Cinderela A história que ninguém nunca lhe...

41
Cinderela A história que ninguém nunca lhe contou Você conhece aquela Cinderela dos livros infantis que morava em um castelo com a madrasta e duas irmãs malvadas e que no fim de tudo ela se casou com o lindo príncipe e foi morar com eles? Felizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que isso possa acontecer na vida real. Que patético! É o que dizem, mas hoje é feriado, todo mundo viajou, eu estou aqui sozinha e com uma grande quantidade de tempo para falar sobre o que quiser, tudo mesmo. E por que não deixar um pouquinho a minha imaginação viajar um pouco, sair de mim? Não tenho nada a perder com isso... Pois bem, vamos começar bem lá do começo, para que ninguém se perca na ambientação cronológica, se é que há alguém aí do outro lado. Se você estiver se sentindo só, estamos juntos nessa. Vou poupar o ‘era uma vez’ ou qualquer descrição inútil do gênero, assim, quem sabe, possamos adaptar tudo isso a nossa realidade, ou melhor, a minha. Cinderela era a gata borralheira da casa. Serviçal nem mal remunerada. Nem

Transcript of Cinderela A história que ninguém nunca lhe...

Page 1: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

Cinderela ― A história que

ninguém nunca lhe contou

Você conhece aquela Cinderela dos

livros infantis que morava em um castelo

com a madrasta e duas irmãs malvadas e

que no fim de tudo ela se casou com o

lindo príncipe e foi morar com eles?

Felizes para sempre, fim. Você fecha o

livro e segue sem acreditar muito que isso

possa acontecer na vida real.

Que patético!

É o que dizem, mas hoje é feriado,

todo mundo viajou, eu estou aqui sozinha

e com uma grande quantidade de tempo

para falar sobre o que quiser, tudo mesmo.

E por que não deixar um pouquinho a

minha imaginação viajar um pouco, sair de

mim? Não tenho nada a perder com isso...

Pois bem, vamos começar bem lá

do começo, para que ninguém se perca na

ambientação cronológica, se é que há

alguém aí do outro lado. Se você estiver se

sentindo só, estamos juntos nessa. Vou

poupar o ‘era uma vez’ ou qualquer

descrição inútil do gênero, assim, quem

sabe, possamos adaptar tudo isso a nossa

realidade, ou melhor, a minha.

Cinderela era a gata borralheira da

casa. Serviçal nem mal remunerada. Nem

Page 2: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

um centavo em troca pela dedicação,

praticamente forçada. Tem sido assim já

faz algum tempo. Nem a maioridade foi

capaz de libertá-la. Seu caso era um

daqueles em que só mesmo um milagre

muito grande a livraria de viver para

sempre com aquelas bruxas bonitas por

fora e horríveis por dentro. Trajada com

uma bermuda jeans desbotada, uma regata

simples e uma bandana na cabeça,

trabalhava noite e dia. De dever de casa às

compras, tudo dependia dela. Podia chorar

todas as noites e era o que fazia, sempre.

Mas nunca, nunca ficava doente. Sorte ou

não, não sabia dizer. Não foi sempre

assim, claro. Aquela garota tinha muitos

sonhos, sendo como qualquer outra da sua

idade até os pais morrerem em um

acidente de carro. Vovó dela cuidou até

partir e deixá-la completamente sozinha no

mundo. Sozinha no sentido mais profundo

da palavra porque ter uma parenta como a

titia Rosália era melhor não ter nenhum.

Titia Rorô era uma mulher muito

malvada e inescrupulosa, viciada em

gastar dinheiro. Queria ser a mulher mais

bonita do mundo a qualquer custo. Não

conseguia e odiava todo mundo. Ela tem

duas filhas: Brenda e Francesca,

igualmente más. As malvadas irmãs não

queriam a princesinha na casa, mas assim

determinou o juiz e ninguém poderia

Page 3: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

contrariar ordens superiores. Não era

surpresa nenhuma que a pobre Cinderela

fosse despejada em um fétido aposento

junto com muitas baratas e aranhas, mas a

partir dali seria seu lar, amando ou não.

Gostaria de gritar, mas seria repelida.

Fugir? Nem mesmo tinha para onde. Fugir

de si mesma? Da dor?

Sem dinheiro algum, sem

ninguém... Não incomodaria aos amigos

porque não queria ser um fardo para eles.

Não queria que eles a vissem chorar, algo

que fazia dias e noites no início e se sentia

muito fraca; de nada adiantava, era apenas

jogar lágrimas fora sem ter um abraço

franco e cálido para acalmar a agonia que

sentia e pesava os ombros, o coração,

pesava a alma e por isso não escrevia mais

nada. Era melhor trabalhar, assim se

cansava bastante, preenchia todo o tempo

e adormecia rápido, pensando então que

era um dia a menos vivendo em um

mundo que odiava, que aliás estava presa,

só não sabia o que havia feito de errado

para merecer tamanho castigo.

Dezoito anos de idade. Havia

venturas de que deveria ser uma

universitária como suas amigas eram,

muito provavelmente. Balde, vassoura e

pano de chão. Esfrega, varre, enxagua.

Nenhuma beleza. As unhas nem cresciam

mais porque mal podia pintá-las. Preferiu

Page 4: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

cortar o cabelo para não ter muito

trabalho. Comia pouco, pois nem fome

sentia. O mundo sem ela continuaria a

cumprir rotações e translações. Sua

tristeza não importava. Era apenas o

sorriso de Brenda e Francesca que

vigorava, ambas com seus namorados,

sempre debochando da condição em que

se encontrava a princesa que mesmo

sendo, assim não se sentia.

Para facilitar, vamos chama-la de

Cindy. Ela não recebia um abraço sincero

havia muito tempo. Já nem lembrava mais

quão bonito poderia ser o sorriso de uma

criança. Não se tornaria fria por dentro,

apática à vida, mas não podia negar que

faltava alguma coisa ali dentro, uma

pecinha fora do lugar, uma dorzinha

esquisita, algo que os médicos não

conseguiriam diagnosticar, a menos que

fossem muito sensíveis e o mundo não era

e nunca vai ser. Se você não é o que os

outros querem, você simplesmente não

existe. É isso e Cindy sabia que seu velho

diário era o único lugar onde a magia

podia acontecer e em poucas linhas,

torcendo para que a tinta da caneta não

acabasse antes.

Cindy era mesmo a desastrada,

aquela que da janela a felicidade olhava e

cantava para si mesma uma canção

qualquer. Se o amor existia, dela estava

Page 5: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

distante. Um toque de mágica e a vida

poderia sim ser mais colorida, mais

emocionante, mas é meio difícil mudar

isso sozinha. Disso ela sabia. A voz

embargava ao lembrar-se do último

presente dado pela vovó.

Sim, aquele colar. O colar da

sorte. Um pingente em forma de coração.

Uma lembrança que o tempo não daria

fim. Vovó era a pessoa mais bondosa do

mundo que conhecera. Possuía um coração

puro, inocente e era uma pessoa simples,

mas encantadora, como uma típica vó.

Cabelos branquinhos como a neve, voz

mansinha, acalentadora, sensível,

completamente devota. Ah, não saía de

casa sem fazer uma reza forte. Devia estar

no paraíso na companhia do vovô, da

mamãe e do papai, cantando junto com os

anjos e se olhava para a netinha que mais

amava, chorava e não gostava nem um

pouco desse filme triste. Um filme longo,

triste e inconclusivo... Um livro que se

chegasse a ser escrito nem mesmo o autor

releria porque era uma droga, não cativaria

ninguém.

― Vê se trata de lavar a roupa,

fazer a comida e o dever de casa das

meninas ― ordenava Rosália com o dedo

indicador em riste, o dedo das ordens. ―

Queremos as roupas passadas até o fim do

Page 6: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

dia, pois à noite temos uma festa muito

importante para ir.

― Sim, tia ― assentia a garota ―,

farei tudo direitinho.

― Não faz nada direito ― ralhava

Rosália, insatisfeita por natureza, com

qualquer pessoa existente, embora a

implicância crônica fosse exclusividade da

sobrinha, pela simples e desprendido

prazer de ser “do contra”. Mesmo que

Cinderela continuasse trabalhando como

escrava, nunca seria reconhecida, embora

se trate de uma redundância bem

elaborada.

― Eu faço tudo, tia. ― Cinderela

obtemperou, chateada. ― A senhora nunca

agradece.

― Agradecer pela sua obrigação?

― rebateu a malvada. ― Ora essa! E

ainda por cima tem a petulância de me

chamar de senhora. Desde quando

serviçais podem dar ordens? Que eu me

recorde, não lhe dei permissão para me

dizer como eu devo administrar a minha

casa.

― Não estou te dando ordens, só

dizendo que eu faço tudo nessa casa, não

tiro folga e a senhora nunca fica contente,

nunca reconhece. Como se sentiria se

estivesse em meu lugar?

Page 7: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

― Não fale isso nem por

brincadeira ― ameaçou a tia perversa. ―

E se não estiver satisfeita ― apontou para

a porta da sala ― pode arrumar suas

tranqueiras e ir para a rua.

A malvada tia Rosália falava isso à

princesinha porque não sabia que um dia a

sorte da garota mudaria. Levaram alguns

anos até as orações serem atendidas, mas

esse dia chegou. De comum ele não tinha

nada. 31 de outubro.

Já era tradição que as megeras

jovens se arrumassem para pagar de ricas

em festinhas. Quase não paravam em casa.

Titia estava muito preocupada porque as

finanças não andavam lá tão boas quanto à

perua velha tentava ostentar. Mesmo

assim, cabeça erguida, muito glitter e bora

tentar ser o que não é. Tão dela.

― Bom dia. ― cumprimentou

Cinderela, a única que mesmo maltratada

não queria deixar a educação em último

plano.

― Só se for pra você. ―

respondeu Rosália externando um mau

humor contagiante. Era muito difícil que a

tia malvada estivesse contente na parte da

manhã.

― Pensei que estivesse feliz ―

achincalhou a moça. ― Hoje é o seu

aniversário.

Page 8: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

Brenda que estava entretida em

mordiscar uma torrada queimada voltou os

olhos para a mãe:

― É seu aniversário, manhê?

― De que você está falando,

criatura? ― rosnou Rosália, folheando o

jornal, pois ler de verdade as matérias e as

crônicas não lhe apetecia.

― A Cinderela te cumprimentou e

tal ― Brenda deu a volta na mesa para

saudar a mãe que repeliu o gesto com um

empurrão:

― Que aniversário o quê.

― Ah, tá! ― Brenda voltou para o

seu lugar. ― Mesmo que fosse seu

aniversário, nem teria dinheiro pra te dar

nada.

Rosália, um pouco mais esperta

que a filha, logo se deu conta do trocadilho

e com um olhar seria capaz de fuzilar a

sobrinha que já tratava de iniciar a jornada

de trabalho que tinha hora para começar,

mas nunca para terminar.

― Nem as piadas de mau gosto

dos serviçais podem arruinar o meu dia ―

retrucou Rosália. ― Se não sabe, as

meninas e eu temos uma festa para ir.

Festa de rico, muito chique, festa de gente

que você nunca nem vai conhecer...

Está certo! A festa era de um

homem bem importante na sociedade que

Page 9: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

Rosália queria casar a Francesca, desse

modo garantindo a estabilidade financeira

que na atual fase era mais do que uma

quimera. Cinderela ouvia a tudo sem se

importar. Estava ciente de que aquele

sujeito jamais lhe dedicaria um único

olhar. Não se encontrasse a pobrezinha

vestindo farrapos e com um olhar tão

abatido que faria a própria tristeza chorar.

― Quero os vestidos costurados e

bem passados no final da tarde ―

pressionou Rosália com o famoso dedo

das ordens. ― Agora, se nos dá licença,

iremos passar o dia fazendo compras e

cuidando da nossa beleza.

― Mamãe, eu quero vestidos

novos. Os nossos estão muito velhos. ―

reclamou Brenda, fazendo biquinho e

batendo o pé direito contra o chão.

― Se a Brenda quer vestidos novos

eu também quero. ― rezingou Francesca,

competitiva. ― Eu quero. E eu sou mais

velha que ela.

― Vocês já têm muitos vestidos no

guarda roupa. ― finalizou titia.

― Não temos não. ― insistiu

Francesca.

― Como não tem? O guarda-roupa

de vocês está lotado.

― Mas estão velhos ― contrariou

Brenda ―, não servem nem para serem

Page 10: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

pano de chão. E eu não posso aparecer em

uma festa desse naipe com um vestido

velho. Serei a piada entre as minhas

amigas se aparecer com um vestido que

usei... ― Ela contava nos dedos: ― Duas

vezes... Mamãe, nós somos da alta

sociedade, não podemos andar de qualquer

jeito, não se lembra?

Titia Rosália deu uma risada

nervosa.

― Nós da alta sociedade criamos

as modas, Brenda.

― Nem sonha, mamãe. ― ironizou

Francesca. ― Hoje todo mundo vai

caprichar no visual e eu, Francesca Alves

Albuquerque, não posso passar

despercebida...

― Realmente não pode mesmo,

minha filha ― lembrou Rosália ―, pois a

noite é importante e o grã fino precisa se

encantar por você.

― E não vai porque eu vou à festa

com um vestido que usei três vezes na

vida. Não, mamãe. ― Francesca sentou-se

com folga no sofá: ― Não mesmo. Isso só

pode ser castigo.

― Nesse momento nada de gastos

desnecessários ― observou Rosália. E ela

sabia do que falava: o limite do cartão

estava estourado. As faturas acabavam de

vir. Titia estava com o nome cadastrado no

Page 11: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

SPC e no Serasa. Sobrevivia com a pensão

da vovó que era muito boa pelo fato de

vovô ser militar e ter se aposentado num

posto muito alto da hierarquia, mas

mesmo assim esse dinheiro se tornava

insuficiente para os tantos caprichos das

patricinhas azedas.

As megeras saíram para o dia da

beleza que deveria ser mencionado como o

“dia de aplicar cheques sem fundo”. Para

Cinderela nada mudava. Continuou dando

conta de seus afazeres e cantarolando a sua

música preferida da sua banda favorita no

mundo todo, a 5PRAMEIANOITE que era

ofuscada pelos funkeiros sem talento

falando de ostentação, putaria e outras

coisas chatas. Mesmo sendo bons no que

faziam, nunca eram notados pelas

gravadoras, o que a Cinderela considerava

uma grande perda para a música, do

mesmo jeito que ela não se conformava

em ver várias pessoas que nem eram

talentosas publicando livros pelo simples

fato de serem populares, dava para

perceber que as editoras estavam

gananciosas e queriam apenas lucrar, não

se interessavam mais por poesias nem por

histórias escritas com sensibilidade. Esse

era o mal do mundo moderno: priorizar o

dinheiro acima de todas as coisas.

― Era menina ainda quando

A vida lhe roubou a alegria...

Page 12: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

Toc, toc. Alguém na porta...

Quem será?

Será a felicidade que enfim

lembrou-se de mim, Pensou Cinderela até

a voz chamar-lhe novamente e com

bastante insistência.

― Cinderela...

Ah sim! Era a voz da Pipoca, a

melhor amiga da Cinderela.

― Cinderela, hoje a banda vai

tocar em uma festa muito maneira. Quer ir

com a gente?

― Ir de que maneira, Pipoca?

Você melhor do que ninguém sabe que a

tia não me deixa nem respirar.

― Amiga querida, você não pode

abaixar a cabeça para as ordens dela. Por

mais que você more aqui, você já é adulta

e sendo assim pode fazer da vida o que

quiser.

― Não é tão fácil assim, Pipoca.

― Cinderela, a gente vai tocar num

baile muito chique e temos um convite a

mais. Como o meu pai não vai poder

comparecer, eu não pensei em ninguém

além de você, amiga. ― Pipoca lançou um

olhar pidão para convencer à amiga: ―

Vai, aceita, pô.

― Eu nem sequer tenho roupa para

uma ocasião como essa, Pipoca.

Page 13: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

― Roupa e maquiagem a gente se

vira. A Docinho dá um jeito.

― Pipoca... ― advertiu a princesa.

― O Bob te passa aqui às

19h30min pra te pegar, beleza? ―

finalizou Pipoca. ― Fala com a sua tia.

Um dia de folga, poxa vida, você merece.

― Bom, não custa nada tentar.

― Essa festa promete e eu quero

ver você lá ― anunciava à roqueira.

― Vou falar com a tia.

― Vejo você às 19h30min.

Cinderela sorriu. Estranho, mas

bom ao mesmo tempo. Um convite. Sabia

que ouviria não, entretanto não custava

nada tentar, não é mesmo? Vai que por

estar de 'aniversário' a bruxa mor

amolecesse o coração e enfim deixasse

Cindy se divertir um pouquinho, por uma

noite apenas, ainda que no dia seguinte

tudo voltasse a ser o mesmo tédio que

antes. Amanhã era amanhã e poderia nem

chegar. Quem não arrisca não petisca.

Vestidos cheirosos, costurados,

bem passados, esticados nas respectivas

camas de Brenda e Francesca. Casa limpa,

impecável. Bem, era hora de se arrumar.

Se o Bob viria buscá-la às 19h30min, não

lhe restaria muito tempo para se arrumar.

Seria uma produção bem simples, só

mesmo para sair um pouco de casa e

Page 14: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

prestigiar a banda de rock dos melhores

amigos. O pior seria enfrentar a bruaca

mal amada, ainda mais agora sem

dinheiro, ih, o motivo para mais mau

humor. Era difícil, praticamente raro ver

titia alegre.

― Ei feiosa! Onde é que você vai

desse jeito? ― provocou Rosália.

― Tia, meus amigos me chamaram

pra sair ― explicou Cinderela. ― Eles

devem estar me esperando.

Sentada no sofá fingindo estar

lendo, titia encarava Cinderela como se

fosse devorá-la viva e lentamente para

degustar de mais prazer.

― Tira essa roupa e prepara a

janta.

― Não posso, tia.

― Como não pode? Quem dá as

ordens aqui sou eu!

― Tia, nesses anos todos eu nunca

tirei um dia sequer de folga. ― A princesa

implorou: ― Pelo menos hoje.

― NÃO.

As meninas chegaram. Francesca

logo caçoou do traje de Cinderela.

― Que roupa ridícula.

Page 15: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

― Ela pensa que vai sair... ―

acrescentou Brenda.

― Vai nada. Quem manda aqui

sou eu. ― Titia Rorô encerrou a conversa:

― Nós vamos sair e se a festa estiver

chata provavelmente voltaremos por volta

da meia-noite, então trate de cuidar bem

da casa...

Os olhos de Cinderela estavam

marejando.

― Meus amigos fazem muita

questão que eu vá.

―Vão ficar fazendo. Daqui você

não sai! ― bradou Rosália, impiedosa e

irredutível.

― Por que a senhora é tão ruim,

tia? Por quê?

Brenda cismou que Cinderela

roubou-lhe acessórios. Não era verdade.

Havia os jogado no lixo e Cindy apenas

cuidou deles, pois estavam novos em

folha.

― Desgraçada... Roubando os

pertences da minha irmã...

Francesca deu uma bofetada na

prima. Brenda desarrumou os cabelos da

princesa e Titia, rindo, apenas assistia a

tudo.

― PAREM COM ISSO...

Francesca cuspiu na direção de

Cinderela.

Page 16: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

― Agora aposto que você não vai

a lugar algum...

As três megeras caminharam em

direção à porta. Cinderela virou as costas

para que pudesse chorar muito alto, tão

alto como nunca chorou em toda a vida.

Titia abriu a porta.

― Procura algo pra assistir na TV.

E fechou a porta. Cinderela desatou

em lágrimas.

Com as lágrimas derramadas

poderia acabar com o racionamento de

água, poderia fazer chover porque de

desesperança trovejava o coração. A visão

estava turva exatamente como o para-brisa

do carro na última viagem que fez com os

pais ainda vivos. Às vezes queria ter ido

junto com eles porque viver daquele jeito

era o mesmo que não viver, pois, de fato,

para o resto do mundo não existia,

ninguém a via. E seus sonhos, o que eram

eles agora? Somente lembranças, utopias

inalcançáveis (outra redundância gentil) e

nem só de devaneios vive o homem.

Recordações cujo efeito na alma era

paradoxal porque se em alguns instantes

eram capazes de amortecer a revolta, em

outros tinham o efeito contrário.

Naturalmente enfraqueciam-se mais a cada

dia, envelhecendo como as fotos que

imortalizavam a todos àqueles que em seu

coração ainda existiam, vívidos,

Page 17: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

sorridentes. A simplicidade dos tempos de

escola, a unidade de família que se acabou.

As tardes de bobeira, os brigadeiros de

colher, visitas na loja de CD’S para

escutar todos os álbuns que entravam e

saíam da lista de desejos, sentir cheiro de

livro novo (ou de livro velho também), a

sensação inigualável de ganhar um colo

reconfortante, sentir um frio na barriga

diferente dos outros, aquele frio na barriga

que se sente à vontade quando comparado

com o bailar de um cardume de

borboletas.

Às vezes queria colo como uma

criança desamparada que precisa tanto de

conforto, de calor humano, de uma voz

adocicada lhe sussurrando que tudo,

absolutamente tudo haveria de ficar bem,

cedo ou tarde. E sonhava que ainda era

uma menina, aquela garotinha que pulava

amarelinha sem se preocupar muito com o

futuro.

Não tinha as bonecas da moda,

nem luxuosas festas de aniversário, dormia

em um quarto pequeno e apenas uma

pequena caixinha de sapatos customizada

continha seus valiosos pertences que eram

poucos, mas necessários. E o que tinha

bastava porque tinha tudo àquilo de que

realmente precisava. Tinha imaginação

que era sua asa, de um anjinho, de uma

menina que mesmo tão magoada nunca

Page 18: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

revidava porque era cansaço puro, sem

mais.

Chorava tanto, porém era feliz, tão

feliz que o pulmão orgulhosamente se

encheria para berrar ao mundo e deixar os

adultos abismados como coisas simples,

essas sim são tesouros e deveriam ser

cuidadas como tal para que não se

perdessem. Chorava para lavar a alma e

irrigar os nervos, para que tivesse

incumbida sempre a humildade de rezar e

nunca se esquecer de agradecer pelo que

ainda tinha porque a vida ainda não havia

lhe tirado a fé e mesmo provocando aos

poucos, persistia a força. Que fosse pouca,

é. Estava ali. Em cada prece. A cada

despertar. A cada verso reprimindo

germinando saudade, cantado para si em

um tom mais alto. Canto dos anjos. Até

quando seria assim, não sabia. Tratando-se

de desnudar o nebuloso não deveria

alimentar muitas expectativas para não

mais machucar-se.

Era noite e haveria uma festa,

apenas outra sem ela. Não deveria chorar

por isso, não, mas essa festa era diferente

das outras porque Pipoca a convidou. Bob

viria buscá-la logo mais. Pontualidade não

era o ponto forte dele ― como nem

estudar e tampouco procurar um emprego,

mas Pipoca o amava do jeitinho que ele

era porque apesar de todas as diferenças, o

Page 19: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

baixista da banda era o seu melhor amigo

e lhe mostrou com toda a sua simplicidade

que nem todos os garotos são iguais. E o

Bob era melhor que ninguém um sonhador

incorrigível, por isso mesmo a Cinderela

gostava tanto quando os integrantes do

conjunto de rock iam visita-la, sempre ria

das histórias engraçadas e torcia para que

um dia as pessoas conseguissem

reconhecer o talento musical de seus

amigos. Se todos tinham um lugar ao sol,

nada mais justo que eles encontrassem a

sua estrela, desde que não deixassem a

fama “subir a cabeça” e ceifar a essência

dos versos todos, eles eram mais do que

rimas condicionadas a musicalizarem,

eram a parte visível e audível da magia

que compunha a amizade, o trabalho, o

compromisso, a parte árdua de persistir.

― Ora se não é a minha princesa

triste... ― vociferou uma voz feminina,

provavelmente como sendo de uma

senhora, porém não era a Rosália que

àquelas alturas devia estar enfrentando um

trânsito daqueles para chegar até o Clube

Dançante.

Cinderela esfregou os olhos.

― Vó? ― Coincidência ou não,

aquela senhora se não era a sua falecida e

saudosa avó, era alguém muito parecido

com ela.

Page 20: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

― Não tenho cara de vó, tenho? ―

inquiriu à senhora.

― A senhora se parece bastante

com a minha avó. ― Cinderela fez o sinal

da cruz com as mãos. ― Que Deus a

tenha.

― Estou vendo uma menina muito,

muito triste. ― sussurrou.

― É uma pena que não seja mais

uma menina, senhora. ― lamentou a

moça.

― Ora! Pode me chamar de Fada

Vovó.

― Fada Vovó?

― Fique sabendo que é um ótimo

nome.

A fada madrinha de Cinderela era a

vovó. Aquele colo era o mais gostoso do

mundo. Aliás, com ele se esquecia do

mundo. O cafuné de vovó secava o pranto,

amortecia a sensação de raiva e desgosto.

― Você ainda acredita em seus

sonhos?

― Não...

― Se você não acreditasse, eu não

estaria aqui, princesinha.

― Nem sei se deveria acreditar.

― Todos têm o direito de sonhar.

Seus sonhos te trouxeram até aqui e se eles

continuam vivos dentro de você é porque

Page 21: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

pode e vão se realizar. ― Fada Vovó

olhou as horas no relógio da parede: ―

Ainda tem tempo de ir à festa e arrasar.

― Arrasar? Não posso... Olha

como eu estou... Não posso aparecer

assim...

― Não se preocupe! Nós ainda

temos algum tempinho...

Fom fom, só podia ser o Bob. Ele

tinha um jeito especial de buzinar, todo

mundo o reconhecia num instante.

― Por que não vai? ― sugeriu a

fada vovó.

― Talvez, mas...

― Talvez não é uma resposta

muito legal.

― Já passa das 20h00min. Vou

estragar tudo...

― Não, não vai...

― Eu não tenho roupa nem

maquiagem. O que eu vou fazer lá?

― Por que não fecha os olhos?

― Fechar os olhos?

― Apenas feche os olhos e confie

em mim.

Fechar os olhos.

― Não vale trapacear, hein,

Cinderela.

Cinderela cerrou os olhinhos de

jabuticaba como pediu a fada vovó. Estava

Page 22: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

ansiosa e ao mesmo tempo sem saber se o

que vivia era um sonho ou estava

acontecendo de verdade.

― Esqueci as palavrinhas mágicas,

mas bem... ― A fada tirou do bolso a

varinha de condão: ― Eu tenho a varinha

de condão. ― coçou a cabeça. ― Estou

lembrando... Eu juro que deixei o

papelzinho cair por aí... Ando tão

desastrada...

― Posso te ajudar a procurar.

― Muito gentil da sua parte,

princesa, mas hoje você não faz mais nada.

A fada não podia se agachar, pois

sua coluna doía um pouco. Apressada,

esqueceu-se de colocar na bagagem da

mão aquele analgésico cuja composição

essencialmente é de pó de estrela que,

pasmem, cura até coração partido.

― Sabe como é a idade, né? E eu

sem o meu analgésico Pó de Estrela fico

mais perdida do que nunca.

― Analgésico feito com pó de

estrela?

― Pó de Estrela que cura até

coração partido.

― Uau! ― Cinderela estava

procurando a folhinha de papel com as

palavras mágicas.

― Bem, acho que não preciso mais

delas... ― disse a simpática fadinha de

Page 23: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

cabelos brancos, contente ao reencontrar

dentro de um dos bolsos da sua capa o

analgésico de Pó de Estrela.

Pipoca, lá de fora, gritou.

― Cinderela, Cinderela...

Cinderela, lá de dentro, disse:

― Já vou.

A fada apenas concordou com a

cabeça.

― Hoje você viverá uma noite

mágica, mas deve se lembrar de que a

meia-noite as bruacas, cof cof, suas

parentas estarão em casa, portanto divirta-

se e não desobedeça, pois tudo vai

acontecer no seu tempo. Agora vai,

Cinderela. Vai que a noite é sua.

E quando Cinderela saiu de casa

não encontrou o famoso carro de Bob, mas

uma carruagem.

Era sim. Uma carruagem. Luxuosa

como aquela da Cinderela. Bob era o

motorista que puxava os lindos cavalos

brancos. Jairo, também amigo, abriu a

portinha para que ela entrasse.

― Entre, Cinderela. ― Jairo

estendeu as mãos para que a princesa se

acomodasse no estofamento de couro. Ao

lado dela estava a Pipoca, faceira como

sempre, e também muito elegante:

― Hoje a noite é sua ― anunciou.

Page 24: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

Jairo olhou o relógio de bolso e

disse:

― Agora podemos ir.

Mas é claro que a Fada Vovó como

toda vovó tinha de nos parar por mais um

minuto para as famosas recomendações.

― Vocês viverão uma linda e

encantada noite, mas lembrem-se de voltar

antes da meia-noite para não trazerem

nenhum problema à Cinderela. Essa noite

será mágica, mas o final feliz vem para os

pacientes, aqueles que dotam de senso

para saber que não se colhe o fruto verde

nem se tenta ser o que não é, portanto

divirtam-se e cuidem bem da princesa,

pois ela merece.

― Pode deixar, Fada Mad... Quer

dizer, Fada Vovó. ― Pipoca assentiu com

a cabeça

― Então é hora da gente ir... ―

concluiu Bob.

A carruagem era com certeza o

centro das atenções pelas ruas. As pessoas

das janelas dos apartamentos e dos carros

não deixavam de voltar os olhos curiosos

para comentarem tudo o que

conseguissem. Noite de Lua Cheia,

Halloween. Evento assim só se repetiria,

segundo os astrólogos e astrônomos, em

2020. Sim, sim, mas eles também

poderiam estar errados porque noite como

aquela nunca existiu e não existiria jamais.

Page 25: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

Em alguns momentos Cinderela queria

esfregar os olhos só para saber que não

estava vendo coisas por demais ou às

vezes temia que um simples tropeção a

fizesse descobrir que estava vivendo nada

mais que um sonho.

Acontece que alguns sonhos viram

realidade mesmo, nem que seja por

pouquíssimo tempo. Às vezes, mas só às

vezes, a fantasia compensa a dureza dos

dias. Cinderela sabia. Aquela noite

marcaria de algum jeito. Aquela alegria a

pertencia e a tratava como uma velha

amiga, com honras da realeza e tudo o

mais. Quem olhava não reconhecia a

serviçal infeliz que usava roupas velhas e

o cabelo amarrado. Era outra pessoa.

Não de muito longe Cindy viu Titia

chegar à festa com as filhas. Por haver

muitas câmeras ali, as três megeras

aproveitavam a ocasião para rebolar e

tentar a sorte, um furo de reportagem,

qualquer coisa. Elas queriam ser as

sensações da festa custasse o quanto fosse.

Elas pagariam por isso e muito mais.

― Será que eu devo mesmo entrar?

― perguntou Cindy se olhando no espelho

retrovisor da carruagem.

― Você não veio de longe pra

ficar aqui, né? ― brincou Pipoca.

Page 26: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

E Cinderela, cuidando muito bem

do belo vestido vermelho, saía da

carruagem caminhando lentamente em

direção às escadarias que hoje estavam

enfeitadas por um tapete vermelho. Era um

baile muito importante, só poderia ser. A

decoração recriava os tempos do

Renascimento com castiçais, quadros

muito bonitos e tudo muito rústico, sem

muitas frescuras. Procurava por um lugar

onde pudesse não ser vista pelas malvadas,

no entanto, parece que antes mesmo que

pudesse se esconder de qualquer coisa, o

amor a encontrou.

Sim, sim, o amor. Frio na barriga,

coração acelerando, um homem bonito,

atraente. Ah, ele era. E ele também olhou

para ela. Não eram todos os homens que

conseguiam enxergar que por baixo dos

olhos tristes e das roupas simples vivia

uma mulher que apesar de se esconder

atrás do medo e das intermináveis tarefas,

desejava ser amada e notada, desejada,

acarinhada. Sei lá, eles nunca tinham se

encontrado, nunca mesmo, só que o que os

uniu ali naquele momento era tão forte que

nem mesmo eles entendiam ou poderiam

controlar. Era como se eles já se

conhecessem, porém não sabiam nem de

onde, ficava difícil de explicar em um

parágrafo curto a revolução que aconteceu

numa fração de segundo e quebrou a

Page 27: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

concha dela. Era como se já tivessem se

amado, embora nunca tivessem trocado o

mais terno dos selinhos. Nada. E do amor

ninguém se esconde não importa o que

tente fazer, mas mais difícil que fugir do

amor é viver sem ele, especialmente

quando você passa anos e anos só até

avistar alguém que muda de forma drástica

sua vidinha boba e calminha, se bem que

de tranquila a vida de Cinderela não tinha

nada, nadinha. Ela não pensava muito em

como seria dali para frente, se esse amor

teria futuro, se ele era, de fato, o homem

que ficaria para todo o sempre e faria o

final feliz ser sua realidade tanto quanto

passar o esfregão na cozinha.

― Boa noite. ― disse o príncipe.

― Boa noite. ― responde

Cinderela.

― Fico feliz que tenha vindo.

― Eu?

Como assim?

― Parece que eu te conheço de

algum lugar, só não lembro onde.

― Bem, pode ser que você tenha

me visto por aí.

― Não, não. ― Ele se aproximou

sorridente e assertivo: ― Eu sinto que te

conheço de algum lugar, só que não sei

onde, porque não me lembro. Mas... mas...

Agora eu te conheço...

Page 28: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

― Legal... ― Cinderela concordou

com a cabeça.

― Parece que eu estava sufocado...

― Não encontrou as janelas a

tempo?

Ele riu. As covinhas no rosto

ficaram tão evidentes e lhe era um charme.

― Eu não entendi muito por que

resolvi vir a essa festa, pois não tinha

'nada' para mim aqui, mas agora, agora eu

tenho um motivo para querer ficar e eu

acho que o encontrei assim que seus lindos

olhos foram de encontro aos meus... Eu

adoraria que me desse a honra de dançar

comigo esta noite.

― Sinto-me muito honrada, mas

acontece que não sei dançar ―

desconversou a moça que nunca foi

convidada para dançar com ninguém

antes, a não ser naqueles montinhos

organizados pelos amigos. Dançar

abraçadinho daquele jeito romântico era

novidade para ela.

― Faz muito tempo que eu não

danço e peço desculpas se tiver perdido as

habilidades, mas hoje sinto vontade de

dançar e gostaria que fosse com você.

― Comigo? ― Cinderela apontou

para si mesma, acreditando que aquele

homem tão bonito e importante poderia

Page 29: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

escolher qualquer moça daquele salão.

Qualquer uma.

― Opõe-se a ideia? ― sondou.

― Não, de forma alguma, mas...

Cinderela deu uma rápida analisada

no recinto. Haviam muitas moças bonitas e

ricas ali no salão, incluindo suas primas

que adorariam ter uma chance com o

príncipe, aquele cara legal que com ela

conversava como se fosse mais uma

daquelas moçoilas chiques que

perambulavam de um lado a outro com

taças na mão.

― Você aceitaria ser a minha

Cinderela?

― Claro!

E quando ele beijou a mão dela foi

difícil dizer não. Complicado. Ela

constatou que com ele era diferente de

tudo que havia sentido. E ela gostava,

gostava muito do que sentia, por isso

poderia fechar os olhos e voar. De fato não

sabia dançar, ou melhor, pensava não

saber.

― Não tem problema se eu pisar

no seu pé?

― Eu piso no seu também... ―

brincou ele. ― A propósito, será uma

honra que meus pés sejam pisados pelos

seus.

Page 30: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

Se Cinderela só queria se divertir e

passar a noite sem incomodar ninguém,

certamente tornou-se o centro das atenções

do baile. Algumas pessoas em montinhos

se agrupavam e comentavam a respeito da

linda jovem que parece ter conquistado o

coração do príncipe. Era, na verdade, o

que todas as raparigas ali queriam.

Rodopiavam pelo recinto como se

ali fosse a própria. Passos leves,

desprendidos. Não havia medo nem

preocupação, apenas a vontade certa de

que a música não acabasse nunca. Estavam

na Lua e não respeitavam a gravidade

porque juntos poderiam dar as mãos e voar

pelo infinito, pedir a bênção da Deusa-

Mãe que tanto protege aqueles pelo amor

vivem e acreditam. Talvez esse seja o

significado de eternidade: viver o

momento sem pensar em mais nada, então

vamos adaptá-lo para o amor eterno:

desfrutar da magia do amor sem dar

importância a quaisquer interferências.

Os lábios iam se encostando como

a abelha a flor. Pelo mel. O beijo da vida.

O beijo que acordaria Cinderela e faria

intertextualidade com outro conto de

fadas. O beijo que Cinderela esperou sim

por toda a vida porque não há garota que

não sonhe em se sentir como uma

princesa, usando coroa ou não. A grande

maioria pensa que princesas só moram em

Page 31: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

castelos e saem para esquiar na Suíça na

temporada de inverno ou então vão para

Cancun no verão ou alguma praia

paradisíaca, mas cada um de nós tem uma

história diferente, então se nesses

momentos em que somos donos da nossa

história pudéssemos dizer palavras que

com toda força pudessem mudar nossa

vida para sempre, o que Cinderela diria? O

que eu ou você diríamos? O que você mais

gostaria de ter na vida? O que lhe falta? O

que gostaria de mudar? O que não faria de

novo ou faria tantas vezes mais? Se todos

têm uma história de vida que merece

respeito, a da Cinderela, sem dúvida,

sofria uma reviravolta que nem a mesma

apostava. Os cenários eram diferentes, os

personagens também, no entanto, algumas

coisas se repetiam como para sua velha

amiga dos livros encantados.

Lábios cada vez mais próximos. Se

tocando, se explorando. Pediria sim para

que ele dela cuidasse, para que ficassem

juntos. Diria que o amava. Nunca amou,

não sabia o que era amar, mas sabia que o

amava e que se não dissesse agora poderia

não dizer nunca mais e o que ela faria com

o nunca mais, com o beijo que ganhou,

com a noite maravilhosa que nunca sairia

de suas lembranças? Como seria voltar à

realidade tão chata de sempre? Respostas

Page 32: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

não tinha, não queria procurar. Deixaria

sim que ele o beijasse. Naquela noite ela

era a princesa dele. Não importava quem

ela pudesse ser. Aos olhos do amor eles

eram um lindo e amável casal. Para

sempre. Entretanto no Rolex do príncipe já

era quase meia-noite...

― Eu preciso ir ― avisou a

princesa, receosa.

― Mas já? ― indagou o príncipe,

espantado, e também um pouco

desapontado. Logo agora que o beijo de

amor acendeu as suas esperanças, a garota

dos olhos de jabuticaba lhe arrancava o

chão. ― Não é nem meia-noite!

― É que... ― Cinderela não queria

se soltar daqueles braços fortes e quentes,

mas precisava mesmo ir.

― Não pode ir embora ―

implorou. ― Eu nem mesmo sei seu

nome, nem onde te procurar...

― Obrigada por tudo. Adeus.

Apressada, Cinderela correu em

direção à porta do salão.

― MOÇA... MOÇA... ― chamava

o príncipe, tentando munir-se de forças

para impedir sua amada de partir.

Page 33: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

As pessoas começaram a comentar

o incidente. Cinderela não escutou mais

nada, pois saiu correndo com toda força

que tinha e até tirou os sapatos para ganhar

mais velocidade. Se ousasse correr usando

aqueles saltos altos e finos com os quais

não estava habituada, o resultado seria

uma torção no pé. E das fortes.

Nada de carruagem. Nada de nada.

Escondida atrás do muro percebeu que a

festa não foi assim tão boa para as

megeras.

― O vestido era bacana, mas não

achei nada demais naquela metida. ―

debochou Francesca. ― Sou muito mais

eu...

― Esse cara é um pateta ―

suspirou uma Rosália frustrada. ― Vocês

podem conseguir coisa melhor...

― Pois eu acho que esses vestidos

deram azar, mamãe. ― trotou Brenda. ―

Eu te disse que esse negócio de usar

vestido repetido não era uma boa ideia.

― Mas até que a festa não foi ruim

― Brenda sorriu, tirando de dentro da

bolsa um saco plástico cheio de docinhos

artesanais furtados: ― Já que vocês

ficaram se enrolando, são todos meus.

Page 34: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

― Nada disso, gulosa ―

admoestou Francesca. ― Não sabe que

sua irmãzinha aqui adora docinhos?

― Não é você que vive falando de

fazer dietas? ― redarguiu Brenda com a

boca cheia. ― Eu te ajudo, ora!

Francesca e Rosália,

inconformadas, partiram para cima de

Brenda. Eram cúmplices em todos os

momentos. Eram docinhos, puxa vida.

― Cinderela. ― berrou Rosália

assim que trancou a porta principal de

casa, descalçando os sapatos e reclamando

da coluna.

― Espero que tenha nos

obedecido. ― acrescentou Francesca.

E, por incrível que pareça, sim.

Rosália bufou e fechou a porta. Assim que

saiu, a Fada Vovó, debruçada ao vão da

janela, sorriu.

― Parece que você está muito

feliz.

― Foi a melhor noite da minha

vida... ― admitiu Cinderela. E só então

percebe, quando apalpa o pescoço, que seu

colar da sorte não está mais ali. ― Onde

será que eu perdi o colar da sorte? É o meu

colar da sorte! O último presente da minha

avó. É uma relíquia. Ninguém se

interessaria por ele.

Page 35: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

Não muito longe dali o príncipe fez

um pronunciamento na televisão

procurando à ‘dona do colar’, descrevendo

uma bela moça de cabelos castanhos muito

longos, lindos e expressivos olhos de

jabuticaba, pequenininha, de vestido

vermelho com espartilho. Muitas moças se

aventuraram a experimentá-lo, porém ele

sabia que em nenhum daqueles rostos

estava à princesa.

Ela, por sua vez, voltava a

trabalhar na falida loja de bijuterias da

Titia falida. Quando não estava em casa,

se revezava atrás do balcão para dar conta

da outra fonte de renda de Rosália, no

entanto os negócios não iam nada bem.

O príncipe estava muito

desesperado. A cada jovem morena que

via a esperança de reconhecer aqueles

olhos de jabuticaba que despertaram o seu

amor.

― Ela não pode estar longe. Eu

preciso encontra-la... Mas como se não sei

seu nome, sei apenas que este colar a

pertence... E muitas outras jovens podem

usar semelhante colar...

Cansado e faminto o príncipe

resolveu passar no shopping para tomar

um cappuccino. Lá do alto a princesa o

reconheceu. Sentiu até um friozinho

engraçado na barriga ao vê-lo sentado

sozinho acariciando o colar como se

Page 36: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

pudesse afagar a cabeça da pequena

novamente. Clamaria por isso com todas

as forças.

― O que você está olhando,

Cinderela? Não vê que lá dentro da loja

tem muito serviço te esperando? ―

retrucou Rosália. ― Eita menina

preguiçosa. Tem que passar fome pra ver

se dá valor ao que tem...

― Sim, sim, tia ― assentiu

Cinderela. ― Estou voltando.

― Ridícula... ― resmungou a tia.

Mas ao ver o príncipe poderia

fingir ser a dona do colar. Em sua mente

Titia Rorô era uma Barbie irresistível e

poderia ter o homem que quisesse. O

mesmo dizia às filhas. Ambas tinham egos

tão gigantescos que era realmente difícil

conviver com elas, pois todos eram feios,

inferiores, fracassados, ridículos. Só o que

elas diziam e pensavam importava, por

isso Cinderela, vestindo regata, jeans e

allstar, tinha os pés no chão, sabia que não

atrairia a atenção do príncipe como

realmente era. Ainda assim sabia que o

que viveu naquela noite, mesmo que

ninguém mais soubesse, ninguém poderia

tirar dela.

O príncipe estava passando de loja

em loja, com o coração aflito a cada ‘não’

ouvido. Lógico que toda moça solteira e

Page 37: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

que idealizava um bom partido adoraria

ser dona daquele colar. Algumas até

fingiam, no entanto, a tal da ‘química’ não

convencia. Quando adentrou a espelunca

de Titia, a mesma expulsou Cinderela.

― Anda! Pra dentro.

― Mas é um cliente.

― Eu atendo.

― Mas tia, a senhora nunca...

Ao ver Cindy o coração do

príncipe bateu mais rápido.

― Ela pode ficar. ― ordenou o

bonitão.

― Ela estava tentando roubar a

loja. ― inventou Rosália sem nenhuma

outra desculpa disponível. ― Eu logo

chamarei a polícia.

― Eu quero que ela fique ―

redarguiu o príncipe apaixonado. ― Ela

não roubou nada. Sei que ela trabalha aqui

e ordeno que ela fique...

― Mas...

― Notei que a senhora e suas

filhas foram à festa, então...

― Sim, fomos. ― concordou

Rosália, assanhada, debruçando-se na

bancada para seduzir o príncipe com

olhares. ― Mas não precisa me chamar de

Page 38: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

senhora. Poupemos o formalismo. Sou

apenas Rosália. Rorô, para você. ―

sussurrou a malvada.

Brenda e Francesca, atrapalhadas,

quase pisaram no pé do príncipe. Tudo por

um minuto de atenção e 15 minutinhos de

fama. Brenda piscava os olhos e sacodia

os cabelos enquanto Francesca empinava o

bumbum.

― Esse colar é meu, me dá. ―

gritou Francesca.

― Não, eu não usaria essa

porcaria. ― berrou Brenda. ― Quem usa

esse lixo é a Cinderela.

― Não, não usa. ― mentiu Titia

Rorô dando um sorrisinho amarelo. ―Nós

não conhecemos ninguém com esse nome.

― Como não? ― questionou

Brenda. ― Ela vive com esse troço feio no

pescoço. Como não?

Rosália arrastou Brenda para um

canto discreto da loja e ralhou com ela.

― Não estraga tudo, sua pateta de

meia tigela.

― Posso conhecer Cinderela? ―

sorrindo, o príncipe perguntou.

― NÃO.

Titia Rorô tentou tomar o colar das

mãos do príncipe.

Page 39: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

― Você só pode ter dançado com

uma das minhas lindas filhas. Nem

conhecemos Cinderela. Esse colar não é de

ninguém.

― Mamãe, o que você vai fazer?

― indagou Francesca, cada vez mais

confusa com o desfecho da situação.

― Algo que já deveria ter feito há

muito tempo!

Revoltada, titia correu para fora da

loja e atirou o colar para longe. O mesmo

acertou a cabeça de um rapaz.

― Sem noção... ― gritou o moço

atingido.

Cinderela, o príncipe, Brenda,

Francesca e a Titia (sem saber aonde

enfiar a cara por conta da péssima

pontaria) desceram até o saguão onde

estava o colar, cujo pingente se partiu em

dois. O príncipe o juntou do chão. Quando

viu a foto de Cinderela dentro, disse.

― É você.

― Bem... Esse colar é meu... ―

respondeu Cinderela.

― Então você é a moça do baile?

― Sim, sou eu. ― confirmou.

― Então acho que eu tenho algo

para te dar.

― Bem, o colar estragou, mas...

Page 40: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

O príncipe agarrou a cintura de

Cinderela e beijou-a bem como naqueles

filmes românticos que ela vivia assistindo.

Titia estava possessa.

― Isso não pode estar

acontecendo! Isso não está acontecendo!

Após o beijo você imagina que

Cinderela e o príncipe resolveram se

conhecer melhor enquanto devoravam

hambúrgueres, milk-shakes e batata-frita

na praça de alimentação. Titia precisou

trabalhar e não o faria sozinha. Brenda e

Francesca a ajudariam, mesmo sem

disporem de paciência para atenderem ao

respeitável público, mas quem sabe com o

tempo elas melhorem, não?

A banda dos amigos da Cinderela

continua se apresentando por aí. Mesmo

que não tenham uma legião de fãs, seguem

trabalhando por amor à vida, à música, à

vocação. Os semelhantes sempre se

encontram. Os sonhadores podem ser

derrotados, mas nunca abrem mão.

A Fada Vovó está atarefada

ajudando outras gatas borralheiras mundo

afora. Apesar de ser muito espevitada,

gosta mesmo é de trabalhar sem se deixar

envaidecer, afinal, sua maior recompensa é

receber um sorriso de alguém. Ela ainda

precisa tomar aquele analgésico feito com

Pó de Estrela, pois ser fada também dá

Page 41: Cinderela A história que ninguém nunca lhe contoustatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5373016.pdfFelizes para sempre, fim. Você fecha o livro e segue sem acreditar muito que

uma canseira danada, e ela que o diga, não

para nem aos feriados.

Ah, se tudo terminasse em

casamento e a famosa citação ‘ e eles

viveram felizes para sempre!’. Sabe que

enquanto esse dia não chega, a gente

sonha? Podem tirar tudo de nós, menos a

capacidade de sonhar? E é. A história não

é lá aquelas coisas, mas espero que alguma

coisa lhe sirva, que seja para matar o

tempo ou só uma frase estúpida que você

curtiu. Talvez bem lá dentro de você exista

uma criança que acredita tanto em sonhos

que cedo ou tarde eles vão se realizar.

Pequenos ou grandes, não importa. Mais

cedo ou mais tarde a Fada Vovó pode te

visitar...

FIM