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RSP 269 Clarice Gomes de Oliveira Revista do Serviço Público Brasília 58 (3): 269-302 Jul/Set 2007 O servidor público brasileiro: uma tipologia da burocracia Clarice Gomes de Oliveira Contexto brasileiro Contextualizar e entender o processo histórico de formação da moderna burocracia brasileira confunde-se em grande medida com a formação do Estado em nosso País. As administrações colonial e imperial e, até mesmo, a organi- zação estatal do início da República, não são consideradas pela maior parte da literatura como instituições burocráticas nos moldes weberianos. Entretanto, seu legado não pode ser desconsiderado, pois influencia fortemente as relações estabelecidas em momento posterior. Para Gouvêa (1994), antes de analisar a administração pública brasileira, é preciso lembrar quatro aspectos importantes da história do Brasil colonial: a atração que o País exerceu enquanto colônia de exploração extrativa, a centra- lização decisória portuguesa, a força do poder local e o sistema de relações personalista. Essas características vão influenciar o desenvolvimento adminis- trativo do País.

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O servidor públicobrasileiro: uma tipologia

da burocracia

Clarice Gomes de Oliveira

Contexto brasileiro

Contextualizar e entender o processo histórico de formação da moderna

burocracia brasileira confunde-se em grande medida com a formação do Estado

em nosso País. As administrações colonial e imperial e, até mesmo, a organi-

zação estatal do início da República, não são consideradas pela maior parte da

literatura como instituições burocráticas nos moldes weberianos. Entretanto,

seu legado não pode ser desconsiderado, pois influencia fortemente as relações

estabelecidas em momento posterior.

Para Gouvêa (1994), antes de analisar a administração pública brasileira, é

preciso lembrar quatro aspectos importantes da história do Brasil colonial: a

atração que o País exerceu enquanto colônia de exploração extrativa, a centra-

lização decisória portuguesa, a força do poder local e o sistema de relações

personalista. Essas características vão influenciar o desenvolvimento adminis-

trativo do País.

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A partir da Independência e do Império,teve início a formação do Estado brasileiro,que viria a ser composto por um grupobastante heterogêneo quanto à estratificaçãosalarial, hierárquica e social, com a organi-zação melhor desenvolvida na captação deimpostos (CARVALHO, 2003). A burocraciadesse tempo estava longe do modeloweberiano, não havendo preocupação coma racionalização do Estado. O ingresso nosempregos públicos seguia, fundamental-mente, a lógica da distribuição de privilégios.

Na República Velha, a maior marca doEstado era um intervencionismo regula-tório direcionado para o principal produtode exportação da época: o café. Praticou-se controle da produção e de taxas, masdentro de estrutura administrativa poucodesenvolvida. As oligarquias dominavama cena política (SANTOS, 2006).

Já no século XX, com o início doprocesso de industrialização, interesse docentro-sul brasileiro, era preciso romperum padrão de funcionamento, voltando-se agora ao “fortalecimento do Governocentral, com a centralização jurídico-política, com a unificação dos códigosjudiciários e com a unificação do aparelhorepressivo” (GOUVÊA, 1994, p. 79). Essemovimento é concomitante à ampliaçãodos direitos civis ocorrida com a universa-lização do voto e o estabelecimento de leisde amparo ao trabalhador.

Certamente, o tipo de trabalhadorrequerido para atuar nessas atividades nãoestava pronto, havendo uma preocupaçãocom a profissionalização e a capacitaçãodos burocratas, representada pela criaçãodo Conselho Federal do Serviço PúblicoCivil em 1936, que se transformou em 1938em Departamento Administrativo doServiço Público (DASP) e sobreviveu até19861. Durante sua existência, foramimplantados concursos públicos com

características meritocráticas e foramcriados órgãos para atuar em variadossetores, normas e estatutos.

Contudo, é importante ressaltar, comojá dito anteriormente, que práticasherdadas do patrimonialismo continuarama existir. Apesar de todo o esforço emuniversalizar o acesso ao emprego públicocom base no mérito, “a ideologia quecomandava as relações entre sociedade eEstado era clientelista2 e empreguista, e daíque o número de funcionários ‘extranu-merários’, contratados sem concurso e porindicações pessoais, foi sempre superioraos ‘estatutários’” (GOUVÊA, 1994, p.100).

Uma vez estabelecida uma adminis-tração burocrática, os movimentosseguintes de reorganização do aparelhoestatal passaram a pregar, principalmente,a flexibilização de normas, ou desburo-cratização, ou, ainda, gerencialismo. Isso éverdade para as transformações realizadasno final dos anos 1960 e para a reformapreconizada em 1995.

Além disso, um ponto em comumentre a Era Vargas e a Ditadura militar éque as mudanças foram implantadas paraservir ao modelo de Estado como indutordo crescimento econômico. O desenvol-vimentismo é a grande marca de muitosdos governos brasileiros, com poucasexceções. Um papel estatal ativo como atoreconômico exige a organização da máqui-na administrativa. Contudo, o caminho tri-lhado para a expansão do Estado comoagente produtivo direto na era Vargas e noregime militar não é o mesmo. Entre 1930e 1945 e entre 1951 e 1964, criaram-se no-vas empresas em diferentes setores comindependência jurídica entre si. Já entre 1964e 1974, o crescimento ocorre com a con-solidação de grandes empresas em holdingse a proliferação de subsidiárias atuando emdiferentes setores (SANTOS, 2006).

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Esse esforço de ampliação do Estadoacabaria refletido na mentalidade dosservidores públicos, porém não da mesmaforma nos dois períodos, como afirmaGouvêa em seu estudo sobre a burocraciana área econômico-financeira:

“[...] esta burocracia [formada a partirdo governo de Vargas] tinha algunstraços constitutivos marcantes. Emprimeiro lugar, seu espaço de poder eraproveniente de recursos políticos quenasciam do fato de serem agentes deum Estado que foi construído para serforte, porque se apresentava como atore produtor de um projeto de desenvol-vimento. Nesse sentido, “o interessepúblico” que defendiam se confundiacom o interesse deste Estado. Emsegundo lugar, algumas das agências aque pertenciam, principalmente o Bancodo Brasil, garantia-lhes um status deprestígio e criava fortes laços de solida-riedade para manter este seu espaçoinstitucional e suas vantagens funcionais.Em terceiro lugar, era-lhes garantida apossibilidade de adquirirem umaformação técnica e um conhecimentoespecializado, inclusive com experiênciasinternacionais, além do que seu ingressono serviço público dava-se por méritoe não por apadrinhamento. Esse conhe-cimento especializado transformava-seem novos recursos políticos, alargandoo seu espaço de poder. Em quartolugar, eram chamados a atuar e influirna definição do perfil institucional desteEstado que estava em construção, epara isto foram treinados e formadosna tradição administrativa que partia daseparação entre a ação puramentetécnica e organizacional e a ação polí-tica. Entretanto, essa isenção pregada nateoria era constantemente abalada por

um intenso clima de debates de idéias ede tendências político-ideológicas quecaracterizavam o período, o que oslevava muitas vezes a assumir posições.”(GOUVÊA, 1994, pp.131-132).

Os burocratas formados durante oregime militar já não dispunham domesmo ambiente de debate político outeórico, vivendo um momento no qual oconhecimento técnico e a especialização

na atividade tomam grande impulso. O“interesse público” passa para as mãosda burocracia, que se considera sua“portadora e guardiã” (GOUVÊA, 1994,p.150-1). Nesse sentido, o regime favoreceo desligamento dos burocratas dasdemandas da sociedade.

Na década de 1980, a burocracia entraem descrédito total. Os problemaseconômicos e a ineficiência das políticas

“Contextualizar eentender o processohistórico de formaçãoda moderna burocraciabrasileira confunde-seem grande medida coma formação do Estadoem nosso País”.

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públicas nesse período são fundamentaispara debilitar a imagem de quem traba-lhava no setor público. Nos anos 1990,havia um consenso na literatura de que omodelo burocrático era ineficiente,dispendioso e que não tinha espaços paramecanismos de controle de resultados ede desempenho dos agentes públicos,importantes para o acompanhamento pelasociedade das ações empreendidas pelosgovernos. Conceitos como transparência,responsabilização, accountability, cidadão-cliente ganham projeção.

Cabe ressaltar que a história daadministração pública no Brasil é pon-tuada por altos e baixos, por momentosem que a organização das atividades doEstado recebeu especial atenção e poroutros nos quais não era um tema daagenda de governo. Não há homo-geneidade no modelo brasileiro deadministração pública. As grandesmudanças citadas previamente (outentativas de mudanças) foram todas ca-pitaneadas pelo Governo federal. Deacordo com Torres (2004), a burocraciabrasileira convive com três modelosadministrativos: o modelo patrimonialista,o modelo burocrático weberiano e omodelo gerencial, sem qualquer ordem desucessão cronológica entre eles e, até mesmo,sem conflitos:

“Assim, podemos constatar quetécnicas mais gerenciais e eficienteseram aplicadas em órgãos daadministração pública muito antes doDecreto-lei no 200/1967, que buscouintroduzir mais sistematicamentepráticas gerenciais no setor público.Da mesma forma, apesar dosesforços de implantação de um mo-delo gerencial, práticas patrimo-nialistas de se governar e administrar

o Estado ainda são comuns no coti-diano da administração pública, emtodos os seus três níveis de governoe poderes. A verdade é que nemmesmo o modelo burocrático foiplenamente implantado no Estadobrasileiro, que permanece sendoadministrado através de práticas quedesconhecem ou ignoram os prin-cípios da impessoalidade, publicidade,especialização, profissionalismo, etc”.(TORRES, 2004, pp. 140-141).

Esse é o contexto do processo históricode criação e evolução da administraçãopública no Brasil. Na próxima seção, apre-senta-se o perfil atual do serviço públicobrasileiro.

Perfil atual dos servidores públicos

Fala-se muito no tamanho e no gigan-tismo da administração pública no Brasil.Campos (1978) informa que o funciona-lismo civil da União contava 65.553servidores em 1920, cifra que passou para381.202 em 1963. Em 1984, esse grupoconstituía 9,6% da população economi-camente ativa (PEA) não-agrícola. NaArgentina e no Panamá, que possuemrenda per capita semelhante à nossa, essaproporção era de 22,7% e 28,6%, respec-tivamente. Em 1993, o total de servidoresfederais equivalia a 7,5% da PEA não-agrícola, sendo próximo de 1% da PEAtotal. Em 2002, o percentual de servidoresdo executivo federal em relação à PEAtotal, incluindo as estatais, não chega a 1%,não tendo passado disso desde então(SANTOS, 2006).

O número de servidores ativos apre-senta queda praticamente constante até 2003,quando começa a crescer novamente, emproporção maior que o incremento no

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número de aposentados. O número deaposentados aumenta em mais de 150 milentre 1991 e 1998, quando começa aapresentar tendência decrescente. Contudo,não se pode afirmar se essa tendênciareflete uma reorganização da pirâmideetária no grupo de ativos ou um simplesaumento no número de óbitos entre osaposentados. De maneira geral, ao longodos anos, o ritmo de aposentadorias é maisrápido do que o ritmo de realização deconcursos públicos.

Atualmente, a maior parte dos servi-dores está distribuída entre órgãos da

administração direta (39% ou 212.640pessoas) e nas autarquias (36% ou 201.554pessoas), grupo preponderante na adminis-tração indireta. Ao todo, os servidoresativos somam 559.635 em 20063.

Quanto à escolaridade do atual quadrode servidores, é de se esperar que grandeparte tenha nível superior, pois muitoscargos efetivos exigem essa qualificação noconcurso público de acesso. De fato, grandenúmero de pessoas (221.084) empregadasno serviço público civil do poder executi-vo federal possui ao menos diploma de

graduação universitária. Contudo, ainda háum contingente significativo de servidorescom até o nível médio de escolaridade(237.724). Ainda assim, o próprio órgão quecoleta tais informações ressalta que elasrefletem apenas a situação identificada nomomento do ingresso na carreira, nãoauferindo os avanços educacionais obtidospelos servidores ao longo dos anos. Poucascarreiras consideram a titulação para cálculoda remuneração e não é comum o servidoratualizar os dados voluntariamente. Pode-se supor que, atualmente, o número depessoas com nível superior seja maior.

Quanto à participação de homens emulheres no serviço público federal civil,há uma predominância do sexo masculinoem 12% em relação à presença demulheres.

Por fim, os dados divulgados peloMinistério do Planejamento, Orçamento eGestão, demonstram que a remuneraçãoda maioria dos servidores é de atéR$ 3.000,00, quase 25% recebem entreR$ 3.001,00 e R$ 6.500,00 e 5,7% ganhammais de R$ 8.500,00 a cada mês. Confira atabela a seguir.

Gráfico 1: Distribuição dos servidores públicos por sexo – 2006

44% 56%

60%50%40%30%20%10%0%

Mulheres Homens

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De maneira geral, os servidorespúblicos civis que trabalham para o governofederal têm mais de 30 anos, boa escolari-dade, dividem-se entre a administraçãodireta e a indireta e representam menos de0,5% da PEA. Esse contingente vem sendorenovado com a realização cada vez maisfreqüente de concursos públicos.

Ao longo das décadas, a burocraciabrasileira passou por diferentes processos,momentos de valorização e outros decríticas e reformas. Hoje em dia, há umsentimento de que as coisas mudaram.Apresentado esse breve panorama histó-rico e o perfil demográfico atual, restasaber o que essas pessoas querem e o quepensam no exercício de suas funções.

Teorias da burocracia

Estudos sobre burocracia vêm sendorealizados sob diversos enfoques teóricos.Pode-se dizer que tudo começou comMax Weber, pois, no mundo acadêmico,falar em burocracia reporta quase automati-camente a esse autor. O burocrataweberiano como um tipo ideal4 é um ser

disciplinado que trabalha seguindo regrasclaras e legalmente definidas, respeita ahierarquia e goza de estima social.Encarnaria o primado da racionalidadeadministrativa. Além disso, por conta deseu conhecimento especializado, detéminformações profissionais. No limite, issoimplica que “a administração burocráticatende sempre a ser uma administração de‘sessões secretas’: na medida em que pode,oculta seu conhecimento e ação da crítica”(WEBER, 1982, p.269).

Na prática, a exacerbação das caracte-rísticas da burocracia weberiana gerouinúmeras críticas ao formalismo, ao apegoàs regras e ao grande número de níveishierárquicos. Burocracia transformou-se emsinônimo de lentidão, entraves, falta de objeti-vidade, desencontro de informações, enfim,tudo que não funciona. Exatamente o opostodo que imaginou Weber em sua obra.

Além do conceito do tipo ideal deburocracia, do qual decorre uma vastalinha de estudos, o individualismometodológico de Weber estabeleceu osfundamentos da racionalidade, conec-tando a ação do indivíduo, dotada de um

Tabela 1: Remuneração mensal dos servidores públicos civis do poderexecutivo federal segundo faixas salariais – Junho de 2006

Faixas Salariais (R$) Servidores (%)Até 1.000 3,9De 1.001 a 2.000 34,7De 2.001 a 3.000 26,1De 3.001 a 4.500 13,3De 4.501 a 6.500 11De 6.501 a 8.500 5,1Acima de 8.500 5,7Fonte: MPOG, SRH, Boletim Estatístico de Pessoal no 123.1. Inclui administração direta, fundações e autarquias do poder executivo.2. Não inclui MPU, Bacen, empresas públicas ou sociedades de economia mista que recebemrecurso do tesouro.

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sentido, com o fim para o qual estáorientada. Essa definição é bastantesimilar à perspectiva adotada pelosteóricos da escolha racional.

Nesse grupo teórico, a contribuiçãomais famosa para os estudos sobre a buro-cracia foi dada por William Niskanen. Eleaborda o comportamento da burocraciasob uma perspectiva racional e auto-interessada, transportando o conceito demaximização da utilidade, usado naeconomia, para sua análise. Em seutrabalho, constrói uma “economia políticada burocracia e do governo represen-tativo” (NISKANEN, 1994, p.15, traduçãonossa), também conhecida como teoriaeconômica da burocracia.

O primeiro passo na construção da teoriaeconômica da burocracia é a definição debureaus. Nesse contexto, o burocrata é umalto dirigente de um bureau que possui umorçamento separado e identificável.

A organização financiadora do bureau,financiada por impostos ou contribuições,é comandada por pessoas eleitas e encar-rega-se de avaliar as atividades e o orça-mento propostos pelo bureau, aprovaresse orçamento, monitorar os métodosde trabalho e o desempenho e, algumasvezes, aprovar a nomeação do dirigentedo bureau. Assim, a principal característicado burocrata é sua motivação maxi-mizadora: um orçamento maior permitemaximizar as variáveis envolvidas em suafunção de utilidade.

O modelo niskaniano, na visão deBendor (1988), é uma teoria de equilíbrioparcial na qual os políticos – mais especifi-camente o legislativo, que é o financiadororçamentário da burocracia – sãorepresentados como um mecanismopassivo, uma função demandada, e não comum ator estratégico. De maneira geral, ocampo acadêmico exibe cada vez mais um

consenso de que é mais razoável representartodos os tomadores de decisão centraiscomo atores ativos, transformando o mo-delo em uma teoria de equilíbrio sobre oque aconteceria quando todos agissem deacordo com as melhores estratégias.

Outra obra importante sobre a buro-cracia é “Bureaucracy: what government agenciesdo and why they do it”, de James Q. Wilson(2000). Para o autor, é importante perceberaté que ponto os sistemas e arranjos

administrativos são adequados às tarefasa serem desempenhadas pelas agênciaspúblicas, que atuariam muito além damaximização da utilidade de suas ações.A visão de Wilson (2000), portanto,supera os pressupostos niskanianos.

Para que uma organização obtenhasucesso em sua atividade, há três questõesa considerar: 1) como desempenhar suatarefa crítica – os comportamentos que se

“Um papelestatal ativo comoator econômicoexige a organizaçãoda máquinaadministrativa”.

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desempenhados com sucesso permitirãoque a organização gerencie seu problemacrítico, isto é, realize o trabalho para o qualfoi criada; 2) senso de missão – concor-dância entre os membros da organizaçãosobre a definição da tarefa crítica; 3) graude autonomia – liberdade de ação e apoiopolítico externo (WILSON, 2000).

Wilson discorda dos teóricos quevêem o comportamento da organizaçãocomo a simples soma dos comporta-mentos de seus integrantes auto-interes-sados. Exemplificando, cita que o com-portamento puramente auto-interessadolevaria um soldado a desertar frente asituações de perigo iminente de morte, oque raramente acontece. Wilson (2000, p.33, tradução nossa) afirma que “paraentender a burocracia é preciso entendercomo os seus trabalhadores da linha defrente aprendem o que fazer”, pois sãoessas pessoas que justificam a existênciada organização pública em si.

De acordo com o autor, as buro-cracias públicas possuem algumas caracte-rísticas que limitam a forma pela qualpodem se organizar. Em primeiro lugar,as agências governamentais não podemreter e direcionar os ganhos da organizaçãopara o benefício de seus própriosmembros, por força da lei. Em segundolugar, não podem alocar os fatores deprodução de acordo com as preferênciasdos administradores da organização. Emterceiro e último lugar, devem servir aobjetivos escolhidos por outros. Issoacontece porque as organizações degoverno estão sempre envolvidas, emalguma medida, com atores externos:congressistas, sistema judiciário, políticos egrupos de interesse. Esses atores impõemlimites e exercem pressão sobre a organi-zação, que não pode se dedicar somente asuas tarefas (WILSON, 2000).

Wilson (op. cit.) afirma que existem doistipos de executivos governamentais (e muitascombinações dos dois): políticos e decarreira. Eles atuam em quatro estilos deação: o defensor ou advogado, o tomadorde decisão, o guardião do orçamento(budget-cutter) e o negociador. Os defensorespossuem grande lealdade ao presidente queos nomeou ou tentam persuadir os outrospara suas convicções. No primeiro caso,advogam em favor do presidente e, nosegundo, em causa própria. Os tomadoresde decisão costumam observar o problema,recolher dados, e só então agir para resolveros problemas; combinam uma clara visãodo que querem que seja feito com a habili-dade para comunicar essa visão e motivaros servidores. O guardião do orçamentoestá preocupado em cortar gastos e dimi-nuir a influência do Congresso na agência.Por fim, o negociador procura manter aorganização sob seu comando negociandoapoio com atores externos e internos. Visadiminuir o estresse e a incerteza sobre seutrabalho, aumentar a saúde organizacional elidar com alguns problemas críticos daorganização.

A principal conclusão da teoria deWilson (2000) é que os burocratas possuem,de fato, preferências. Entre as preferênciase desejos de um burocrata, estão tambéma vontade de fazer bem o seu trabalho, ostatus derivado do reconhecimento e dopoder individual, os benefícios derivadosde pertencer a uma organização reconhe-cida e o senso de dever e propósito. Essassão recompensas não materiais que nãopodem ser ignoradas.

Com seu trabalho, o autor chamaatenção para a importância de olhar aorganização como um todo e as pressõessobre ela exercidas. Embora as organi-zações governamentais possuam tarefas,culturas e modelos de autoridade distintos,

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todas elas são parecidas em um sentido:“incentivos, cultura e autoridade são com-binados da melhor forma para cuidar datarefa em questão” (WILSON, 2000, p.365,tradução nossa).

Olhando esses três enfoques, é indis-cutível o pioneirismo de Weber (1982) e oimpacto que teve sua teoria. O burocrataweberiano é uma referência, tanto nosaspectos positivos quanto nos aspectosnegativos. Niskanen (1994), aproveitandoo gancho da racionalidade de Weber ecombinando-o com aspectos da teoriaeconômica, criou o burocrata preocupadoessencialmente com a maximização doorçamento. E Wilson (2000), com seuolhar sobre as organizações, coloca a rele-vância de fatores ambientais e coletivos namoldagem e orientação das atividades dosburocratas.

Existem outras abordagens teóricas noestudo da burocracia governamental.Ressaltam aspectos sobre a racionalidadelimitada, a necessidade de controle eacompanhamento das atividades dosburocratas, sua atuação na formulação eimplementação de políticas públicas e aimportância de se considerar a influênciada noção de interesse público nas açõesda burocracia. De maneira geral, estãorelacionadas ou estão em parte influen-ciadas por esses três teóricos pioneiros,cada um a seu tempo.

Regras e legalismo, racionalidadeeconômica e ênfase nas organizações sãoperspectivas que fornecem informaçõesrelevantes e que ajudam a compreendercertos fenômenos da burocracia.Contudo, as pessoas que compõem aburocracia também importam. Seusvalores e suas atitudes afetam a maneiracomo a burocracia – esse ser abstrato –toma forma perante a sociedade. Essapesquisa insere-se, portanto, em uma

abordagem que busca conhecer os buro-cratas para compreender a burocracia.A próxima seção apresenta a teoria daburocracia e a tipologia de Downs (1967)para agentes burocráticos.

A teoria da burocracia de Downs

O próprio Downs (idem) afirma queo objetivo de seu estudo é estabelecer umateoria de tomada de decisão burocráticaque permita fazer previsões sobre algunsaspectos do comportamento de umaorganização e incorporá-los em uma teoriamais generalizada da tomada de decisãosocial. São três as premissas fundamentaispara essa teoria.

Primeiro, os agentes burocráticos (bemcomo os demais agentes sociais), buscamatingir seus objetivos de forma racional. Ouseja, agem da maneira mais eficiente possível,dadas as suas capacidades limitadas e o custoinformacional. São maximizadores de utili-dade5, isto é, se o custo de obter algoaumenta em relação a tempo, esforço oudinheiro, eles passam a desejar menos desseobjetivo. Similarmente, quando o custo deobtenção cai, desejam obter mais.

Segundo, agentes burocráticos, em geral,possuem um conjunto complexo de obje-tivos a serem atingidos, incluindo poder,renda, prestígio, segurança, conveniência,lealdade (a uma idéia, uma instituição ou ànação), orgulho do trabalho excelente, edesejo de servir ao interesse público. A partirdaí, o autor postula cinco tipos diferentesde burocratas, cada um perseguindo umsubconjunto distinto desses objetivos. Cadaum é motivado por seu auto-interesse,mesmo quando agindo oficialmente.

E, terceiro, as funções sociais de cadaorganização influenciam fortemente suaestrutura interna e comportamento, evice-versa.

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Essas premissas são aplicadas aomundo real, distinto do mundo perfei-tamente informado da teoria econômicatradicional. No mundo real, prevalecem asseguintes condições gerais:

• a informação é custosa porque requertempo, esforço e, por vezes, dinheiro paraobter dados e compreender seu significado;

• tomadores de decisão possuemapenas capacidades limitadas tendo emvista o tempo que gastam tomandodecisões, o número de questões que podemconsiderar simultaneamente e a quantidadede dados que podem absorver referentesa qualquer problema.

• ainda que alguma incerteza possa sereliminada por meio da aquisição de infor-mação, um importante grau de nãoerradicação da incerteza é usualmenteenvolvido na tomada de decisões.

Nesse contexto, o agente burocrático,ou burocrata, é alguém que: 1) trabalhapara uma grande organização – local ondeos membros conhecem menos da metadedos outros membros; 2) é empregado emtempo integral e deriva desse emprego amaior porção de sua renda; 3) a políticade pessoal da organização é, ao menos emparte, baseada no desempenho; 4) o resul-tado do trabalho do burocrata não podeser avaliado direta ou indiretamente emmercado algum por meio de transaçõesvoluntárias e recíprocas, a despeito dotrabalho da organização ser avaliado(DOWNS, 1967).

Mesmo com a existência de umaestrutura formal nas organizações e deuma série de regras a serem observadas,há espaço para o surgimento de umaestrutura informal. Informalmente, osindivíduos tendem a considerar todo oconjunto de seus interesses e não apenasaqueles relacionados ao desempenho deum papel. Isso abre espaço para que as

pessoas usem os poderes constituídospara estabelecer significância pessoal epoder próprio. Essas estruturas informaisacabam por modificar o modelo decomportamento da organização comoum todo, redirecionando grande partedas atividades dos membros para mani-pulação de poder, renda e prestígio, emvez de atingir as propostas formais daorganização. A manipulação ocorrerá dediferentes formas, dependendo do tipode agente burocrático (DOWNS, 1967). Ateoria vislumbra o mundo real, e, sendoassim, embora assuma que os indivídu-os tomam decisões racionais, existem li-mites a essa racionalidade.

Nesse contexto, cada indivíduo possuiuma função social e motivos privados paradesempenhar essa função. A função socialé o pacote de objetivos sociais aos quaissuas ações servem, é a atividade que sedesenvolve, que é valorizada pelos outrose que forma contribuição para a divisãodo trabalho. Embora a função social e osmotivos privados possam ter alguns obje-tivos em comum, eles nunca são comple-tamente idênticos. Essa diferença ocorrepor duas razões. Primeiro, cada pessoa nasociedade preenche sua função formal nadivisão do trabalho durante apenas parteda sua vida e também desempenha outrospapéis que, por sua vez, absorvemsignificante parte do tempo e energia; essespapéis geram desejos, atitudes e compor-tamentos, que, inevitavelmente, influenciamas ações dos indivíduos no papel queocupam na divisão do trabalho (DOWNS,1967). Segundo, entre a função social e osmotivos privados atua o auto-interesse. Oagente burocrático também valoriza ospróprios atos em termos da congruênciacom seus interesses pessoais.

Dessa forma, cada agente burocrático,ou burocrata, possui objetivos variados a

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partir do conjunto de motivos listados aseguir:

• poder – pode estar incluído dentroou fora da organização/departamento;

• renda em dinheiro;• prestígio;• conveniência – é expressa pela

resistência a mudanças no comportamentoque aumentem o esforço pessoal, e desejode aceitar mudanças que reduzem o esforço;

• segurança – definida como a baixaprobabilidade de futuras perdas de poder,prestígio, renda ou conveniência;

• lealdade pessoal – lealdade ao grupode trabalho do agente, à organização comoum todo, a um governo ou a uma nação;

• orgulho por desempenho proficienteno trabalho;

• desejo de servir o interesse público –“interesse público” definido como o quecada agente crê que a organização deva fazerpara melhor cuidar/desempenhar suafunção social. Não é um conceito uniforme;

• comprometimento com um progra-ma específico de ação – alguns se tornamtão ligados a uma política pública que apercebem como um motivo para deter-minar o comportamento.

Os cinco primeiros motivos sãomanifestações puras de auto-interesse.Lealdade e orgulho por desempenho sãointeresses mistos; desejo de servir o inte-resse público é quase totalmentealtruístico; e comprometimento com umacausa pode servir tanto para o altruísmocomo para o auto-interesse (DOWNS,1967). Downs (1967) reconhece que essesmotivos são apenas parte da estruturacompleta de motivação, mas sãosuficientes aos propósitos do autor.

A partir desses motivos, emborapossam ser feitas infinitas combinações,Downs (2007) concentra-se em cinco delaspara a formação dos tipos de agentes

burocráticos. O autor admite que é umasimplificação, mas acredita que esses cincostipos permitiram insights sobre como osdepartamentos comportam-se de fato.A tipologia é dividida em dois grupos.

O primeiro grupo é formado poragentes puramente auto-interessados:alpinistas, que consideram igualmenteimportantes poder, renda e prestígio e sãoconservadores, como o próprio nomeindica, valorizam conveniência e segurança

e manutenção do poder, da renda e doprestígio que já possuem.

O alpinista consegue maximizarpoder, renda e prestígio de três formas:sendo promovido a cargo mais elevadodentro da hierarquia da organização;aumentando poder, renda e prestígioassociados a seu cargo atual com a buscapor ampliar as funções, por exemplo;ou mudando para um novo e

“A tipologia [deDowns] é um interessanteponto de partida para oconhecimento daburocracia, reconhecendoos indivíduos como ummosaico de interessesdecorrentes da funçãosocial que ocupam e deseus objetivos pessoais.”

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mais satisfatório emprego em outraorganização.

Os conservadores buscam maximizara segurança e conveniência, ou seja, agarram-se ao poder, prestígio e renda que jáconquistaram e, de preferência, fazendo omínimo esforço possível. Opõem-se amudanças, pois estas implicam em riscos.Mas isso não significa que não possam serpromovidos ou não tenham eventualmenteque lidar com a mudança, pois fatoresinternos e externos à organização podematuar no ambiente. Esse comportamentoconservador aumentaria com o passar dotempo, segundo a lei do conservadorismocrescente, pela qual, em cada departamentoou organização, há uma pressão inerentesobre a vasta maioria de agentes para setornarem conservadores no longo prazo(DOWNS, 1967).

O segundo grupo é formado poragentes com motivos mistos. Os militantessão leais a conjuntos restritos de políticasou conceitos e buscam o poder tanto paraseu próprio benefício, como para aconsecução de suas crenças. Já os defen-sores são leais a um conjunto mais amplode funções ou à organização em sua tota-lidade. Buscam o poder para poderinfluenciar políticas e ações. Por fim, oshomens de Estado são comprometidoscom a sociedade como um todo egostariam de influenciar políticas e açõesde âmbito nacional, preocupados com oque acreditam ser o interesse geral.

Esses três agentes estão todosrelacionados de alguma forma com ointeresse público. Aqueles que acreditamperseguir o bem público com a defesa depolíticas muito específicas ao longo dotempo, e a despeito de opositores, sãoclassificados como militantes. Tendem a serfanáticos. Outros acreditam na promoçãode objetivos mais amplos de políticas e os

usam como guia na tomada de decisão,independentemente da posição queocupam: são os homens de Estado, maisfilosóficos, que constantemente entram emconflito com a própria baixa capacidadeoperacional. Finalmente, há aqueles queacreditam na busca de políticas intima-mente ligadas ao trabalho da organizaçãoem que atuam, que podem variar deescopo com o tempo e com as circuns-tâncias: esses são os defensores.

Convém ressaltar que a existênciadesses cinco tipos não exclui a possibili-dade de um agente burocrático mudar seucomportamento de um tipo para outro.Homens de Estado são naturalmente pres-sionados pelo ambiente da organização ase tornarem defensores. Alpinistas queviram suas possibilidades de avanço dimi-nuídas são pressionados a se tornaremconservadores. O comportamento dosagentes burocráticos resulta de uma misturaentre seu auto-interesse e as pressõesexternas que sofrem.

A tipologia está resumida no quadro aseguir.

Apesar do esforço de Downs (1967)para construir uma teoria que pudesse sertestada posteriormente, poucos estudospráticos foram feitos nesse sentido. Atipologia por ele estabelecida é uminteressante ponto de partida para oconhecimento da burocracia, reconhe-cendo os indivíduos como um mosaicode interesses decorrentes da função socialque ocupam e de seus objetivos pessoais.Essa contribuição é a base teórica emetodológica para a realização da pesquisaapresentada a seguir.

Pesquisa de campo

A principal preocupação da pesquisaé conhecer o comportamento burocrático,

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baseando-se, para tanto, na tipologia deDowns (1967). Pretende-se verificar aexistência da tipologia a partir da traduçãodos pressupostos teóricos em itens a seremrespondidos em questionário aplicado aservidores públicos civis do poder exe-cutivo federal6. Dada a inviabilidade de

aplicar questionários a todos os 515.126servidores ativos nas mais variadas carreirasdo poder executivo federal, segundo oBoletim Estatístico de Pessoal no 123(BRASIL, 2006), faz-se necessário escolherum grupo específico ou amostra. Osquestionários foram, portanto, aplicados

Agenteburocrático

Alpinista

Conservador

Defensor

Militante

Homem deEstado

Motivadoresprincipais

Poder

Renda

Prestígio

Segurança

Conveniência

Interesse públicoflexível

Poder

Interesse públicorestrito

Comprometimento

Interesse públicoamplo

Definição

Exercício de autoridadee responsabilidade emdeterminados assuntosRetorno financeiro daatividadeReconhecimento poroutras pessoas

Manutenção do nívelpresente de poder,renda e prestígioRedução do esforçoempregado

Promoção de objetivosda organização a qualpertence

Exercício de autoridadee responsabilidade emdeterminados assuntos

Promoção de políticaspúblicas muito espe-cíficasLigação com umprograma específicode açãoPromoção dos inte-resses da sociedadecomo um todo

Comportamento

- Buscar promoção a postosmais elevados na hierarquia

- Mudar para outra função emoutra organização- Expandir funções e responsa-bilidades da posição ocupadaou melhorar desempenho- Opor-se a mudanças- Não buscar promoções- Apegar-se a regras de proce-dimentos

- Mudar o escopo de políticasdefendidas quando muda defunção na hierarquia- Buscar funções com respon-sabilidades- Promoção de políticas quefavoreçam a organização- Buscar apoio e dinheiro

- Concentrar energias e recursospara suas políticas sagradas

- Buscar superar todos osobstáculos- Atacar o status quo

- Defender expansão deforma não partidária- Isolar-se das atividades admi-nistrativas

Quadro 1: Tipologia de Downs

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aos estudantes da ENAP, grupo compostopor servidores públicos da administraçãofederal procedentes de diferentes locais eque ocupam posições variadas na hierarquiadas organizações públicas. É um subgrupoda população, embora não possa serconsiderada uma amostra probabilística.Foram aplicados 245 questionários comretorno de 2437. Dentre estes, optou-se porconsiderar apenas os formulários queestavam completamente preenchidos, 195,para efeitos de análise e teste das hipótesesde pesquisa.

A primeira parte do trabalho de análisedas respostas é a verificação da existênciade uma tipologia de agentes burocráticosconforme a classificação feita por Downs(1967). A segunda, uma análise paracomprovar ou refutar as seguintes hipó-teses criadas com base na tipologia e emoutros aspectos da teoria downsiana:

• Hipótese 1: burocratas em início decarreira tendem a ser mais alpinistas do queos burocratas com mais tempo de serviço;

• Hipótese 2: burocratas em meio oufim de carreira tendem a ser mais conser-vadores do que aqueles em início de carreira;

• Hipótese 3: poucos burocratas, nãoimportando o tempo de serviço público,são homens de Estado;

• Hipótese 4: os perfis de defensor emilitante não sofrem grande influência dotempo na carreira.

O comportamento descrito no Quadro1 foi transformado em afirmações sobreas quais o respondente expressou suaconcordância ou discordância.

Todas as hipóteses foram testadas apóso enquadramento dos respondentes natipologia de burocrata. Por fim, convémdestacar que embora essa tipologia tenhasido criada como base para a construçãode uma teoria das organizações burocrá-ticas, tal expansão das conclusões não será

feita. O foco de análise é apenas o servidorpúblico.

Para verificação das hipóteses depesquisa e elaboração do questionário, faz-se necessária uma seleção de variáveis deestudo. A primeira delas é tempo noserviço público e as demais dizem respeitoa grupos de afirmações que visam àtipificação do agente burocrático. Cadaafirmação foi construída de forma a refletirum aspecto da teoria. As diferentesafirmações servem para enquadrar orespondente na tipologia. Ao todo, foramdeterminadas vinte variáveis. Os grupos devariáveis e afirmações foram pensadospara englobar diferentes momentos dacarreira, conforme quadro a seguir.

Essas variáveis foram transformadasem itens do questionário. O questionáriousado foi elaborado com base nasvariáveis selecionadas e nos questionáriosjá desenvolvidos por Lind (1991) eBrewer e Maranto (2000). Os itens doquestionário correspondem às variáveisselecionadas e cada variável corresponde,predominantemente, a um tipo de agenteburocrático. Cinco afirmativas correspon-dem predominantemente ao tipo alpinista,cinco ao conservador, três ao defensor,três ao homem de Estado e quatro aomilitante.

O questionário8 foi aplicado, uma únicavez, para grupos diferentes entre os mesesde novembro e dezembro de 2006. Asrespostas recolhidas foram agrupadas emuma única base de dados a partir da qualfoi feita a análise.

Em seguida, partiu-se para a verifi-cação da tipologia e teste de hipóteses.A construção de tipologias a partir desurveys tem sido abordada em pesquisasrecentes por meio da análise deaglomerados (também denominada aná-lise de clusters), que examina relações de

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interdependência dentro de um conjuntode variáveis. No campo do marketing, porexemplo, é usada em estudos parasegmentação do mercado. Ela permitereunir objetos em grupos homogêneos,classificando-os (MALHOTRA, 2006). É umprocedimento usado no tratamento dedados multivariados que aglomera os casossem requerer definição prévia sobre carac-terísticas dos grupos a se formar. Examinaum conjunto de relações interdependentes,sem distinção de variáveis dependentes eindependentes. Por ser um procedimentoaglomerativo que envolve semelhança edessemelhança, fornece uma respostaanalítica razoável para a elaboração detipologias. Na explicação de Malhotra: “osobjetos em cada cluster tendem a ser

semelhantes entre si, mas diferentes deobjetos em outros clusters. Essa análise étambém chamada de análise de classi-ficação, ou taxonomia numérica”. (2006,p. 572). Para o encadeamento, escolheu-seum método de variância, desenhado paraminimizar a variância dos dados dentro doaglomerado. Sendo assim, o problema dapesquisa é a classificação dos servidorespúblicos (agentes burocráticos) em gruposque expressem opiniões consistentes como comportamento burocrático dos perfisdescritos por Downs (1967).

Perfil dos respondentes

O grupo entrevistado é equilibradoquanto ao sexo dos indivíduos, variado em

Grupo Variáveis

Tempo no serviço público - Anos de trabalho no serviço público

Motivação para a entrada - Saláriono serviço público - Estabilidade

- Desejo de servir à sociedade

Objetivos atuais no exercício - Acréscimo de responsabilidadesdo cargo - Ascensão funcional

- Manutenção da função e, se possível, diminuição do ritmo de trabalho- Oposição a mudanças- Promoção das políticas que acredita serem boas para o País- Defesa dos interesses do departamento/organização- Defesa dos interesses da sociedade brasileira

Motivação para mudar de - Salário maiorcargo ou função - Ambiente de trabalho mais tranqüilo

Postura em relação ao trabalho - Cumprimento das regras e normas formais de procedi-mento - Divulgação das ações e atividades do órgão

- Máximo de empenho pela organização, independente de qual seja- Pouco interesse em atividades operacionais e administrativas- Questionamento do status quo- Superação de obstáculos- Concentração de recursos

Quadro 2: Variáveis de estudo

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relação ao tempo de serviço e aos locaisde trabalho. Há um bom número deservidores em início de carreira, mas quenão chega a constituir maioria.

Quanto ao tempo de serviço, há umgrupo significativo de pessoas novas noserviço público, com até três anos de

experiência, que corresponde a 42% dosrespondentes. Para as faixas de temposeguintes – de 4 a 10 anos, de 11 a 20 eacima de 21 anos de serviço –, a distribuiçãoestá mais equilibrada, havendo pouca dife-rença numérica entre esses grupos (18%,18% e 22%, respectivamente). Como os

Gráfico 2: Distribuição dos respondentes por sexo

46%54%60%

50%40%30%20%10%0%

MulheresHomens

Gráfico 3: Situação de vínculo

2%

80%70%60%50%40%30%20%10%0%

Temporário

123123123

123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456123456

10% 10%

78%

Nãorespondeu

Semvínculo

Servidor deCarreira

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questionários foram aplicados em umambiente de capacitação e treinamento pro-fissional, não é de se estranhar o númerode pessoas com menos experiência. Aomesmo tempo, como a maioria dasturmas não era de convocação obrigatóriapara um grupo, os números demonstramque as pessoas mais experientes continuamprocurando cursos.

Sobre a distribuição dos respondentespelos diversos órgãos, há pessoas tanto daadministração direta (57,95%) e indireta(16,41%), quanto das agências reguladoras(3,08%), bem como técnicos que trabalhamem organizações de ensino (10,26%)9. Agrande maioria, contudo, é de servidoresque atuam na administração direta. Issosignifica que essas pessoas estão envolvidasem atividades-meio ou em programas epolíticas públicas, não tendo, usualmente, quelidar diretamente com o cidadão.

Indagados sobre possuir ou não vínculocom o serviço público, 78% afirmarampertencer a alguma carreira. Contudo, aquestão do vínculo não é relevante para ashipóteses de pesquisa. Aproximadamente

10% dos respondentes não possuemvínculo algum, 10% não responderam e 2%possuem contratos temporários.

Por fim, um dado interessante sobreo perfil dos respondentes é a satisfaçãoem relação ao trabalho. Muitos imaginamque os servidores públicos são pessoasacomodadas e insatisfeitas com o tipo detrabalho que realizam. Não são assim os

entrevistados nessa pesquisa. Entre eles,60% estão satisfeitos e 15%, muitosatisfeitos. No campo oposto estão 16%dos entrevistados, divididos em 11%insatisfeitos e 5% muito insatisfeitos.Aqueles indiferentes em relação ao trabalhosomam 9%. Cabe ressaltar que essa per-gunta foi respondida por todos os entre-vistados, não havendo casos de não res-posta a esse item.

Análise dos questionários

Em uma pesquisa que envolve tipo-logia, o primeiro passo para avaliaras respostas é ver em que medida elas sãovariadas e significativas. Verificar a

Gráfico 4: Satisfação com o trabalho

5%

80%70%60%50%40%30%20%10%0%

Muitoinsatisfeito

123123123

12345123451234512345123451234512345123451234512345123451234512345123451234512345123451234512345123451234512345123451234512345

11% 9%

59%

Insatisfeito Indiferente Satisfeito

16%

Muitosatisfeito

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variabilidade é importante para saber oquanto o grupo é heterogêneo em suas res-postas. A heterogeneidade, por sua vez, éimportante tanto para predizer se uma pos-terior aglomeração por grupos (ou clusters)faz sentido, como para relacioná-la com omodelo de agente burocrático de Downs(1967).

Para descobrir a variabilidade, é precisotratar da distribuição das respostas em cadaitem em termos de medidas de tendênciacentral: média, mediana e moda. Essasestatísticas são úteis para descrever osprincipais padrões de resposta e a posiçãodos respondentes em torno deles. A médiaé o cálculo do valor médio atribuído nasrespostas, a mediana é o valor que divideo grupo exatamente na metade e a modaé o valor mais citado.

Entre as afirmativas do questionário,nota-se variabilidade de respostas em cadaitem, com diferentes tendências dedispersão para cada variável. A hetero-geneidade foi observada, sinalizando apertinência de realizar a análise de aglome-rados e sugerindo que o conjunto derespondentes pode ser dividido em gruposcom padrões de resposta diferentes.Apenas as afirmativas “os interesses dasociedade brasileira são sempre maisimportantes do que os interesses de quemestá no poder” e “procuro dar o máximonas minhas atividades, independente doórgão ou equipe em que trabalho” nãoapresentam grande discrepância de valo-res e, portanto, não deverão ser relevantespara a diferenciação dos aglomerados.

A primeira aproximação para verifi-cação da tipologia de Downs (1967) apartir das respostas obtidas nos questio-nários é listar as variáveis que se relacionammais fortemente com um determinadotipo. As afirmativas foram elaboradaspara que cada uma contemplasse um perfil

e que todos os perfis estivessem presen-tes.

Agrupando as afirmativas referentesa um mesmo perfil e buscandocorrelacioná-las10, têm-se uma primeiraavaliação da verificação da tipologia deDowns (1967). O primeiro perfil, o alpi-nista, parece encontrar uma verificaçãorazoável nos itens que lhe dizem respeito.O perfil conservador, por sua vez,apresenta alguma consistência entre asafirmativas que lhe representam, mas oconjunto está mais frouxo. Em dezpossibilidades, apenas quatro correlaçõessão encontradas.

O agente burocrático tipicamentedefensor atingiu os melhores índices decorrelação. Todas as três afirmativas do perfilestão relacionadas entre si. A combinação maisrelevante acontece entre “eu ajudo a divulgaras ações e atividades do meu departamentoou órgão” e “procuro dar o máximo nasminhas atividades, independente do órgãoou equipe onde trabalho”.

Para o perfil militante, foram encon-tradas quatro correlações entre as afirma-tivas do grupo. A frase “os recursoshumanos e financeiros de um departa-mento ou órgão devem ser sempreconcentrados em apenas uma políticaespecífica” está positivamente correla-cionada com “não existem obstáculos naimplementação de ações de políticaspúblicas que não possam ser superadoscom esforço e dedicação”. Por outro lado,as informações colhidas sinalizam umadiscrepância entre a opinião sobre a apli-cação de recursos em políticas específicase a oportunidade de se trabalhar no queacredita. Embora de forma não significa-tiva, essas duas variáveis apresentamcorrelação negativa, isto é, indivíduos queconcordam bastante com a concentraçãode recursos em poucas políticas afirmam

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não ter a oportunidade de trabalhar no queacreditam. Por outro lado, relembrando aanálise pontual do item sobre os recursos,viu-se que este apresenta elevado grau dediscordância: 75% das respostas estão

situadas até o ponto de indiferença (5) e50% até o grau três na escala.

O último tipo descrito por Downs(1967) é o do homem de Estado. Opróprio autor afirmou que essa não é uma

Foi o salário que me atraiu para o serviço público federal.A ascensão funcional é um objetivo fundamental para mim.Eu gostaria de ter mais responsabilidades e funções associadas Alpinistaao meu posto atual.Para trocar um cargo por outro, dentro do serviço público,é preciso haver vantagem financeira.Considero os anos de exercício de cargos de chefia comoindicador importante do sucesso.Eu entrei no serviço público porque queria ter estabilidadeno emprego.Mudanças que não elevem o meu volume de trabalho ouminhas atribuições são bem-vindas.Deve-se agir sempre de acordo com as normas e regras de Conservadorprocedimento firmadas formalmente.Gostaria de manter minhas atribuições atuais e diminuir oritmo de trabalho.Eu aceitaria mudar de equipe mesmo se a única vantagemoferecida fosse um ambiente de trabalho mais tranqüilo.

É importante defender os objetivos do órgão onde trabalhoem todas as circunstâncias.Eu ajudo a divulgar as ações e atividades do meu Defensordepartamento ou órgão.Procuro dar o máximo nas minhas atividades, independentedo órgão ou equipe onde trabalho.

Os recursos humanos e financeiros de um departamentoou órgão devem ser sempre concentrados em apenas umapolítica específica.Não existem obstáculos na implementação de ações de políticaspúblicas que não possam ser superados com esforço e dedicação. MilitanteOs servidores públicos devem sempre questionar o estado atualdas políticas públicas nas organizações onde trabalham.No serviço público, tenho a oportunidade de trabalhar pelaspolíticas, programas ou projetos em que acredito.Foi a oportunidade de trabalhar pela sociedade brasileira queme atraiu para o serviço público.Os interesses da sociedade brasileira são sempre mais importantes Homem de Estadodo que os interesses de quem está no poder.Atividades administrativas e operacionais não me agradam.

Quadro 4: Afirmativas e perfis correspondentes

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figura fácil de encontrar. De fato, os resul-tados obtidos não mostram correlaçãosignificativa entre as afirmativas corres-pondentes a esse perfil. Inclusive, “foi aoportunidade de trabalhar pela sociedadebrasileira que me atraiu para o serviçopúblico” e “os interesses da sociedadebrasileira são sempre mais importantes doque os interesses de quem está no poder”correlacionam-se negativamente, emboraem valor não significativo. Tal achado é,no mínimo, estranho. Porém, antes de afir-mar que o homem de Estado não existe, épreciso voltar para os dados agregados decada variável. A média de todas asrespostas para “os interesses da sociedadebrasileira são sempre mais importantes doque os interesses de quem está no poder”foi 8,9, com mediana 10. Sendo assim, émais razoável supor que esse perfil estejadisperso dentro dos demais. Uma respostaa isso deve ser dada na próxima etapa deanálise com a formação dos aglomerados.

No conjunto, a investigação sobre acorrelação entre as afirmativas do questio-nário e os perfis definidos na teoria mostroualguma verificação da existência da tipologia,mas de forma fluida e menos exata. As aná-lises feitas até o momento indicam certospadrões, mas não completamenteos mesmos relacionados por Downs(1967). Como a amostra realmente seorganiza e quais características ressaltam é ainformação que se busca com a análise deaglomerados descrita na próxima seção.

Análise de aglomerados

Uma vez verificada a disparidadedas respostas, justifica-se buscar umagrupamento de casos pela técnica de cluster.Todas as variáveis referentes à tipologiaforam consideradas para análise, ou seja,vinte variáveis foram embutidas para os

aglomerados. A variável sobre o tempode serviço, que constitui hipótese comovariável independente, não é incorporadaà formação dos aglomerados. Um softwaregera os aglomerados e apresenta os resul-tados de diferentes maneiras, entre elas odendograma, uma espécie de árvore deaglomeração.

O dendograma foi usado para sele-cionar o número de aglomerados a sertrabalhado. Cada grupo formado deve tercaracterísticas únicas, já que é exatamenteisso que justifica a sua existência. A escolhasobre o número de conglomerados é, decerta forma, arbitrária, pois depende dojulgamento do pesquisador, que deveobservar que os casos integrantes de cadaconglomerado devem ser bastante seme-lhantes entre si e distintos dos demaisagrupamentos. A partir da análise dessasvariáveis dentro de cada aglomerado,pode-se relacioná-las à tipologia de agentesburocráticos criada por Downs (1967).

Entre os diferentes níveis de aglome-ração visualizados no dendograma, optou-se por seis. A teoria adotada prega cincoperfis de agentes burocráticos, e o nívelacima continha apenas quatro aglomerados.Analisando as características dos grupos emquatro aglomerados, as médias dos escoresem cada variável estavam mais próximas,o que dificulta a diferenciação dos grupos.Na divisão de seis aglomerados, asdiferenças de valores são mais evidentes.Em divisões maiores, a diferenciação passaa se concentrar em menor número de itens,com grupos com poucos indivíduos. Sendoassim, julgou-se que seis gruposforneceriam melhor material para análise.Para cada um deles, calculou-se os valoresmédios e as medianas das respostas. Adescrição desses resultados é feita a seguir.

O primeiro aglomerado (A1) é com-posto por 35 indivíduos. Esse grupo

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apresentou concordância elevada (acima dovalor sete assinalado na escala) com asvariáveis ascensão funcional, estabilidade,cumprimento de regras, defesa da organi-zação, divulgação do órgão, questiona-mento do status quo, defesa dos interessesda sociedade brasileira, máximo deempenho e ambiente de trabalho. Dentreessas, a estabilidade, a defesa dos interessesda sociedade e o empenho máximoreceberam grau de concordância superiora oito. Embora o empenho máximo estejabem cotado no grupo, o valor médioatribuído foi o menor se comparado àcotação nos demais conglomerados. Omesmo é válido para a questão da defesada organização e do questionamento dostatus quo das políticas públicas.

Verificando os menores escores de A1,a maior discordância acontece em relaçãoà afirmativa “os recursos humanos efinanceiros de um departamento ou órgãodevem ser sempre concentrados emapenas uma política específica”. Com notasmenores que quatro também estão o desejode servir à sociedade como fator deatratividade do setor público e a superaçãode obstáculos. Próximos à indiferençaestão: salário como fator de atratividade,vontade de ter mais responsabilidades,troca de cargo por vantagem financeira,exercício de chefia como indicador desucesso, mudanças que não elevematribuições, vontade de diminuir o ritmode trabalho, oportunidade de trabalho emprojetos em que se acredita e desagrado aatividades administrativas. A tabela a seguirapresenta a classificação dos resultados.

O segundo aglomerado (A2), apontouboa concordância com cumprimento deregras, divulgação, defesa da organização,questionamento do status quo, defesa dosinteresses da sociedade, oportunidade detrabalho no que se acredita e empenho

máximo. A divulgação e o empenho atin-giram médias superiores a oito e a defesados interesses da sociedade obteveconcordância quase total. Quarenta e cincorespondentes integram esse grupo.

As maiores discordâncias são sobre aconcentração de recursos em políticasespecíficas e mudanças que não elevematribuições. Com opiniões próximas àindiferença estão: o salário como fator deatratividade, troca de cargo por vantagemfinanceira, desagrado a atividades adminis-trativas e ambiente de trabalho. As outrasvariáveis apresentam valores um poucomais elevados, mas pouco acima da indi-ferença. Comparando com os demaisaglomerados, as menores médias para asvariáveis ascensão funcional, estabilidade etroca de cargo por vantagem financeira,encontram-se em A2. A concordâncianesse grupo com “no serviço público,tenho a oportunidade de trabalhar pelaspolíticas, programas ou projetos em queacredito” foi a maior entre todas, atingindomédia de 7,58.

O terceiro aglomerado (A3) tem 35integrantes. Concordância quase total é dadaà afirmativa “procuro dar o máximo nasminhas atividades, independente do órgãoonde trabalho”. Valores próximos a novena escala são atribuídos às questões quetratam do questionamento do status quo eda ascensão funcional. Em seguida, emordem decrescente, aparece oportunidadede trabalhar pela sociedade, divulgação doórgão, defesa da organização, cumprimentodas regras, desejo de mais responsabilidades,estabilidade e ambiente de trabalho.

Próximos da discordância total estãoos itens sobre concentração de recursos ediminuição do ritmo de trabalho, osmenores valores entre todos os aglome-rados. Salário como fator de atratividade,troca de cargo por vantagem financeira,

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exercício de chefia como indicador desucesso, mudanças que não elevem ovolume de trabalho e desagrado a ativi-dades administrativas também receberamvalores abaixo da indiferença em A3, ouseja, tendendo para a discordância.

O aglomerado quatro (A4), compostopor 17 indivíduos, apontou concordânciatotal (dez) com a afirmativa “os servidorespúblicos devem sempre questionar oestado atual das políticas públicas nasorganizações onde trabalham”. Comescores superiores a nove, aparecem “osinteresses da sociedade brasileira são sempremais importantes do que os interesses dequem está no poder”, “eu ajudo a divulgaras ações e atividades do meu departamentoou órgão” e “a ascensão funcional é umobjetivo fundamental para mim”. Combom grau de concordância, são relacio-nadas as questões do desejo de maisresponsabilidades, a estabilidade, a trocade cargo por vantagem financeira, o exer-cício de chefia como indicador de sucesso,a defesa da organização, a superação deobstáculos e o empenho máximo.

A indiferença nesse grupo atinge asvariáveis referentes à diminuição no ritmode trabalho e concentração de recursos.Discordância elevada é reservada para“mudanças que não elevem o meu volumede trabalho ou minhas atribuições são bem-vindas”, “atividades administrativas eoperacionais não me agradam”, queconstituem também os maiores níveis dediscordância em comparação com osdemais aglomerados. Ainda entre os escoresbaixos de A4, tem-se ambiente de trabalhoe oportunidade de trabalhar pela sociedade.

O quinto aglomerado formado (A5),com 14 integrantes, concordou quasetotalmente (média de notas acima denove), com a estabilidade como fator deatratividade do serviço público, com a

troca de cargo por vantagem financeira,com a importância dos interesses dasociedade brasileira e com a troca de cargopor um ambiente de trabalho maistranqüilo. Com concordância acima deoito, aparece o cumprimento das regras, aimportância de defender os objetivos doórgão onde trabalha, o questionamento doEstado das políticas públicas e a disponi-bilidade máxima pela organização. Igual-mente bem cotadas foram a ascensãofuncional e a divulgação das ações.

As afirmativas com classificaçõespróximas à indiferença foram: “eu gostariade ter mais responsabilidades e funçõesassociadas ao meu posto atual”, “consi-dero os anos de exercício de cargos dechefia como indicador importante dosucesso”, “mudanças que não elevem omeu volume de trabalho ou minhasatribuições são bem-vindas”, “gostaria demanter minhas atribuições atuais e diminuiro ritmo de trabalho”, “os recursoshumanos e financeiros de um departa-mento ou órgão devem ser sempreconcentrados em apenas uma políticaespecífica”, “foi a oportunidade detrabalhar pela sociedade brasileira que meatraiu para o serviço público” e, um poucomais abaixo, “no serviço público, tenho aoportunidade de trabalhar pelas políticas,programas ou projetos em que acredito”e “atividades administrativas e operacionaisnão me agradam”.

O último aglomerado (A6) possui 49respondentes. Entre as 20 afirmativas, essegrupo atribui elevada concordância a 11.Ascensão funcional, estabilidade, troca decargo com vantagem financeira, exercíciode chefia como indicador de sucesso,cumprimento das regras, defesa dos obje-tivos da organização, divulgação das ações,superação de obstáculos, questionamento dostatus quo, importância dos interesses da

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sociedade brasileira, confiança no trabalho quedesempenha e disponibilidade máxima peloórgão são as questões mais valorizadas.

O grupo foi o único que não apre-sentou discordância a alguma afirmativa,tendo, no máximo, níveis próximos àindiferença. É o que acontece com asquestões sobre a concentração de recursose desagrado a atividades administrativas eoperacionais. Guarda semelhança com ogrupo anterior, mas aponta algumas dife-renças. Enquanto A5 não concorda nemdiscorda de que tenha a oportunidade detrabalhar nos projetos em que acredita, A6apresenta concordância maior. O mesmoacontece nas opiniões distintas desses doisgrupos em relação à chefia como indicadorde sucesso.

A próxima seção analisa os aglome-rados e suas características no que se refereà associação com os perfis alpinista,conservador, defensor, militante e homemde Estado.

A tipologia encontrada

Os dados referentes à correlação entreas variáveis características de alguns tipos deburocrata forneceram indicações razoáveisda pertinência da teoria de Downs (1967).A formação dos aglomerados acrescentaoutras informações e deixa claro que atipologia downsiana não foi encontrada naforma pura. Ao contrário, as variáveisrelacionam-se em outro padrão, combi-nando características de mais de um perfilno topo dos escores de um mesmo grupo.

Em primeiro lugar, o tipo “homemde Estado”, que não havia apresentadonenhuma correlação entre as afirmativas,parece estar embutido nos aglomerados.Os itens a ele referentes não obtiverambons níveis de concordância em quasetodos os grupos. Exceção é o item “os

interesses da sociedade brasileira são maisimportantes do que os interesses de quemestá no poder”, cuja menor marcação foi8,03 no aglomerado A3. Para “atividadesadministrativas e operacionais não meagradam”, a maior média foi 6,17 em A1e a menor, 2,06 em A4. A maior ampli-tude de respostas aconteceu no item “foia oportunidade de trabalhar pela sociedadebrasileira que me atraiu para o serviçopúblico”, que obteve 8,43 de concordânciaem A3 e 3,94 (mais próximo da discor-dância) em A4.

Em alguns aglomerados, marcaçõeselevadas foram dadas para afirmativasassociadas prioritariamente a diferentestipos, como alpinista e conservador, porexemplo. Sugerir nova classificação deagentes burocráticos, com base nos indi-víduos entrevistados, envolve certo esforçocombinatório. Significa relacionar algunsinteresses que podem parecer controversosà primeira vista.

Em A1, os maiores escores foramencontrados em afirmativas relacionadasaos tipos alpinista, conservador e defensor.Dentre esses, o perfil defensor é o queapresenta maior consistência entre os itens.Nos dois outros, vê-se marcações maispróximas da concordância em alguns itense outras marcações mais próximas à indi-ferença. Associações com os perfis demilitante e homem de Estado estão bemmais distantes. Esse grupo está preocupadocom a ascensão funcional, com a estabi-lidade no emprego, com o devidocumprimento das regras, com a defesa dosinteresses do órgão onde se trabalha, coma divulgação das ações, com o questio-namento das políticas, com o interesse dasociedade brasileira, em empenhar-se aomáximo e com um ambiente de trabalhotranqüilo. É um defensor que tende aoconservadorismo.

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No segundo aglomerado, A2, sobressaia concordância com a importância documprimento das regras, a defesa dosinteresses do órgão onde se trabalha, adivulgação das ações, o questionamento daspolíticas, a importância dos interesses dasociedade, oportunidade de se trabalhar emque se acredita e o empenho máximo. Dessaforma, percebe-se a presença de questõesrelacionadas a quatro perfis, estando ausentea caracterização alpinista. Também é notadaa pouca aderência ao perfil conservador.É um defensor militante.

O terceiro aglomerado, engloba indi-víduos atentos à ascensão funcional, aoacréscimo de responsabilidades, à estabi-lidade no emprego, às regras, à defesa doórgão onde se trabalha, à divulgação dasações, à oportunidade de se trabalhar pelasociedade brasileira, ao questionamentodas políticas, à importância dos interessesda sociedade brasileira e à disponibilida-de máxima de empenho pelo trabalho.Seria um defensor de Estado, com algode alpinista. Pela teoria de Downs (1967),o defensor pode usar táticas alpinistas parater mais espaço para fazer o que quer. Opoder e o crescimento na hierarquiaabrem caminhos.

Em A4, destaca-se a concordânciacom a ascensão funcional, com o acréscimode responsabilidades, com a estabilidade,troca de cargo por vantagem financeira,exercício de chefia indicador de sucesso,defesa dos objetivos do órgão, divulgaçãodas atividades, superação de obstáculoscom esforço e dedicação, questionamentodo status quo das políticas públicas (médiade pontuação 10), importância dosinteresses da sociedade brasileira e dedi-cação máxima às atividades. Esse é umgrupo misto, que apresenta traços alpinistasmais marcados, junto com opiniões eatitudes típicas de defensores e militantes.

A5 aglomera indivíduos com inte-resses ainda mais mistos e variados.Ascensão funcional, estabilidade, troca decargo associada à vantagem financeira,cumprimento das regras, defesa do órgãoe sua divulgação, questionamento daspolíticas, importância dos interesses dasociedade, dedicação máxima e troca decargo em busca de um ambiente maistranqüilo de trabalho estão todos presentescom grande concordância. Ou seja, todosos perfis burocráticos estão aí represen-tados e contemplados.

Esse grupo, composto por 14 pessoas,parece querer um pouco de tudo. Estápreocupado com ascensão funcional etrocaria de cargo por melhor salário, masé indiferente a assumir mais responsabi-lidades e à diminuição do ritmo detrabalho. Além disso, também trocaria decargo por um ambiente de trabalho maistranqüilo. Em comparação com os demaisaglomerados, esse é o que menos divulgao próprio órgão (mediana seis para esseitem) e o que mais foi atraído pela estabili-dade no emprego. No topo da lista estãoduas afirmativas referentes ao tipoconservador. Pode ser considerado umconservador defensor.

O último aglomerado, A6, valorizaa ascensão funcional, a estabilidade, avantagem pecuniária na troca de cargos, achefia com indicador de sucesso, o cumpri-mento das regras, a defesa e divulgaçãodo órgão, a superação de obstáculos, oquestionamento das políticas, os interessesda sociedade brasileira, afirma trabalhar noque acredita e dar o máximo pela organi-zação. Apesar da semelhança que possa servista em um primeiro momento em relaçãoao aglomerado anterior, A6 aponta maisengajamento com o trabalho no serviçopúblico do que A5, considerando esseengajamento associado mais fortemente

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aos itens referentes aos perfis militante ehomem de Estado.

Para observar o conjunto dos resul-tados, pode-se reduzir os dados de formaa comparar os escores totais de cada perfil.Isso é feito calculando-se a média dosvalores médios marcados no conjunto dasafirmativas referentes a cada tipo (alpinista,conservador, defensor, militante e homemde Estado). Dessa forma, obtém-se ovalor atingido por esses tipos em cadaaglomerado. Vale lembrar que a análise dascorrelações não apontou correlação signi-ficativa entre certas afirmativas. Assim, ouso das médias é apenas outra forma derepresentar os aglomerados. O quadro aseguir apresenta esses valores, acompa-nhados do tipo correspondente.

No quadro, fica evidente a impor-tância do tipo defensor em todos osaglomerados. Além dos valores médiosserem próximos entre quase todos eles,esse é o perfil de maior pontuação. Nogrupo A1, o segundo tipo destacado é oconservador, confirmando a análiseanterior de que esse aglomerado possuíacaracterísticas defensor-conservador. O

perfil militante é o menos presente emA1.

Em A2, o segundo tipo que secombina é o do homem de Estado, comvalor médio razoavelmente inferior àmarcação do tipo defensor. O alpinistaé o menos presente. O próximo aglome-rado, A3, obteve resultados semelhantesà A2. O que diferencia esses grupos sãoos valores mais baixos. Em A3, o tipoconservador é o menos presente. Emseguida, A4 combina o tipo defensorcom o alpinista, seguido pelo militante.O conservador também é o menospresente em A4. Para A5, o tipo defensoré seguido pelo conservador e peloalpinista, com o militante menos presente.Por fim, A6 é uma mistura de defensor,alpinista e conservador. O tipo homemde Estado é o menos presente. Os aglo-merados A5 e A6, que pareceram seme-lhantes pela análise das afirmativas,aparecem aqui mais diferenciados.

A análise a partir das médias apresentaresultados semelhantes à análise feita combase nas afirmativas. Se, por um lado, osvalores das médias são influenciados por

A17,59

Defensor6,89

Conservador

6,35Homem de

Estado5,80

Alpinista

4,44Militante

A28,34

Defensor6,93

Homem deEstado

6,42Militante

5,77Conservador

5,38Alpinista

A38,31

Defensor6,90

Homem deEstado

6,16Militante

5,91Alpinista

5,48Conservador

A48,55

Defensor7,69

Alpinista

7,12Militante

5,04Homem de

Estado4,88

Conservador

A58,29

Defensor7,67

Conservador

6,87Alpinista

6,12Homem de

Estado5,96

Militante

A68,91

Defensor7,65

Alpinista

7,38Conservador

7,14Militante

6,79Homem de

Estado

Quadro 5: Aglomerados e perfis encontrados

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marcações elevadas, o que podecompensar valores mais baixos marcadospara as outras afirmativas relacionadas aotipo em questão, por outro, evidencia ostipos que menos aparecem na formaçãodos aglomerados. Outra forma de repre-sentar graficamente essas informaçõespode ser vista a seguir.

Essa descrição dos aglomeradosconfirma que a tipologia descrita por Downs(1967) não é um molde adequado paraencaixar os grupos, que apresentam outrasrelações entre os perfis. Enquanto o homemde Estado não se destacou, orientações dodefensor permeiam todos os grupos, comuma ou outra ênfase diversa.

Verificação das hipóteses

A análise de aglomerados, métodocentral neste trabalho, apontou para a nãoverificação exata da tipologia de Downs(idem). Os aglomerados formados apre-sentam características de mais de um perfil,não sendo possível isolar variáveis dedestaque. Conseqüentemente, isso prejudica

a confirmação das hipóteses selecionadas,quais sejam:

• Hipótese 1 (H1): burocratas eminício de carreira tendem a ser mais alpi-nistas do que os burocratas com maistempo de serviço;

• Hipótese 2 (H2): burocratas emmeio ou fim de carreira tendem a ser maisconservadores do que aqueles em iníciode carreira;

• Hipótese 3 (H3): poucos burocratas,não importando o tempo de serviçopúblico, são homens de Estado;

• Hipótese 4 (H4): os perfis dedefensor e militante não sofrem grandeinfluência do tempo na carreira.

A H1 não pode ser verificada comple-tamente porque não há um aglomeradoclaramente alpinista. Mesmo assim,pode-se comparar os aglomeradosformados com os anos no serviço públicoe analisar as características mais marcantesdo grupo.

A tabela 2 apresenta o número e opercentual de indivíduos em cada aglome-rado de acordo com o tempo de serviço.

AglomeradoA1 A2 A3 A4 A5 A6

0 a 3 anos N 14 16 19 5 5 22 81% 17,28 19,75 23,46 6,17 6,17 27,16 100

4 a 10 anos N 9 13 3 5 1 5 36% 25,00 36,11 8,33 13,89 2,78 13,89 100

11 a 20 anos N 6 9 2 3 6 9 35% 17,14 25,71 5,71 8,57 17,14 25,71 100

Acima de 21 anos N 6 7 11 4 2 13 43% 13,95 16,28 25,58 9,30 4,65 30,23 100Total 35 45 35 17 14 49 195% 17,95 23,08 17,95 8,72 7,18 25,13 100

TotalFaixas de tempo de serviço

Tabela 2: Faixas de tempo de serviço por aglomerado

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Entre os indivíduos com até três anos deserviço público, isto é, em início decarreira, predomina a associação a A6,seguida pelo pertencimento a A3. Consi-derando os servidores que possuem entrequatro e dez anos de experiência, é em A2onde se encontram mais pessoas dessegrupo. O estrato seguinte, de 11 a 20 anos,divide-se especialmente entre A2 e A6,aglomerados razoavelmente diferentes. Porfim, aqueles com mais de 21 anos deserviço público, aparecem mais em A6 eA3. A distribuição das faixas de tempo deserviço nos aglomerados A1 e A2 nãosugere relação entre o tempo de serviço ea formação do grupo. Já em A3, têm-sedois grupos claros: os com até três anos eos com mais de 21 anos de serviço. Omesmo acontece em A6. Nos demaisaglomerados, essas discrepâncias sãomenos marcantes.

O aglomerado A6, que contém omaior número de pessoas em início decarreira, apresenta perfil misto de defensor,alpinista e conservador. Se H1 pudesse serconfirmada, esse grupo deveria apresentarcaracterísticas predominantemente alpi-nistas. De fato, três afirmativas do tipoalpinista obtiveram concordância acima deoito nesse grupo. Contudo, é A4 o grupomais alpinista, e que contém apenas 6,17%dos servidores em início de carreira. Operfil de A3, segundo aglomerado commais servidores com até três anos deserviço, possui apenas duas afirmativasreferentes ao tipo alpinista com concor-dância superior a sete e as demais, maispróximas da discordância. Nesse grupo,estão mais presentes as características dodefensor e do homem de Estado.

Os grupos com maior número depessoas com mais de 21 anos de serviçopúblico são A6 e A3, que tambémpossuem o maior número de novos

servidores. Em A6, como foi vistoanteriormente, o perfil é misto. E em A3,aparece um pouco mais do tipo conser-vador, mas sem muito destaque.

H2, já descartada pela não existência deaglomerado claramente conservador, étambém descartada porque não se percebeassociação entre o tempo de serviço e oaglomerado de pertencimento. Os cruza-mentos indicam que todos os aglomeradospossuem membros com experiênciasdiversas quanto ao tempo de serviço.

As outras duas hipóteses, H3 e H4,diretamente decorrentes da associação e daexistência clara de perfis definidos porDowns (1967), ficam prejudicadas.

Sobre a H3, o perfil do homem deEstado teve apenas uma característicadestacada entre todos os respondentes.Exceção ocorrente em A3, onde duascaracterísticas desse tipo obtiveram concor-dância acima de oito. A afirmação “os inte-resses da sociedade brasileira são sempremais importantes do que os interesses dequem está no poder” obteve concordânciamédia superior a oito em todos osaglomerados. Pode ser que existam mesmopoucos homens de Estado mas, os dadosda pesquisa demonstram que existe, pelomenos, um pouco dele em todos osservidores públicos.

A hipótese 4 (H4) precisa ser separadapara avaliação. Em primeiro lugar, a partereferente ao perfil de defensor não faz maisnenhum sentido quando se sabe que todosos aglomerados apresentaram elevadosgraus de concordância com as afirmaçõesdo perfil defensor. Em segundo lugar,nenhum aglomerado é predominantementemilitante. O aglomerado A2, que possui umperfil misto de defensor e militante, possuiindivíduos de todas as faixas de tempo deserviço. Mas isso também acontece nosdemais aglomerados.

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As hipóteses apresentadas foramelaboradas para refletir, exatamente,aspectos da teoria da burocracia deDowns (1967). Essa teoria foi construídacom base em uma tipologia sobre ocomportamento dos agentes burocráticos.O próprio autor esclarece que os perfistipificados são hipóteses a serem testadas.Uma vez que a pesquisa e a análise deaglomerados não confirmam os mesmostipos criados por Downs (1967), orestante fica comprometido em algumamedida. As hipóteses criadas com avariável “tempo de serviço” não demons-traram comprovação.

Por outro lado, os aglomeradosapresentam composições interessantes eindicam que outras hipóteses sobre ascaracterísticas comportamentais dosburocratas precisam ser formuladas etestadas.

Conclusão

Com o propósito de conhecer ocomportamento burocrático, esse trabalhoutilizou a tipologia de Downs (1967) deagentes burocráticos como modeloteórico para delinear uma pesquisa sobreos servidores públicos federais brasileiros.Este capítulo apresenta as principaisconclusões do estudo e aponta os limitesexistentes, sugerindo pontos de aprimo-ramento e aprofundamento.

A tipologia de Downs (1967) esta-belece que as organizações burocráticas sãoformadas por cinco tipos de funcionários:alpinistas, conservadores, defensores,militantes e homens de Estado. Cada umdeles está relacionado a um conjuntoespecífico de objetivos relacionados apoder, renda, prestígio, conveniência,segurança, lealdade pessoal, orgulho pelotrabalho, desejo de servir ao interesse

público e comprometimento. Dentro daestrutura formal, as pessoas encontramespaço para agir de acordo com seus inte-resses e isso pode afetar o comportamentoda organização. O estudo dos tipos deagentes burocráticos ajudaria a entender ocomportamento da própria burocracia.

Tendo isso em mente, a pesquisa foidesenvolvida para verificar a existência datipologia. Os pressupostos teóricos foramtraduzidos em itens de um questionárioaplicado a servidores públicos federais dopoder executivo. Os entrevistados foramselecionados entre as pessoas que freqüen-tam cursos de capacitação na ENAPEscola Nacional de AdministraçãoPública.

No tratamento dos dados, foi utilizadaa técnica de análise por aglomeração (clusteranalysis) que, a partir do conjunto derespostas, aglomera os casos em gruposonde os membros são homogêneos e, entreos grupos, há heterogeneidade. Ou seja, osintegrantes de um mesmo aglomeradopossuem características semelhantes e cadaaglomerado possui características distintasdos demais. Essa técnica é interessante e útilpara a construção de tipologias, pois osaglomerados são gerados com poucainterferência do pesquisador.

Cada aglomerado formado foi anali-sado em termos de sua correspondênciacom os tipos criados por Downs (1967)para a classificação dos agentes burocráticos.Os resultados apontam para a não verifi-cação da existência exata da tipologia. A aná-lise resultou em grupos de burocratas comopiniões semelhantes sobre os itens inda-gados, mas que combinam interesses devariados perfis. Dos tipos downsianos, odefensor, aquele que “veste a camisa”,permeia todos os aglomerados, sinalizandoo comprometimento do servidor públicocom o seu trabalho. Esse achado é bastante

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consistente, pois, além de estar presente emtodos os grupos, todas as afirmativas queo compõem foram correlacionadaspositivamente entre si.

Outra questão que perpassa todos osaglomerados é a afirmativa “os interessesda sociedade brasileira são sempre maisimportantes do que os interesses de quemestá no poder”, que obteve níveis de concor-dância superiores a oito em todos os grupos.Esse item diz respeito ao tipo homem deEstado, que, embora não seja predominanteem nenhum grupo, está, assim, marcada-mente presente em todos os aglomerados.A afirmativa “os servidores públicos devemsempre questionar o estado atual daspolíticas públicas nas organizações ondetrabalham” também obteve concordânciarazoável entre todos os grupos. Ainda assim,de maneira geral, as afirmativas relativas aostipos militante e homem de Estadoobtiverem os menores escores.

A principal característica da tipologiaencontrada é que ela mistura componentesde diferentes tipos de agentes burocráticos.Um mesmo grupo pode atribuir concor-dância elevada e similar a itens dos perfisalpinista e conservador, que deveriam serexcludentes. O aglomerado A1, apresenta-se como defensor conservador. Em A2,tem-se o defensor militante. Já A3, mostra-se como defensor de Estado alpinista. Ascaracterísticas de A4 são bastante variadas,

Aglomerado TipoA1 Defensor-conservadorA2 Defensor-militanteA3 Defensor de Estado alpinistaA4 Alpinista-defensor militanteA5 Conservador-defensorA6 Defensor-alpinista conservador

Quadro 6: Tipologia encontrada

gerando um misto alpinista-defensor emilitante. O conservador sobressai em A5,acompanhado de perto pelo tipo defensor,formando um conservador defensor(diferente de A1, defensor conservador, aordem é importante). Por último, o grupoque compõe A6 também é misto, consti-tuindo um defensor-alpinista e conservador.

Os estudos de Lind (1991) e de Brewere Maranto (2000) também apontaram quea tipologia de Downs (1967) não severificava completamente. Lind observouque conservadores possuem pré-disposiçãopara mudanças, ao contrário do que pregaa teoria. Brewer e Maranto, também identi-ficaram o interesse em servir ao país compeso geral relevante.

A teoria downsiana não considera queos indivíduos possam ter interesses aparen-temente conflitantes. Tal conflito seriaaparente pela diversidade de situações econtextos enfrentados pelos burocrataspúblicos ao longo da carreira. Em determi-nadas situações, um interesse alpinista podeprevalecer e, em outras, um interesseconservador. A importância de analisar aspreferências dos indivíduos enxergandotodo o período profissional foi ressaltadapor Schneider (1994), que afirmou que asestratégias podem mudar em face de novassituações.

Alguns limites da pesquisa devem serressaltados. Em primeiro lugar, a amostra

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resultante possui um número maior deservidores em início de carreira do que aproporção efetivamente encontrada napopulação. Em segundo lugar, foi pergun-tado apenas o tempo de serviço e não aidade do respondente. Em terceiro lugar,o questionário possui afirmativas desbalan-ceadas entre os perfis da tipologia. Doisperfis contam com cinco afirmativas aserem avaliadas, enquanto outros contamcom quatro ou três. Além disso, a análisede correlação não indicou a correlaçãocompleta entre grupos de afirmativas. Emquarto lugar, o uso de escala e a possi-bilidade do respondente assinalar todos ositens, favorece o aparecimento de umatipologia mista. Se, por um lado, issodificulta a associação a um único tipo e acomprovação ou refutação da teoria deDowns (1967), por outro, dá mais riquezaà análise dos resultados. Por último, a análisebaseia-se em apenas um instrumento e umaforma de tratamento dos dados. Outrosinstrumentos, como entrevistas, porexemplo, podem ser usados para comple-mentar a pesquisa.

Uma alternativa promissora para novosestudos seria a reorganização da tipologiade Downs (1967). Tendo em vista que osperfis encontrados nesta pesquisa forammistos, novas correlações entre as afirma-tivas podem ser buscadas, criando novostipos de agentes burocráticos.

Outras e novas tipologias podem serpensadas para agrupar comportamentosde agentes burocráticos que não foramcontemplados. Em exercício de pensar

novos tipos, o burocrata “pendura paletó”,por exemplo, poderia ser um deles. Suapossível existência em uma organizaçãocompromete o rendimento e a qualidadedo trabalho realizado. O “alpinistapuxa-tapete” talvez pudesse ser outroexemplo, aquele que abusa dos outros esabota trabalho alheio visando à própriaascensão funcional. Mas aí, o limite entretipologia e patologia poderia estar sendoultrapassado.

Conhecer o tipo social do servidorpúblico é um tema atraente e que despertamuitas controvérsias. O tempo de serviçoe o interesse em servir à sociedade nãoaparentam ser relevantes para a diferen-ciação desses tipos. Os resultados obtidosindicam que outros tipos devem serpensados, reavaliando os desejos einteresses dos servidores públicos, que são,em grande medida, comprometidos comseu trabalho. Crenças, valores e objetivospessoais precisariam ser analisados emdiferentes momentos, com o intuito decaptar comportamentos ao longo dotempo. Essa perspectiva poderia trazer maisconsistência aos tipos encontrados.

A construção da teoria sobre o com-portamento da burocracia é um esforçocontínuo. Estudos podem apontar direçõesdiversas, destacando alguns aspectos quenão são captados em algumas estruturasconceituais. Dependendo da moldura quese usa para enxergar a realidade, pode-sese distinguir várias pinturas.

(Artigo recebido em 31de agosto de 2007.Versão final em 27 de setembro de 2007)

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Notas

1 Sobre a criação do DASP, conferir o Decreto-lei no 579 de 30 de julho de 1938. Ao longo dasdécadas, o órgão sofreu modificações em sua estrutura e competências (e no nome, mantendo-se asigla). Quando foi extinto, as funções que ainda possuía passaram para a recém-criada Secretaria deAdministração Pública da Presidência da República, encarregada também do projeto dedesburocratização. Essa secretaria também sofreu diversas transformações até chegar à estruturaatual, na qual o órgão central de recursos humanos está ligado ao Ministério do Planejamento,Orçamento e Gestão. Um histórico completo pode ser acessado em; <http://www.planejamento.gov.br/recursos_humanos/conteudo/historico.htm>.

2 Clientelismo é um termo usado na literatura que “indica um tipo de relação entre atorespolíticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais,isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto” (CARVALHO, 1997).

3 Fonte: MPOG, SRH, Boletim Estatístico de Pessoal, no 123.4 Os tipos ideais são os modelos weberianos usados para auxiliar na compreensão dos fatos.

São simplificações da realidade, elaborados para serem utilizados como instrumento para o processode análise. Os mais famosos exemplos são os três tipos puros de dominação legítima: racional-legal,carismática e tradicional (COHN, 1982). A existência da burocracia está relacionada à dominação racional-legal, característica do Estado moderno.

5 A idéia da maximização de utilidade é similar à de Niskanen, mas em Downs não se restringeà maximização orçamentária.

6 A socialização profissional dos militares e a absorção destes dentro da estrutura estatal ocorremde forma distinta. Os servidores civis passam por concurso público, ainda que alguns tenham sidoincorporados ao sistema sem esse pré-requisito em meados dos anos 1980.

7 Trinta e seis questionários foram invalidados por terem sido preenchidos por servidores decarreira militar, de governos estaduais, do legislativo ou do judiciário, grupos que não compõe o focoda pesquisa.

8 O questionário pronto foi submetido a pré-teste com um grupo de cinco servidores públicos dediferentes níveis, aos quais solicitou-se o preenchimento do formulário e comentários sobre clareza eforma. Sugeriu-se alteração na forma de marcação da escala, alterações nas perguntas demográficas e ainclusão de mais um item nas afirmativas. O questionário aplicado reflete essas alterações.

9 Os demais servidores pertencem à Receita Federal (3,08%) e à polícia (4,10%). Não responderamesse item 5,13%.

10 As correlações foram verificadas pelo índice de correlação de Pearson. A tabela com os valorespode ser solicitada à autora.

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Resumo – Resumen – Abstract

O servidor público brasileiro: uma tipologia da burocraciaClarice Gomes de OliveiraAs teorias sobre a burocracia governamental e seu comportamento fornecem diferentes

abordagens teóricas e diferentes interpretações. A partir da tipologia de agentes burocráticos criadapor Anthony Downs (1967), esse trabalho analisa os servidores públicos federais brasileiros e suapostura face ao trabalho. Com a aplicação de questionários a um grupo de servidores, buscou-severificar a existência e/ou pertinência dos tipos descritos como alpinistas, conservadores, defensores,militantes e homens de Estado. Os dados obtidos foram tratados pela técnica de análise de aglome-rados. Os resultados encontrados apontam que a tipologia possui limites fluidos entre um perfil deburocrata e outro, acenando para a necessidade de se repensar as concepções sobre a burocraciagovernamental e aprofundar os estudos.

Palavras-chave: Burocracia. Tipologia. Análise de aglomerados.

El funcionario público brasileño: una tipología de la burocraciaClarice Gomes de OliveiraLas teorías acerca de la burocracia su comportamiento proveen diversas interpretaciones. Este

trabajo analiza los servidores públicos federales brasileños y su relación con el trabajo empleando latipología de los agentes burocráticos creada por Anthony Downs (1967). Con la aplicación desondeos a un grupo de servidores, se buscó comprobar la existencia de los tipos descritos comoescaladores, conservadores, defensores, militantes y hombres del estado. Los resultados señalancaracterísticas de la burocracia diferentes da concepción de Downs.

Palabras-clave: Burocracia. Tipología. Análisis de conglomerados.

The Brazilian civil servant: a typology of bureaucracyClarice Gomes de OliveiraThe behavior of bureaucrats has been studied by several theoretical approaches. This paper

builds on Downs’ typology of bureaucratic officials (climbers, conservers, advocates, zealots andstatesmen) to analyze Brazilian public servants. Questionnaires were applied in order to verify theexistence of the typology. Collected data were categorized using cluster analysis. The results showthat the division between the bureaucratic profiles is not clear. The obtained clusters reveal characteristicsof different bureaucratic roles that were not predicted by Downs.

Key-words: Bureaucracy. Typology. Cluster analysis.

Clarice Gomes de OliveiraÉ especialista em políticas públicas e gestão governamental, mestre em Ciência Política pela Universidade deBrasília (UnB). Contato: <[email protected]>