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9anos Circo da vida Quem vê a menina Fernanda Oliveira, de 9 anos, correr cercada por outras crianças, sob a lona azul estrelada, montada no município mineiro de Nova Lima, não imagina o que as atividades de saltos, acrobacias e malabarismos representam para ela. Mais do que ensiná- la a ser artista, o Circo de Todo Mundo vem ajudando a aumentar sua autoestima e a resgatar nela o prazer de brincar. Antes do circo, a garota, que é filha única e mora com a mãe em um bairro violento, vivia praticamente trancafiada em casa. “Parece uma onda que veio e mudou tudo”, diz a menina, descrevendo a alegria que vem sendo, para ela, frequentar o Circo desde abril de 2010. “Antes de começar as aulas no Circo, eu tinha poucos amigos e pensava que quase ninguém gostava de mim”, conta Fernanda. A garota diz que, quando crescer, vai ser médica. Sonhadora, como devem ser as crianças, quer viajar “o mundo inteiro” com o circo. “Sei que é difícil ser médica, mas aqui nas aulas de circo também tem horas que acho que não vou conseguir fazer o que o professor pede. Mas aí falo para mim mesma: eu vou conseguir!. Às vezes demoro um pouquinho, mas consigo”, afirma, persistente. Para a mãe da menina, que trabalha como merendeira na escola pública ao lado da lona, a instituição é uma garantia de tranquilidade. Antes de inscrever Fernanda no Circo, ela precisava contar com a ajuda de parentes e lamentava ver sua filha desperdiçando a infância, trancada em casa. “Não deixo minha filha brincar na rua, porque onde moro há uma turma barra pesada, envolvida com drogas”, explica a merendeira Neurilane de Oliveira Souza, de 33 anos. Nas vidas de Fernanda e de sua mãe, o Circo chegou há pouco e já começa a realizar transformações. Fernanda Oliveira Centro Recreação de Atendimento e Defesa da Criança e Adolescente – Circo de Todo Mundo Belo Horizonte, Minas Gerais

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9anos

Circo da vida

Quem vê a menina Fernanda Oliveira, de 9 anos, correr cercadapor outras crianças, sob a lona azul estrelada, montada no municípiomineiro de Nova Lima, não imagina o que as atividades de saltos,acrobacias e malabarismos representam para ela. Mais do que ensiná-la a ser artista, o Circo de Todo Mundo vem ajudando a aumentar suaautoestima e a resgatar nela o prazer de brincar.

Antes do circo, a garota, que é filha única e mora com a mãe em umbairro violento, vivia praticamente trancafiada em casa. “Parece umaonda que veio e mudou tudo”, diz a menina, descrevendo a alegria quevem sendo, para ela, frequentar o Circo desde abril de 2010.

“Antes de começar as aulas no Circo, eu tinha poucos amigos epensava que quase ninguém gostava de mim”, conta Fernanda. A garotadiz que, quando crescer, vai ser médica. Sonhadora, como devem ser ascrianças, quer viajar “o mundo inteiro” com o circo. “Sei que é difícil sermédica, mas aqui nas aulas de circo também tem horas que acho quenão vou conseguir fazer o que o professor pede. Mas aí falo para mimmesma: eu vou conseguir!. Às vezes demoro um pouquinho, masconsigo”, afirma, persistente.

Para a mãe da menina, que trabalha como merendeira na escolapública ao lado da lona, a instituição é uma garantia de tranquilidade.Antes de inscrever Fernanda no Circo, ela precisava contar com a ajudade parentes e lamentava ver sua filha desperdiçando a infância,trancada em casa. “Não deixo minha filha brincar na rua, porque ondemoro há uma turma barra pesada, envolvida com drogas”, explica amerendeira Neurilane de Oliveira Souza, de 33 anos. Nas vidas deFernanda e de sua mãe, o Circo chegou há pouco e já começa a realizartransformações.

Fernanda Oliveira

Centro Recreação de Atendimento e Defesa da Criança e Adolescente – Circo de Todo Mundo Belo Horizonte, Minas Gerais

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Atrás da lona

Geraldo Gomes da Silva, de 71 anos, não consegue imaginar asua família vivendo sem o apoio do Circo. A lona, que dava ar maislúdico à paisagem do Instituto Agronômico e mais sentido à vidadas crianças nessa localidade da periferia de Belo Horizonte, foidesmontada em 2008. Desde então, o aposentado só pensa emuma coisa: mudar-se para o município de Nova Lima, para que seusmeninos possam voltar a frequentar a instituição. Desde 2009, oCirco de Todo Mundo mantém duas lonas em Minas Gerais: umaem Nova Lima e outra em Betim.

Mineiro, com décadas vividas no Ceará, Geraldo participou ati-vamente de uma das ações do Circo na capital: “Nossos papos àsombra do jenipapo”, apoiada pelo Criança Esperança em 2008. Soba árvore, crianças e adolescentes participavam de atividades am-bientais e ouviam histórias sobre a cultura brasileira. Enquanto nãose muda, vai visitar o Circo. Ele e o filho caçula, Geraldo Rodriguesda Silva, o Geraldinho, de 11 anos, percorrem os 31 quilômetros queseparam Belo Horizonte de Nova Lima para visitar os profissionaisdo Circo de Todo Mundo.

“Depois que minha mulher voltou para o Nordeste, fui o pai e a mãedos meus filhos mais novos. Moramos numa região muito violentae, na rua, se ensina muita maldade. O comportamento do meufilho, Geraldinho, melhorou 70% depois que ele entrou no Circo.Hoje, é uma coisa linda o entusiasmo que ele tem com uma horta”,conta seu Geraldo, que vê de perto a falta que o Circo faz em suacomunidade. “Para começar, muitas famílias não têm nem comidasuficiente para dar para seus filhos e a alimentação que elesrecebem em uma ONG, como o Circo, faz muita diferença. Depois,tão importante quanto arroz e feijão, é essa parte da educação,da autoestima, das brincadeiras. No Instituto Agronômico, ondemoramos, sempre vejo uns meninos dependurados nas traseirasdos ônibus. Em maio, um deles morreu na frente da minha casa”.

Geraldinho, que foi praticamente criado no Circo, conta suarotina, quando ainda havia lona em Belo Horizonte: “Eu chegavaao Circo às 8 horas, comia um lanche, fazia as atividades, tomavabanho, almoçava e ia para a escola”. O menino diz que a instituiçãoo incentivou a levar a escola mais a sério: “Quando entrei, meuboletim era só C e D. Agora só tem A e B”, orgulha-se.

Brincadeira séria

A ideia de montar uma instituição que tivesse a alegria comotema principal surgiu em 1991. Naquele ano, profissionais ligadosao Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua levavam,com um projeto chamado Recreação, atividades de lazer e cultura

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a crianças e jovens de Belo Horizonte que viviam ou trabalhavam nas ruas da capital mineira. Em meio a jogos debola e rodas de capoeira, o grupo de 7 a 18 anos, que naquela época fazia atividades no campo do Clube AtléticoMineiro, manifestou a vontade de ter um lugar especial para brincar. “Os próprios meninos e meninas começarama nos mostrar que trabalho poderíamos fazer com eles, o que eles de fato queriam”, lembra Maria Eneide Teixeira,coordenadora da ONG.

Antes de ter o formato de um circo, com lona e tudo, a instituição passou por vários endereços. “Até que, emuma das assembleias para ouvir a opinião dos meninos e meninas sobre o rumo do projeto, uma criança levantoue disse: ‘Inventamos um nome: Circo de Todo Mundo. Não queremos um circo só para nós, das ruas, mas paratodo mundo’. Todos bateram palmas e eu fiquei louca com aquilo, porque o Recreação, que é a origem de tudo,sempre foi um movimento de muita solidariedade”, resume Eneide.

O objetivo de colocar embaixo de uma lona crianças que enfrentam o dia a dia tão duro do trabalho nas ruas,ou que vivem em periferias violentas, é estimular o lúdico. É para isso que os profissionais do Circo trabalham,driblando inúmeras dificuldades, há dezenove anos. “A criança que não brinca perde o simbólico, o faz de conta,a ingenuidade. Como pedagoga, sei que a maior aprendizagem é a brincadeira. Por isso, levantamos a bandeiracontra o trabalho infantil”, conta Eneide.

Além das atividades nas lonas, o Circo conta com o Centro Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e doAdolescente Helena Greco, que presta atendimento jurídico e social às famílias vítimas de exploração ou violência.Em Nova Lima, mantém ainda a Sala do Saber Paulo Freire – uma biblioteca comunitária com computadoresconectados à internet, onde se discutem temas relacionados ao cotidiano da comunidade, como o combate àexploração sexual infantil.

Priscila June, 17 anos, é uma das monitoras. Percorre o Brasil como delegada dos Direitos da Infância e da Ado-lescência. Quem a vê, gesticulando e falando, não imagina que passou o ano de 2009 enfiada em casa, deprimida.No ano passado, sua mãe teve uma depressão e ela acabou indo junto – largou a escola e manteve o Circo comoúnica atividade. “Hoje, olho para trás e não vejo 2009 como um ano de perda, mas de ganho e de aprendizagem.O Circo me ajudou a descobrir os meus direitos e os de toda uma geração. Hoje eu quero, sim, mudar o mundo.Por que não?”

O nome do projeto – Circo de Todo Mundo – foi escolhido pelos meninos e meninas atendidos, que sonhavam em fazer uma ação que fosse para todos.

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O ano de 1994 teve um saldo positivo para

os direitos da infância. Em março, foi insti-

tuída, no âmbito da Organização dos Estados

Americanos (OEA), a Convenção Interameri-

cana sobre Tráfico Internacional de Menores.

No Brasil, o governo federal, com várias insti-

tuições públicas e privadas, criou o Fórum Na-

cional de Erradicação do Trabalho Infantil e

suas representações estaduais.

Ainda na área de direitos, mas não apenas

da infância, tomou posse a primeira formação

do Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS), presidido pela assistente social Mar-

lova Jovchelovitch. Órgão superior de delibe-

ração colegiada, previsto na Lei Orgânica da

Assistência Social, o Conselho passou a ter,

entre outras incumbências, a responsabilidade

pela coordenação da Política Nacional de

Assistência Social.

No âmbito da Convenção Interamericana

sobre Tráfico Internacional de Menores, apro-

vada na Cidade do México, os países-mem-

bros da OEA comprometeram-se a garantir a

proteção dos menores de 18 anos, instituindo

entre as nações um sistema de cooperação jurí-

dica que consagrasse a prevenção e a sanção

de crimes contra eles.

1994

Poliomielite é erradicada; país realiza a

1ª Conferência Nacional dos Direitos

da Criança e do Adolescente

No ano do tetracampeonato, jogadores sobem

ao palco do Criança Esperança

para dar seu apoio à causa

Tetra

No ano do tetracampeonato brasileiro

na Copa do Mundo, atletas consagrados pela

população subiram ao palco do Criança Espe-

rança. O tema era a Declaração Universal dos

Direitos das Crianças. O piloto Ayrton Senna,

morto no dia 1º de maio de 1994 durante uma

corrida, foi homenageado e a irmã dele, Vi-

viane Senna, anunciou, ao vivo, a criação do

Instituto Ayrton Senna.

O show daquele ano contou com a parti-

cipação de Gilmar, Cafu, Romário, Ronal-

dinho, Ricardo Teixeira e Aldair, que levaram

a Taça Fifa para prestigiar o evento. Também

estiveram por lá as jogadoras da seleção

brasileira de basquete feminino, que haviam

conquistado recentemente o campeonato

mundial.

Além dos atletas, participou do programa

a presidente do projeto Uerê, Ivonne Bezerra

de Melo, que explicou ao público a realidade

dos meninos que vivem nas ruas, além de

crianças, adolescentes e jovens atendidos

pelos projetos Maracatu Semente da Nação,

Circo de Todo Mundo e Olodum.

HIV

Na área de saúde, as notícias eram boas:

o país recebeu o certificado de erradicação

da poliomielite e tornou disponível o medica-

mento AZT (via oral) para gestantes infecta-

das pelo HIV.

Enquanto Cafu levantava a taça nos Es-

tados Unidos, Zé Gotinha, personagem que

símbolizou as campanhas de combate con-

tra a poliomielite, erguia, orgulhoso, o certifi-

cado de Erradicação da doença, concedido

ao Brasil pela Organização Mundial de Saúde.

Era o fim de um fantasma que havia

assombrado os brasileiros durante décadas –

a paralisia infantil, endêmica no país até o

fim da década de 1970, fez sua última vítima

no município de Souza, na Paraíba, em 1989.

A erradicação coroou a dedicação do Bra-

sil ao combate à doença: o país foi o primeiro

no mundo a implantar o Dia Nacional de Va-

cinação, seguindo sugestão de Albert Sabin,

criador da vacina contra a pólio.

CO

NTEXTO

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“A TV Globo, por meio do Criança Esperança, fez mais do que colocar na pauta do país os problemasda infância brasileira: proporcionou um processo de formação do povo brasileiro sobre as grandes questõesdas crianças e dos adolescentes das classes populares. E isso vem sendo feito de forma sistematizada ecompetente ao longo de 25 anos. É preciso dizer que a partir da parceria com a UNESCO, que tem no seumandato Educação e Cultura, a qualidade desse processo, que estou chamando de formação, vemaumentando cada vez mais, porque a qualidade das mensagens transmitidas pelo Programa é cadavezes maior. O fato de a TV Globo apresentar os resultados dos projetos apoiados em todo o país tambémcontribui muito para a credibilidade do Criança Esperança, e isso vem sendo feito de forma absoluta-mente objetiva e transparente. A UNESCO, por outro lado, teve a capacidade de interiorizar o CriançaEsperança, e hoje o mapa do Brasil coberto pelo Programa é infinitamente maior do que era no início.”

Foto

: Mila

Pet

rillo

Cesare La RoccaFundador do Projeto AxéRepresentante adjunto do UNICEF no Brasil de 1985 a 1989

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