a abstinên-cia foi tranquila. Lá se vão três anos, viva!

Hoje não tenho vontade de fumar, não sonho com cigarro, não gosto de ci-garros e jamais vou fumar novamente, tenho é vergo-nha de lembrar que fumei por tanto tempo. Não tenho mais pigarro, vertigens no calor e cheiro ruim. Tenho mais fôlego, mais respeito da minha filha e espero uma sobrevida de pelos menos uns 10 anos, segundo os cálculos científicos da minha cardiologista.

Para as pessoas pararem de fumar, acredito que é preciso educação. Eu sou do tempo que o Caetano gritava em festivais de música que é “PROIBIDO PROIBIR”. Então penso que tanto para o cigarro, quanto para as drogas e o trânsito, é preci-so educar. Acho que com o cigarro está se fazendo isso bem: trocou-se o glamour por pernas amputadas e a virilidade por impotência. Por isso acho que a garotada vem fumando menos.

O conselho que daria para quem quer parar de fumar é: marque um dia e pare, se não conseguir, procure ajuda médica, mas só procure quando estiver decidido.

Eu morava no interior, convivia com colonos produtores de fumo e nos meus oito, nove anos, com eles participava da colheita do fumo. Mas não foram as folhas inertes da planta que me levaram ao cigarro, e sim a convivência com colegas de aula que, antes mesmo dos meus 10 anos, me apresentaram o meu primeiro cigarro de palha, feito com fumo picado, do bom. Com 12 anos, mudei para a cidade e foi a partir dos 13 que considero ter me tornado fumante. Fumava porque todo mundo fumava, menos meu pai e minha mãe. Mas na rua, colegas de aula, professores, turminha da pelada no campinho de futebol, todos fumavam. Fumar era sinal de masculinidade, era charmoso ter um cigarro produzindo fumaça entre os dedos. Então eu tinha que ser macho e ser charmoso. Depen-dendo do nível de estresse, houve períodos em que eu fumava até três maços por dia. Fumei durante 36 anos e parei com 49 anos. Em 6 de junho completam-se quatro anos sem fumar. Para se ter uma noção, no ano passado fiz um cálculo, de brincadei-ra. Nestes 36 anos como fumante, transformei em fumaça cerca de R$ 75 mil, valor mais do que suficiente para pagar a casa que estou pagan-do, via financiamento.

O processo para deixar o cigarro foi simples: madrugada de 6 de junho de 2007. Pneumonia. Febre de 40 graus. Invernão de quase congelar na rua, 3h da madrugada e me bate a tradicional fissura. Levantei, enrolei-me em um cobertor e fui para o banheiro fumar. Sentado no vaso, caquético, decrépito, finalmente caiu a ficha. Sabe aqueles cinco segundos de lucidez? Abri as pernas e joguei o cigarro no vaso. E não fumei mais até hoje. Pra mim não foi fácil parar de fumar, como julgo que não seja para ninguém. Eu pensava em parar de fumar. Eu queria parar de fumar. O episódio da pneumonia veio na hora certa. Foi quando deu o “estalo”.

Uma vez tentei um desses remédios que se vê na televisão como milagro-sos. Até que gastei um bom dinheiro, mas o efeito foi praticamente nulo. Sabe o que cura este vício, mesmo, e que não está à venda na farmácia? Força de vontade e consciência! A pessoa tem que querer e tem que estar convicta disso. As primeiras duas ou três semanas foram mais difíceis. Mesmo sem fumar, levan-tava da minha mesa e saía para a rua, como sempre fazia para fumar. O ato mecânico de levar a mão ao bolso para pegar cigarro e isqueiro persistiu neste período.

Depois que parei de fumar, pas-sei a sentir o sabor dos alimentos e me alimento muito melhor do que antes. Parei de cheirar mal diante de amigos, colegas e pessoas não-fumantes. Sumiram as manchas de nicotina acumulada em vasos nos tornozelos (meus pulmões, por incrível que pareça, nunca tiveram uma manchinha sequer causada pelo cigarro) e passei a ter mais disposição.

Sou a favor da legislação que proíbe fumar em locais públicos, com pesadas multas ao comerciante/responsável pelo espaço que per-mitir que a lei seja desrespeitada. Acho que o preço do cigarro deveria ser levado às nuvens, com pesados impostos. Campanhas de educação/conscientização nas escolas, nas igrejas, distribuição de contrapro-paganda a domicílio, ajudariam tam-bém. Graças a Deus meus dois filhos não fumam e, hoje, cada vez menos jovens se atiram ao cigarro.

Silvestre fumante (E) e Silvestre não-fumante

Arquivo pessoal