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Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica - ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação - ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 CIRANDA INFANTIL, A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS “SEM- TERRINHAS”: UM DESAFIO À PSICOLOGIA Mariana Lemos Maia Pereira Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida [email protected] Raquel Souza Lobo Guzzo Avaliação e Intervenção Psicossocial: Prevenção, Comunidade e Libertação Centro de Ciências da Vida [email protected] RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo conhecer a realidade das crianças inseridas em um acampamen- to de reforma agrária do Movimento dos Trabalhado- res Rurais Sem-Terra, assim como se dão os pro- cessos de conscientização e fortalecimento delas no espaço de educação popular chamado Ciranda In- fantil e a caracterização dos aspectos cotidianos que dificultam os mesmos. Além de se propor iniciar re- flexões do papel do psicólogo dentro deste contexto. Foram realizadas idas a campo, diários e conversas informais, dados estes que foram analisados e inter- pretados conforme a unidade de sentido, proposta por González Rey (1997). Os resultados apontaram a semelhança entre os desafios enfrentados por dife- rentes crianças que estão inseridas neste contexto assim como possibilidade de conscientização e forta- lecimento das mesmas na Ciranda Infantil. Além de evidenciar uma carência de estudos que oriente o psicólogo a atuar neste cenário. Palavras-chave: Educação Popular, Psicologia, MST. Área do Conhecimento: Ciências Humanas, Psico- logia. 1. INTRODUÇÃO Se a produção acadêmica no âmbito escolar tem sido motivo de luta para muitos profissionais na construção de um conhecimento que se proponha a romper com as condições estruturais que mantém o sofrimento e a reprodução destes a partir inclusive de práticas psicológicas que fomentam o individua- lismo e a culpabilização do indivíduo, ao invés de promover intervenções transformadoras desta reali- dade, e em afirmar que as escolas públicas são luga- res a serem ocupados pelos psicólogos, é tarefa de poucos – resistentes -, quem dirá que são muitos os

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23 e 24 de setembro de 2014

CIRANDA INFANTIL, A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS “SEM-TERRINHAS”: UM DESAFIO À PSICOLOGIA

Mariana Lemos Maia Pereira Faculdade de Psicologia

Centro de Ciências da Vida [email protected]

Raquel Souza Lobo Guzzo Avaliação e Intervenção Psicossocial: Prevenção,

Comunidade e Libertação Centro de Ciências da Vida

[email protected] RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo conhecer a realidade das crianças inseridas em um acampamen-to de reforma agrária do Movimento dos Trabalhado-res Rurais Sem-Terra, assim como se dão os pro-cessos de conscientização e fortalecimento delas no espaço de educação popular chamado Ciranda In-fantil e a caracterização dos aspectos cotidianos que dificultam os mesmos. Além de se propor iniciar re-flexões do papel do psicólogo dentro deste contexto. Foram realizadas idas a campo, diários e conversas informais, dados estes que foram analisados e inter-pretados conforme a unidade de sentido, proposta por González Rey (1997). Os resultados apontaram a semelhança entre os desafios enfrentados por dife-rentes crianças que estão inseridas neste contexto assim como possibilidade de conscientização e forta-lecimento das mesmas na Ciranda Infantil. Além de evidenciar uma carência de estudos que oriente o psicólogo a atuar neste cenário.

Palavras-chave: Educação Popular, Psicologia, MST.

Área do Conhecimento: Ciências Humanas, Psico-logia.

1. INTRODUÇÃO

Se a produção acadêmica no âmbito escolar tem sido motivo de luta para muitos profissionais na construção de um conhecimento que se proponha a romper com as condições estruturais que mantém o sofrimento e a reprodução destes a partir inclusive de práticas psicológicas que fomentam o individua-lismo e a culpabilização do indivíduo, ao invés de promover intervenções transformadoras desta reali-dade, e em afirmar que as escolas públicas são luga-res a serem ocupados pelos psicólogos, é tarefa de poucos – resistentes -, quem dirá que são muitos os

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trabalhos desenvolvidos pelos psicólogos no contex-to de educação popular do campo dentro de um acampamento de reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. A desigualdade social posta pelo sistema capitalista abrange tanto a vida na cidade quanto a do campo, que tem sido cada vez mais afetado pela ausência de realização de ações e políticas públicas que viabi-lizem a vida neste; afetando tanto os adultos quanto as crianças que estão inseridas neste cenário. A luta pela reforma agrária no Brasil é uma descrição infe-lizmente clássica desta realidade, e que tem perce-bido que a conquista de terras, sem uma educação de qualidade e acesso a outros benefícios que deve-riam ser garantidos pelo Estado, não é suficiente. Com a ausência de escolas públicas nas zonas ru-rais e com a consequente ida das crianças para a cidade estudar nas chamadas escolas formais que se distanciam do cotidiano do campo, a construção de espaços educativos que se proponham a se apro-ximar deste, da realidade concreta das crianças, tor-nam-se imprescindíveis. O psicólogo deve voltar sua prática e reflexão sobre a sua atuação não somente aos espaços urbanos e educacionais formais, mas também chegar ao cam-po, e compreender a educação como um processo mais amplo do que aquele realizado dentro da sala de aula, perceber como essa realidade composta de elementos tão diferentes, afetam a subjetividade, o fortalecimento e a conscientização das crianças fren-te às circunstâncias reais que vivenciam.Este traba-lho é fruto de uma inquietude ao se deparar com ca-rência produção científica que dizem respeito às ta-refas, técnicas e deveres da psicologia enquanto profissão no cenário do campo, especificamente no contexto de luta pela terra. Assim, pretende-se com este, apenas dar início ao que possivelmente, diante à necessidade concreta, pode vir se tornar projeto de um estudo maior e mais aprofundado, que vise à elaboração da construção de uma prática neste con-texto, e uma resposta da psicologia à estas deman-das, as quais não foram aprendidas na sala de aula. Iniciaremos trabalho então, fazendo uma breve des-crição sobre um outro modelo de educação popular desenvolvido e construído pelo Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem-Terra, pouco conhecida no ambiente profissional da psicologia, a Ciranda Infan-til. Em seguida, serão apresentadas categorias estu-dadas pelo grupo de pesquisa no intuito de, ao com-preendê-las como umas das principais tarefas histó-ricas do psicólogo, reconhecê-las neste espaço de educação que estão inseridas estas crianças com as quais trabalhamos. Posteriormente, iniciaremos a problematização do nosso papel neste contexto.

Enfim, partindo da compreensão das dimensões que constituem o indivíduo, tal como afirma Vigotski [2], singular, particular e universal, faremos uma ligação entre vários dados que foram se apresentando ao longo da pesquisa. E por compreender esta como uma tarefa sempre inacabada que se propõe a esta-belecer relações entre os diversos aspectos da reali-dade que a constitui, saindo do foco individualizante da psicologia [7,8]. 1.1 Ciranda infantil: a educação popular do campo Nos países onde existem classes sociais antagônicas, aquelas que detêm o poder, dominarão não somente o dinheiro, mas também a política, a justiça, o Estado e inclusive a educação [3]. Diante desta realidade, faz-se necessário outro modelo educacional que se proponha a romper com estas condições de dominação, permitindo que os indivíduos se apropriem da sua história e se reconheçam enquanto protagonistas e transformadores da sua realidade, uma educação popular [6,9]. A partir desta perspectiva, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra1 constroem a Ciranda Infantil, como sendo um espaço de educação não formal, que não está vinculada ao sistema educacional do Brasil e sim à educação do campo e da luta pela terra, à sua realidade. E que permite desenvolver e trabalhar os diferentes aspectos que constituem as crianças Sem-Terrinhas e do seu cotidiano, possibilitando reflexões sobre o seu agir, inventar, construir, reinventar o seu contexto de forma lúdica [15,16]. Para um protagonismo de fato, a simples inserção no contexto não o possibilita necessariamente [6], faz-se necessário um processo de conscientização, que implica em um processo de fortalecimento, o qual deve ser uma das tarefas do psicólogo [11]. 1.2. O Processo de conscientização e fortalecimento

Um dos objetivos principais da educação popular é a conscientização para o fortalecimento dos povos 1 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra surge

no ano de 1984 como organização nacional das traba-lhadoras e trabalhadores do campo que já se organiza-vam anteriormente com o objetivo de fortalecer a luta pe-la terra e que a partir desta data, passam a se referenciar no MST. Ao longo da sua história, o movimento amplia a sua luta para além da terra, para outro projeto de socie-dade, passando a fazer reflexões no que diz respeito à questões de gênero, produção, saúde, alimentação, edu-cação,etc. [14,16] .

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oprimidos para que possam se apropriar de sua história de forma crítica, para que possam não somente encontrar-se com ela, mas que se reconheçam nesta e que assim, possam se lembrar que se a história foi feita pelas mãos e pés das mulheres e homens, pode também ser transformada pelos mesmos, que se percebam enquanto sujeitos e não meros fantoches do sistema [6,9]. É importante que reconheçamos que a atuação dos indivíduos enquanto sujeitos na realidade capaz de alterá-la, é devida o seu processo de conscientização e fortalecimento [6,12]. A conscientização é o “desenvolvimento crítico da tomada de consciência (p.15)”, é um processo de desvelamento da realidade, tomar posse desta. Aproximar-se da realidade, é também um distanciar-se desta na medida em que nos possibilita atuar transformando-a, rompendo com as estruturas que funcionam com mantenedoras da ordem social. O processo de conscientização, nunca se dará por inteiro. Pois, a realidade da qual devemos conscientizar-nos, não é algo estático, mas em movimento histórico, e por isso, deveremos estar sempre em permanente processo de conscientização [5]. O processo de fortalecimento mencionado, é tal qual a conscientização, aquele que se propõe coletivo e libertador, reafirmando o protagonismo daqueles que constroem e transformam a sua realidade. Podemos refletir aqui a aproximação do seu sentido ao da educação libertária proposta por Paulo Freire, pois o fortalecimento não se dará a partir da ação de uma única pessoa, que detem o poder de realizar tal tarefa, mas sim, de todos os membros, assim como a educação libertadora jamais a será enquanto o conhecimento estiver sobre detenção de uma pessoa [12]. A partir da problematização do conceito de conscientização proposto, “Em que nos interessa, como psicólogos, falar de um termo que ganhou notoriedade no trabalho de um educador como Paulo Freire? Que sentindo faz a utilização deste conceito, no que pese sua importância, o que de psíquico há presente nele e que merece nossa atenção?” [17]. Além destas perguntas, acrescentamos outras: o que é que tem a haver psicologia, educação popular, conscientização, fortalecimento e reforma agrária? Psicólogo se envolver com reforma agrária não é política, militantismo? Mas como pode trabalhar dentro de um espaço de ciranda do MST? Há técnicas para isso? 1.3. A Educação das crianças “Sem-Terrinhas”: um

desafio à Psicologia

No que diz respeito às dúvidas apresentadas no eixo anterior, adiantamos aos leitores que essa pesquisa se propõe iniciar reflexões para responder todas es-sas questões. No entanto, propõe provocá-los exa-tamente pela ausência de respostas concretas. Fato este, que evidencia o descaso da psicologia ao longo de sua história com aqueles que vivenciam a árdua realidade dos acampamentos e assentamentos ru-rais. No entanto, o interesse e a preocupação da atuação do psicólogo neste cenário são extremamente recen-tes, ainda que seja um demanda antiga. Somente em 2007 vêm como demanda da categoria a necessida-de de qualificação dos profissionais e orientação dos mesmos para atuar neste contexto, embora seja um tema que tem tido relevância desde 2006 para o Sis-tema de Conselhos e está presente há muitos anos na história [4]. Assim, além de uma provocação so-bre a precária produção científica na área, este tra-balho se propõe iniciar a construção de um estudo teórico e prático sobre o profissional de psicologia em um cenário específico: um acampamento de re-forma agrária do Movimento dos Trabalhadores Ru-rais Sem-Terra, no contexto da educação popular do campo. Diante do contexto de injustiça social que perpassa também à educação, é necessário que o psicólogo intervenha nos processos subjetivos que são cons-truídos para a manutenção do sofrimento permitindo que as injustiças sejam acometidas a sua população cotidianamente; e “contribuir para a formação de uma identidade coletiva que responda à realidade” (p.28) – é, o contexto em que o individuo se encontra inserido, e não a sobreposição da identidade de uma realidade à qual lhe exclui e/ou o ignora - e que pos-samos ajudar na construção de novas formas de pensar mais racionais, que visualizem a realidade, suas limitações e possam juntos criar formas de su-perá-las [9]. OBJETIVOS Objetivo Geral Conhecer a partir das próprias crianças que vivem a realidade de um acampamento de reforma agrária, como se dão os processos de conscientização e for-talecimento delas no espaço de educação popular denominado Ciranda Infantil, desenvolvido a partir da metodologia proposta pelo Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem-Terra em contraposição ao mode-lo de educação formal colocado pelo Estado. Assim, como reconhecer as experiências de vulnerabilidade que essas crianças possam estar expostas e que dificultem os processos mencionados. Este trabalho

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se propôs também investigar qual deve ser o papel do psicólogo neste cenário de educação. Objetivos Específicos

a) Descrever e analisar a história de vida de uma das crianças a partir do relato dela pró-pria e de familiares;

b) Categorizar os elementos identificados co-mo processo de conscientização e fortaleci-mento dessas crianças, por meio dos relatos advindos de conversas e brincadeiras regis-trados nos diários de campo;

c) Identificar as experiências de vulnerabilidade que essas crianças possam vivenciar no seu cotidiano.

MÉTODO Analisar a história de vida de uma das crianças que vivem no acampamento de reforma agrária Elizabeth Teixeira, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, e identificar os processos de conscienti-zação, fortalecimento no processo de construção da individualidade desta, evidenciando os aspectos co-locados cotidianamente que dificultam estes. Partin-do da compreensão das dimensões que constituem o individuo: singular, particular e universal, conforme aponta Vigotski [2], estes aspectos serão contextua-lizados e relacionados com outros dados obtidos ao longo deste trabalho, como por exemplo, a realidade das outras crianças no mesmo cenário em âmbito regional e nacional. Dados estes, que por si só talvez não desse a dimensão que a relação que se estabe-lece entres estes possibilita. Material A partir das idas a campo semanais no espaço da Ciranda Infantil, foram elaborados Diários de Campo (DC) no período referente a este trabalho, contendo as informações sobre o espaço e as experiências das crianças ali. Este material foi utilizado neste pla-no e pertence ao Banco de Dados do LAMP (Labora-tório de Avaliação e Medidas Psicológicas) da PUC-Campinas, coordenado pela Profª Drª Raquel Souza Lobo Guzzo. Além disso, foram realizadas conversas informais com a criança e seus familiares no intuito de possibilitar maior conhecimento sobre sua história e condições de vida; relatos de experiência da pes-quisadora em outros acampamentos e assentamen-tos e cirandas que pode conhecer; e um acúmulo histórico do próprio MST no que diz respeito às ques-tões relativas à educação infantil e as condições que vivem as crianças Sem-Terrinhas de forma geral.

Procedimento de Análise Este trabalho parte da concepção e compreensão da visão de que os indivíduos são construídos em um movimento dialético – ou seja, na medida em que constroem a realidade, se constroem também -, em um determinado momento histórico, produzindo con-sequencias reais e materiais em sua existência, que a afeta. Partindo desse pressuposto, foram identifi-cadas categorias estudadas pelo grupo como cons-cientização e fortalecimento no processo de constru-ção da individualidade da criança, estabelecendo relação entre esta e as situações cotidianas de opressão que experiencia, e suas vivências nos es-paços educacionais que freqüenta, partindo da di-mensão singular, e fazendo ligações com a particular (as várias crianças do acampamento e a ciranda) e universal (crianças de outros lugares que vivenciam as mesmas condições). Os dados foram organizados e sintetizados em três tabelas. A primeira, apresenta a visão da criança sobre seus processos de conscientização, fortaleci-mento e vulnerabilidade; da família e outros aspectos mencionados pela pesquisadora. A segunda, apre-senta os mesmos pontos, mas em uma visão particu-lar, tendo o foco as diferentes crianças da ciranda e diferentes famílias. A terceira apresenta um pouco do acúmulo da pesquisadora em outros acampamentos, assentamentos e cirandas infantis, além de trazer também pontos de reflexão construído por educado-res do próprio MST. As informações contidas no diário de campo foram analisadas e interpretadas conforme as unidades de sentido. Para González Rey [6,7], as categorias seri-am uma concretização e organização do processo construtivo-interpretativo em constante movimento, em que os núcleos de significações teóricas ou as unidades de sentido se articulam entre si, dando vi-sibilidade a uma produção teórica. Para cada objeti-vo apresentado foram identificados temas ou eixos, segundo uma análise de conteúdo processual e construtiva. RESULTADOS E DISCUSSÃO Antes de iniciarmos a análise dos dados obtidos nes-te projeto, é importante lembrar que este, é apenas o início de um estudo que se abre neste momento, como possibilidade de aprofundamento futuramente para uma análise mais detalhada dos dados e dar continuidade a possíveis discussões e reflexões que, devido a limitações de tempo e estruturais, foram impedidas de serem desenvolvidas aqui. Foram desenvolvidas três tabelas, como mencionado na metodologia deste trabalho, analisando processos

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de conscientização fortalecimento e vulnerabilidade. Retomando o referencial teórico deste projeto, no que diz respeito à constituição do indivíduo, foi reali-zada uma análise da dimensão singular, que é a his-tória de uma das crianças da ciranda, apresentadas na tabela 1, contada por esta e pela família, além de observações da pesquisadora. Em seguida, foi ela-borada a relação com a dimensão particular, se es-tendendo à realidade do acampamento Elizabeth Teixeira2, comparando com outras crianças da ciran-da que residem no local, a opinião destas, das famí-lias e observações da pesquisadora. Posteriormente, foi construída a última tabela, apresentando aspectos da dimensão universal, fazendo uma relação entre a realidade de outras crianças Sem-Terras em outros acampamentos e assentamentos, a idéia de ciranda, e os acréscimos que se fizeram necessários. Embora na primeira tabela tivesse havido dificuldade de preenchê-la por faltar alguns dados, aqueles que conseguimos, nos levaram a algumas reflexões que inclusive se relaciona com as unidades particular e universal. São aspectos que, vistos isoladamente, poderiam não ter sentido. O processo de construção de conhecimento é algo infindável exatamente por esta característica de muitas vezes os dados apre-sentarem informações para as quais não havíamos nos atentado. Mas que, no entanto, se mostram co-mo algo relevante quando aparecem e possibilitam, em interação com outros dados, a interpretação e sentido a uma determinada realidade [7,8]. Assim, na relação entre os dados podemos observar que tanto em âmbito singular, como no particular e universal, são apresentados aspectos de vulnerabili-dade semelhantes no cotidiano da criança Sem-Terrinha: a falta de estrutura nos acampamentos e assentamentos; a ida para as escolas formais na

2 Localizado na margem da rodovia Anhanguera, no muni-

cípio de Limeira – SP, na região do Horto Florestal do Tatu. A área pertence ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) desde 21 de agosto de 2008 e é alvo de conflitos entre o Instituto e a Prefeitura Municipal de Limeira, motivo que se coloca como um dos argumentos apresentados pelo primeiro como dificuldade para a transformação do acampamento em assentamen-to, e que, no entanto, é passível de questionamentos. Dados disponíveis em: http://www.incra.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/2274-nota-horto-florestal-tatu-em-limeira ; http://jf-sp.jusbrasil.com.br/noticias/1635399/caso-do-horto-florestal-de-limeira-segue-sem-acordo-conciliatorio ; http://www.jfsp.jus.br/20090313-hortolimeira/.

cidade e a dificuldade para chegar até esta, assim como as possíveis complicações que acontecem na inserção da criança neste contexto devido a fre-quente descontextualização dos profissionais; a dis-tância com a família e a realidade das crianças; a ineficácia e ausência das políticas públicas nos acampamentos e assentamentos; a violência presen-te nos despejos; dentre outros. No que diz respeito aos processos de conscientiza-ção e fortalecimento das crianças, é possível perce-ber através da análise dos dados e das conversas realizadas, que estes se dão em maior intensidade dentro dos espaços educativos. As cirandas infantis se apresentam como espaço onde os Sem-Terrinhas podem compartilhar experiências de realidades se-melhantes, criar reflexões e ações acerca desta, construir uma identidade coletiva de ser Sem-Terra, se fortalecendo neste processo, tentando superar as condições de vulnerabilidade que experenciam, cor-roborando com a concepção de fortalecimento apre-sentada neste trabalho [12]. Embora seja possível compreender pontos seme-lhantes entre diversos acampamentos e assenta-mentos de reforma agrária e seus espaços de ciran-da, há algo que precisa ser mencionado, que são as especificidades de cada contexto que permitem a cada um a realização de seu movimento de fortale-cimento e conscientização de forma, não necessari-amente, idêntica. Assim, compreendemos a educa-ção popular do campo, como uma das ferramentas para superar e transformar as condições reais que estão inseridas as pessoas que almejam e lutam por condições de vida mais dignas no campo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Faz-se necessário, além das reflexões e discussão sobre os resultados, explicitar reflexões sobre o pró-prio trabalho no que diz respeito às potencialidades, limitações e desafios percebidos pela pesquisadora e que, no entanto, não se reduzem apenas à opinião desta, mas fica aberto a outras reflexões críticas. Este projeto possibilitou uma apresentação e inicio de uma discussão de uma realidade a qual não tem sido objeto de estudo e atuação dos psicólogos. Poucos têm a sugerir às possíveis técnicas e formas de atuar neste cenário, visto que, para alguns dos profissionais inclusive avaliam este trabalho como militantismo. Afirmamos, este trabalho foi e será de-senvolvido de forma militante enquanto não houver ciência e conhecimento que dê suporte à atuação, pois esta não deixará de ser uma prática da qual se faz necessária no que diz respeito aos próprios prin-cípios colocados pelo nosso Código de Ética. E é

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válida a reflexão de que, talvez, estas práticas não existam, exatamente, para manter um discurso de que este trabalho é militante, e, portanto, não é tare-fa da psicologia. No entanto, que venham as críticas, o trabalho de psicologia deve – ou pelo menos deve-ria ter – como foco a promoção de saúde dos indiví-duos, e assim sendo, trata-se de trabalho o qual pre-cisa ser cabível onde quer que estes estejam. No que diz respeito às limitações, este aspecto men-cionado acima é uma das principais dificuldades, pois se existissem mais pesquisas na área, talvez a forma de encarar esta questão e os instrumentos que poderiam ser utilizados para ela, pudesse ser dife-rente. Além desse ponto, outra limitação diz respeito às condições acadêmicas de um trabalho inicial que impossibilitam se prolongar e esmiuçar diversas re-flexões e questões que teriam muito a contribuir nes-ta pesquisa. Por fim, colocamos como desafio a continuidade des-te projeto e a extrapolar a construção do modelo de ciência psicológica que temos para aquela que preci-samos, com ferramentas, técnicas de atuação que sejam mais próximas a realidades específicas, como é o caso das pessoas que se encontram inseridas no cenário da luta pela reforma agrária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Alves, R. (2010). A escola com que sempre so-nhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus. [2] Bernardes, M. E. M., (2010). O Método de Inves-tigação na Psicologia Histórico-Cultural e a Pesquisa sobre o Psiquismo Humano. Psicologia Política: v.10, n.20, p.297-313. [3] Casimiro, A. P. B. S. (2006). A atualidade do ma-terialismo histórico e dialético. Manuscrito não publi-cado. [4] Conselho Federal de Psicologia (2013). Referên-cias Técnicas para Atuação das(os) Psicólogas(os) em Questões Relativas a Terra. Brasília: CFP. [5] Freire, P. (1979). Conscientização teoria e prática da libertação uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes. [6] Freire, P. (2013). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. [7] González Rey, F. (1997). La investigación cualita-tiva en las ciencias sociales. In: González Rey, F., Epistemología cualitativa y subjetividad (pp.161-244). São Paulo: EDUC. [8] González Rey, F. (1997). El análisis de contenido em la utilización de los instrumentos cualitativos. In: González Rey, F., Epistemología cualitativa y subje-tividad (pp.245-376). São Paulo: EDUC.

[9] Guzzo, Raquel Souza Lobo(2005). Escola amor-daçada: compromisso do psicólogo com este contex-to. In: A. Martínez (Org.). Psicologia escolar e com-promisso social (pp.17-29). Campinas: Alínea. [10] Lo Bianco, A. C., Bastos, A. V. B, Nunes, M.L.T., Silva, R.C. (1994). Concepções e Atividades Emer-gentes na Psicologia Clínica: Implicações para a formação. Conselho Federal de Psicologia (org), Psi-cólogo Brasileiro: Práticas Emergentes e Desafios da Formação, 7-79. [11] Martín-Baró, I., (1996). O Papel do Psicólogo. Estudos de Psicologia: v.2, p. 7-27. [12] Montero, M., (2010). A Tensão entre o Fortale-cimento e as Influências Alienadoras no Trabalho Psicossocial Comunitário e Político. In: Guzzo, R. S. L., Lacerda Jr., F. (Org.). Psicologia e Sociedade: Interfaces no debate da questão social (pp. 65-81). 1ª ed. Campinas: Alínea Editora. [13] Patto, M. H. S. (2007). “Escolas cheias, cadeias vazias” Nota sobre as raízes ideológicas do pensa-mento educacional brasileiro. Estudos Avançados, v. 21, n.61, p.243 – 266. [14] Ramos, M. (s/d). A educação no e do MST. In: Candeeiro – Coletivo de Educação Popular Centro de Estudo, Pesquisa e Ação em Educação Popular, Caderno de formação n.01 (pp.41-52). FEUSP. [15] Rossetto, E. R. A. A educação das Crianças Sem-Terrinha nas Cirandas Infantis a construção de uma alternativa em movimento. In: Goulart, A. L.; Finco, D. (Orgs.). Sociologia da Infância no Brasil. Campinas: Editora Autores Associados LTDA, 2011, p.81-104. [16] Stédile, J. P. & Fernandes, B. M. (2012). Brava gente a trajetória do MST e a luta pela terra no Bra-sil. São Paulo: Perseu Abramo, Expressão Popular. [17] Vieira, E. M. & Ximenes, V. M. (2008). Conscien-tização: em que interessa este conceito à psicologia. Psicol. Argum., 26(52), 23-33.