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Círculo de Cultura e EJA no Acampamento Elizabeth Teixeira Limeira - SP Ana Paula Ferreira de Melo Universidade São Marcos [email protected] Yandara Pimentel Mendes Universidade Estadual de Campinas [email protected] Tessy Priscila Pavan Universidade Estadual de Campinas [email protected] Resumo: Esse trabalho apresenta a experiência do Círculo de Cultura e Alfabetização de Jovens e Adultos no Acampamento Elizabeth Teixeira realizado pelo coletivo Universidade Popular. O Acampamento Elizabeth Teixeira é oriundo de uma ocupação feita em 2007 pelo Movimento Sem Terra numa zona rural de Limeira SP. Relatamos aqui como o coletivo Universidade Popular tem elaborado os Círculos de Cultura da EJA, destacando a realização de um calendário dos acampados e uma atividade em torno do Abril Vermelho. Desde 2008 o coletivo, pautado pela Educação Popular, tem vivenciado com os acampados e acampadas as suas histórias, apoiando a luta pela terra. O desenvolvimento dessas atividades beneficiou o Acampamento com a confecção de um calendário que publicizou o trabalho e a luta dos acampados e acampadas, também trazendo recurso financeiro para a construção de um espaço escolar. Nesse trabalho está fortemente presente a escrita como ferramenta social dos acampados e acampadas. Na segunda atividade discutimos a luta vivenciada no Abril Vermelho, criando um jogo que utilizava as fotos do ato, tendo como objetivo o desenvolvimento da escrita e a reflexão sobre ato. Palavras-chave: Educação Popular, Educação de Jovens e Adultos, Acampamento Elizabeth Teixeira Introdução: O Acampamento Elizabeth Teixeira é localizado no Horto do Tatu, em Limeira - SP, próximo ao km 138 da Rodovia Anhanguera. A área, cujo entorno é dominado pela monocultura da cana-de-açúcar, foi ocupada por 250 famílias do Movimento Sem Terra (MST) em 21 de abril de 2007. No final de novembro do mesmo ano houve o despejo violento dos moradores do local devido a uma decisão judicial, com apoio do prefeito de Limeira. No entanto, após a comprovação da propriedade ser da União, houve a sua reocupação. Em 21 de agosto de 2008, aprovou-se a destinação da terra para os

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Círculo de Cultura e EJA no Acampamento Elizabeth

Teixeira – Limeira - SP

Ana Paula Ferreira de Melo

Universidade São Marcos

[email protected]

Yandara Pimentel Mendes

Universidade Estadual de Campinas

[email protected]

Tessy Priscila Pavan

Universidade Estadual de Campinas

[email protected]

Resumo:

Esse trabalho apresenta a experiência do Círculo de Cultura e Alfabetização de

Jovens e Adultos no Acampamento Elizabeth Teixeira realizado pelo coletivo

Universidade Popular. O Acampamento Elizabeth Teixeira é oriundo de uma ocupação

feita em 2007 pelo Movimento Sem Terra numa zona rural de Limeira – SP. Relatamos

aqui como o coletivo Universidade Popular tem elaborado os Círculos de Cultura da

EJA, destacando a realização de um calendário dos acampados e uma atividade em

torno do Abril Vermelho. Desde 2008 o coletivo, pautado pela Educação Popular, tem

vivenciado com os acampados e acampadas as suas histórias, apoiando a luta pela terra.

O desenvolvimento dessas atividades beneficiou o Acampamento com a confecção de

um calendário que publicizou o trabalho e a luta dos acampados e acampadas, também

trazendo recurso financeiro para a construção de um espaço escolar. Nesse trabalho está

fortemente presente a escrita como ferramenta social dos acampados e acampadas. Na

segunda atividade discutimos a luta vivenciada no Abril Vermelho, criando um jogo que

utilizava as fotos do ato, tendo como objetivo o desenvolvimento da escrita e a reflexão

sobre ato.

Palavras-chave: Educação Popular, Educação de Jovens e Adultos,

Acampamento Elizabeth Teixeira

Introdução:

O Acampamento Elizabeth Teixeira é localizado no Horto do Tatu, em Limeira -

SP, próximo ao km 138 da Rodovia Anhanguera. A área, cujo entorno é dominado pela

monocultura da cana-de-açúcar, foi ocupada por 250 famílias do Movimento Sem Terra

(MST) em 21 de abril de 2007. No final de novembro do mesmo ano houve o despejo

violento dos moradores do local devido a uma decisão judicial, com apoio do prefeito

de Limeira. No entanto, após a comprovação da propriedade ser da União, houve a sua

reocupação. Em 21 de agosto de 2008, aprovou-se a destinação da terra para os

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agricultores, que foi dividida em lotes para 150 famílias com a inscrição no Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Neste momento de reocupação,

houve a presença de todos os seus apoiadores, dentre os quais se encontra o coletivo

Universidade Popular1 (UP). Este coletivo foi construído por estudantes da Unicamp

que, indignados com a exploração e opressão sofrida pelos trabalhadores da

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apoiaram a sua greve ocorrida em

2007. Este coletivo autogestionário se compõe de estudantes e ex-estudantes

universitários, sendo composto por aproximadamente 20 pessoas e tendo por objetivo

romper os atuais limites da universidade, contribuindo para um projeto de universidade

popular. Para tanto, entende-se como fundamental a aproximação com os movimentos

sociais. Assim, o coletivo de estudantes Universidade Popular fez-se presente na luta

dos trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, participando das reuniões e assembléias

como apoiador, ajudando na articulação dos espaços da EJA, da Ciranda e da

Agroecologia no Acampamento Elizabeth Teixeira. Os laços entre o UP e a

coordenação do acampamento foram se intricando, e com isso a demanda do ensino de

jovens e adultos passou a ser assumida pelo coletivo. Em 2008, foram feitos

diagnósticos, planejamentos, avaliações, levantamento de dúvidas, vivências na área,

reuniões e atividades culturais. O financiamento das atividades se dava mediante

recursos obtidos pelo UP por meio da organização de festas na universidade.

Os primeiros círculos de cultura ocorreram num esquema de revezamento nas

casas dos acampados aos domingos de manhã. Este horário foi escolhido pelos próprios

educandos. Os acampados e acampadas começaram a fortalecer seus laços junto ao

coletivo UP nesse momento de organização. Com isso e de acordo com as demandas

colocadas pelas pessoas do Acampamento os estudantes iam se formando educadores e

educadoras populares. Sendo assim, o coletivo foi se construindo e entendendo que a

Educação Popular era necessária para suprir o déficit de escolarização, mas não só, pois

a Educação Popular ressalta humanamente as classes oprimidas. O coletivo passa a

1 O coletivo Universidade Popular é formado por Vinícius Meneguim Todorov, Rodrigo de Oliveria

Taufic, Ana Paula Ferreira de Melo, Renata Sclavi, Laís Costa Lima, Gabriela Furlan Carcaoli, Tessy

Priscila Pavan, Carolina Orquiza Cherfem, Natacha Motta, Gabriela carvalho, Ana Maria Furlan, Sinuê

Neckel Miguel, Lucas Gebara Spinelli, Bruno Martins, Lígia Pontes Brasileiro e Silva, Letícia Graciano

Nunes, Verônica Carvalho Monachini, Fábio Accardo de Freitas, Diego Ortiz, Lívia Rocha, Fernanda

Solster de Paula, Mariana Lemos e Bárbara Pereira Pedro.

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utilizar todo o histórico da vida das pessoas para pensar nas metodologias do Círculos

de Cultura, se apropriando de obras de Paulo Freire para auxiliar nas atividades de

alfabetização. A partir daí começa a se relacionar com outros educadores populares para

terem formação e trocar experiência.

Em 2010 a frente da EJA do UP teve várias formações de educação popular

voltadas, principalmente, para educação de adultos. Já em 2011, realizado um novo

diagnóstico verificou-se novamente a procura por alfabetização. Após esse diagnóstico

compreendeu-se a importância não só da alfabetização como também da pós-

alfabetização.

No início, foi difícil pensar a metodologia de alfabetização com as necessidades

apresentadas pelo novo grupo de educandos e educandas. Assim, discutimos a

metodologia com o grupo. Depois disso, com o diagnostico em mente foram

desenvolvidos todos os temas geradores. Retomamos as atividades utilizando

paralelamente as casas de duas acampadas, dividindo-nos em dois grupos. As

atividades, nesta época, eram mais voltadas a leituras de textos e desenvolvimento do

compartilhamento das experiências dos educandos e educadores. Isso possibilitou

algumas mudanças no decorrer das aulas. É comum que o Círculo de Cultura tenha

início com a leitura coletiva dos textos, feita pausadamente e comentada. Após isso, há

a discussão do tema com o grupo, relacionando-o com as ideias e experiências

vivenciadas pelo grupo. Então, se inicia a produção escrita a partir desse diálogo. Além

disso, são desenvolvidos círculos de cultura com vídeos e atividades, entre elas, teatro-

imagem, teatro, exposições orais e cartazes. As atividades sempre são baseadas nos

temas geradores, por exemplo: violência, gênero, infância e agroecologia. Em 2012

estabelecemo-nos numa só residência, devido a desistência de uma das acampadas que

fornecia a sua casa para a EJA. Mais recentemente, houve a demanda de aulas de

matemática para ajudá-los na produção e comercialização agrícola, além de outras

necessidades cotidianas dentro e fora do Acampamento.

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Atualmente as nossas atividades têm sido mantidas através de recursos obtidos

com a submissão de projetos enviados para a Pró- Reitoria de Extensão e Assuntos

Comunitários (PREAC)2 e para o Ministério da Educação através do PROEXT.

Circulo de Cultura e os temas geradores na EJA do Acampamento

Elizabeth Teixeira:

Construímos juntos com os educandos e as educandas do Acampamento

Elizabeth Teixeira o nosso Circulo de Cultura. Dialogando e acreditando que nesse

espaço o educando ou a educanda possam também ser formadores do seu próprio

processo de aprendizagem. Para Freire o analfabeto “prepara-se para ser agente desta

aprendizagem. E consegue fazê-lo na medida em que alfabetização é mais que o simples

domínio mecânico de técnicas para escrever e ler” (FREIRE, pag. 72, 1981). Pensamos

que dessa maneira, partindo das experiências de vida das pessoas do acampamento,

poderemos construir um caminho onde as palavras geradoras que fazem parte desse

contexto possibilitem o surgimento do universo temático, “numa atitude de criação e

recriação” (FREIRE, pag.72, 1981).

Iremos apresentar dois círculos que foram trabalhados durante o ano de 2012 em

épocas diferentes. Uma das atividades do Circulo de Cultura foi a construção de um

calendário do Acampamento, ideia que partiu de uma das educandas da EJA. Essa

atividade ampliou-se durante o processo, assim educandos, educandas e moradores

participaram de maneira orgânica, mesmo aqueles que não frequentavam a EJA. A

partir do processo veio-nos a ideia de adquirir recurso financeiro que pudesse ajudar na

construção de um espaço que os moradores pudessem utilizar como escola. O

calendário foi feito com fotos do Acampamento, palavras e textos obtidos por meio de

entrevistas que os educadores e educadoras realizaram com os moradores do Elizabeth

Teixeira.

Abaixo, algumas frases e fotos que foram escolhidas durante o nosso processo

de construção com os acampados e acampadas:

2 Pró- Reitoria de Extensão e Assunto Comunitários da UNICAMP

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“O EJA foi uma experiência muito grande... Nunca fui na escola em 50 anos.

Para mim foi muito bom a experiência do EJA.” (depoimento de uma educanda do

Elizabeth Teixeira).

“Nunca morreu uma planta na minha mão.” [...] “Se Deus é com nós, quem será

contra nós?” (texto de um educando da EJA)

“Em janeiro inicia-se um novo ano. Para as plantações, na grande maioria, é o

fim da colheita, principalmente do milho.” [““...] “Geralmente estamos eufóricos para

desfrutarmos das deliciosas pamonhas, cural, bolos e milho cozidos.” (depoimento de

uma educanda do acampamento Elizabeth Teixeira)

“Após tantas festas no aguardo de sermos felizes damos continuidade a

educação, inclusive de nossas crianças. A lida aqui é muito importante” [...] “Aqui,

criamos e cuidamos de nossos animais, aguardamos o final das chuvas. A luta não pode

parar!” (texto de um educando da EJA)

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Fotos que estão expostas no calendário 2012 do Acampamento Elizabeth Teixeira.3

Discutimos em várias aulas o que deveríamos colocar no calendário, por

exemplo, os meses na vida rural e o que deveria aparecer em cada um deles. A partir

disso elaboramos várias aulas sobre a história do calendário em algumas sociedades,

datas de lutas, fases da lua, colheita, as fotos e a frases que deveriam aparecer no

calendário. A elaboração desse calendário foi bastante rica, pois nós educadores e

educadoras passamos a conhecer melhor a vida do campo, e as pessoas do

Acampamento que não frequentam a EJA. Nesse processo foi bem claro para nós o

quanto é difícil para os agricultores e agriculturas estudar, pois são inúmeros os

obstáculos, como o cansaço, problemas com a visão, os filhos pequenos e a percepção

de alguns de que “velho não precisa mais estudar”.

O calendário também serviu como publicização e apoio financeiro aos

moradores do Acampamento, sendo amplamente divulgado e vendido para ajudar na

construção do espaço que hoje é a escolinha do Acampamento Elizabeth Teixeira. Com

isso, e contando também com doações, foi possível construir a escola do acampamento, pois

ainda não tínhamos um espaço para as atividades de educação. Assim, em 2012 e 2013, um

grupo de acampados e acampadas, juntamente com o UP e outros estudantes, se comprometeu

com a construção de um espaço escolar dentro do acampamento. Por meio de mutirões,

foram feitos tijolos com uma máquina manual. Após isso, os acampados e acampadas

começaram a fazer o alicerce da escola, onde atualmente ocorrem os Círculos de Cultura.

Esse trabalho em torno do calendário nos mostrou o quanto é possível e

necessário refletir a partir da educação que valoriza os saberes populares. Acreditamos

que a educação que defendemos tem que ser compreendida no “diálogo do homem com

o mundo”. O nosso diálogo funda-se numa utopia libertadora, de superação da

sociedade do capital, valorizando o cotidiano como espaço social no qual tecemos “a

passos de formiguinha” as relações que podem contribuir para o projeto utópico. Para

3 Participantes voluntárias na realização das fotografias: Natacha Motta, Gabriela carvalho e Ana Maria

Furlan.

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Alder Calado, o conceito de cotidiano vincula-se diretamente ao de utopia, na medida

em

que é precisamente no chão, ou melhor dito, na oficina do

Cotidiano que se vão (ou não) tecendo os fios da Utopia almejada, em

razãodo que nossas relações do Cotidiano passam a ser o mostruário

ou o instrumento aferidor da qualidade de nossa Utopia, entendida

como o grande horizonte de Liberdade que alimenta e dá sentido ao

existir dos Humanos, ao qual se sentem ontologicamente

vocacionados, ao mesmo tempo que historicamente condicionados,

razão pela qual o horizonte utópico se lhes apresenta como um

processo ininterrupto, dinâmico, feito por entre contradições, e com

horizonte sempre em aberto. (CALADO)

No outro Circulo de Cultura escolhemos como tema gerador o “Abril Vermelho”

4. Em Limeira, no dia 17 de Abril de 2012, o Abril Vermelho foi organizado pelos

Acampados do Elizabeth Teixeira que fazem parte do Movimento Sem Terra. Os

educandos e educandas fizeram parte desse dia, tendo o apoio do coletivo Universidade

Popular e da ITCP – Incubadora tecnológica de Cooperativas Populares da UNICAMP.

O planejamento da aula em torno do Abril Vermelho foi edificado a partir das

fotografias dessa atividade. Então fizemos da seguinte maneira: articulamos um jogo

com as fotos, fizemos um tipo de baralho, embaralhamos as fotografias e entregamos

cinco delas a cada pessoa. Os educandos e educandas tinham que pensar em uma

palavra a partir da imagem, e assim as palavras surgiam, como CORAGEM, SAÚDE,

REVOLUÇÃO, AMIZADE e APOIO. Todas as palavras foram escritas em tamanho

grande e visível para os educandos e educandas da EJA.

O processo do jogo se deu da seguinte forma, uma pessoa fala a palavra

relacionada à sua fotografia, mas os jogadores não sabiam qual imagem estava

relacionada à palavra, pois todos tinham imagens que também tinham uma certa ligação

com as palavras colocadas. As fotos eram colocadas emborcadas no chão e depois

misturadas. Assim, nenhum dos jogadores saberia qual a foto da pessoa que estava

relacionada a palavra dita por ela, por exemplo “APOIO”. Em seguida tínhamos que

adivinhar qual a fotografia que estava relacionada a essa palavra, e assim

sucessivamente. Pensamos em uma metodologia não competitiva, na intenção de

integrar todos em uma reflexão sobre esses momentos de luta, e a participação dentro e

4 O Abril Vermelho é o mês de protestos do Movimento Sem Terra que rememora a morte de

trabalhadores rurais sem-terra no massacre de Carajás, em 1996.

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fora da comunidade. Cada palavra pensada a partir das fotos era discutida. Identificamos

que existia uma diferença subjetiva para cada um dos educandos e educandas sobre a

representação da palavra.

Fizemos questões que foram também relacionas ao dia do ato do Abril

Vermelho. Algumas respostas dos educandos e educandas do acampamento Elizabeth Teixeira:

1- O que aconteceu no dia do ato?

C5: “foram dois atos muito bons e mecessários, pois assim mostramos p/

a população de limeira que somos trabanhadores”

L: “Foi o dia muito corrido pra nós mas foi o dia muito bom porque a

gente estava tudos juntos lutados”

2- O que não foi bom? O que foi bom?

C: “o cansaço mais mesmo assim valeu a pena e como valeu”

L: “Porque estava tudo junto e unido”

3- O que vocês mudariam?

C: “eu mudaria a quantidade dos atos pois nós fazemos poucos”

L: “Nada Foi tudo muito Poderia fazer mas luta dessas”

4- Estamos em atividades de educação dentro do Elizabeth Teixeira.

Como vocês acham que deveriam ser utilizadas essas fotos no espaço do

Elizabeth?

C: “as fotos eu acho que deveria ser postas em quadros guardasdas para

enfeitar as paredes de nosa escola”

L: “Deveria ser dividida para todas as pessoas que estava nos atos” 6

Abaixo, algumas fotos do protesto Abril Vermelho no dia 17/04/2012:

5 As letras C e L se referem às letras iniciais de nomes de educandas. As respostas estão transcritas

mantendo-se a escrita original 6 Resposta dos educandos e educandas do Acampamento Elizabeth Teixeira. Mantivemos a forma original

dos escritos dos educandos e educandas.

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Houve várias falas e reflexões sobre os apoios e de como a comunidade se

colocou diante do ato dos sem terra.7

A atividade cumpriu a proposta de discutir a importância do ato. Mas não só,

pois a metodologia pensada permitiu que as pessoas refletissem na ação política.

Fazendo isso, elas colocaram as suas opiniões na escrita, provendo-a de sentido político.

Respondendo as perguntas, elas usaram a escrita para avaliar o ato que fizeram e

projetar o que gostariam. Exercitaram, na verdade, seu direito e sua capacidade de

revelar o mundo. Desse modo,

Para entender, igualmente, a esta exigência fundamental, é

indispensável que a codificação, refletindo uma situação existencial,

constitua objetivamente uma totalidade. Daí que seus elementos

devam encontra-se em interação, na composição da totalidade.

No processo da descodificação os indivíduos, exteriorizando

sua temática, explicitam sua “consciência real” da objetividade.

(FREIRE, 2005, pág. 127)

Considerações finais:

As nossas atividades têm sido sempre relacionadas à vida dos acampados e

acampadas do Elizabeth Teixeira. Para nós, portanto,

É necessário que o poder popular – nesta proposta – se exerça

na própria prática educativa. E os sinais de que isto está ocorrendo se

dão na medida em que os grupos populares assumam o controle

(encaminhamento) do processo educativo. (GARCIA, 1980, pág. 92)

Desse modo, pensamos o Círculo de Cultura como prática educativa para o

exercício do poder popular, se realizando na EJA, na Ciranda e na Agroecologia, frentes

que o coletivo Universidade Popular sustenta para esse processo. Para nós educadores e

educadoras “estar no mundo implica necessariamente estar com o mundo e com os

outros” (FREIRE, 1995, pág. 20). Entendemos que a luta só tem significado com o povo

e através do povo. E é no cotidiano do popular que tomamos consciência das nossas

práticas, acreditando que o conhecimento discutido em nossos espaços não deve ser

qualquer conteúdo, e sim vinculado com a práxis onde a reflexão e ação estão juntas. Na

7 No momento não é necessário apresentar essa discussão, pois estamos relatando a metodologia que o

Coletivo Universidade Popular tem utilizado para os círculos de cultura.

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práxis nos esbarramos por diversos conflitos: pessoais, políticos, locais etc. Esta práxis

envolve a intensidade de um mundo concreto e subjetivo que nos desafia enquanto

coletivo, provocando a nossa rebeldia, fortalecendo a nossa luta junto aos movimentos

sociais.

Para finalizar trazermos esse poema do acampado Sebastião Albuquerque que

representa a luta das pessoas do Acampamento:

A reocupação

Raiz tem o que é bom

o que é mal não tem raiz

foi assim no Elisabeth

é assim pelo país

Em que pese ansiedade

no caminho da verdade

a injustiça ruirá

Pois então ô seu doutor

é aqui que torce o rabo

da porca de seu Nonô

a chuva chegou mais cedo

na pria do arvoredo

e o povo ainda não plantou

Estando no apertamento

deste nosso acampamento

o povo se rebelou

se o governo é devagar

quem queria trabalhar

a terra reocupou.

(Sebastião Albuquerque, 2009)

Referências:

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Libertadora: o cotidiano como oficina de tecelagem. João Pessoa.

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