Cinearte - o Cinema Brasileiro em Revista (1926-1942) £

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Universidade Federal Fluminense Taís Campelo Lucas Cinearte: o cinema brasileiro em revista (1926-1942) Niterói 2005

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Cinema Brasileiro na mídia.

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Universidade Federal Fluminense Tas Campelo Lucas Cinearte: o cinema brasileiro em revista (1926-1942) Niteri 2005 Tas Campelo Lucas Cinearte: o Cinema Brasileiro em Revista (1926-1942) Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria do Instituto de Cincias HumanaseFilosofiadaUniversidadeFederal Fluminensecomorequisitoparcialparaa obteno do grau de Mestre em Histria. Orientador: Prof Dr Angela Maria de Castro Gomes Niteri 2005 Cinearte: o Cinema Brasileiro em Revista (1926-1942) Tas Campelo Lucas Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria do Instituto de Cincias HumanaseFilosofiadaUniversidadeFederal Fluminensecomorequisitoparcialparaa obteno do grau de Mestre em Histria. Banca Examinadora: ____________________________________________ Prof Dr Angela Maria de Castro Gomes Orientadora Universidade Federal Fluminense ____________________________________________ Prof Dr Ana Maria Mauad Universidade Federal Fluminense ____________________________________________ Prof Dr Mnica Almeida Kornis Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil Fundao Getlio Vargas _____________________________________ Prof. Dr. Paulo Knauss de Mendona (suplente) Universidade Federal Fluminense _____________________________________ Prof. Dr. Amrico Oscar Guichard Freire (suplente) Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil Fundao Getlio Vargas Niteri, 04 de maro de 2005. Agradecimentos Se essa dissertao fosse escrita como um roteiro de cinema, seria dada a nfaseaosdoispontosdeviradafundamentaisaodesenrolardaaodramtica, digo, do trabalho. O primeiro deles foi a escolha da revista Cinearte como objeto da pesquisa,sugeridapelaprofessoraAngeladeCastroGomes,queorientouessa dissertao.Agradeoosconselhos,osensinamentos,asleiturasdedicadas,as cobranas e o privilgio do convvio durante os dois anos do curso do curso de ps-graduao. O segundo ponto de virada deve-se aos comentrios enriquecedores da bancadequalificao,professorasAnaMauadeMnicaKornis,quecontriburam imensamentenasreflexesquelevaramoformatofinaldotextodotrabalho. Agradeo tambm aos comentrios preciosos dos professores Magali Engel e J os MurilodeCarvalho(UFRJ ),queleramatentamenteosprimeirosartigosque apresentei sobre o cinema brasileiro em sala de aula, professora Maria Fernanda Bicalho, pelo emprstimo de material para a minha pesquisa, e professora Hilda Machado,daFaculdadedeCinemadaUFF,peloesclarecimentodedvidas bastante especficas sobre a histria do cinema no Brasil. Todo o esforo que resultou nesse trabalho s foi possvel devido ao apoio incondicionaldeduaspessoasespeciais:SandraCampeloeTelmoCoiro,pais exemplares, a quem dedico essa dissertao.Agradeotambmatodososfamiliareseamigosqueestiverampresentes nessa trajetria. Em casa, Iara, Tania, Gessi, Mike, Francisco, J adir, Iria, Guilherme, Matheus,KEL,MariaHelena,Lucas,Marina,DeniseeMateus;naUniversidade FederaldoRioGrandedoSul,aosamigosLeonardoNapp,RodrigoOliveirae Denise Santanna, aos professores Cesar Guazelli, Ren Gertz, Luis Dario Ribeiro e EnriqueSerraPadrs,aotraficantedosaberMauroMala;noestadodoRiode J aneiro, aos companheiros de CTG Tiago Gil, Tiago Bernardon e Denise Menchen, e aos amigos nativos, Aline Coelho, Felipe Tavares, Leonardo Gomes, Lila C. e, em especial, Carolina Vianna, colega e grande amiga de livros, pesquisas, anotaes e MrioBehring;aoscolegasdeASSESPE,NiloAndrPianadeCastroeStefan Chamorro Bonow, com quem iniciei os estudos em Cinema e Histria, e Ftima vila,queaindanosincentivava;MauroBritto,pelocontroleazuldostrabalhos; aos amigos de todo sempre e lugar, Daniela Fetzner, Martha Hameister, Fernanda Arajo,BeatrizTerraLopes,CarolinaVonScharten,FabianoSchler,Filipe Menchen, Andr Pase, Patrick Brock, Fabiano Pessa e todos os que entendem que eu no sei me expressar por escrito, nem tenho uma memria muito confivel. Fundamentaisparaotrabalhodetodohistoriador,agradeoaquiaoauxlio dosfuncionriosdasinstituiesondeforamrealizadasaspesquisasparaessa dissertao,emespecial,aVitorFonseca,colegadeUFFquemereveloua documentao at ento indita da Comisso de Censura Cinematogrfica do Museu Nacional. Agradeo tambm aos funcionrios da secretaria do Programa de Ps-GraduaoemHistriadaUniversidadeFederalFluminenseeaoConselho NacionaldeDesenvolvimentoCientficoeTecnolgico(CNPq),pelabolsaque permitiu a realizao desse trabalho. Resumo OpresentetrabalhoanalisaarevistaCinearte(1926-1942),cujaexistncia cobreummomentooriginaleestratgicododebatesobreocinemanoBrasil. Cinearte apresenta-se como um locus privilegiado de discusses e projees sobre odesenvolvimentodaindstriacinematogrficanacional.Utilizadacomofonteem inmeros trabalhos sobre a histria do cinema brasileiro, aqui ela o prprio objeto deestudo.Adissertaoprivilegia,aotraarsuacartografia,acompreensodo contexto urbano da cidade do Rio de J aneiro, no qual nascem as preocupaes e aspiraes dos intelectuais envolvidos com o cinema nacional, o tema de destaque nas pginas de Cinearte. Abstract The present work analyses Cinearte magazine (1926-1942), whose existence coversanoriginalandstrategicmomentofthedebateaboutcinemainBrazil. Cinearte presents itself as a privileged locus of discussions and projections about the developmentoftheBrazilsmovieindustry.Themagazine,usedasasourcein various articles about the history of Brazilian cinema, here is seen as the object of study itself. This work enphasizes, when tracing its origins, the comprehension of the urban context of the city of Rio de J aneiro, in which it was born, the concerns and aspirations of the intelectuals involved with national cinema, the dominant theme in it's pages. Lista de ilustraes I. Capa da revista Cinearte, 04 de novembro de 1931.................................. 91 II. Seo Filmagem Brasileira, revista Cinearte, 09 de fevereiro de 1927.. 92 III. Seo Cinema Brasileiro, revista Cinearte, 19 de junho de 1935.......... 93 IV. Editorial, revista Cinearte, 19 de junho de 1929...................................... 94 V. Anncios da publicao Anurio das Senhoras, dentifrcio Odol e aParamount Pictures....................................................................................... 95 Lista de tabelas e grficos 1.Dados acerca das salas de exibio cinematogrfica em funcionamentona cidade do Rio de J aneiro (1904-1919) .......................................................... 45 2. Salas de cinema em funcionamento em 1926, de acordo com a localizao..... 51 3,Capacidade das salas de cinema em funcionamento em 1926......................... 51 4. Abertura de salas de cinema, de acordo com a localizao (1927-1942)........... 52 5. Salas de cinema em funcionamento na cidade do Rio de J aneiro (1926-1942).. 53 6. Salas de cinema nos anos de 1926 e 1942, segundo a localizao ......... 54 7. Quantidade de anncios publicados no ms de maro na revista Cinearte mdia entre edies (1926-1942).................................................................. 82 8. Quantidade de anncios publicados no ms de maro na revista Cinearte, segundo o tamanho (1926-1942) ..................................................................... 83 9. Segmentos de mercado dos anncios publicados no ms de maro na revista Cinearte (1926-1942) representao percentual .................................... 85 10. Temas recorrentes seo dedicada ao cinema brasileiro em sua primeira fase (1926-1932) representao percentual ................................ 141 11. Freqncia do tema Filmes e Astros na primeira fase de Cinearte(1926-1942) representao percentual............................................................. 144 12. Freqncia do tema Indstria Cinematogrfica na primeira fase de Cinearte (1926-1932) representao percentual................................... 145 13. Freqncia do tema Notcias do Cinema Brasileiro na primeira fase de Cinearte (1926-1932) representao percentual.......................... 146 14. Temas recorrentes seo Cinema Brasileiro em sua segunda fase (1933-1939) representao percentual .............................................. 147 15. Quadro percentual comparativo da freqncia de publicao defotografias e da no-circulao da seo Cinema Brasileiro nasegunda fase de Cinearte (1933-1939)......................................................... 149 Sumrio Introduo..................................................................................................... 13 1.Cenas de Cinema: o Rio de J aneiro do fim do sculo XIX Segunda Grande Guerra............................................................................ 24 1.1 Repblica em Imagens: O Cinematographo Encontra oPovo Brasileiro............................................................................................ 24 1.2. A Avenida Central e a Cinelndia .......................................................... 36 1.3. Os Cinemas do Rio e Seus Pblicos...................................................... 43 2. Nasce Cinearte, vida longa Cinearte...................................................... 56 2.1 Imprensa e cinema: as revistas ilustradas e a stima arte...................... 56 2.2 Trs fases de Cinearte............................................................................ 67 2.3. Os Reclames.......................................................................................... 78 3. Intermezzo: notas sobre atores e temas de Cinearte................................ 99 3.1 O cinema nos anos 1930: a presena da Igreja e a questo da educao.................................................................................................. 107 3.2 O cinema nos anos 1930: a interveno do Estado varguista............... 114 3.3. O Instituto Nacional de Cinema Educativo e a campanha Cinearte pelo cinema brasileiro..................................................................... 123 4. E por falar em cinema nacional................................................................. 133 4.1. O cinema nacional em sua coluna......................................................... 136 4.2. Estrelas, filmagens e homens que fazem a cena: asnotcias do cinema brasileiro......................................................................... 152 Consideraes Finais ................................................................................... 159 Obras Consultadas...................................................................................... 163 Apndice I. Ficha de coleta de dados sobre cinemabrasileiro: revista Cinearte............................................................................. 175 Apndice II. Ficha de coleta de dados dos annciospublicitrios: revista Cinearte........................................................................ 176 13 Introduo A cmara escura,a imprensa de Gutenberg, expanso do jornalismo impresso, a fotografia, o surgimento de grandes editoras, o telgrafo mvel, a organizao de agncias de notcias, o telefone, as histrias em quadrinhos, os irmos Lumire e o cinema, o crescimento da radiodifuso, a indstria fonogrfica, as emissoras de televiso,a Internet ... O desenvolvimento tecnolgico ao final do sculo XIX possibilitou a ampliao daproduo,reproduoecirculaodainformaonassociedadesmodernas. Desde ento, nem mesmo a incapacidade de compreender um idioma estrangeiro 14ou o analfabetismo foram barreiras para o ser humano se comunicar com um pblico amploenofisicamentepresente.Ashistriasemquadrinhosexplicavamaos imigrantes recm-chegados aos Estados Unidos um pouco da vida e da histria do pas em meados de 1870. As telas de cinema apresentavam imagens de um mundo outrora distante, que ento podia ser visto e conhecido apenas com a compra de um bilhete.Eramestesosanosiniciaisdaquiloqueseconvencionouchamarde comunicao de massa.Ahistriadasteoriasdacomunicaodemassaseconfundecomados prprios meios: de incio, ensaios que versam sobre a gesto das multides ao final do sculo XIX; a cidade vista como laboratrio humano pela Escola de Chicago e, em seguida, Harold Lasswell e a propaganda tida como onipotente. Porm, o estudo dosmediaumcampodesaberrelativamentenovo.Apesardacrescente importncia, sua natureza e implicaes no receberam a ateno devida. Francisco Rdigercomentaqueoproblemanodifcildeentenderquandoselembraa novidadehistricadofenmenoemdiscusso:comunicaossetornouum conceito do conjunto de mensagens que circulam por intermdio da televiso, cartaz, rdio,imprensa,computadoreoutrosmeiostcnicosporvoltade1940(Estados Unidos).1 Datam desse perodo as primeiras pesquisas que, para alm do enfoque meramente cientfico ou tecnolgico, preocuparam-se em compreender o significado histrico e cultural das transformaes a propsito, ainda em curso.2 O trabalho aqui apresentado analisa o debate acerca do desenvolvimento do cinema nacional atravs da revista Cinearte, publicada na cidade do Rio de J aneiro entre1926e1942.Aotentarresumi-loempalavras-chaves,ficaevidentea diversidadedetemticasparaasquaisaponta:tratadecinema,delazer,do cotidiano,dosperidicos,dojornalismo.Porm,aunidadeentreosassuntosfoi fundadaapartirdoquestionamentosobreopapeldoquePedrinhoGuareschi chamadeconstrutordainformao,ouseja,nocasoemquesto,dosagentes culturaisresponsveispelocontedoepeloposicionamentodarevista.3Nos 1RDIGER,Francisco.Cinciasocialcrticaepesquisaemcomunicao:trajetriahistricae elementos da epistemologia. So Leopoldo/RS: Editora da UNISINOS, 2002. p. 49. 2 Para um panorama recente sobre os estudos sobre os meios de comunicao nas cincias sociais, consultar: J EANNENEY, J ean-Nol. A Mdia. Em: RMOND, Ren (org). Porumahistriapoltica.Rio de J aneiro: Editora da UFRJ /Fundao Getlio Vargas, 1996. 3GUARESCHI,PedrinhoA.Quadroreferencialdeanlise.Em:GUARESCHI,PedrinhoA.(org).Os construtores da informao: meios de comunicao, ideologia e tica. Petrpolis/RJ : Vozes, 2000. 15primrdios da cinematografia no pas, inicia-se um processo no qual a mdia passa a ter influncia central no cotidiano e na formao da subjetividade individual. Locusprivilegiadododebatesobrecomoodesenvolvimentodaindstria cinematogrficabrasileiradeveriasedar,Cinearteoobjetodestapesquisa,que procurou traar um panorama das propostas apresentadas por homens e mulheres diretamenteligadosaosetorcinematogrfico(cineastas,educadores,exibidores, importadores, etc), procurando no perder de vista a dimenso da comunicao na vidasocial.Nestepropsito,oprincipalobjetivoconcentra-seemcompreenderas leiturassobreocinemabrasileironaquelemomento,ouseja,oqueosatores presentesaessedebatepensavamsobresuaidentidade,suafuno,suas perspectivas. Optar por um recorte de pesquisa implica abandonar inmeras possibilidades. Apesardesuasediesseremfontesprivilegiadassobreaorganizaoea produodocinemamundialentreosanos1920e1940,ocinemabrasileirofoi eleitoofocoparaesteestudo.Asseesdedicadasaocinemabrasileiroso permanentes,assimcomofreqentesostextossobreaproblemticadaindstria cinematogrficanacionalemseuseditoriais.Acompanharosdezesseisanosda revista,lendocadaumdeseusnmeros,tornoupossvelconhecertambmo cotidiano do cinema na cidade do Rio de J aneiro, outra varivel contemplada pela pesquisa.Cinearte um peridico voltado ao pblico freqentador das salas de cinema detodoopas,trazendoreportagenssobrefilmesemexibio,fotosdeatorese atrizes, informaes sobre as tcnicas cinematogrficas e a organizao da indstria ao redor do mundo. Seu primeiro nmero circulou em 03 de maro de 1926. Alm dosquinhentosesessentaeumfascculospublicados,tambmcircularamseis lbuns e quatro edies especiais. J noinciodarevista,ocupamduaspginasosespaosdedicados exclusivamenteacomentriossobreestrelasdocinemanacional,aosfilmesque estosendoproduzidos,sentrevistascomdiretoresetcnicos,artigossobrea poltica estatal para o cinema. Ou seja, o debate acerca da implantao da indstria cinematogrfica no Brasil pode ser acompanhado atravs das pginas de Cinearte doprimeiroatseultimoexemplar.Nosurpreendente,portanto,queessa revistasejacitadanosestudossobrecinema.Alis,aliteraturaquecontemplao 16cinemabrasileirotratacomespecialatenooperodocompreendidoentreas dcadasdevinteequarenta.Sotrabalhosrealizados,emsuamaioria,por pesquisadores da rea de Comunicao Social, a partir dos anos sessenta. Nesse contexto, que tambm o da criao dos primeiros cursos universitrios de Cinema e do reconhecimento internacional da produo cinematogrfica brasileira atravs do CinemaNovo,odebatepautava-sepelopapelsocialepolticodessaexpresso artstica,pelacompreensodasdificuldadesdesuaviabilizaonopasepela buscadeumpassadoquepermitissecriarumaidentidadecomumeretornars razes do autntico cinema nacional.Aprocuralevouessesestudiosossprimeirasiniciativasindividuais realizadas na dcada de 1910, aos ciclos regionais em Recife, Porto Alegre, Pelotas, Cataguases,Campinas,BeloHorizonte,PousoAlegrenosanos20eHumberto Mauro (1897-1983), eleito pai-fundador do cinema nacional. O livro Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte, de Paulo Emlio Salles Gomes, uma referncia importante a nessesestudos.Nele,oautordesenhaatrajetriadocineastaeacompanhao desenrolardesuasproduesat1930.4Preterindoafilmografiadodiretorno Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE),5 Paulo Emlio seleciona os filmes de Mauro que traduziriam a essncia brasileira que estava sendo buscada para o autor,umaproduodistantedeumainstituioestatalmarcadaporumprojeto cultural de cunho autoritrio. Essa mesma postura encontrada em outros trabalhos importantesquemapeiamahistriadocinemanoBrasilequeinfluenciaram inmerasleiturassobreaparticipaodoEstadonodesenvolvimentodaindstria cinematogrfica. ApsapublicaonoBrasildotrabalhopioneirodofrancsMarcFerro, pensandoocinemaenquantoumtestemunhodeumapocaeobjetodeestudo histrico,6 a divulgao de trabalhos sobre a relao entre cinema e histria cresceu no incio dos anos 1990. A revistaOOlhodaHistria, publicada pela Universidade FederaldaBahia,apresentandoartigosdeJ osM.Caparrs-Lera,Robert 4GOMES,PauloEmlioSalles.HumbertoMauro,Cataguases,Cinearte.SoPaulo:Perspectiva; EditoradaUniversidadedeSoPaulo,1974.RefernciaobrigatriaparapensaraHistriado Cinema no Brasil, Paulo Emlio foi crtico da revista Clima durante os anos trinta e exilou-se durante o primeiro governo Vargas. 5 rgo do Ministrio da Educao e Sade Pblica, dirigido por Edgar Roquette Pinto, criado para promover ocinema enquantomeio auxiliardeensino edeeducaopopularapartirde marode 1936. 6 FERRO, Marc.Cinema e histria. So Paulo: Paz e Terra, 1992. 17Rosenstone,entreoutros,umbomexemplo.Osprimeirostrabalhosdiscutindo Cinema-Histria que enfocam a relao entre Cinema e Histria so apresentados nos programas de ps-graduao do pas j no incio dos anos 90. Na maioria deles, destaca-se o interesse em estudar o cinema brasileiro: O canibalismo dos fracos: um estudosobreOsInconfidentes,deAlcidesFreireRamos,analisaaproduodo filmedeJ oaquimPedrodeAndradesobreaInconfidnciaMineiradurantea Ditadura Militar;7Histriaecinema:umaimagemdoBrasilnosanos30, de Snia Cristina da Fonseca Machado Lino, busca compreender a formao de uma imagem danaoatravsdosfilmesdasgrandescompanhiascinematogrficasdopas;8 CinemaeHistria:umaanlisedofilmeOsBandeirantes,deEduardoVictorio Morettin9 e Ocinemacomoagitadordealmas: Argila, uma cena do Estado Novo, deCludioAguiarAlmeida,10propem-seaanalisardoislonga-metragens realizadosduranteoEstadoNovo,ambosdirigidosporHumbertoMauroe produzidos pelo INCE. Como se pode verificar, a maior parte desses trabalhos versa sobre os anos 1930e1940.Aimportnciaculturalepolticadafilmografiadesseperodo recuperadaportextospreocupadosemcaptaraspectosdaproduo cinematogrfica do primeiro governo Vargas, e em especial, das pelculas realizadas por rgos estatais, como o INCE. Cumpre aqui ressaltar a importncia crucial de Cinearteparataispesquisas,principalmentesquediscutemaformaodeuma proposta sobre cinema no perodo. Dessa forma, nelas possvel acompanhar como entosepercebiaocrescimentodeummeiodecomunicaodemassaseos esforosrealizadosparaacompanharoritmovelozdessaformadeexpresso artstica, que poderia ter efeitos benficos e malficos para o conjunto da populao. Educadores, cineastas e representantes do governo congregam seus esforos para aconstituiodeumcinemanacional,preocupadostantocomaeducaodas 7RAMOS,AlcidesFreire.Ocanibalismodosfracos:umestudosobreOsInconfidentes.SoPaulo: Tesededoutorado,UniversidadedeSoPaulo,1996.Foipublicadoem2002comottulo Canibalismo dos fracos: cinema e Histria do Brasil pela EDUSC. 8 LINO, Snia Cristina da Fonseca Machado. Histria e cinema: uma imagem do Brasil nos anos 30. Niteri: Tese de doutorado, Universidade Federal Fluminense, 1995. 9 MORETTIN, Eduardo Victorio. Cinema e histria: uma anlise do filme Os Bandeirantes. So Paulo: Dissertao de mestrado, Universidade de So Paulo, 1994. 10 ALMEIDA, Cludio Aguiar. Ocinemacomoagitadordealmas:Argila,umacenadoEstadoNovo. So Paulo: Dissertao de mestrado, Universidade de So Paulo, 1993. Foi publicado em 1999 pela editora Annablume. 18massas, quanto com a propaganda do iderio estatal. O prprio papel do Estado no desenvolvimento do cinema passa a ser muito discutido.OEstadoreconhecidocomoumatorcentralparaodesenvolvimentodo cinemabrasileiro.Censurando,financiando,regulando,promovendo,eleteveuma atuaoimportantenarea,sobretudoatravsdaformulaodeumalegislao especfica.Contandocomrgosqueproduziampelculasemseuaparato administrativo,taiscomooInstitutoNacionaldeCinemaEducativo(INCE)eo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o cinema foi claramente inserido no projeto cultural do primeiro governo Vargas. O livro EstadoecinemanoBrasil, de AnitaSimis,analisaaaoestatalnosurgimentodaindstriacinematogrfica, enfatizando a relao de mecenato estabelecida com os produtores, e a estratgia de uma poltica cultural voltada para a propaganda nacionalista, que contribuiu para que o cinema nacional no tenha se organizado autonomamente.11 A autora destaca Cinearte como um espao no qual se cria um lobby para a articulao de demandas dosagentesculturaisedeveiculaodosmotivosqueampararamaspropostas apresentadas.Porm,maispreocupadacomaquestodaformulaodeuma legislao cinematogrfica, Simis no chega a aprofundar a anlise sobre a revista, que exatamente o principal objetivo da pesquisa aqui apresentada. Em StimaArte:umcultoaomoderno, Ismail Xavier dedica um captulo ao estudo de Cinearte.12 Segundo o autor, a poltica aparece na revista na medida que os europeus passam a se preocupar em proteger seus mercados cinematogrficos frenteexpansonorte-americana.Porvincularaconcepodarevistacomo crescimento do mercado cinematogrfico no pas, explorado majoritariamente pelos EstadosUnidos,oautoraentendecomodiretamenteligadaaoesquemada indstria cultural gerado por Hollywood: Longe de representar a iniciativa de um pequeno grupo que procura expor suaviso crtica, em nova arte ou em novos valores sociais, pondonobancoderusumdeterminadomundodeexplorao dominantedanovatcnica,Cinearteamanifestaointegrale contraditria da industrializao triunfante e da colonizao cultural.13 11 SIMIS, Anita. Estado e cinema no Brasil. So Paulo: Annablume, 1996. 12Osonhodaindstria:acriaodeimagememCinearte.Em:XAVIER,Ismail.StimaArte:um culto ao moderno. So Paulo: Perspectiva, 1978. p.167-197. 13 Idem, pp. 172, 173. 19Portanto,paraesseautor,apesardabandeiradedefesadaautntica produonacionalquearevistaagita,oquenelaprevaleceacolonizao culturaldocinemanorte-americano.Assim,apenasmarginalmente,aspiraes nacionalistasapareceriamnostextosdeseusarticulistas.Umaassertiva interessante, para registro e tambm para um teste mais aprofundado.SheilaSchvarzman,poroutrolado,enfatizaqueasopiniesexpressasna revista no devem ser analisadas fora do contexto geral de sua poca. Ao realizar um estudo sobre Humberto Mauro, a autora debrua-se sobre a Cinearte e coloca-se contrria viso de que a revista traz uma viso colonizada de arte e cinema.14 O estudo histrico privilegia o objeto em sua conjuntura, perspectiva que possibilita sua compreenso especialmente em um estudo multidisciplinar. Dessa forma, uma noo bastante adequada a essa pesquisa a de contexto urbano, privilegiada na anlise que Angela de Castro Gomes no j citado Essa gente do Rio... quando trata da insero dos intelectuais cariocas no debate sobre o Brasil moderno. na cidade do Rio de J aneiro, que se inscrevem as redes de um campo intelectual cujas condies de produo cultural e vnculos polticos constituiro as estruturas de sociabilidade nas quais os atores estudados se inserem. As revistas Festa e Lanterna Verdeso, destacadamente, objeto e fonte para o exame desses intelectuais. Porassumirtalperspectivaadetrabalharnointeriordocampo intelectual,reconhecendosuaautonomiarelativa,essencial procurarmapearehistoricizar aexistncia detradies intelectuais na cidade do Rio de J aneiro, tanto em nvel organizacional, quanto nodevaloresestticosepolticos.Soelasqueoferecemuma melhorcompreensodasformasdearticulaodaintelectualidade emsuasconvergnciasedisputas,bemcomodesuasfiliaes atravsdotempoedotraadodeseusprojetosculturais.Sobtal tica, as caractersticas que singularizam as idias modernistas no Rio precisariam ser analisadas luz das referncias construdas pela prpria rede de intelectuais cariocas.15 A revista Cinearte, ao longo de suas edies, acumula as falas de inmeros personagensquetiveramumaparticipaoimportantenahistriadocinema brasileiro, principalmente na seo que sempre dedicou ao cinema nacional. Espao 14 SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. So Paulo: Editora UNESP, 2004. 15GOMES,AngeladeCastro.EssagentedoRio...:modernismoenacionalismo.RiodeJ aneiro: Editora Fundao Getlio Vargas, 1999. pp. 25, 26. 20privilegiadoparaobservaodaformaodegruposedomovimentodasidias, Cinearteproduzidaporintelectuais,cineastas,historiadores,burocratas, jornalistas, advogados, literatos, educadores, crticos de arte. impossvel pensar o cinema atravs de um peridico to importante no perodo sem realizar um exame da insero de agentes culturais no debate em curso. As revistas constituem engrenagens do meio intelectual ao redor das quais os intelectuais organizam-se, visando construir, organizar e propagar suas idias. Estas estruturas de sociabilidade, muitas vezes referidas como redes, variam conforme a pocaeosubgrupoestudado.J ean-FranoisSirinellidestacaduasdesuas estruturas mais elementares: As revistas conferem uma estrutura ao campo intelectual por meio de foras antagnicas de adeso pelas amizades que as subtendem, asfidelidadesquearrebanhameainflunciaqueexercemede exclusopelasposiestomadas,osdebatessuscitados,eas cises advindas. Ao mesmo tempo que um observatrio de primeiro planodasociabilidadedemicrocosmosintelectuais,elassoalis um lugar precioso para a anlise do movimento das idias. Em suma, uma revista antes de tudo um lugar de fermentao intelectual e de relao afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espao de sociabilidade, e podeser,entreoutrasabordagens,estudadanestadupla dimenso.16 AperspectivadePierreBourdieufoiadotadaparatraaraformaodo campo intelectual e artstico no Brasil no perodo em questo, no qual a funo e a estruturadosistemadeproduodebenssimblicosestemplena transformao.17 Em O mercado de bens simblicos, o autor revela a histria da vidaintelectualeartsticadassociedadeseuropiasatravsdoprocessode transformao da funo e da estrutura do sistema de produo de bens simblicos, paralelamente autonomia gradual das relaes de produo, circulao e consumo desses mesmos bens. A autonomizao de um campo intelectual e artstico ir se constituir definindo-se em oposio ao campo econmico, ao campo poltico e ao campo religioso, vale dizer, em relao a todas as instncias com pretenses a legislar na esfera cultural em nome de um poder ou de 16 SIRINELLI, J ean-Franois. Os intelectuais. Em: RMOND, Ren (org). Por uma histria poltica. Rio de J aneiro: Ed.FGV/Ed.UFRJ , 1996. p. 249. 17 A gnese dos conceitos de habitus e de campo. Em: BOURDIEU, O poder simblico. 5 ed. Rio de J aneiro: Bertrand Brasil, 2002. p.69. 21uma autoridade que no seja propriamente cultural, as funes que cabemaosdiferentesgruposdeintelectuaisoudeartistas,em funo da posio que ocupam no sistema relativamente autnomo dasrelaesdeproduointelectualeartstica,tendemcadavez maisasetornaroprincpiounificadoregerador(eportanto, explicativo) dos diferentes sistemas de tomadas de posio culturais e, tambm, o princpio de sua transformao no curso do tempo.18 OtrabalhocomarevistaCineartebuscaaprofundarouniversodaprpria fonteparaacompanharodebatesobrecinemabrasileironosprimrdiosda sociedade de massas no Brasil. Ao observar que Cinearte constitui uma estrutura de sociabilidade na qual os mediadores scio-culturais integram um campo intelectual e artstico, foram privilegiados pelo estudo as perspectivas de intelectuais e artistas em relao arte cinematogrfica.Nessainvestigaodosprimrdiosdopensamentocinematogrficono BrasilpelalentedeCinearte,perseguiram-seosobjetivosdetraarumpanorama das propostas apresentadas pelos agentes culturais diretamente ligados ao setor, de identificarquemeramosatoresculturaismaisatuantesnodebate,equaisas leiturasquefaziamdocinemabrasileironaquelemomento,almdeidentificaras questesquereivindicavamparaodesenvolvimentodosetorapartirdo conhecimento do cotidiano sobre o cinema na cidade do Rio de J aneiro. Cinearteumdosmarcosdonascimentodacrticacinematogrficano jornalismobrasileiro;porsimesma,essaafirmaodimensionaagamade possibilidades de enfoque que o trabalho pode tomar. A opo de restringir a anlise a apenas a situao da filmagem brasileira no peridico e em sua seo especfica tambmrespondeexignciadeconclusodadissertaodemestradoemdois anos, porm no desautoriza trabalhos futuros sobre o mesmo assunto nessa fonte, principalmentecomarecenteimplantaodoprojetodedigitalizaodarevista Cinearte no Museu Lasar Segall, em So Paulo. Aomesmotempo,questescomoavisualidadedarevista,suaformade circulao, a autoria de projetos grficos, estrutura empresarial e editorao ainda ficaro sem resposta, pois demandariam uma insero diferenciada em fontes que permitiriam expandir o estudo sobre peridicos no Brasil. 18 O mercado de bens simblicos. Em: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simblicas. 2 ed. So Paulo: Perspectiva, 1982. p. 99.22Sobre esse tema, faz-se necessrio destacar trs trabalhos que serviram de guia e de inspirao para a elaborao dessa dissertao: o j citado Essa gente do Rio...,deAngeladeCastroGomes,RevistadoBrasil:umdiagnsticoparaa (N)ao, de Tnia Regina de Luca,19 e ModernismonoRiodeJaneiro.Turunase Quixortes, de Mnica Pimenta Velloso.20 Otextoquesegueestorganizadoemquatrocaptulos.Noprimeirodeles, Cenas de Cinema: o Rio de Janeiro do fim do sculo XIX Segunda Grande Guerra, acompanha-secomoastimaarteconquistaaCapitalFederal,transformando-se emumaprticasocialmodernaeplenamentedifundidaentreapopulao.Em NasceCinearte,longavidaCinearte,osegundocaptulo,ahistriadarevista contada atravs das transformaes ocorridas na imprensa no incio do sculo XX, do encontro de seus futuros redatores e da prpria organizao das pginas de suas edies. No terceiro captulo,Intermezzo: notas sobre atores e temas de Cinearte, o foco principal est na participao desses intelectuais na discusso e formulao de polticas pblicas para a rea cinematogrfica. Encerrando, o quarto captulo, E por falaremcinemanacional,analisadetidamenteaseodarevistadedicada especialmente cinematografia brasileira.21 19 LUCA, Tnia Regina de. Revista do Brasil: um diagnstico para a (N)ao. So Paulo, Ed. UNESP, 1999. 20 VELLOSO, Mnica Pimenta. ModernismonoRiodeJaneiro.TurunaseQuixortes.Rio de J aneiro, FGV, 1996. 21 Adotou-se, nesse trabalho, a atualizao da grafia e pontuao nas citaes dos peridicos, nomes prprios e documentos de poca. Nas referncias, a grafia original foi mantida. 2324Captulo I. Cenas de Cinema: o Rio de J aneiro do fim do sculo XIX Segunda Grande Guerra AhistriadeamorentreacidadedoRiodeJ aneiroeaStimaArteno comeouprimeiravista.Ocinematransforma-seemprticasocialaolongode muitosanos,duranteosquaisoespaourbanoadaptava-segradativamentepara receber, em sua rea central, a populao de elevado nvel scio-econmico. Signos demodernidadeentrechocamcomepidemias,greveserevoltaspopulares.Nesse nterim, constitui-se um mercado de bens simblicos no Brasil, a partir do qual ser possvel delinear o panorama de nascimento de Cinearte. 1.1. Repblica em Imagens: O Cinematographo Encontra o Povo Brasileiro As primeiras imagens animadas foram exibidas no Brasil em uma pequena loja da rua do Ouvidor, n 57, no centro da cidade do Rio de J aneiro. Um aparelho denominado Omniographo foi apresentado em sesso para imprensa e convidados, natardedodia08dejulhode1896.Acompanhandooprogressodareproduo mecnica do movimento, a inveno do cinematgrafo foi concomitante em diversos pontosdoplaneta.Porm,amquinapatenteadapelofrancsLouisLumire,em 1895, era a de maior eficincia tcnica.1 Ela foi trazida para o Brasil pela empresa Germano Alves da Silva e apresentada por Henri Picolet no teatro Lucinda, em 15 de julho de 1897.2

No dia 31 do mesmo ms, um sbado, seria inaugurado o cinema mais antigo da cidade: o Salo de Novidades Paris no Rio, localizado no nmero 141 da clebre rua do Ouvidor, entreposto de entrada de produtos importados e novidades artsticas nopas.AsalacontavacomumaparelhodenominadoAnimatographoeera propriedade de Paschoal Segreto e J os Roberto Cunha Sales. 11 ARAJ O, Vicente de Paula. A bela poca do cinema brasileiro. 2 ed. So Paulo: Perspectiva, 1985. p. 73 2Idem,p.90.HenriPicoleteraumdosoperadoresdaempresadosIrmosLumireLouise Auguste que percorriam o mundo exibindo suas pelculas. Citado em HITTAUD-HUTINET, J acques. Le cinmadesorigines.LesFrresLumireetleursoperateurs.Seyssel:Ed.duChampVallon,s.d. p.235APUDLIMA,EvelynFurquimWerneck.Arquiteturadoespetculo:teatrosecinemasna formao do espao pblico das praas Tiradentes e Cinelndia. Rio de Janeiro: 1813-1950. Tese de Doutorado. Rio de J aneiro: Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, Universidade Federal do Rio de J aneiro, 1997. vol 2. p. 223. O trabalho indicado como tese foi publicado com o mesmo ttulo pela editora da UFRJ , no ano de 2000. Aqui, porm, todas as notas se referem tese original. 25CunhaSales,nascidoem1840,possuiumabiografiacuriosa:formadoem medicina, foi presidente do Centro Protetor dos Artistas Eqestres e Ginastas (cujo tesoureiro era Paschoal Segreto), mgico (sob pseudnimo de Dr. Roberto Senior), inventordomuseudeceraPantheonCeroplstico,escritordeobrasjurdicase proprietrio da Empresa de Propaganda Noturna.Foi tambm um inventor: criou as frmulas do Sabo Mgico ou Sabo Santo, para sardas e manchas; da Lavagem Americana, que lavava roupas sem sabo; do remdio Americano, para o estmago; e do rejuvenescedor Virgolina, entre outras tantas novidades.3 Scio de Segreto no Paris no Rio, esteve envolvido com o jogo do bicho, criado por volta de 1890 por J oo Batista Vianna Drummond, o baro de Drummond, para atrair pblico ao seu jardimzoolgico,inauguradoem1888.Ojogosofreuumaoposiodosjornais cariocas nos ltimos anos do sculo XIX, mas paradoxalmente, segundo Arajo, (...) eraaprpriaimprensaaprimeiraainseriremsuaspginas,comomatriapaga, palpiteseresultadossobreosbichos.Amoesquerdarecebiaodinheirodos bicheirosedeseusintermedirioseadireitaescreviaosartigoscontraos mesmos....4 Mas o jogo do bicho no era a nica aposta que era feita na poca. Nessemeiotempo,aRepblicasancionarainformalmenteoutra formadearriscaralgumdinheiro:obookmaker.Tratava-sede bancasqueaceitavamapostasparaosmaisvariadostiposde disputa,compredominnciadascorridasdecavalos,oquelhes emprestavaumaambgualegalidade,porsetratardejogo oficializado. (...) Como seria de esperar, os books passaram tambm a aceitar apostas no jogo do bicho. Foi provavelmente dessa forma, abrindopequenasbancas,quecomearamalgunsdosfuturos exibidores,comoPaschoalSegreto,GiacomoRosarioStaffae Giuseppe Labanca.5 AfebreespeculativadoEncilhamento,especialmenteem1890e1891, propiciouafluxodecapitalaoRiodeJ aneiro.SegundoJ osMurilodeCarvalho, duranteogovernoFlorianoPeixoto,tentou-seacabarcomoentrudo.Porm,a jogatina da bolsa, favorecida pelo governo provisrio, tinha dado o tom. Apesar da ao das autoridades, quando havia tal ao, abriram-se cassinos, casas de corrida, 3 ARAJ O, op. cit., pp. 65, 66. Ver tambm GONZAGA, Alice. Palcios e poeiras: 100 anos de cinemas no Rio de Janeiro. Rio de J aneiro: Record/Funarte, 1996. p. 35-39. lvaro Moreyra relembra, em suas memrias,ograndemritodoremdioVirgolina:prprioparafazervoltaraoestadodedonzela qualquer senhora de outros estados. Em: MOREYRA, Alvaro. As amargas, no...: lembranas. 4 ed. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1990. p. 131. 4 ARAJ O, op. cit., p. 64. 5 GONZAGA, Palcios e poeiras..., op. cit., p. 36.26frontes,beldromos,quevieramjuntar-seaotradicionaljogodobicho,oudos bichos,comosedizianapoca,escasasclandestinasdejogo.Aconfianana sorte,noenriquecimentosemesforoemcontraposioaoganhodavidapelo trabalhohonestoparecetersidoincentivadapelosurgimentodonovoregime[a Repblica].6Ademais,cogita-sequeoperfileconmicodesteimigradorecente possa ser diferenciado doself-made man, chegando ao pas com algum acmulo de capital, mesmo que pequeno.7

Pasquale Segreto, nascido em 21 de maro de 1868, chega ao Rio de J aneiro comoirmoGaetanoem1886,abrasileirandoseusnomesparaPaschoale Caetano. No se sabe o que fizeram at a proclamao da Repblica, mas o novo quadrotrouxe-lhesobscurasperseguies,obrigando-osavoltarparaaItlia.8

Retornam ao Brasil por volta de 1890, primeiro Caetano e, um ano depois, Paschoal. Aestaaltura,encontravam-semaisbemestabelecidos,comuma cadeiadebancasdejornaise,maisparaafrente,dequiosques. Gaetano permaneceria no ramo de distribuio de jornais, assumindo progressivamente a liderana da colnia na cidade, o que certamente olevouafundareeditaralgunsdirioscomoOSocialistaeIl Bersagliere. (...) Com o tempo, foram cruzando o Atlntico inmeros irmos,tios,primosesobrinhos,entreoutrosparentese contraparentes.Algunsmorreramdefebreamarela,masamaioria conseguiu se estabelecer no Rio, Campos ou So Paulo, trabalhando mais tarde nos sempre crescentes negcios de Paschoal. (...)9 Amaioriadosespaosdeexibionacidadeestavasobadministraode Paschoal Segreto. Em um primeiro momento, as casas concentravam-se no ento LargodoRocio,atualPraaTiradentes,umdostradicionaislocaisdestinados diverso na cidade. Os filmes eram exibidos em conjunto com outras atraes, como mgicos,cantores,orquestras,pequenosesquetescmicosoudramticos.10Aos poucos,ocinemadeambulantesdosprimeirosanospassaasersubstitudopor negciosmaisestveis.OSalodeNovidadesParisnoRioreceberia,em17de junhode1898,avisitadopresidentedaRepblicaPrudentedeMorais, 6 CARVALHO, J os Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repblica que no foi. 3 ed. So Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 28. 7Ver:SILVA,Srgio.ExpansocafeeiraeorigensdaindstrianoBrasil.7ed.SoPaulo:Editora Alfa-mega, 1986. p. 85-91. 8 ARAJ O, op. cit., p. 61. 9 GONZAGA, Palcios e poeiras..., op. cit., p. 61. 10VIEIRA,J ooLuiz;PEREIRA,Margareth C.S.Cinemas cariocas: da Ouvidor Cinelndia.Filme Cultura, Rio de J aneiro, n 47, agosto de 1986. p. 25. 27acompanhadodesuafamliaedeumanumerosacomitivadeautoridadescivise militares.11Emdezembrode1899,inaugurado,aoredordoatualLargodo Machado,oParqueFluminense,queofereciatambmdiversescomopatinao, montanha-russaesorteiosdeprmios.OMaisonModerne,aoestilodeumcaf-concerto, inaugurado em 1901. Oanimatographodepressaconquistouaadmiraodopblicoe diariamenteaimprensacariocaestampavanotas(...).Estenovo gnerodediversotornava-setopopularapontodeseu proprietrio, Paschoal Segreto, enviar um emissrio ao Velho Mundo para trazer novas fitas ou quadros, como se dizia na poca (...).12 Naocasio,apopularidadedePaschoalSegretotamanhaquerecebeo ttulodeMinistrodasDiversesdopovoedaimprensa.13OsirmosCaetano, Afonso e Paschoal so figuras proeminentes na colnia italiana no Rio de J aneiro, inclusive comemorando as datas festivas peninsulares em solenidades junto a esta comunidade.14 Entreosanosde1898e1910soencaminhadosnopaspelomenos quatorzerelatriossolicitandoregistrodepatentesrelacionadascinematografia. OspedidosdePrivilgiosIndustriaissoreferentesaaparelhospara aperfeioamentodaprojeodefilmes,fabricaodepelculasno-inflamveis, mecanismosparaalimentaodetelas,tcnicasdesincronismocomaparelhos sonoros, entre outros registros, tanto de inventores brasileiros quanto de franceses, italianosenorte-americanos.15Umnovosistemadepropagandadestinadoa chamar a concorrncia s casas de diverso ou espetculo criado por Paschoal Segretoem1905,quepocaeradonodeestabelecimentostambmem Petrpolis, Campos, Niteri e em outras cidades do pas. Consistia em uma coleo demedalhasparadistribuiogratuitarepresentandoemefgieedifcios, monumentospblicosouparticulares(...),homensnotveis,ruas,praas,jardins, 11 ARAJ O, op. cit., p. 107. 12 Idem, p. 95. 13 Idem, p. 123 14 Idem., p. 115, 117 e 118. 15 A concesso da carta-patente, vlida por quinze anos, era dada pelo Ministrio da Indstria, Viao eObrasPblicas(entre1891e1906)epeloMinistriodaAgricultura,IndstriaeComrcio(at 1906).Foramconsultadosassolicitaesdenmeros2171,4180,5024,5076,5079,5145,5528, 5747, 6556, 8764, 8765, 8766, 8870 e 9267. Fundo Privilgios Industriais, AN. 28naviosdeguerra,etc.16Apertinnciadeseuempreendimentojustificadada seguinte maneira: Parafazerrefernciaaosincontestveisefeitospraticadossobo pontodevistamoralesocialdosmeusestabelecimentosde diverseseespetculos,citareiapenasqueelesproporcionams famliasumrecursoconstante,suaveemodestodeinterrompera monotoniadavidadomstica,almdesuaeducaofsicapelos inmerosgnerosdeesportequeexplora(...);desenvolvemas relaesamistosasoudeboacamaradagementreaspessoas, famliaseclassessociais;ativamocursoepermutadasidias, notcias, opinies, interesses, negcios e tudo o que constitui a vida em sociedade; e ao mesmo tempo desviam os concorrentes, quer de passatemposnocivos,querdaapatia,daociosidadequeamalenta [sic] o esprito e o carter, depreendendo-se de tudo isto a utilidade, avantagemreal,overdadeirointeressepblicoquehna conservaodestesestabelecimentos,merecedoresportantoda proteo dos poderes pblicos. (...)17 Nodia19dejunhode1898,antesdedesembarcarnoBrasildeumadas viagens em busca de vistas para projetar nos cinematgrafos da famlia, Afonso fez algumas tomadas da cidade do Rio de J aneiro com um aparelho Lumire que trazia consigo.Essetornou-seoregistrodoprovvelprimeirofilmenacional.Durante alguns anos foram os irmos Segreto os principais exibidores de filmes e, at pelo menos1903,osnicosprodutoresdosescassosfilmezinhosnacionaisde atualidades.18At1907,afilmagembrasileirarestringia-seaoschamadosfilmes naturais,imagensnoposadas,quepoderiamserclassificadascomono-fico aocontrapor-seaosfilmesdeenredo.J ogosdefutebol,funeraisdefigurasde destaque, construes de estradas, vistas da cidade, revoltas, operaes cirrgicas, crimes eram assunto para as filmagens. Os naturais tinham uma boa demanda de pblico,queirexpandir-seaindamaiscomaproduodosprimeirosposados nacionais. O primeiro deles Os Estranguladores, exibido no final de novembro de 1908, quenarraocrimenoqualPaulinoeCarluccioFuocoforamestranguladosem circunstnciasmisteriosas.FoiproduzidopelaempresaLabanca&Cia,quese 16 Privilgio industrial 4180. Encaminhado por Gaetano Segreto. Rio de J aneiro, 14 de dezembro de 1905. Fundo Privilgios Industriais, AN. 17 Idem. 18GOMES,PauloEmlioSales.Cinema:trajetrianosubdesenvolvimento.SoPaulo:PazeTerra, 1996. p. 22 29tornara a maior fbrica de vistas do Rio no perodo.19Do mesmo ano tambm a primeira comdia feita no pas, NhAnastcioChegoudeViagem, produzido pela Arnaldo & Cia.20 Tambm do ano de 1908 PelaVitriadosClubesCarnavalescos, primeiro filme nacional de enredo com o tema carnaval e o drama A Cabana do Pai Toms, daPhoto-CinematografiaBrasileiracomdireodeAntnioSerra:Oespetculo terminava com uma apoteose aos libertadores dos escravos no Brasil, Visconde do Rio Branco e J os do Patrocnio.21 Paz e Amor, de 1910, ser o filme mais popular das duas primeiras dcadas do sculo, uma crtica campanha civilista, poltica nacionaleaoscostumesdacidade,comenchentesdeespectadoresaocinema RioBranco.OprimeirofilmefeitoemcenriosnaturaisnoBrasilaoperetaA Serrana,apresentadaporSerradorem1911.22Outrograndedestaquesoas revistas, como O Chantecler e O Cometa. Ocinematgrafo-falantetambmganhouimpulsonoBrasil,aparecendoem 1904noTeatroLrico.Consistiaemumfongrafocombinadoaoaparelhode projeo.23

NoRio,oindustrialCristvoGuilhermeAuler,scioprincipalda Casa Auler & Cia, formou a empresa William & Cia, contratou alguns cantoreslricose,comoauxliodofotgrafoJ lioFerrezedo maestroCostaJ nior,produziudiversosfilmescantantes.Atrsda telapostavam-se,ocultos,osartistasoucantores,queiamfalando oucantando,conformeascenas,procurandoomximopossvel combinar suas vozes com as imagens.24 Porm, Vicente de Paula Arajo aponta um decrscimo desta fase urea do cinemabrasileironosltimosmesesde1911.Apsteralcanadopopularidadee prestgio,asmudanasnosetordeexibioafetaramademandapeloproduto nacional.Iniciadaaeradolonga-metragem,osprodutoresnacionaisnotinham condiesdecompetircomaspelculasestrangeiras,especialmenteasnorte-americanas, alugadas aos exibidores das grandes salas de cinema da avenida Rio 19 ARAJ O, op. cit., pp. 187 e 240. 20 Idem, p. 250. 21 Idem, p. 296. 22 Idem, p. 357. 23 Idem, pp. 160 e 299. 24 Idem, p. 230. 30Branco.25 O filme brasileiro ficou reduzido, a partir de 1912, aos naturais e a jornais de atualidades, praticamente desaparecendo os chamados posados.26 Essa idade de ouro no poderia durar, pois sua ecloso coincide com atransformaodocinemaartesanalemimportanteindstrianos pasesmaisadiantados.Emtrocadocafqueexportava,oBrasil importavaatpalitoeeranormalqueimportassetambmo entretenimentofabricadonosgrandescentrosdaEuropaeda Amrica do Norte. Em alguns meses o cinema nacional eclipsou-se e omercadocinematogrficobrasileiro,emconstante desenvolvimento,ficouinteiramentedisposiodofilme estrangeiro.27 A denominadabellepoquedo cinema nacional (1907-1911)ocorre em um perodo mais artesanal de produo cinematogrfica, com clara vinculao entre o produtoreoexibidordaspelculasecomomercadointernacionalsemograude monopolizaoqueadquiririaapsaPrimeiraGuerraMundial.28Naapresentao de 1974 do j citado livro de Arajo, A bela poca do cinema brasileiro, Paulo Emlio SallesGomesavivaodesejodereviveressaidadedeourodocinemanacional, aquele momento fugaz trs ou quatro anos cariocas em que os filmes nacionais eram os preferidos pelo grande pblico e pela inteligncia.29

Se, por um lado, a afirmao remete noo idlica de belle poque como a pocarelativaaosprimeirosanosdosculoXX,consideradoscomodeumavida agradvel e fcil,30 a avaliao de seus desdobramentos no positiva nem para o cinema, nem para os demais setores da sociedade. A modernizao promovida na cidadedoRiodeJ aneirofoiumprocessoviolento,combaseemummodelo parisiense desvinculado da realidade poltica e econmica do pas. De acordo com o slogancriadopelocronistaFigueiredoPimentel,ORioCiviliza-se:emsntese,a cidadefazametamorfosequeestabelecedivisesscio-espaciaisentrea populao,segregandoacidadefsicadacidadesimblica.ComoafirmaAngel Rama,acidadelatino-americanaapresenta-seenquantorealizaodosonhode 25 ARAJ O, pp. 229, 359 e 368. 26 Idem, p. 413. 27 GOMES, 1996, op. cit., p. 11. 28 XAVIER, Ismail. Stima arte: um culto moderno. So Paulo: Perspectiva, 1978. pp. 120, 121. 29 GOMES, Paulo Emlio Sales. Apresentao. In: ARAJ O, op. cit., p. 12 30 Belle poque. Dicionrio Aurlio eletrnico sculo XXI, verso 3.0, novembro de 1999. 31uma ordem futura, a partir de inspiraes que seguem as exigncias colonizadoras e valores exgenos.31 Centropoltico,econmicoeculturaldopas,oRiodeJ aneiro,noltimo quarto do sculo XIX ou, mais especificamente, por volta do ano de 1870, chegava aopicedeumprocessoemqueafaltadeinfra-estruturaurbanafavoreciaa sucessodeepidemiasqueatingiamacidade.Deficinciasnoabastecimentode guaedeesgoto,acmulodelixonaspraiaseviaspblicas,precariedadede transportes, falta de calamento, alm de um largo dficit habitacional, contribuam paraosproblemassanitriosdacapital.Oaumentodonmerodehabitantese conseqente adensamento populacional, em condies de insalubridade, propiciava orpidocontgiodedoenas,comoafebreamarelaeavarola.Problema constanteemgrandescidadesquesofreramcrescimentorpido,asepidemias passaram tambm a interferir economicamente, atingindo a exportao de produtos e a imigrao. O progressivo agravamento dessa situao poderia conduzir a uma situao de ingovernabilidade.32 A insalubridade torna-se uma questo para o poder pblico: o combate insalubridade impunha a ordenao do espao urbano, odisciplinamentodeseususos,oempregodeinstrumentosde controlequepudessemregularavidanacidade.Lutarcontraa insalubridadeimplicavaprevenirfocospotenciaisdeenfermidade, que poderiam estar assentados nos mais diversos pontos da cidade (...).33 ComaProclamaodaRepblica,opoderfederalpassaaadministraro Municpioneutro.Em1892,CndidoBarataRibeiro,amigopessoaldeFloriano Peixoto,assumeaIntendnciaMunicipaledesenvolveumprogramaapartirda questosanitriaedahigiene,centradanocombateshabitaescoletivas,nas quais,dizia-se,estariamosfocosdasepidemias.34Noporacaso,ashabitaes 31 RAMA, Angel. A cidade das letras. So Paulo: Brasiliense, 1985. p. 23-27. 32PECHMAN,Srgio;FRITSCH,Lilian.Areformaurbanaeoseuavesso:Algumasconsideraesa propsito da modernizao do Distrito Federal na virada do Sculo. RevistaBrasileiradeHistria, So Paulo, v. 5, n 8/9, setembro 1984/abril 1985. pp. 141, 142. 33 Idem, p. 142. 34 ROCHA, Oswaldo Porto. A era das demolies: cidade do Rio de J aneiro: 1870-1920. Em: ROCHA, OswaldoPorto.Aeradasdemolies:cidadedoRiodeJaneiro:1870-1920.CARVALHO,Liade Aquino. Contribuio ao estudo das habitaes populares. 2 ed. Rio de J aneiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Doc. e Inf. Cultural, DGDI, 1995. p. 46. Em 1892, seria criado o DistritoFederal,noqual,segundoaleiorgnicaqueocriou,de20desetembro,neleexistiriam apenasospoderesExecutivoeLegislativo,ficandooJ udicirioparaaaladafederal.OPrefeito 32popularestornam-sealvodeumapolticaestatalquemobilizariamdicose engenheiros sanitrios, foras policiais e autoridades do governo para implantao de medidas preventivas em relao ao saneamento e ao embelezamento da capital federal.Para alm de questes de sade pblica, os cortios do centro do Rio eram consideradosumvalhacoutodedesordeirospelasautoridadesdapoca.Esses espaosestigmatizados,queforameliminadossobaadministraorepublicana, haviam sido, nos ltimos anos da Corte, um importante lugar de resistncia negra contra a escravido.35 A destruio do mais clebre deles, o Cabea de Porco, foi acompanhadapessoalmenteporBarataRibeiro,em26dejaneirode1893,com amplo apoio da imprensa iniciativa.36 A populao desalojada deslocou-se ou para os subrbios ou subiu os morros prximos ao permetro central.Sobre a represso sistemtica s camadas populares, Mnica Velloso afirma: Trata-senoapenasdedesloc-lasdocentrodacidademasde desloc-las do eixo de influncia da vida nacional. A modernizao exige que se ponha abaixo as construes antigas, da mesma forma que exige a extino das manifestaes culturais tradicionais. Essa exigncia vista na poca como uma espcie de fatalidade imposta pelos novos tempos.(...)37 Ocandombl,oBumba-meu-boi,acapoeira,oentrudo,entreoutras manifestaespopulares,soconsideradosbrbaroseprimitivos,anttesedo padroculturalcomqueacidadeletradaalmejaidentificar-se.Porm,essa europeizaonofoiaceitademodopassivopelapopulao,comonoexemplo apresentadodalutaculturalentreastradiesafricanaeeuropianaFestada Penha.Nessecontexto,aintransignciaelitistaesfora-separaorganizaruma

passa a ser da escolha do presidente da Repblica e, posteriormente, ficaria submetido aprovao do Senado. Sobre o debate poltico em torno da organizao do Distrito Federal, ver tambm: FREIRE, Amrico.Repblica,cidadeecapital:opoderfederaleasforaspolticasdoRiodeJ aneirono contexto da implantao republicana. Em: FERREIRA, Marieta de Moraes (org). RiodeJaneiro:uma cidade na histria. Rio de J aneiro: Editora FGV, 2000. 35 CHALHOUB, Sidney.Cidadefebril:cortioseepidemiasnaCorteimperial.So Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 16 e 26. 36 Idem, pp. 15, 16. 37VELLOSO,MnicaPimenta.AstradiespopularesnaBellepoquecarioca.RiodeJ aneiro: Funarte/Instituto Nacional do Folclore, 1988. p. 16 33noodeculturabrasileiranaqual(...)agrandezadaNaoatribudaao territrio,[e] a questo da diversidade cultural no entra em pauta.38

As teorias explicativas do Brasil, elaboradas ao final do sculo XIX e incio do XX, tecem uma relao entre a questo racial e a identidade brasileira. A partir de princpiosevolucionistas,opasanalisadoatravsdosconceitosdemeioede raa,queexplicamoestgioinferiordacivilizaoemqueseencontrava.39 Segundo Lilia Schwarcz,amestiagemexistentenoBrasilnoseradescritacomo adjetivada,constituindoumapistaparaexplicaroatrasoouuma possvelinviabilidadedanao.(...)Aoladodeumdiscursode cunho liberal, tomava fora, em finais do sculo passado, um modelo racialdeanlise,respaldadoporumapercepobastante consensual.Defato,ahibridaodasraassignificavanesse contextoumtumulto,comoconcluaojornalAProvnciadeSo Paulo em 1887.40 A representao mestia do Brasil constitui-se paralelamente chegada j tardiadosmodeloseuropeusdasteoriasraciais,acolhidaseminstituiesde pesquisaedeensino,comoosmuseusetnogrficos,osinstitutoshistricose geogrficos e as faculdades de Medicina e Direito.41 O darwinismo social ajudou a explicaranaturezadobrasileirosobinflunciadasobrasdocondeArthurde Gobineau, Essais sur les Ingalits des Races Humaines, e Le Play, um argumento dainferioridaderacialqueserencontradoemNinaRodrigues,SlvioRomeroe Manuel Bonfim, entre outros. Desde meados do sculo XIX, a transio do trabalho escravo para o trabalho livrenoBrasilacompanhadadetransformaesnasrelaessociais,noque Sidney Chalhoub chama de universo mental das classes dominantes da poca.42 A lei de 13 de maio[de 1888] era percebida comouma ameaa ordem porque nivelava todas as classes de um dia para o outro, provocando um deslocamento de 38Idem,p.14.Umtrabalhoquetrataespecificamentedaquestodocarnaval:CUNHA,Maria Clementina Pereira. Ecosdafolia:umahistriasocialdoCarnavalcariocaentre1880e1920. So Paulo: Companhia das Letras, 2001. Sobre a relao das instituies da Classe Operria e a cultura: HARDMAN, Francisco Foot. Nem Ptria, nem Patro! Vida operria e cultura anarquista no Brasil. So Paulo: Brasiliense, 1983. 39 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5 ed. So Paulo: Brasiliense, 1994. p. 15. 40 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo racial no Brasil 1870-1930. So Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 13. 41 Idem, p. 14. 42 CHALHOUB, Sidney. Trabalho,larebotequim.OcotidianodostrabalhadoresnoRiode Janeiroda belle poque. So Paulo: Brasiliense, 1986. p. 39. 34profissesedehbitosdeconseqnciasimprevisveis.43Emjulhode1888,o ministro da J ustia Ferreira Viana encaminha Cmara dos Deputados um projeto de represso ociosidade que fique claro, como destaca Chalhoub, unicamente relativo ao cio pobre, ligado indigncia e vadiagem, que deturpasse a educao moral e os bons costumes. Os parlamentares reconhecem abertamente, portanto, que se deseja reprimir os miserveis. Passam a utilizar, ento, o conceito de classes perigosas,avidamenteapreendidodoscompndioseuropeusdapoca.44Essas classes perigosas tornam-se sinnimo das classespobres. Segundo o autor, o que entra em pauta tambm a questo do carter do liberto, com vcios que s seriam vencidos atravs da educao e do hbito do trabalho.45 O censo de 1890 registra umagrandeconcentraodocontinentedenegrosemulatosnoRiodeJ aneiro: cerca de 34% da populao.46 Estapopulaopoderiasercomparadasclassesperigosasou potencialmenteperigosasdequesefalavanaprimeirametadedo sculoXIX.Eramladres,prostitutas,malandros,desertoresdo Exrcito, da Marinha e dos navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros,criados,serventesderepartiespblicas,ratoeiros, recebedores de bondes, engraxates, carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, receptadores, pivetes (a palavra j existia). E, claro, a figura tipicamente carioca do capoeira, cuja fama j se espalhara por todoopasecujonmerofoicalculadoemtornode20mils vsperasdaRepblica.Morando,agindoetrabalhando,namaior parte, nas ruas centrais da Cidade Velha, tais pessoas eram as que maiscompareciamnasestatsticascriminaisdapoca, especialmenteasreferentesscontravenesdotipodesordem, vadiagem,embriaguez,jogo.Em1890,estascontraveneseram responsveis por 60% das prises de pessoas recolhidas Casa de Deteno.47 Em Dos meios s mediaes, J ess Martn-Barbero esclarece como a noo de povo sofreu uma ciso ao longo do sculo XIX: transformou-se, esquerda, no conceitodeclassesocial,edireita,nodemassa.48Ateoriadasociedadede massasurgemuitoantesdodesenvolvimentodofazertecnolgicodosanos 43 Idem, p. 41. Sobre a evoluo nas relaes de trabalho, escravido e abolicionismo no Brasil, ver: MATTOS, Hebe Maria. DasCoresdoSilncio:os significadosdaliberdade do Sudeste escravista.2 ed. Rio de J aneiro: Nova Fronteira,1998. 44 Idem, p. 47. 45 Idem, p. 42. 46 Idem, p. 25. 47 CARVALHO, J os Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repblica que no foi. 3 ed. So Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 18 48 MARTN-BARBERO, J ess. Dosmeiossmediaes:comunicao,culturaehegemonia. 2ed. Rio de J aneiro: Editora UFRJ , 2001. p.43. 351930/1940, iniciada por liberais franceses e ingleses no perodo ps-napolenico. Os efeitosdaindustrializaocapitalistaeasituaodasclassespopulares alimentaram o medo (e o asco) em relao s turbas.DepoisdaComunadeParis,oestudoacercadarelao massa/sociedade toma um rumo descaradamente conservador. Mas no ltimo quartel do sculo XIX as massas se confundem com um proletariadocujapresenaobscenadeslustraeentravaomundo burgus.Eento,opensamentoconservador,maisque compreender, o que buscar ser controlar.49 Otemorsmassaspautarodebatesobreautilizaodosmeiosde comunicao nos primeiros anos do sculo XX. Mais que isso: estar presente na disputa pelo controle da educao (pensava-se poder moldar as mentes atravs do ensino),nasdiretrizesdapolciapolticaenosdispositivosderegulaoda produo artstica e da mdia. Oquadrotraadopelopensamentoconservadordestacaosperigosdas massas. La psychologie des foules, de Gustave Le Bon, a primeira obra a pensar a irracionalidadedasmassas,curiosamentelanadanomesmoanodainvenodo cinematgrafo, em 1895. No perodo em que a Frana acaba de consagrar o livre exercciodaliberdadedeimprensa,LeBonvaopiniodasmultidescomo produtosautmatosguiadosporumavontadecomumenopessoal,postoque pensavam e agiam como seres pertencentes a formas inferiores da evoluo, tais como a mulher, o selvagem e as crianas.50 AofinaldosculoXIX,osolhossevoltaramparanovosproblemase, igualmente, mobilizaram novos protagonistas. A latente segregao entre os grupos sociais balizar o debate sobre os pblicos e os meios de comunicao de massa nas primeiras dcadas do sculo XX. 49Idem,p.59.(grifodoautor).SobreaComunadeParis,consultar:HOBSBAWN,Eric.Ecosda Marselhesa. So Paulo: Companhia das Letras, 1996. 50MATTELART,Armand.AComunicao-mundo:histriadasidiasedasestratgias.Petrpolis: Vozes, 1994. p.47, 48. As teses apresentadas por Gustave Le Bon tiveram ampla repercusso nos crculosintelectuaiseuropeus,emespecialjuntoaosmilitares.Mattelartcomentaque,inclusive,a obra aqui citada teve trechos plagiados por Adolf Hitler em Mein Kampf. 361.2. A Avenida Central e a Cinelndia ABruzundanga,comosabem,ficanaszonastropicale subtropical,masaestticadaescolapediaqueelesse vestissemcompelesdeurso,derenas,demartaseraposas rticas. Lima Barreto, Os Bruzundangas IndicadopelopresidenteRodriguesAlves(1903-1907),oprefeitoFrancisco Pereira Passos (janeiro de 1903 a novembro de 1906) divide com o governo federal a responsabilidade de conduzir as obras deremodelamento da Capital federal, ou porque no dizer, de sua reinveno.51

Durante a gesto de Campos Sales (1898-1902), foi implantada uma poltica econmicadeflacionistaquepermitiuoacmuloderecursosparaasobrasque transformariamacapitaldaRepblicanocarto-postaldopas.Noplanodas disputaspolticas,oEstadosegueapresentando-secomoumcampode representaodeinteressesdeclasse,52caracterizadopordisputasentreas oligarquiasestaduaisepelopactodesucessonopoderatravsdaPolticados Governadores.53

Segundo Pedro Calmon, no terceiro tomo de Histria social do Brasil, uma lei de 29 de dezembro de 1902 dava a Passos poderes quase ditatoriais para implantar a reforma.54 Ele era engenheiro diplomado pela Escola Militar, com cursos na cole des Ponts et Chaussses de Paris. Atravs da transformao do espao material, pensava o Prefeito em refletir a prpria ordem que desencadearia o progresso, to almejado para a Capital Federal. O desejo de civilizar o espao urbano no serestringiaaosespaosfsicosefuncionaisdacidade,porm representava, no plano do ordenamento social, a inteno ntida de 51 (...) as principais obras ficariam a cargo da administrao federal: a construo do cais do porto, a conclusodocanaldoMangue,oarrasamentodomorrodoSenado,aaberturadeumaavenida ligando o Passeio Pblico ao largo do Estcio, e o alargamento de uma srie de ruas no corao da cidade, entre elas, a Marechal Floriano, Prainha, Camerino e Treze de Maio. ROCHA, op. cit., p. 58. 52FERREIRA,MarietadeMoraes.Embuscadaidadedeouro:aselitespolticasfluminensesna Primeira Repblica (1889-1930). Rio de J aneiro: Editora UFRJ , 1994. p. 144. 53 Sobre o funcionamento da Poltica dos Governadores, consultar: LEAL, Vtor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 3 ed. So Paulo: Alfa-Omega, 1978. Para a anlise do poder dos estados, ver: LOVE, J oseph. O Regionalismo Gacho e as origens da Revoluo de 30. So Paulo: Perspectiva, 1975.54 ARAJ O, op. cit., p. 153. Para uma anlise mais aprofundada da reforma urbana na cidade do Rio de J aneiro e de suas conseqncias, ver: BENCHIMOL, J aime Larry. PereiraPassos: umHaussmann tropical:arenovaourbanadacidadedoRiodeJaneironosculoXX.Rio de J aneiro: Secretaria MunicipaldeCultura,TurismoeEsportes,DepartamentoGeraldeDoc.eInf.Cultural,Divisode Editorao, 1992. 37restringir as manifestaes populares que se insurgissem contra as instituiesgovernamentais,almdeacentuarocontrolesobrea permissividade moral que vinha se acirrando nas reas centrais.55 So os ares da modernidade, inspirando as prticas sociais que se identificam comocosmopolitismo.AnaMauadtraaumaGeografiadoSerModernonos primeirosvinteanosdosculoXX,noqualespaosdeconvivnciacomo confeitarias, cinemas, cafs, sales, livrarias e a prpria rua so eleitos signos que identificamoestilodevidadanovaclasseemascenso:aburguesia.56A perspectiva de anlise dessa nova apropriao da cidade destacada por Sandra Pesavento: Aculturadamodernidadeeminentementeurbanaecomportaa conjugao de duas dimenses indissociveis: por um lado, a cidade o stio da ao social renovadora, da transformao capitalista do mundo e da consolidao de uma nova ordem e, por outro, a cidade se torna, ela prpria, o tema e o sujeito das manifestaes culturais e artsticas.Assim,nacorrelaomodernidade-cidadeque encontramosapassagemdaidiadeurbecomoolocalondeas coisas acontecem para a concepo do sujeito-cidade como objeto de reflexo.57 ComaaberturadaavenidaCentral,sobprotestoeindignaodos comercianteslocaisprejudicadospeloBotaAbaixo,instalaram-seosprimeiros grandescinemasnodecorrerdaavenidaemdireoaoLargodaMedoBispo, atualPraaMarechalFlorianoe,at1910,denominadaPraaFerreiraViana.Em 1907, so inaugurados os cinemas Parisiense, de J como Rosrio Staffa, no dia 10 de agosto; o Grande Cinematgrafo Rio Branco, da empresa William & Cia, em 01 desetembro;eoCinematgrafoPathnodia18desetembro,pertencentea Arnaldo Gomes de Souza e Marc Ferrez. AidiadePereiraPassosdeumapraaquesimbolizasseanova ordem era provavelmente a que seu projeto sugeria: na extremidade 55 LIMA, op. cit., vol 2, p. 176. 56 MAUAD, Ana Maria. Sob o signo da imagem: a produo da fotografia e o controle dos cdigos de representao social da classe dominante, no Rio de Janeiro, na primeira metade do sculo XX. Niteri: Tese de Doutorado, Universidade Federal Fluminense, 1990. p. 05. 57 PESAVENTO, Sandra. Oimaginriodacidade:visesliterriasdourbanoParis,RiodeJaneiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1999. p. 158. Para uma reflexo sobre o ambienteurbano,consultar:MORSE,RichardM.Ascidadesperifricascomoarenasculturais: Rssia, ustria e Amrica Latina. EstudosHistricos, Rio de J aneiro, vol. 08, n 16, 1995, p. 205-225. 38doextensobulevar,reunindoanatadasociedadeedacultura, fazendo a ligao com os bairros nobres que surgiriam beira-mar.58 EmArquiteturadoespetculo:teatrosecinemasnaformaodoespao pblicodaspraasTiradenteseCinelndia.RiodeJaneiro:1813-1950,Evelyn FurquimWerneckLima,analisaoespaodaPraaFlorianoenquantopontode convergnciadapopulaodacidadeedeconcentraodesignificadosdoque definecomoaarquiteturadoespetculo,representativadasmudanassociais verificadas nas transformaes do espao pblico. Porm, o foco do entretenimento da cidade paulatinamente ir deslocar-se dos teatros da Praa Tiradentes para os cinemasdaCinelndia.Aformaodessenovoespaoexigeumexamemais apurado, posto que estaro nele os chamados espaos lanadores das pelculas. A Praa Floriano abrigava a Biblioteca Nacional, o Superior Tribunal Federal, aEscolaNacionaldeBelas-Artes,oPalcioMonroeeoConselhoMunicipal. Apresentava-secomoumplopoltico-administrativoetambmculturalda Repblica.Anovaorganizaoeliminouasedificaesgeminadasdeums pavimento do tempo do Imprio, redefinindo o prprio contingente habitacional que majoritariamentecirculariapelasruas.OprocessodemodernizaodaCapital federaltransformariaoperfildomoradordocentrodacidade,deslocandoos indivduos oriundos das classes trabalhadoras por ricos comerciantes que poderiam arcar com os novos aluguis.59 A questo da especulao imobiliria das reas centrais clara no processo dedesapropriaodoConventodaAjuda,adquiridopelaCompanhiaLightand Powerem1911edemolidonomesmoanoparainstalaodeumhoteldeluxo projetadoporCarlosSampaio,quenochegouaserconstrudo.Arespeitodas transaescomerciaisqueenvolvemacompradoterreno,soencontradas informaesbastantecontraditrias.60Posteriormente,areafoiadquiridapela CompanhiaBrasilCinematogrfica,fundadaporFranciscoSerradorem1917. Imigranteespanhol,Serradorfoiumdosgrandesempresriosdareado 58 LIMA, op. cit., vol 2, p. 179. 59 Idem, p. 176. 60VerLIMA,vol.2,p.183eGONZAGA,p.118.Ambasautorasfalamemacordosnebulosos,que envolveriam desde usos de contatos pessoais ao jogo do bicho (este ltimo, possivelmente ligado construo das primeiras grandes salas de exibio). 39entretenimento no Brasil, investindo principalmente no mercado exibidor de cinemas nos estados de So Paulo, Rio de J aneiro, Paran e Minas Gerais.61 Osarranha-cus,verdadeirospalacetesdotadosnoapenasde cinemaseteatros,masdelojas,restaurantesesalespara escritrios, no pertenciam aos mesmos proprietrios. A Companhia BrasilCinematogrficaconstruiueficouresponsvelpeloCinema Odeon,e,contratououtrosempresriosparaexplorarosdemais cine-teatros.Buscandoreafirmarocarterdoespaourbanoque funcionarianoimaginriodapopulaoespelhandoprogressoe prosperidade,Serradorresolveutambmassociar-seaos comerciantesquedesejasseminvestirempequenos estabelecimentos.Foramentoaparecendoosprimeirosbares,os cafs e sorveterias. (...).62 A Cinelndia surge como um complexo de lazer no espao da Praa Floriano, destacandoocinemacomosuaprincipalatrao.Mesmonoexplorando diretamente as demais salas nela construdas, a Companhia Brasil Cinematogrfica ter o domnio de outra face do mercado cinematogrfico: o da distribuio de filmes. Das quatro salas ali localizadas, todas sero servidas pela Companhia: Cine Teatro Glria,CinemasCapitlioeImprio,inauguradosem1925eCinemaOdeon, inauguradoem1926.Duasdelastambmexibiropelculasfornecidaspela Companhia Pelculas de Luxo da Amrica do Sul (Capitlio e Imprio).O cinema se estabelece na rea mais valorizada da Capital da Repblica.AoinciodaPrimeiraGuerraMundial,adentra-seumperododecrise econmica e poltica. Um perodo de recesso inicia-se em meados de 1913, com reduesdospreosdeexportaodeprodutoscomoocafnosmercados europeus.Ocustodevidaeleva-se,paralelofaltadegnerosalimentcioseao aumentodasdemissesemfbricas.63Antecedidopelasinmerasrebelies populares,comoasRevoltasdaVacina(1904)edaChibata(1910),easGreves Gerais espalhadas pelo pas na dcada de 1910, o Tenentismo apresenta-se como um movimento 61SobreFranciscoSerrador,existeabiografia:SILVA,GastoPereirada.Serradorocreadorda Cinelndia.RiodeJ aneiro:EditoraVieiradeMelo,s/d.Vertambm:SOUZA,J osInciodeMelo. Francisco Serrador e a primeira dcadado cinema em So Paulo. Em: Mnemocine memria e imagem. Publicao on-line: http://www.mnemocine.com.br (capturado em 26 de dezembro de 2003). 62 LIMA, op. cit., vol 2, pp. 246, 247. 63 HAUNER, J une E. Pobreza e poltica: os pobres urbanos no Brasil 1870/1920. Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1993. p. 302. 40(...)polticaeideologicamentedifuso,decaractersticas predominantementemilitares,ondeastendnciasreformistas autoritriasaparecememembrio.Asexplosesderebeldiada revoltadoFortedeCopacabanaColunaPrestesganham gradativaimportnciaeconsistncia,tendonoRioGrandedoSul uma irradiao popular maior do que em outras regies.64 Com a crise de 29 e conseqente queda dos preos do caf, o Brasil sofreu um decrscimo radical no comrcio externo, associado eroso das reservas (ouro edivisas)eaoestabelecimentodeumcontrolenocmbio.65Aomesmotempo, observa-seocrescimentodeimportncianocenriopolticonacionaldasclasses mdiasurbanas,66emumperododeinserodopasemnovospadresde consumo.No Rio de J aneiro, Distrito Federal, a produo artstica popular remonta aos temposdoImprio,expandindo-senacionalmenteapartirdaCapital.67Inovaes tecnolgicas permitiram uma nova relao do indivduo com a cidade. Os espaos de sociabilidade se expandem: os cafs e confeitarias, as editoras, as conferncias literrias, e claro, as revistas so exemplos legtimos da fermentao cultural desses anos. No ano de 1933, elas somam 126, alm de treze jornais dirios circulando pela cidade.68 J em 1922, so 108 estabelecimentos de diverso e espetculos, entre teatros, cine-teatros e cinematgrafos.69

Aos poucos, vai se delineando o que Pierre Bourdieu chamar de mercado de benssimblicos. A autonomizao das esferas de produo, circulao e consumo dessesbensd-seapartirdesuadesvinculaodeinstnciasdelegitimidade externa tais como o domnio econmico e esttico da Igreja ou da aristocracia , constituindo,parasi,umpblicoconsumidorextensoediversificadoeumcorpo 64FAUSTO,Boris.Arevoluode30:historiografiaehistria.16ed.SoPaulo:Companhiadas Letras, 2000. pp. 80, 81. 65 ABREU, Marcelo de Paiva. O Brasil e a economia mundial (1929-1945). Em: FAUSTO, Boris. Histria Geral da Civilizao Brasileira. O Brasil republicano tomo III. 3 ed. Rio de J aneiro: Bertrand Brasil, 1995. vol. 4. pp. 16 e 17. 66PINHEIRO,PauloSrgio.Classesmdiasurbanas:formao,natureza,intervenonavida poltica. Em: FAUSTO, Boris. Histria Geral da Civilizao Brasileira. O Brasil republicano tomo III. 3 ed. Rio de J aneiro: Bertrand Brasil, 1995. vol. 2 p. 07-37. 67MOURA,Roberto.Aindstriaculturaleoespetculo-negcionoRiodeJ aneiro.Em:LOPES, AntnioHerculano.EntreEuropaefricaainvenodocarioca.RiodeJ aneiro: Topbooks/Fundao Casa Rui Barbosa, 2000. p. 113-154. 68 Anurio Estatstico do Brasil. Rio de J aneiro: Tipografia do Departamento Estatstica e Publicidade, 1936. Ano II. p. 376. 69 Idem, p. 367. 41profissionalizadodeprodutoreseempresrios.70Emoutrostermos,estemercado torna-sevivelnoprocessodaconstituiodeumcampointelectualeartstico,o que,noBrasil,configura-se,segundoaanlisedeSrgioMiceli,coma profissionalizaodaatividadeintelectual,garantidapeloaumentononmerodos postos de trabalho no setor administrativo, poltico e cultural do Estado, o que ocorre na dcada de 1920.71

Odesenvolvimentodomercadodebenssimblicosoqueatribuiaesse campoautonomiarelativa,postoqueestsubordinadoaocampodepoder.Estas socolocaespertinentes,poissabidoqueocampodaproduo,nointerior desse mercado, possui uma estrutura especfica, a definir-se na diferenciao entre ocampodeproduoerudita(noqualbensculturaissoproduzidosparauma esferaespecficadeconsumidoreseparaosprpriosprodutores)eocampoda indstria cultural, com o qual mantm uma relao dialtica e subordinada.72

Na leitura da Escola de Frankfurt, a insero dos bens produzidos na lgica do sistema capitalista determina diretamente suas formas de consumo, assim como aformataodoprodutoeadoconsumidor,postoqueaindstriaculturalvo indivduocomoumsergenrico,negandoacompetnciadesteenquantoagente socialdeterminantenoprocessohistrico.73Bourdieu,aodiscorrersobreo desenvolvimentodaindstriacultural,destacaoprocessodeextensoe diferenciaodospblicos,deexpansodoensinoelementaredeampliaodo acesso ao consumo cultural no surgimento de um princpio paralelo de legitimao debenssimblicos.74Paraoautor,oindivduoparticipanomercadodebens simblicos de forma ativa, longe de uma concepo mecanicista de comunicao, na 70Omercadodosbenssimblicos.BOURDIEU,Pierre.AEconomiadasTrocasSimblicas.5ed. So Paulo: Perspectiva, 2003. pp., 99, 100. 71Poder,sexoeletrasnaRepblicaVelha(estudoclnicodosanatolianos).Em:MICELI,Srgio. Intelectuais brasileira. So Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.14-68. 72O mercadodosbenssimblicos.BOURDIEU,2003,op. cit.,p.105. Ao contrriodosistemada indstria cultural, que obedece lei da concorrncia para a conquista do maior mercado possvel, o campo da produo erudita tende a produzir ele mesmo suas normas de produo e os critrios de avaliaodeseusprodutos,eobedeceleifundamentaldaconcorrnciapeloreconhecimento propriamente cultural concedido pelo grupo de pares que so, ao mesmo tempo, clientes privilegiados e concorrentes. 73 HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. A Indstria Cultural: o esclarecimento como mistificao das massas. In: ADialticadoEsclarecimento:fragmentosfilosficos. Rio de J aneiro: J orge Zahar Ed.,1985.p.136.SobreaEscoladeFrankfurteaTeoriaCrtica,ver:FREITAG,Barbara.Ateoria crtica: ontem ehoje. 3 ed. So Paulo: Brasiliense, s/d.; MATTELART, Armand e Michle. Histria das teoriasdacomunicao.4ed. So Paulo: Edies Loyola, 2001; DUARTE, Rodrigo. Teoriacrticada indstria cultural. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003. 74 O mercado dos bens simblicos. BOURDIEU, 2003, op. cit., p. 102. 42qual o emissor superestimado e tem o poder de controlar os efeitos da mensagem e dos produtos sobre a audincia. Pelo contrrio, o consumo cultural, como destaca NstorGarca-Canclini,nopensadocomosimplescenriodegastosinteise impulsosirracionais,mascomoespaoqueserveparapensar,ondeseorganiza grandepartedaracionalidadeeconmica,sciopolticaepsicolgicanas sociedades.75 Estareflexoconduzaoprpriomodocomoocinemadeveserpensado enquanto prtica social no Brasil. Em primeiro lugar, altera-se a noo de audincia, tida agora como um grupo com opinio prpria, que pode ser influenciada em suas decises,pormnocooptada,nosentidopejorativodequeamassairracional nopossuicapacidadedeescolha.Emsegundo,precisorefletirmelhorsobrea concepo de povo. A discusso deve remeter-se aqui ao movimento de idias em tornodaquestodamiscigenaodopovobrasileiro.Odebatecientficonofica estanquenaidentificaodasclassesperigosas,questionandoamiscigenao racial como o fato que condenaria o pas eternamente ao atraso. viso pessimista, que influenciou inmeros intelectuais brasileiros, agrega-se a perspectiva defendida por Edgard Roquette Pinto, entre outros, na qual a educao bem como o controle conduziriam a populao, sem relao direta com a cor da pele, na execuo de suastarefas.76Ahiptesedobranqueamentodapopulaotambmganharia inmeros adeptos, assim como uma viso otimista da mistura das raas, reunida em Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, de 1933. Mestiosouno,osgrupospopularesexigemparasioreconhecimento enquanto atores polticos.77 Com o desenvolvimento do mercado cinematogrfico no Rio de J aneiro, a questo recai sobre a interao com esse bem simblico: fora das identificaescomomassaoucomoeruditos,dar-se-oconsumoculturalda mesma maneira entre as diferentes classes sociais? 75 GARCIA-CANCLINI, Nstor. Consumidores e cidados: conflitos multiculturais da globalizao. 4 ed. Rio de J aneiro: Editora UFRJ , 1999. p. 15. 76 ALMEIDA, Cludio Aguiar. Ocinemacomoagitadordealmas:Argila,umacenadoEstadoNovo. So Paulo: Annablume, 1999. pp. 129-133. 77 Adota-se aqui o conceito de classes populares a partir da obra de E. P. Thompson, para o qual classe entendida enquanto um fenmeno histrico, resultante de experincias comuns, em grande medidadeterminadaspelasrelaesdeproduocompartilhadas.THOMPSON,EdwardPalmer.A formao da classe operria inglesa a rvore da liberdade. vol 1. 2 ed. Rio de J aneiro: Paz e Terra, 1987. pp. 09, 10. 431.3. Os Cinemas do Rio e Seus Pblicos Fazer a avenida era uma frase corrente na poca. A influncia do cinema na vida social da cidade era sentida nos jornais, que j empregavam os vocbulos fitas oufiteirocomosinnimosdefingimentoefingido.78Ainserodocinemano cotidianoconseqnciadoprocessodeurbanizaoqueatingiuasparcelasda sociedadedemaneiradesigual,principalmentetrazendoparaocentrodacidade aqueles que no tinham por hbito freqent-lo assiduamente. Paschoalaproveitou-sedeumacidadequeestavaemexpanso. Expandiaemelhoravaurbanisticamente,cresciaaofertade transporte e crescia tambm a populao. Esta cidade estava vida pornovasformasdelazer,dosquaisnosomenteaburguesia deveria desfrutar, mas, aos olhos de Paschoal, todos os habitantes que tivessem um mnimo de recurso disponvel.79 Aesferadeconvivnciapblicapassaaserampliadapelasubstituioda iluminao gs pela eletricidade, por volta de 1905, e pela implantao de linhas debondecomtraoeltrica,apartirde1894,ligandoocentroaosbairrosmais privilegiados.80Polticos,mastambmintelectuaissocativadospelosfilmes.A imagem das diverses pblicas desvincula-se da noo de um divertimento barato em local duvidoso e passa a incluir salas requintadas, freqentadas por mulheres e crianas.Paraamudanadecostumestambmcolaborouatransformaofsica dosespaosdestinadosprojeocinematogrfica,construindo-sesalasmais confortveiseelegantes.Essa,inclusive,eraapropagandadassalas,conforme narra Arajo sobre o ano de 1910: Amaioriadoscinemasalardeavaseusatributosouqualidades principaisnosanncios.OcinemaPathdiziaseronico estabelecimentodestegneronestaCapitalquepossuiacabine completamentedeferro,queimpedeabsolutamentequalquer desastredeincndio,ouainda,vendem-sefitasnacionaise estrangeirasdosmelhoresfabricantes,emais:osalodemaior luxo e conforto para exibies cinematogrficas do Rio de J aneiro. O Ideal proclamava ser o mais chic dos cinemas. E o Ouvidor garantia ser o nico agente no Brasil da tala Film, de Torino e da Biograph, deNewYork.OOdeondivulgava:Vendem-seealugam-se 78 ARAJ O, op. cit.,p. 213. 79 MARTINS, William de Souza Nunes. PaschoalSegreto: MinistrodasDiversesdoRiodeJaneiro (1883-1920). Dissertao em Histria, Universidade Federal do Rio de J aneiro, 2004. p.43.Paschoal viria a falecer em 22 de fevereiro de 1920. 80 LIMA, op. cit., vol 2, p. 115 e 117. 44programasdefitasfrancesas,italianaseamericanas,emais, grandes concertos, audio pelo Auxitophone. (...) Osfilmesdegnerolivre,asfitasproibidasparamenorese senhoritas, tinham seu pblico no Pavilho Internacional (...).81 Amanutenodamoralidadenascasasdediversodestinadassfamlias era uma preocupao tambm presente nas vistorias policiais s salas de exibio. Noquestionriodevistoriadoscinematgrafos,constavaanota:nasalade espetculosesuasdependncias,existemannciosofensivosmoralebons costumes ou que se refiram a molstias ou incmodos secretos ou repugnantes?. Osdemaisquesitosparaliberaodefuncionamento,em1923,eram:oferecer condies de higiene; situar-se em andar trreo e com materiais incombustveis; ter acessosportasdesada;protegeralocalizaodomaquinrio;manterespao entreaspoltronasecorredores;cubagemdear;dotar-sedeaparelhossanitrios, comunicao telefnica com Central de Polcia e Corpo de Bombeiros, extintores de incndioeregistrosdgua,almdearmazenamentoadequadodaspelculase registro tanto do tipo de projeo quanto das condies gerais do prdio.82 Apartirde1907,emplenomomentodeascensodacinematografia brasileira, a expanso das salas fixas de projeo foi impulsionada pela construo de linhas de transmisso de energia eltrica da recm inaugurada Usina de Fontes, noRibeirodasLages.83AliceGonzagaapontaumsaltononmerodesalasde exibio em funcionamento na cidade de nove, em 1906, para trinta e seis em 1907, permanecendo em franco crescimento at o ano de 1910, quando chega a setenta e duas salas. O quadro abaixo ilustra esse crescimento nas duas primeiras dcadas do sculo: 81 ARAJ O, op. cit, p. 321. 82LicenaaochefedePolciadoDistritoFederal,Gen.ManuelCarneiroLopesFontoura,2 DelegaciaAuxiliardePolcia.CasasdeDiverso,1923.FundoMinistriodaJ ustiaeNegcios Interiores (GIFI), Arquivo Nacional. 83ArelaoentreainstalaodassalascomaexpansodaredeeltricanoRiodeJ aneiro apontada por: GOMES, op. cit., p.23. Sobre as mudanas causadas pela eletrificao na cidade, ver: WEID, Elisabeth von der. A interferncia da eletrificao sobre a cidade: Rio de J aneiro (1857-1914). Anais do V Congresso Brasileiro de Histria Econmica e VI Conferncia Internacional de Histria das Empresas (ABPHE). Caxambu, MG, 07 10 de setembro 2003. (Anais em CD-ROM). 451. Dados acerca das salas de exibio cinematogrfica em funcionamento na cidade do Rio de J aneiro (1904-1919) Anosalasemfuncionamentosalasabertasduranteo anosalasfechadasduranteo ano 19044-- 1905622 1906955 1907363111 1908432018 1909563116 1910723530 1911702723 191263810 191358813 191464148 19157291 191674106 19177972 19187966 19198098 (Fonte: GONZAGA, Alice. Palcios e poeiras..., op. cit., p. 337) Percebe-se um crescente aumento no nmero de salas at o ano de 1911. Com exceo do ano de 1912, 1913 e 1918, o nmero de salas abertas sempre maiorqueodesalasfechadas.Porm,essesdadostambmapontamparauma certa instabilidade no setor, com grande percentual de espaos que no se mantm porperodosprolongados.OutraconstataoqueaPrimeiraGuerraMundial, apesar de ter afetado a importao de pelculas, no influiu na abertura de salas na cidade,conformeseobservanoquadroacima.Esseoperodoemqueos produtores norte-americanos assumem a distribuio de pelculas na Amrica Latina enoJ apo,almdeseumercadointerno.Agrandeexpansonosanos subseqentes tambm se alimenta do enfraquecimento do cinema europeu no ps-guerra. No Brasil, o perodo pouco produtivo. caracterizado por poucos filmes de fico (cerca de sessenta ttulos) com temas patriticos e adaptaes de obras da literatura nacional. Os exibidores brasileiros que, at meados de 1912, financiavam a produo de alguns filmes, passam a representar os grandes estdios estrangeiros, que abrem escritrios pelo pas. Entretanto, so revelados inmeros novos diretores brasileiros,comoAntnioLeal,PaulinoeAlbertoBotelho,J osMedina,Victorio Capellaro, Luiz de Barros, Silvino Santos, Henrique Pongetti e Francisco Santos, que dar incio ao chamado ciclo de Pelotas, no Rio Grande do Sul. DeacordocomAliceGonzaga,aevoluourbanadoRiodeJ aneiro,com baixadensidadehabitacionalnocentroeexpansorecentenosentidoPraaXV-Zona Sul, no reflete a evoluo do meio exibidor.46Osentidodepreendidodosdadoscoletadosindicaocentrocomo plooriginal,masporpoucotempo.Emseguidaequaseque simultaneamente,ocorreramaexpansogeogrficaindiscriminada dassalasdeexibioesuahierarquizaoemfunodaidiade circuitos ou linhas de exibio. A conseqncia natural desta forma deorganizaointernadosetorsetraduzemprivilgiosde lanamentoparaosbairrosouregieseconomicamentemais rentveis. Com o tempo e a retrao de uma parte do meio, foram estespontosquecristalizaramaestruturabsicadaexibiona cidade.84 AEstradadeFerroCentraldoBrasileaLeopoldinaRailwaystiveramum importantepapelnadifusodocinemaparaalmdareacentraldacidade. Seguindo o traado das linhasfrreas, no comeo do sculo XX, consolidaram-se ncleos suburbanos em cujos entornos se estabeleceriam plos exibidores, como os de Madureira, Mier, Bonsucesso, Olaria e Penha.85 Posteriormente, essa funo foi reforada pela construo de vias para autos e na difuso do transporte pblico por bondes, facilitando o deslocamento da populao entre os bairros perifricos.NofinaldosculoXIX,acidade,foradocentrocomercial,est dividida em reas aristocrticas e populares. Copacabana e Botafogo j se configuram como bairros de elite e os subrbios, por exemplo, IrajeInhama,comoumaalternativaparaascamadasmenos favorecidas,muitoemboraamaiorpartedostrabalhadores continuasse a residir no corao da cidade, amontoada em cortios, casas de cmodos ou no fundo de quintal das pequenas fbricas e oficinas onde trabalham.86 Em Aalmaencantadoradasruas, J oo do Rio conta a vida de uma cidade em transformao, na qual coabitam personagens e espaos que, ao mesmo tempo que sobrevivem, j no existem como antes.87 Publicado pela Editora Garnier, em 84 GONZAGA, Palcios e poeiras..., op. cit., p. 50. 85 Idem, p. 49. 86 ROCHA, Oswaldo Porto. A era das demolies: cidade do Rio de J aneiro: 1870-1920. Em: ROCHA, OswaldoPorto.Aeradasdemolies:cidadedoRiodeJaneiro:1870-1920.CARVALHO,Liade Aquino. Contribuio ao estudo das habitaes populares. 2 ed. Rio de J aneiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Doc. e Inf. Cultural, DGDI, 1995. pp. 41, 42. Consultar tambm: ABREU, Maurcio. A evoluo urbana no Rio de Janeiro. Rio de J aneiro: IPLAN/Zahar, 1987. 87 J oo Paulo Emlio Coelho Barreto nasceu em 05 de agosto de 1881, no Rio de J aneiro, e faleceu na mesma cidade em 23 de junho de 1921. Utilizou diversos pseudnimos entre elesClaude, J oe, J os Antnio J os mas foi como J oo do Rio , o mais conhecido deles, que assinou os livros que publicou.J ornalista e literato, destacou-se nos jornais AGazetadeNotcias (1901-1915) e OPaiz (1915-1920).FoieleitoparaaAcademiaBrasileiradeLetrasem1910efundoudaSociedade Brasileira de Autores Teatrais, em 1917, sendo tambm seu primeiro diretor. A alma encantadora das ruas uma coletnea de textos publicados anteriormente no jornal A Gazeta de Notcias e na revista Kosmos, entre 1904 e 1907. Sobre a relao entre a literatura e a sociedade nas crnicas de J oo do Rio, ver: SILVA, Fernanda Magalhes. Cinematographo:crnicaesociedadenaBellepoque.Tese de doutorado. Rio de J aneiro: Pontifcia Universidade Catlica do Rio de J aneiro, 2003. 471908,olivrofoiumsucessodevendas.Nele,atradioeamodernidadese encontramnasreportagenssobreavidanoRiodeJ aneiro,ondeoutsiders sobrevivemnasfronteirasdesenhadaspelasreformasurbanas.Sotatuadores, vendedores de livros, msicos ambulantes, pintores de tabuletas e velhos cocheiros convivendoemumambienteque,senodeterminaohomem,influiemseu comportamento e em seu carter. H de tudo vcios, horrores, gente de variados matizes,niilistasrumaicos,professoresrussosnamisria,anarquistasespanhis, ciganosdebochados.Todasasraastrazemqualidadesqueaquidesabrocham numa seiva delirante. Porto de mar, meu caro!.88 Nas palavras de J oo do Rio, a rua que faz o indivduo e a partir dela tambm criam-se identidades: As ruas so to humanas, vivem tanto e formam de tal maneira os seushabitantes,quehatruasemconflitocomoutras.Os malandros e os garotos de uma olham para os de outra como para inimigos. (...) Atualmente a sugesto tal que eles se intitulam povo. H o povo da Rua do Senado, o povo da Travessa do mesmo nome, o povo de Catumbi. Haveis de ouvir, noite, um grupo de pequenos valentes armados de vara: Vamos embora! O povo da Travessa est conosco...89 Gostos,costumes,opiniespolticas,hbitos,modosmorais:navisodo cronista,agrandecidadetemopoderdeinocular-lhesmisteriosamente, sugestionarcadapessoaeimprimir-lhecaractersticascoletivas.umaviso romntica,pormcondizentecomopensamentodasautoridadesque implementavam as reformas. A geografia da cidade delimita tambm os tipos sociais urbanos.Tantoque,emdeterminadomomento,oautorchegaaafirmar:Como estas meninas cheiram a Cidade Nova!.90 Este bairro surge em oposio Cidade VelhacolonialapsaaberturadoCaminhodoAterradooudasLanternas(mais tarde, Senador Eusbio) e ser denominada de Pequena frica. O prprio olfato do observador flneur distingue estas meninas das que habitam a Haddock Lobo, onde proliferavam manses e palacetes em uma rea ento ocupada por uma populao abastada. Tal ambigidade salientada por Velloso quando afirma: Oscilando entre oapreopelasnossastradieseumcertofascniopeloprogresso,J oodoRio 88 J oo do Rio. Aalmaencantadoradasruas [Livro eletrnico]. Rio de J aneiro: Biblioteca Nacional, 2002. p. 37. 89 Idem, p. 08. 90 Idem, p. 07. 48acaba nos apresentando uma imagem bastante controversa do popular.91 Apesar da inconstncia ao registrar a mutao daalma dessas ruas, elas no recebem um veredicto negativo. Com certo encanto, J oo do Rio observa a disseminao da publicidade e da arte muda. Para ele, o prprio gnero literrio crnica era extremamente prximo linguagem da cinematografia.92 E na rua, que se v? O senhor do mundo, o reclame. Em cada praa ondedemoramososnossospassos,nasjanelasdoaltodos telhados, em mudos jogos de luz, os cinematgrafos e as lanternas mgicas gritam atravs do cran de um pano qualquer o reclamo de melhor alfaiate, do melhor livreiro, do melhor revlver. Basta levantar a cabea. As tabuletas contam a nossa vida (...).93 Duas dcadas mais tarde, o cinema j fora incorporado vida do carioca, no apenas na Avenida e na Cinelndia, mas tambm em bairros mais distantes, como Olaria,MiereMadureira.DomingosVassaloCaruso,oprincipalexibidornessas reas,empenhou-seinclusiveemprocedermelhoriasnascercaniasdeseus estabelecimentos, como abertura e iluminao de ruas. Isso ajudava os negcios e indiretamentebeneficiavaosmoradores,ficandoconhecidocomobenfeitordos subrbios.94

No conto O Moleque, Lima Barreto narra a vida de um menino negro e pobre emInhama,quesonhaassistiraumafitanasaladecinemadeseubairro.95 Zeca,opersonagemdoconto,observacomencantoosannciosluminosos,mas notemdinheiroparapagaroingresso.Eleprecisaajudarsuame,Dona Felismina, entregando na casa dos clientes as roupas que ela lava; logo, tambm no pode estudar. O autor adota um olhar distinto de J oo do Rio ao descrever o subrbiodacidade.Aidentidadedeseusmoradoresnoseprendes 91 VELLOSO, op. cit., p. 31. 92 SSSEKIND, Flora. Cinematgrafo de letras: literatura, tcnica e modernizao no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 46. 93 J OO DO RIO, op. cit., p. 35. 94 GONZAGA, Palcios e poeiras..., op. cit., p. 117. 95 BARRETO, Lima. Histrias e sonhos [Livro eletrnico]. Rio de J aneiro: Biblioteca Nacional, 2003. [1 ed.:1920].Afonso HenriquesdeLima Barreto nasceuno RiodeJ aneiroem13demaio de1881. Romancistaecronista,abandonouocursodeengenhariaparasustentarafamlia.Trabalhouna DiretoriadeExpedientedaSecretariadeGuerra,militounaimprensasocialistacomosemanrio alternativo ABC e colaborou, entre outros, nos peridicos Correio da Manh, Gazeta da Tarde, J