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751 T E M A S  L I  V R E S  F R E E  T H E M E S Representações médicas e de gênero na promoção da saúde no climatério/menopausa Medicals and gender’s represe ntations on health promotion in climacteric/menopause 1 Departamento de Política Social, Faculdade de Serviço Social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua São Francisco Xavier, 524, Bloco D, sala 8.027. Maracanã, 20550-013, Rio de Janeiro RJ. [email protected] Eliana Azevedo Pereira de Mendonça 1 Abstract The aim of this article is to discuss the limits and the possibilities of educative health practices for the women’s health promotion. We should do a cr itic of the “unilateral communica- tion” and reflect on the need for women to become active parts in this process. Having focusing on an interdisciplinary activity in climacteric women’ s attention in a health public organization in Rio de Janeiro between 1990-1995, we have observed that the gender’s construction had a significant influence in women’s daily lives and that most of them had a negative social representation of the menopause. They talked about their fears of the menopause consequences. When we know social representations about menopause, we can access the effectiveness of the discourse about women’s physicals and psychological changes during this period life and establish more efficient and com- municative exchanges between all the people con- cerned and the health workers to build new social representations, and help women to express the emotions resulting from the “battle of mind” fought in all their relationships. This would firstly enable them to take an active part in their health promotion, and, secondly improve the way health’s workers approach the matter. Key words Health promotion, Social represen- tations, Educative practices, Gender, Menopause Resumo Sendo a atenção integral à saúde um desafio às práticas multidisciplinares no âmbito dos serviços públicos de saúde, tomamos como ei- xo de discussão a crítica à transmissão vertical de informações, o que implica refletir sobre o papel ativo dos sujeitos na abordagem dos fenômenos saúde/doença. Atra vés de práticas educativas na assistência à mulher no climatério em um ambu- latório no Rio de Janeiro , observamos que as cons- truções de gênero operam de forma incisiva nas vivências das usuárias. Através de imagens, sím- bolos e representações expressaram o sentimento de perda em várias direções: insegurança face aos sintomas de natureza física e psicológica antes não vivenciados, menos-valia pelo desprezo às suas queixas, medo do desconhecido diante das representações neg ativas da menopausa. Tornar inteligíveis as representações sociais de um dado grupo sobre o objeto menopausa implica analisar a eficácia dos discursos em relação às mudanças fisiológicas da mulher nessa etapa da vida, e ini- ciar um processo de troca entre população e pro- fissionais no sentido de (re)construí-las a partir da crítica às representações dominantes que sus- tentam relações de poder, favorecendo a expressão dos sentimentos e emoções de maneira a possibili- tar à mulher ser sujeito de sua saúde e ampliar o olhar e a se nsibilidade dos profissionais da saúde. Palavras-chave Promoção da saúde, Represen- tações sociais, Práticas educativas, Gênero, Me- nopausa

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E S  F R E E  T HE ME S 

Representações médicas e de gênero na promoçãoda saúde no climatério/menopausa

Medicals and gender’s representations on health

promotion in climacteric/menopause

1 Departamento dePolítica Social, Faculdadede Serviço Social.Universidade do Estadodo Rio de Janeiro.Rua São Francisco Xavier,524, Bloco D, sala 8.027.Maracanã, 20550-013,Rio de Janeiro [email protected]

Eliana Azevedo Pereira de Mendonça 1

Abstract The aim of this article is to discuss thelimits and the possibilities of educative healthpractices for the women’s health promotion. Weshould do a cr itic of the “unilateral communica-tion” and reflect on the need for women to becomeactive parts in this process. Having focusing on an

interdisciplinary activity in climacteric women’sattention in a health public organization in Riode Janeiro between 1990-1995, we have observedthat the gender’s construction had a significant influence in women’s daily lives and that most of them had a negative social representation of themenopause. They talked about their fears of themenopause consequences. When we know social representations about menopause, we can accessthe effectiveness of the discourse about women’sphysicals and psychological changes during thisperiod life and establish more efficient and com-

municative exchanges between all the people con-cerned and the health workers to build new social representations, and help women to express theemotions resulting from the “battle of mind”fought in all their relationships. This would firstly enable them to take an active part in their healthpromotion, and, secondly improve the way health’sworkers approach the matter.Key words Health promotion, Social represen-tations, Educative practices, Gender, Menopause

Resumo Sendo a atenção integral à saúde umdesafio às práticas multidisciplinares no âmbitodos serviços públicos de saúde, tomamos como ei-xo de discussão a crítica à transmissão vertical deinformações, o que implica refletir sobre o papel ativo dos sujeitos na abordagem dos fenômenos

saúde/doença. Através de práticas educativas naassistência à mulher no climatério em um ambu-latório no Rio de Janeiro, observamos que as cons-truções de gênero operam de forma incisiva nasvivências das usuárias. Através de imagens, sím-bolos e representações expressaram o sentimentode perda em várias direções: insegurança face aossintomas de natureza física e psicológica antesnão vivenciados, menos-valia pelo desprezo àssuas queixas, medo do desconhecido diante dasrepresentações negativas da menopausa. Tornar inteligíveis as representações sociais de um dado

grupo sobre o objeto menopausa implica analisar a eficácia dos discursos em relação às mudançasfisiológicas da mulher nessa etapa da vida, e ini-ciar um processo de troca entre população e pro-fissionais no sentido de (re)construí-las a partir da crítica às representações dominantes que sus-tentam relações de poder, favorecendo a expressãodos sentimentos e emoções de maneira a possibili-tar à mulher ser sujeito de sua saúde e ampliar oolhar e a sensibilidade dos profissionais da saúde.Palavras-chave Promoção da saúde, Represen-tações sociais, Práticas educativas, Gênero, Me-nopausa

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Introdução

Climatério/ menopausa é sem dúvida, aqui noBrasil, uma temática que entra na agenda dasdiscussões na década de 1990. Se havia um rela-

tivo silêncio a respeito, fosse pela escassa difu-são de trabalhos científicos produzidos fora doBrasil, ou por ainda ser tema tabu entre as mu-lheres, o fato é que não deixava de ser uma ques-tão relevante para as mesmas. No trabalho comgrupos nos anos 80, no PAM 13 de Maio/RJ, di-mensionávamos a grande demanda das mulhe-res na pré e pós-menopausa por uma atençãoparticularizada e que não era satisfeita nos li-mites da consulta ginecológica. Situando a me-nopausa em um processo global da vida da mu-lher, o texto de Pedrin et al . (1988), do Grupo

de Mulheres de São Francisco, fora referênciafundamental; a propósito, Gutiérrez (1992) citaque na América Latina não se tinha notícia depesquisa semelhante sobre a menopausa. A ex-periência iniciada em 1988 com grupos de mu-lheres na meia-idade, descrita em “Mulher namenopausa: declínio ou renovação” (Gutiérrez,1992) antecedera o projeto de atenção integralà saúde da mulher no climatério, implementa-do na referida unidade em meados de 1990, decuja experiência nos valemos neste artigo.

No cenário internacional a realidade era ou-tra. O ano de 1976 marcara a realização do I Con-

gresso Internacional de Menopausa, definindo-seclimatério – período de envelhecimento da mu-lher entre as fases produtiva e não produtiva; emenopausa – a data final das menstruações queocorrem durante o climatério (Portinho, 1994).Também nesse ano, a International MenopauseSociety lança na França o periódico Maturitas,com a finalidade precípua de publicar os resulta-dos de estudos e experiências complementaressobre reposição de hormônios, mas segundoGreer (1994) seu objetivo era e continua a ser con-seguir subsídios do governo para divulgar o “evan-

gelho” da terapia de reposição hormonal . A críticaincide sobre a ênfase na TRH em detrimento davalorização do processo natural da vida e de seuenfrentamento pelas próprias mulheres e/ou doexame de fatores que extrapolam o biológico.

Acompanhando os debates sobre essa temá-tica, vemos que o aumento da esperança de vi-da da humanidade se transforma no principalargumento que justifica a maior difusão daspesquisas científicas, as matérias jornalísticas eprogramas de saúde.

Em 1993, o Ministério da Saúde incluiu noPrograma de Assistência Integral à Saúde da

Mulher (PAISM) orientações específicas à assis-tência ao climatério, objetivando universalizar os procedimentos em diversos níveis de atendi-mento, contemplando a melhoria dos indicadoresde saúde. Indica basicamente uma propedêutica

médica, orientação dietética e orientação paraprogramas de atividades físicas. Atividades edu-cativas devem oferecer às clientes o maior nível de atendimento sobre as modificações biológicasinerentes ao período do climatério, bem comopropiciar adequada vigilância epidemiológica àssituações de risco associadas. Os aspectos psicoló-gicos e sexuais são, também, apontados comosignificativos nessa fase. Entendemos que cabeexplorar não só esses aspectos, mas ampliar osdebates sobre as práticas educativas e seus obje-tos, considerando que as usuárias necessitam de

informações que lhes permitam ter um papelativo diante das situações desconhecidas que asdeixam inseguras e vulneráveis à medicalização.

Climatério/menopausa:a importância das informações

Uma revisão na literatura que discute a meno-pausa, destacando os primeiros cinco anos dadécada de 1990, permite sinalizar que o temadas mudanças por que passam as mulheres nameia-idade aparece como central, assim como

se atribui importância à veiculação de informa-ções. Contudo, a maneira como se interpreta aproblemática da mulher engendra caminhos di-versos e proposições diferenciadas, seja no pró-prio universo médico seja a partir do olhar di-ferenciado das feministas. Assim, situamos nos-sas discussões na perspectiva das respostas pos-síveis dos serviços públicos às demandas dasmulheres que identificam problemas em rela-ção à menopausa.

Na literatura médica, o termo climatério de-signa, basicamente, o ciclo da mulher caracteri-

zado pelas mudanças hormonais (diminuiçãode estrogênio e progesterona), alterações vagi-nais e cessação da menstruação (menopausa).Reserva-se a expressão síndrome do climatérioao conjunto de sinais e sintomas que provocammal-estar físico e emocional, resultante da insufi-ciência estrogênica, destacando-se, a curto prazo,ondas de calor, insônia, irritabilidade e depres-são; a médio prazo: atrofia dos epitélios, mucosase colágeno; a longo prazo: alterações cardiovascu-lares e perda de massa óssea (Luca, 1994). Há au-tores que classificam os sintomas em vasomo-tores (fogachos, suores, palpitações) psíquicos e

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somáticos. Como a menopausa ocorre dentrode um amplo período – climatério –, Bronstein(1994) considera que as modificações somáti-cas e psíquicas apresentadas pelas mulheres se-rão muito diferentes, assim como as alterações

endócrinas, que merecerão considerações emseparado conforme a fase em que se encontrem– período da maturidade feminina, perimeno-pausa ou início do envelhecimento.

Se o termo climatério era até então desco-nhecido da população usuária dos serviços desaúde, menopausa representava um marco dasmudanças por que passa a mulher, não só emtermos fisiológicos, mas aí acrescentando ou-tros atributos, como por exemplo, na associa-ção entre menopausa e início do envelhecimen-to e decadência, construções características de

nossas sociedades e culturas ocidentais. Nãoque o discurso médico esteja desprovido dessesatributos; na própria origem do termo, do gre-go Klimáter , temos o significado de “períodocrítico da vida”. Para Greer (1994) as pessoas sócomeçaram a discutir o climatério depois deanalisado e definido pelos médicos como umasíndrome: a classe médica adquiriu o poder detratar a “fase crítica” (...) como um problema queexigia intervenção médica, e não como um im-portante processo inerente ao desenvolvimento fe-minino, que as próprias mulheres deviam enfren-tar. Admite que este é um período difícil, sem

exceção; um período de mudança e que é im-portante não se negar o evento em si e enfren-tá-lo. As idéias de Greer desenvolvem-se tendocomo diretriz um dos dogmas feministas – cabeà mulher definir sua própria experiência – e en-fatiza: o trágico não é necessariamente esquecer-se de si própria, mas a baixa auto-estima.

Enquanto a linguagem médica fala de sinto-mas e de processos fisiológicos, de reposição dehormônios, a das feministas fala da vida, domaior conhecimento de si própria, da utiliza-ção de produtos e técnicas naturais. Para Wer-

thein et al . (1999) transformar os signos da me-nopausa em sintomas torna as mulheres maisvulneráveis à medicalização e habilita a pensara menopausa como uma enfermidade e não co-mo um fato vital. Pedrin et al . (1988) tambémsinalizavam uma tendência crescente na medi-cina para encarar a menopausa como uma fasede transição natural, mas que considerá-la umadoença de insuficiência era um aspecto aindaensinado na maioria das escolas médicas.

A identificação de menopausa como doençaé um mito, afirma o médico L. de Luca (1994)assim como considerá-la marco do envelheci-

mento e da degradação física e mental. Admite,no entanto, que poucas mulheres estão isentasde sintomas e que para a maioria, menopausasignifica o “inferno” do início do envelhecimen-to. O uso dessa metáfora sublinha a intensidade

das sensações experimentadas por muitas, o quenos leva a indagar se para aquelas que vivenciamnegativamente esse período é suficiente a defi-nição do climatério como um processo naturale a afirmação de que não é uma doença. Comose explicam a existência de sintomas e a ênfaseno tratamento para reposição de hormônios?

Aldrighi (1994) situa a “medicina climatéri-ca” como uma importante parcela da medicinapreventiva, o que permite às mulheres uma con-dição de vida mais digna no seu processo biológi-co natural de envelhecimento. Entre as muitas

funções do médico inclui a de orientar as mu-lheres na pós-menopausa sobre o real significadoda redução de hormônios e a necessidade de repo-sição hormonal – sempre avaliando a relação ris-co/benefício –, com o intuito de diminuir a inci-dência das afecções (...).

Salientando a importância do estudo da me-dicina climatérica, os médicos também reconhe-cem que há uma carência de informações ade-quadas à mulher.

Para Fonseca (1999) uma abordagem realis-ta e tranqüilizadora e um bom relacionamentoentre o médico e a paciente podem fazê-la aceitar 

a terapia de reposição com segurança. O argu-mento daqueles que defendem com veemência ouso de estrogênios depois da menopausa é basea-do na intenção de se trabalhar na prevenção daosteoporose e das doenças cardiovasculares. Sabe-mos que o risco de o uso de estrogênios aumentar os casos de câncer do corpo uterino é desprezível,desde que a paciente submetida à terapia de re-posição seja mantida sob rigorosa atenção médica.

A questão dos esclarecimentos risco/benefí-cios na terapia de reposição hormonal (TRH),bem como a atitude do médico como fonte de in-

formação vêm enfatizadas por L. de Luca (1994):no que se refere à terapêutica de reposição no cli-matério é preciso adotar postura franca e simpáti-ca. É dever profissional esclarecer a função doshormônios, quais são eles, por que ministrá-los,quando iniciar o tratamento e qual a sua duração.Informar sobre os efeitos colaterais, desde os maissimples aos mais graves. Discutir os esquemas demedicação e esclarecer as dúvidas pertinentes e ca-bíveis, impertinentes e descabidas. Atitudes médi-cas negativas, autoritárias, às vezes zombeteiras,são contraproducentes e respondem, não raro, pelonascimento de mitos ou de meias-verdades.

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Se é dever ético profissional prestar esclare-cimentos em relação à TRH, considerando-seos direitos do paciente, há, no entanto, limitesem termos da prática médica nos espaços dosserviços públicos de saúde. Dentre outros, o pe-

queno tempo de que se dispõe para elaborar in-formações com as usuárias, levando-se em con-ta que se faz necessário uma aproximação como universo sociocultural da população usuária.Em nossa experiência encontramos usuárias,que vindas de outras unidades, haviam feitoTRH e/ ou interrompido o tratamento, desco-nhecendo o teor do mesmo. Também já ouvi-mos depoimento de médicos, que convencidosda eficácia do TRH o prescrevem ainda que nãotenham possibilidade de tecer ampla informa-ção à “paciente”; há ainda os que não admitem

contra-argumentação. Nesse sentido cabe a ob-servação, acima citada, de Luca, que não descar-ta a existência do discurso autoritário. Cabe res-saltar não se tratar de um exagero a referência aatitudes zombeteiras, quando as flagramos atre-ladas às representações da mulher poliqueixosa,da que não tem parceiro, da mulher velha, daignorante, e etc.

O fato é que embora se reconheça que aTRH não seja a única medida no climatério,sendo suas coadjuvantes uma alimentação cor-reta, exercícios físicos adequados e orientaçãopsicológica, a discussão na medicina se centra

na TRH: Muitas vezes a depressão, as ondas decalor, o nervosismo e a tristeza observadas podemser de origem emocional, e mesmo na ausência demenstruação, não é fácil detectar muita coisaalém das alterações dos níveis hormonais ou ascondições que possam justificar toda esta sinto-matologia. O arsenal terapêutico disponível atual-mente pode aliviar com sucesso os distúrbios doclimatério e facilitar muito o tratamento (Fonse-ca, 1999).

Por outro lado, fora da especialidade clima-tério, muitas vezes ignoram as queixas das mu-

lheres, entendendo que nada há a fazer: Come-cei a sentir coisas diferentes, embora menstruan-do normalmente (...) O médico disse: “O melhor é esquecer”; só que todas as vezes que estava pramenstruar, ficava naquela indisposição..., meurosto ficava inchado; pensava, “estou tendo perdade alguma coisa”. Não sei se tem uma reposiçãohormonal; é só depois que a menstruação vai em-bora? (Fala numa reunião de sala-de-espera).

O acesso à saúde, nos lembra Rosenberg(1992), é estruturado em torno do que foi cons-truído como legítimo na avaliação diagnóstica,assim como as terapêuticas. Se as causas para os

“sintomas” no climatério podem ser agrupadasem três grandes categorias – redução dos estró-genos, fatores socioculturais e fatores de perso-nalidade –, para Stepke (1997), o “peso etiológi-co” de cada causa difere, (...) só à primeira, em

geral, se atribui a possibilidade de estabelecer pro-cedimentos adequados para explicitá-lo e deduzir dessa explicitação medidas cientificamente fun-damentadas (...). No entanto, estudos epidemio-lógicos evidenciam que as mulheres que têm aces-so às informações passam mais tranqüilamente oclimatério e, há, ainda, evidências de diversos an-tecedentes para essa sintomatologia: a saúde pré-via, emocional e física; as expectativas em relaçãoà própria vida; a valorização da maternidade emdeterminadas culturas; a ausência de menstrua-ção, valorada de forma positiva ou negativa. In-

ferimos ser este um processo natural que é vivi-do em condições diferenciadas, dependendo devários fatores, desde os genéticos e do meio-ambiente aos que estão ligados às condições devida e de trabalho.

Embora não pretendamos discutir riscos ebenefícios da TRH, sinalizamos que, contra-pondo-se à já inquestionável adesão de muitosmédicos à referida terapia, a Rede Nacional Fe-minista de Saúde e Direitos Reprodutivos, pre-parou um dossiê (2001) em que a crítica à me-dicalização da menopausa é acompanhada dedados que corroboram a idéia de que os estu-

dos sobre hormônios de reposição ainda sãocontraditórios e também em Greer (1994) en-contramos referências a pesquisas que se con-tradizem.

Considerando que as informações necessá-rias à população usuária dos serviços públicosvão além das informações em termos da reposi-ção de hormônios, esclarecimentos sobre osmecanismos fisiológicos e a própria anatomia,reconhecemos os limites da medicina para darconta dos diversos fatores imbricados na pro-blemática da mulher no climatério. Deve-se ad-

mitir que não é apenas com uma conversa fran-ca que se soluciona as imensas dúvidas das mu-lheres ou se desconstrói a idéia que se faz damulher madura ainda diretamente ligada à ve-lhice que a exclui da vida ativa. Envelhecer tam-bém depende do gênero, sendo distintas as cro-nologias femininas e masculinas. Por outro la-do a idéia de mudanças no estilo de vida vão terde ser trabalhadas, levando-se em conta as con-dições de vida e os valores em relação à alimen-tação, ao tempo disponível para os cuidados desi, as representações do corpo e do tempo so-cialmente úteis, entre outros.

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Consideramos ainda que o evento biológicoque marca a menopausa vem acompanhado deinúmeras imagens e metáforas que nos indicamum caminho para estudar as representações so-ciais às quais estão ligadas. Cabe desvendar as

construções em relação aos grupos de idade, degênero, do tempo e do corpo a elas associadas etomá-las como matéria-prima para trabalhar asinformações nas práticas educativas.

Representações de gênero

Como modo de conhecimento prático, com-partilhado, orientado para a compreensão domundo e para a comunicação, as representaçõessociais (RS) – diante dos inúmeros objetos, pes-

soas, acontecimentos ou idéias – nos guiam nomodo de nomear e definir conjuntamente os dife-rentes aspectos da realidade diária, no modo deinterpretar esses aspectos, tomar decisões e, even-tualmente, posicionarmo-nos frente a eles de for-ma defensiva (Jodelet, 2001).

Referenciamo-nos, também, em Bourdieu(1996) que ao enfocar a dominação masculinaconsidera que ela está suficientemente assegu-rada nas sociedades ocidentais, exprimindo-sesob forma de evidências, nos discursos (dita-dos, provérbios, etc.), nos objetos técnicos, naspráticas. Existe nas coisas, sob forma de divisões

espaciais entre os espaços femininos e masculi-nos e sob a forma de instrumentos diferencia-dos, masculinos ou femininos que são “as estru-turas inscritas na objetividade”, o que significaque estão inscritas, nos corpos sob a forma dedisposições corporais visíveis na maneira deusar o corpo. Existe, também, nas mentes, sobforma de princípios de visão e de divisão, de ta-xionomias, de princípios de classificação queestão inscritas na subjetividade, sob forma deprincípios de percepção dos corpos dos outros.

Ao tomarmos as RS da menopausa temos

exemplos de como se entrelaçam o pensamentopopular, o ideológico e o científico. Alguns dossubtítulos de livros de autores que citamos nosremetem às funções cognitivas no processo deRS. Ao pretenderem ser atraentes ao público fe-minino e difundir a idéia de reposição hormo-nal, alguns vão buscar aqueles conteúdos maisestáveis nas culturas e sociedades ocidentais,dentre os quais estão as construções que natu-ralizam as ações e comportamentos, calcadosem justificativas que se apóiam em explicaçõesbiologicistas, que no senso comum se traduzemem expressões do tipo: “faz parte da natureza

feminina”. Num dos subtítulos, “O eclipse dalua”, a imagem que faz associar a mulher à na-tureza, obscurece o sentido que o próprio livropretende que é dar visibilidade e voz às mulhe-res no mundo da cultura. Por que, “Para sem-

pre mulher”?, outro subtítulo escolhido, ou porque, ainda,“Feminina para sempre”?, expressãonão só utilizada em fôlderes de propagandas delaboratórios, mas reafirmada em fóruns médi-cos. Não nos remetem eles à idéia da fusão en-tre sangue menstrual, fertilidade e feminilida-de? Não estaria aí vinculada a idéia de ser mu-lher com a aptidão de ser feminina, de ser se-xualmente desejável e atraente, arquétipos equi-valentes à juventude? O texto de Werthein et al .(1999) nos sugere ainda a questão: Não se esta-ria confirmando a associação entre sangramen-

to menstrual e juventude, sangue e vitalidade,que marca os limites de entrada e saída do mer-cado erótico/sexual?

Destacamos a partir dos subtítulos acimamencionados, algumas condições que afetam osaspectos cognitivos, ao nível da emergência dasrepresentações, a saber – o foco sobre certos as-pectos do objeto, em função dos interesses e daimplicação dos sujeitos, a pressão à inferência,no sentido de se obter a adesão do público femi-nino. Nesse sentido, como vetor de transmissãoda linguagem, a comunicação contribui paraforjar representações que são pertinentes para a

vida prática e afetiva dos grupos (Jodelet, 2001).A imagem do ser feminina, construída a

partir de valores sedimentados na beleza, na ju-ventude, na fertilidade, atinge profundamente aidentidade da mulher. Nesse sentido, a meno-pausa representada como momento crítico afe-ta negativamente a construção da sua auto-imagem. Para Werthein et al . (1999) antes mes-mo que as mudanças corporais venham produzir impactos psicológicos, são os discursos vigentes, oimaginário social, que denigrem e desvalorizamnosso corpo, que segregam nossos desejos.

Práticas e representações sociais

Situamo-nos no início dos anos 90 no contextode uma unidade médico-assistencial, referen-ciada na introdução do artigo, onde atuamoscomo assistente social na atenção à mulher noclimatério (1990/1995) juntamente com médi-cos – ginecologista e clínico –, psicólogo, nutri-cionista, enfermeira e fisioterapeuta.

Quebrando o silêncio em torno da meno-pausa, estimulando a expressão de sentimentos

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e vivências, os debates de toda a equipe com apopulação, em reuniões quinzenais, por vezesreuniam cerca de cem usuárias. Na rotina dosatendimentos, os grupos de sala-de-espera, comduração média de sessenta a noventa minutos,

eram em geral conduzidos por uma assistentesocial, com a participação de outro membro daequipe, pretendendo ser um dispositivo para aparticipação ativa das usuárias no processo saú-de/doença. Na condução dos grupos distingui-mos dentre os eixos temáticos: romper o silên-cio, questionando as representações em torno dossaberes e das práticas de saúde; contextualizandoos serviços de saúde e as políticas de saúde; socia-lizar informações, tendo como conteúdo o corpo,as modificações biológicas, os fatores sociocultu-rais e psicológicos; a prevenção de doenças e sua

relação com diferentes estilos de vida; a reposiçãohormonal (vantagens e desvantagens); – as dife-rentes condutas terapêuticas

Registramos das reuniões o que seria a in-dagação central, a postura inicial das usuárias,diante da necessidade de entenderem as mudan-ças por que estavam passando ou pelas quaispoderiam passar: O que está de fato acontecen-do comigo? Ou, o que poderá v ir a acontecercomigo?

À medida que iam obtendo informações, te-ciam críticas à ausência das mesmas no âmbitodos serviços públicos de saúde e de não serem

ouvidas: “Os médicos cumprem suas obrigações,mas não revelam a necessidade de uma orienta-ção sobre o climatério”; “faltam informações, poisos médicos não explicam, atribuem tudo à idade”,ou “a pouca informação sobre a menopausa se re-flete na maneira como as pessoas reagem às quei-xas das mulheres”. Nessas falas estão dizendoque ao não ser dada a devida atenção às suasqueixas os problemas deixam de ser discrimi-nados, negligenciando-se possíveis medidas naprevenção de doenças ou promoção da saúde,bem como ao se atribuir tudo à idade se gene-

raliza, o que resulta na combinação mulher po-liqueixosa / mulher velha.

Perfil da população usuária

Em 1994 com o objetivo de precisar o perfil dapopulação usuária e levantar os fatores socio-culturais na problemática da mulher no clima-tério-menopausa, realizamos 289 entrevistas se-mi-estruturadas no próprio setor do climatérioentre os meses de agosto a dezembro, corres-pondendo aproximadamente a 35% do total de

atendimentos realizados no período. Nesse uni-verso, 144 ainda não haviam passado por ne-nhum atendimento na referida clínica (usuáriasiniciais) e as 145 restantes já estavam em aten-dimento (subseqüentes). Duas perguntas aber-

tas – o que sabiam sobre climatério-menopau-sa; e como se sentiam na atual fase da vida – noslevaram a novo exame dos dados dessa pesqui-sa, por ocasião do nosso projeto de tese, em quetomamos como objeto de estudo as representa-ções sociais como matéria-prima das práticaseducativas. Ao indagarmos sobre a relação en-tre representações e as vivências da menopausa,acrescentamos aos dados do perfil alguns signi-ficados que emergiram com a análise temática.Consideramos que as visões compartilhadas dasmudanças na menopausa vêm ancoradas não

apenas nas construções médicas via linguagemdos sintomas, mas que as construções ideológi-cas de gênero “transversalizam” as representa-ções e as práticas, o que se torna mais evidentequando os temas remetem ao envelhecimento,à sexualidade, às diferentes atitudes femininas emasculinas diante desses processos.

Características socioeconômicas

A população usuária majoritariamente encon-trava-se na faixa etária de 45 a 49 anos (31,5%)

e 45 a 54 anos (28,1%), perfazendo um total de59,9%.

Considerando-se os anos da pré e pós-me-nopausa e as dificuldades para se arbitrar o mo-mento de inclusão da mulher nos serviços doclimatério, prevalecia no momento que realiza-mos a pesquisa o critério mais elástico dos 40aos 60 anos, conforme podemos observar na ta-bela 1.

Nesse universo, 232 mulheres (80,3%) tive-ram filhos e 216 (74,07%) declararam ter com-panheiros. Em 65,8% dos casos a renda familiar

era inferior a cinco salários mínimos Na situa-ção de casais, em apenas 2% dos casos a contri-buição principal era da mulher.

Quanto ao grau de escolaridade, a maioriadas mulheres não concluíra o primeiro grau(63,7%), enquanto que no universo masculinoesse percentual era menor (44%).

Em relação ao trabalho, na categoria “do-méstico” estavam 57,8%, sendo que 10,7% exer-ciam algum trabalho remunerado e 9% estavamaposentadas. Na categoria “extradoméstico” fo-ram incluídas as que declararam o trabalho re-munerado como principal (40,5%), sendo o

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Se era no corpo que ancoravam as mudan-ças que estavam percebendo em si, é no sistemamédico que vão buscar o reconhecimento e a

legitimidade da definição de sua situação. Paraa maioria a expectativa era de melhorar (N89),receber tratamento adequado (N58) ou fazer to-dos os exames (N20). Prevenir problemas e/oudoenças, receber informação e orientação fo-ram as expectativas de 65 mulheres. Referiram-se de forma mais ampla, a ter bom atendimento(N31). Já a representação de cura que supõe oentendimento de menopausa como doença apa-recia em 44 respostas, majoritariamente entreas de baixa escolaridade e que estavam tendoum primeiro contato no serviço. Algumas delasassim se expressaram: “Espero que me traga

uma solução para o problema da menopausa,que não me deixe neurótica”; “que o médico melivre do problema da menopausa, me livre da

enfermidade; que fique bem, obedecendo às or-dens médicas”; “Sei que não é doença, porquevi no jornal, mas mesmo assim estou vendo co-mo doença, porque sinto calor, dor de cabeça,pressão alta, nervosa, desanimada, sem coragempara fazer nada”.

Por outro lado, encontramos várias falas emque as mulheres afirmam que estão bem, mes-mo com a presença de sintomas. Ao reexaminaros dados dessa pesquisa, nos detivemos em 163entrevistas, em que não só apontaram sinto-mas, como qualificaram a sua fase da vida. ex-pressando sentirem-se bem ou normal (N83);

Quadro 1

A fonte de informação.

Fonte Nº

Comunicações diversas (vizinhas, amigas, parentes, fila de marcação 118

de consulta, cartazes afixados no PAM)Setor de ginecologia do PAM 85Serviços diversos do PAM 38Outras unidades de saúde 28Mídia 20Total 289

Fonte: Relatório de pesquisa. Prodir II, Fundação Carlos Chagas, 1996.

Figura 1

Representações da menopausa.

0

50

100

150

200

somáticos

psicológicos

vasomotores

o que sente sintomaso que sabe

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C i  ê  nc i  a  & S a ú d e  C ol  e t  i  va ,9 (  3 )  : 7 5 

1 -7 6 2 ,2 0 0 4 

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nada sentirem (N 23); sentirem-se mal (diferen-te, fora do normal , mal, muito mal  ou péssi-ma)(N 57).

Ao lembrarmos que o pensamento médicooscila entre duas representações, a ontológica e

a vitalista –, a representação de doença não pas-sa apenas pela localização de um órgão doente.Para Canguilhem (1978), o homem é são na me-dida em que é normativo em relação às flutuaçõesde seu meio e o médico geralmente tira a normade seu conhecimento da fisiologia, dita ciência dohomem normal, de sua experiência vivida dasfunções orgânicas e da representação comum danorma num meio social em dado momento. Se oconceito de doença conserva uma relação como conceito axiológico de doença, para Cangui-lhem voltar a ser normal significa retornar a uma

atividade interrompida ou pelo menos uma ati-vidade considerada equivalente, segundo os gos-tos individuais ou os valores sociais do meio; ci-tando Japers, afirma: é a apreciação dos pacien-tes e das idéias dominantes do meio social que de-termina o que chamar “doença”. Procuramos ex-plorar os significados em torno das expressõesutilizadas pelas usuárias.

Vivências da menopausa

Dentre as que afirmaram sentir-se bem, 23 uti-

lizam o termo normal, apesar de apontarem os“calores” e problemas somáticos.Vamos obser-var que as expressões “estar bem”, “estar nor-mal” ou “não sentir nada de anormal”, “levar avida normal” têm equivalência, quando se rela-cionam com as expectativas de mudanças coma chegada da menopausa, mudanças valoradascomo negativas. Há sempre uma expectativa demudança. Entre as que “nada sentem” (N23), ofator idade é mencionado pela maioria comorazão para o atendimento na prevenção de pro-blemas, sendo que estar normal ou viver nor-

malmente também aparece em quatro respos-tas. Podemos dizer que as alterações fisiológicassão minimizadas, encaradas como naturais nociclo de vida da mulher e que seriam os sinto-mas psicológicos os responsáveis pelas mudan-ças negativas esperadas. Os fatores psicológicosinterviriam no auto-controle, seriam responsá-veis pela mudança de comportamento e afeta-riam as relações sociais. Entre as que se sentembem, encontramos somente duas respostas queapontam para os sintomas psicológicos: Conti-nuo com a v ida normal, apesar de angustiada,com insônia e estou me sentindo bem, embora te-

nha depressão; acho que isso faz parte do dia-a-dia. Já entre as que se sentem mal, vão predo-minar os sintomas psicológicos. Identificamosdentre as 83 respostas, três elementos cujosconteúdos permitem caracterizar a relação en-

tre os termos – bem ou normal – e mudança:afirmação de si, aceitação, positividade/estarativa, elementos estes ligados à representaçãoque o sujeito faz de si, ou seja, de sua identida-de. Nesses depoimentos há uma negação deproblemas, uma vez que os transtornos físicosnão afetaram as relações sociais e a identidade,o que poderia ocorrer quanto aos transtornospsicológicos. Ilustramos com algumas falas:“Apesar dos sintomas, não senti mudanças; con-tinuo a mesma; tem que aceitar essa fase”; “nãoalterou nada; sou uma pessoa calma, tranqüila”

ou “o relacionamento conjugal e familiar nãomudou nada”. Em todas as demais falas signifi-caram que foram preparadas ou mesmo educa-das para encararem os diferentes ciclos da vidada mulher, enfatizando que se os sintomas quesentem são próprios dessa fase; cabe encará-lose minimizar seus efeitos; também o auto-con-trole está aí valorizado e a aceitação do envelhe-cimento. Distinguimos, também, aquelas queenfatizam a temporalidade do fenômeno: Mesinto normal, mas tenho reações inesperadasiguais à adolescência, depois passa. Encontramosa positividade (valorização, avaliação, estima):

a) por estarem informadas – “consciente da mu-dança do corpo e da cabeça, tentando diminuirsintomas e ser mais feliz”, por estar “livre damenstruação”, “sem perigo de gravidez”ou” pos-so trabalhar sem preocupação da menstruaçãovir”; b) estar ativa: “apesar do calor, estou mesentindo bem, trabalho, ando, passeio; disposi-ção eu tenho”.

Na categoria das que se sentem mal predo-minam sintomas psicológicos, havendo umaqualificação negativa dessa fase da vida, asso-ciados em grande parte à depressão: Fase muito

ruim, a gente fica sem paciência, dá vontade dechorar, não dorme direito. Grande parte refere-se a não ter vontade de fazer nada, significandoperder o gosto pela vida ou viver por viver: Es-tou me sentindo apática; sem vontade de fazer ascoisas ..., de me cuidar, de ter relação sexual; seminteresse pela vida. Referem-se ainda à falta depaciência consigo próprias e com os outros:“Tomo calmante pra me agüentar”, “não tenhonem paciência comigo; choro muito; tenho vonta-de de morrer”. Encontramos também respostasem que generalizavam, remetendo à idéia deenvelhecimento e de morte: “É horrível, a idade

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vai chegando, às vezes pensa que já está no fim,que a vida tá acabando; muita tensão”, “sintodesgosto, acho que é depressão; só não tenho von-tade de morrer porque tenho medo”, “choro semmotivo; não sei se isso é alguma doença ou se é ve-

lhice”. Além da indisposição para atos de rotinae da indisposição para o trabalho, referentesapontados, encontramos uma resposta que re-mete ao fim do período fértil: “Sinto-me sem vi-gor, pois perdi a capacidade de procriar, mas te-nho que ultrapassar essa fase, pois tenho maridoe filhos para cuidar ”.

A associação entre menopausa e o fato deestarem frias sexualmente, desinteressadas, ousem desejo foi citada por nove das entrevistadassubseqüentes entre as que sentem-se mal, sendoque apenas duas fizeram referência à “ resseca-

mento vaginal”.Considerando o universo da pesquisa (N289),encontramos em 50 entrevistas referências à se-xualidade, sendo que 34 estavam entre as usuá-rias subseqüentes. Cabe observar que eram so-bretudo as discussões dos grupos de sala-de-es-pera que ensejavam a aproximação com a temá-tica, a partir de algumas representações queeram discutidas. Encontramos como referentesalém dos elementos citados, dúvidas se o desin-teresse sexual era “do hormônio ou de cabeça”ou por “problemas familiares”. A referência aoaumento do prazer sexual foi feita por três en-

trevistadas iniciais e duas subseqüentes.Se nas entrevistas nos falam das mudanças

esperadas e de suas vivências,dos cuidados coma saúde, das relações sociais no âmbito da famí-lia e do trabalho, da sexualidade, envelhecimen-to e de sua identidade, é nos grupos de reflexãoque vão poder problematizar esses vários aspec-tos: Em casa e no trabalho as mulheres passam aserem vistas como velhas, com mania de doença eacaba sendo descartável ; a mulher fica mais irri-tadiça; mais difícil de conviver no trabalho; os ho-mens não entendem o que acontece com as mu-

lheres; os homens passam por dificuldades, masem geral ocultam e buscam outras saídas; mudamde vida, mudam de mulher . Temos pois que, ossinais da menopausa são visíveis e, como tais,sejam eles fogachos, suores, irritabilidade, fadi-ga, indisposição para o trabalho, e mesmo a de-pressão, entre outros, marcam um dos signifi-cados da menopausa, o da mulher poliqueixo-sa, representação que, também, não se faz au-sente entre profissionais no setor saúde. Contu-do, associado à idéia da mulher poliqueixosa,encontramos um outro significado, em que asqueixas somáticas e/ou psicológicas são sinais

que se transformam em signos do envelheci-mento e estes trazem a marca de gênero. Esta-mos, portanto, nos referindo aos símbolos damenopausa, dos sentidos produzidos fora doobjeto e que, exercem uma eficácia prática, sen-

do um referencial que pode ser evocado em di-versas circunstâncias.

Para os homens não há uma representaçãoem torno da andropausa e, assim, para o ho-mem de meia-idade, não há um rito de passa-gem. O envelhecimento sendo vivido como na-tural, prolonga-se o seu enquadramento na ca-tegoria de velho. Enquanto a mulher na meno-pausa pode ser taxada de velha, como expres-sam por vezes as usuárias, os homens na faixaetária correspondente são maduros, trazendooutros predicados que não interferem negativa-

mente, podendo até contribuir para sua maiorauto-estima diante da experiência de vida.Também nas reuniões falavam da necessidadede espaço para exercerem sua subjetividade ouconsideravam a menopausa, como momento dereafirmação, como de defesa do espaço conquis-tado, de tudo que se fez, não se admitindo cobran-ças. Falam dos homens virem às palestras, dasdificuldade em acompanharem suas mulheresnesse processo e, também de verem o corpo en-velhecer e procurarem ajuda, quando necessário.

Assim, consideramos mais dois eixos temá-ticos na condução dos grupos: a) particularizar 

a situação da mulher na sociedade brasileira, vi-sando relativizar as vivências singulares no con-fronto de experiências, considerando condições devida, de trabalho e fatores opressores da mulher,avaliando os limites em relação aos seguintes as-pectos – o público e privado, o usufruto dos bens eserviços, o acesso a informações, os valores de nos-sa sociedade ocidental; b) revalorizar a mulher,visando maior autoconhecimento e maior auto-estima, avaliando: perdas e ganhos, possibilidadese limites da mulher nessa etapa da vida (Men-donça, 1996).

Considerações finais

Quando o trabalho em equipe multidisciplinarse faz necessário, tendo em vista uma maior efi-cácia na intervenção nos níveis das ações pre-ventivas e de promoção da saúde é necessárioconstruir o processo de trabalho coletivo. Anão-inclusão do auto-conhecimento como ob-jeto de preocupação da epistemologia objetivis-ta, certamente ajudou a manter uma fronteiranítida entre a vida cotidiana e a ciência, e entre a

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Artigo apresentado em 1º/7/2003Aprovado em 8/9/2003Versão final apresentada em 7/10/2003