Cinza

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Cinza é o primeiro trabalho do jovem poeta paulistano Rômulo Garzillo. O livro teve início num blog de mesmo nome, onde alcançou rapidamente a aprovação de vários leitores em distintos países. Nele o poeta procura mostrar suas multifaces, trabalhando num concretismo visual e sonoro. Seus textos abordam temas como a morte, ciência, amor, sexo e loucura. Os poemas, lidos em ordem, ganham velocidade e tecem uma mudança comportamental, rítmica e sentimental na essência dos poemas, e só assim, é possível acompanhá-los, captando e caracterizando toda a elasticidade do poeta. Sem dúvidas é um livro enérgico, onde os leitores podem saborear toda a força, revolta e paixão do menino escritor.

Transcript of Cinza

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Rômulo Garzillo

SÃO PAULO - 2012

editora

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

Ao adquirir um livro você está remunerando o trabalho de escritores, diagramadores, ilustradores, revisores, livreiros e mais uma série de profissionais responsáveis por

transformar boas ideias em realidade e trazê-las até você.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser copiada ou reproduzida por qualquer meio impresso, eletrônico ou que venha a ser criado, sem o

prévio e expresso consentimento do autor.Impresso no Brasil. Printed in Brazil.

editora

Editores-responsáveisFabio Aguiar

Alexandra Aguiar

Projeto gráficoFabio Aguiar

Diagramação e CapaEquipe Lexia

RevisãoBianca Briones

G212c

GArziLLO, rômULO

cinzA / rômULO GArziLLO. -- SÃO PAULO: LexiA, 2012.

102 P.

iSBn 978-85-8182-009-5

1. POeziA. i. TíTULO

cDD – 040

© Editora Lexia Ltda, 2012. São Paulo, SPCNPJ 11.605.752/0001-00

www.editoralexia.com

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Dedico este livro para o dia 20 de maio de 2007, para um gato e para minha barba ruiva.

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Cinza Avesso

Não sou poemaNão sou literatura

Não sou de plásticoNem sou pinturaNão sei o que souNem quero saberSe a ti sou legívelSe a ti dou prazer

Apenas aqui, Uma marca no papel

Neste livro triste, Radioso e infiel

O mundo é falado, Rabiscado ou nãoAlmas perdidas

Em profunda comunhão

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Quero corroer sua meningeE lixar os calos da faringeMonômeros pulverizar

Diversão a praticarLembre sempre de evitar

A respiração celularLembre sempre de evitar

Mitocôndrias a nadarTóxico monóxido

Monômeros erradicadosTóxico Dióxido

Éter, Vazio inanimado.

E do ÉterFaz-se arteE do ópioFaça parteE da arteVontade

Que é minhaE só minhaNunca sua

Idiota

Sou o diabo desaprovadoDestemido e inválido

Que a vossa excelência nomeouComo anjo catatônico

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Mas que sou eu além de anormal?Se nem formol me mantém a anatomia?

Nem mesmo uma crise de bulimiaQuando morto, lixo atômico.

Num lar rosa e desinfetadoConhecido como manicômioDorme quieto o feto magro.

Sou tão incerto quanto aberto,Sou ferida derradeira,

Sou mel de cobra peçonhentaE meu pus tem nome trêmulo,

E meu tédio na geladeiraE meu gozo grudou no ventreE a vida anda manca e faceira

É a arteFaça Parte

Da suaE nossa

Imparcialidade

Da nossaE suaCaSuaLidaDe

Hérnias doem no corpoHérnias doem no morto

Corpo...

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Corpo

Merece um banho de uísqueMerece um banho de inferno

Agora é a horaAlguém se habilita?

O câncer começou a me roerComeçou pelos dedos dos pés e estás a subir

Súbita mente!Velocidade constanteVelocidade vagarosa

Beija-me, torna-me eternoEnlaça-me, veste-me o terno

Meus pulmões doem em dose duplaEm perfeita harmonia de dor

Num embaraço maçônico e divinoEm que cada alvéolo grita sua liberdade

Em que cada linfoma deforma sua vontadeE a vida aos prantos chora tristes piadas

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Respiração que estremece na tosseTosse que rufa os tambores da alma

Terminando na trepidação do escarroE nesse escarro, sei que há sangue

S a n g u e!

Torna-me rubra a carne negraLeva-me a morte feito um doce

Um doce de sabor doce barulhentoDo barulho sabor esquelético das minhas costelas

Meu castelo ósseo que sustenta minha mentiraMinha mentira que sustenta minha cara sujaSuja de alma humana, suja por excelência.

Aprofunda-me este prego das verdades

É verdade que a hora chegaÉ verdade que não sou mais menino

DesatinoTropeço às risadas.

Som daquelas mesmasVelhas e tristes

Piadas

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Provocar-te-ei

OláEu disse olá.

Responda-me, por favor.

Desde que abriste este livroPercebi de imediato A tua cara medíocre

A tua cara idiotaVocê simplesmente quer me decifrar,Simplesmente quer me estuprar vivo,

Abrindo a força minha mente.Fuçando e metendo essas suas pupilas torpesEm cada canto de ferida molhada e imatura,

Por onde o sangue e o pus gritamToda a dor que eu poderia vir a sentir na vida.

Certamente esse texto não é para você,Certamente seu encéfalo nem pode me compreender...

Eu sou muito mais do que você pensa que sou.E você é muito menos do que imagina ser.

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Minha raiva e meu ódio reinam em cada palavra,Trecho e parte deste soberbo texto.

Portanto, inútil leitor, Não é de boas-vindas que te recebo aqui!

Bom, vejo-te insistindo na leitura...Mas quem você pensa que é?

Não quero que me leia!Não te quero aqui!

Não te quero!Não gosto de leitores,

não continue. Desista!

Ligue sua TV, caminhe no parque,Sente-se na privada e...

Prive-se a fazer aquilo que sabe.Sim, é só isso que você sabe.

Mas que graça...Parece que meus insultos

Causam-lhe algum tipo de... prazer.Sentes prazer ao ser provocado, não é?

Sentes um bravo prazer ao abrir cá este livro,Dar-se de frente comigo e prosseguir firmemente,

Palavra após palavra, letra após letra,Insulto após insulto.

Pois bem, já que insiste...Como anda o seu amor?

- Mas como assim, que amor?Ora, mas que insolente!

Seu amor-próprio, carnal, à vida!

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O quê?De mal a pior?

Sim, eu já sabia!

E o Sexo? Nada bom?Também, com esse aspecto...

Você nasceu para perder,Você nasceu para morrer,

Você não é nada!

Não me leia! Eu já avisei!Não me leia!

Sinto que caçoas de mim,E que ris da minha tristeza

E da culpa que trago comigo,Pela dor da minha existência...

Huuummmm...Mas e a SUA culpa?

O que fazer com seus erros do passado?Você não tem?

Ah... Eu sei que você tem erros...São podres e irreversíveis.

Você tenta esquecê-los, não é?Você pensa que o tempo os apagará,

Pensa que o tempo corrigirá seus erros.Porém estás enganado!

O tempo só aproxima a morte!Sim...

Só a morte!O tempo só aproxima as rugas,

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O tremor das suas mãos,A caduquice e a cegueira.

Pois saiba que todos esses moribundos problemasSerão somados às suas culpasE enterrados juntos a você.

Feche isso! Não prossiga!

Feche seus olhos,Qualquer coisa,Mas não me leia!

E seu mundinho como anda?E os que te amam, como ficam?Mas espere... Alguém aí te ama?Ah... Não sei se alguém te ama...

Não sei...O que sei

É que EU não te amo!

Feche isso.

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Alcoolicorpo Morto

O bar de bebericar o mar alcoólico,É meu lar de concentração de prazer eufórico

O bar de bebericar e viver bucólico,É meu sofá de apoiar meu ser melancólico.

Cirrodose alcoolicorpo.Figadoente alcoolimorto.

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Mesa

Tenho pressa de escrever qualquer coisa,Talvez seja porque gente como eu tende a morrer cedo.Preciso pontuar tudo, fechar capítulos, remendar feridas, acentuar a loucura,Tudo isso antes que o frio da morte caia em cima dessa mesa.

Mesa que não é só de beber e de escrever,Mesa que também é de se morrer jovem.

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Autorgulho

Essa não... essa não!Aquela palpitação trêmula e esquisita

Estou sentindo-a novamente, oh deus...O que será de mim?

Eu só queria ter um pouquinho de autocontroleUm pouquinho de raspinhas de juízo

Um curto naco de equilíbrio.Uma caixinha de razão no meu sótão

Hum... mas pensando bem...Ainda bem que eu não tenho nada disso!

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Apelo

Este papel precisa de mais vidaVejam todos vocês, leitores, tristes leitores...Este papel precisa de mais dignidade.Portanto, leiam com nojo!Sim! Com nojo! Sintam pena de mim, asco, ânsiaE na hora de dormir, olhem-se no espelho do banheiro,Sintam pena de vocês tambémPena das suas rugas e da tristeza que deforma seus rostos,Dia após dia, noite após noite.Vomitem ao se olharem na porra do espelho,Não se preocupem, também sinto pena de vocês.Minha doença autodestrutiva tomou as rédeasO que mais me resta a fazer comigo?

- Chorar!

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Mais humilhação? Mais do que já chorei?Mais lágrimas a serem defecadas pelos meus olhos?Não posso! A estupidez humana tem limites, tudo tem...

- Ok, senhor Rômulo, acalme-se, assim ficará doente e deprimido...Mas afinal, de quem é a culpa?

A culpa é do corpo, dos copos e das nuvens.A culpa é dos riachos, das bocas e das línguas.A culpa é da própria existência,Que só existe pela existência da inexistência.A inexistência soa com cheiro de H2SA inexistência é a própria morte!

- Mas tão jovem? Pra que tanto sofrimento?

Mas a tristeza pergunta a idade?A tristeza por acaso escolhe alguma vítima?Somos tristes antes do nascer, caro leitor,A própria existência é mais triste do que feliz.Os cães, gatos, portas, panelas e o próprio sexo,Tudo tem um ar natural de tristeza.Somos tristes em essência!A alegria é barata e compra-se em qualquer canto,Está na flor, no céu e nas míseras coisas simples da vida...Já a tristeza, é densa e gigantesca,Está no fato de que, para estarmos vivos,Devemos estar mortos também um dia.A vida é passageira, a morte não!

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- Mas acalme-se! E o sexo? Até ele é triste?

O sexo é desesperado pela sua tristeza,Assim como o nosso riso.Ambos desesperados e com fome de prazer,Só são assim porque no fundo conhecem a tristeza.Apenas um mecanismo barato e febril que utilizamos,Onde fingimos estar tudo bem, quando na verdade,Sentimos forte dor.

A dor de perder seu amor.A dor de chorar a morte dos pais e dos filhos e dos avós.A dor de chorar a própria morte sem vozQue nada mais é que a perda do direito de existir.

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Sondópio

O ópio beijou o suor da vida.

...P ...I ...Ó ...i ...O

...P ...I

Como uma gota de clitóris úmido,O ópio bailou em nossas veias,

Gorjeou em nossas orelhas,Num som de uma gota ejaculada.

...P ...I ...Ó ...i ...O

...P ...I

Morta agora, só a minha morte,O presente é da papoila.Vivo agora, só o diabo,O futuro é da vontade,

Que vive nos meus dedosDando ordens aos meus pés.

Meus pés que caminhavam antes de mim,Corriam por uma estrada vertical e infiel

E a estrada se perdia nela mesma, em 4 dimensõesIndiretamente não direcionadas,

Diretamente esquizofrênicas.A curva cotovelo tornou-se gentil

E a gentileza da morte nos sorriu em coma.

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E num mergulho profundoDesci nas mais tristes e profundas águas,Onde só ópio e choro conversavam ali.

A gota de ópio que vem da pronúncia salivada Era cor de esmeralda e num som esquisito,

Estourou como Stockhausen,Na mais pura e divina contemplação.

E assim...O ópio ganhou vida

...P ...I ...Ó ...i ...O

...P ...I

E assim...O ópio ganhou amor.

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O quarto (!!!)

I

Não precisa bater, pode entrarVenha conhecer o ventre da casa, o estômago do larQue me digere enquanto durmo e tem gastrite quando o despertador toca.

II

Atenção! Avante! À frente! Enfrente!

Veja o vapor, sinta o calorNeste casulo existem erupções dos mais variados tipos possíveisErupções astronômicas, da quarta dimensão, eis o “Quarto Imensidão”Imerso nas estrelas da noite, no sol laranja da morta amorfa madrugadaImerso no Universo a dar voltas por ai, contigo dentro, comigo aqui.

Olhe pela janela e verás tudo normalPois é óbvio... Minha janela dá para um muro!Ai se desse para o céu...Veríamos o cosmos num caleidoscópio brincar de carrossel.Veríamos deus e o diabo num beijo tépido no escuro.

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Eis que a janela não é mais problema!Em minhas mãos, meu irmão, um litro de Ópio... Ópio... Ópio... Óbvio verde Ópio...

E nesse litro, meu caro amigoVejo dois infinitos! Sim, um duplo infinito! Damos às boas vindas:- Sejam bem-vindos todos os tropeços, piruetas e deslizes neste Universo inverso!

De repente, a risada nos toma a boca, a alma e a pobre garganta seca Um som oscilante e demoníaco vibra as costelas nos metatarsos dos pés- HAHAHAHAHAHAHAHAHA - UníssonoRimos em ressonância com Marte, morte e MorpheusRimos em batimentos com Plutão, Platão e Wolfgang AmadeusCantamos canções proibidas e invertemos as regras do jogo,Cuspindo no anjo da guarda e beijando o monstro do armário.

Toda fresta fresca de pele de um gozo magro e ressequido é drenada.

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III

Já é hora de dormir, querido amigo.E veja! Num movimento manso e quieto, meus livros descem às estantesBalbuciam-te historinhas, bucólicas, verdes, voláteis, falantes.E você dorme arejado de uma areia tão fina e branca quanto leite quanti-zado.Dorme totalmente quieto e pávidoDentro dos sonhos mais lindos e loucos que eu já nunca sonhei.

Mas o sonho, meu anjinho, não é uma faca de um gume.Há de temer, pois o pesadelo vem aí!

Vem rastejando num rastejar esquizofrênicoVem lhe roubando qualquer mol de oxigênioVem lhe estuprar, exorcizar, tirar teu chão!Vejo-te de lado regurgitando teu pomo de adãoPulverizando cada vértebra e tendão Para que corras do meu quarto e tenhas medo de voltar.

E de fato... Você correu....Não só correu, mas como sumiu.

Horizonte adiante, à frente, demente, trêmulo.

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IV

E neste meu quarto, agora abandonado por tiOnde os bonecos, duendes e livros choram tristes por terem perdido um lindo amigo,Meus sonhos fitam a mesmice tediosa nesse invólucro doente.E aqui, neste sórdido quarto,Parada num meio aquoso, a inércia é a única lei válida,E assim, meus sonhos sonham... e sonham... e sonham... e sonham... e sonham...

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Aquelas pedras

I

Estou tremendo de um frio que não faz sentido, em minhas mãos escorre água como numa fonte. Estou absolutamente em contato com os sons mais diversos e dos quais, nunca prestei atenção. Estou distante de vocês, muito distante. Posso vê-los daqui de cima, não só vocês, mas toda a paisagem pequenina até o horizonte. Tornei-me um satélite natural e assim, nessa forma, vago nu pelo céu nublado. Pra que pisar na Terra se tenho o infinito pra me embriagar? Os arcanjos guardiões do Nada jogam pôquer comigo. Estou prestes a explodir aqui, bem em cima de suas cabeças.

Eu escuto todos os seus estrondos: o rufar dos seus tambores mecânicos movidos à gasolina; os talheres caindo ao chão; os choros es-condidos; o orgasmo premeditado, evitado e pronunciado. Posso escutar vocês mentindo e se odiando; passando a manteiga no pão; acariciando um cachorro, uma perna, um sonho ou até mesmo um corpo putrefeito. Escuto tudo, todas as suas lástimas, risadas e espirros. Tudo isso somado lembra o rugido de um leão, representado numa orquestra sinfônica ur-bana por um fá diminuto que ecoa pela cidade.

Eu sou o cara da cidade e a cidade é a minha cara, minha cura corrosiva.

Sento numa das pedras adormecidas e sorrio para os meus compar-sas. Estamos ali, sentados e falando sobre a vida, essencialmente. Falamos das putas, filmes, cicatrizes, pregos, cultos, vestes, mundos, notas, coisas, trecos, mortes, sucatas e edemas de glote. A risada e o riso, como um casal apaixonado nos chamam para uma dança, rimos na frequência das

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nossas almas, rimos como um rio que escorre penhasco abaixo caindo feliz no Abismo das Risadas. Rimos como ninguém jamais riu, nós três, como uma banda mal ensaiada – o que de fato somos. E lá em cima das pedras, tornamo-nos os ditadores da imbecilidade e do desespero de rir como uma onda eletromagnética, surfando em seus fótons. O show que reverbera é para os quero-queros e os espíritos perdidos.

Agora o Mundo é nosso!

II

Tudo isso faz parte de um ritual, que não sei se posso mais praticar. Talvez esteja eu com a carteira vazia e uns fios de barba na cara. Talvez esteja eu querendo experimentar outros sabores da vida em recintos diferentes. Quem sabe? Eu sei? Eu não. Não tenho medo daquilo que me fareja ou daquilo que me espreita... E se me espreita, me espreita com aqueles olhos... Profundos... Olhos do submundo, do subsolo, do subnada e do quase tudo.

Peço um beijo doce no fundinho da minha alma. Eis que sou atingido. - Calma, está tudo bem... Levante-se. Você ainda é o menino que

toma leite e assiste à TV com “perna de índio”, ainda é o menino que faz um sorriso maroto na hora de aprontar, tem aquele medo do escuro e nojo das baratas. E o mais bonito de tudo: ainda ouve música e sente-se Zeus, gigante, como se tivesse sido energizado pela magia mais poderosa e linda de todo o Universo, captando-a pelos ouvidos que você tanto gosta.

Jamais pensei que viveria algo assim, culpa dos dias que passei ali, naquelas pedras. Pedras que me fizeram voltar ao passado, encarar a loucura e ver além do horizonte. Pude ver que o açúcar cristalino da vida ainda continua melado e saboroso.

Aquelas pedras são o Big Bang de um novo ser humano que nasce em mim, mais

mesmo de sempre.

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