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CLÍNICA PAEEON – UNISAL
Jussara Veiga Silva
Conversão para a Igreja Batista: uma decisão que promove mudanças
de comportamento devido à alteração no sistema de crenças do sujeito.
São José dos Campos
2009
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Jussara Veiga Silva
Conversão para a Igreja Batista: uma decisão que promove mudanças
de comportamento devido à alteração no sistema de crenças do sujeito.
Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Pós-graduada em Psicologia Analítica no Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. José Jorge de Morais Zacharias.
CLÍNICA PAEEON – UNISAL
São José dos Campos
2009
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Silva, Jussara Veiga
Conversão para a Igreja Batista: uma decisão que promove
mudanças de comportamento devido à alteração no sistema de
crenças do sujeito / Jussara Veiga Silva. – São José dos Campos:
Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2009. – 75 f.
Monografia (Pós-graduação em Psicologia Analítica). UNISAL – SP.
Orientador: Prof. Dr. José Jorge de Morais Zacharias.
Inclui bibliografia.
1. Religião. 2. Conversão a Doutrinas Fundamentalistas. 3.
Sistema de Crenças. 4. Mudanças de Comportamento. 5.
Aspectos Psicológicos. I. Título.
CDD - ........................
4
Dedico este trabalho ao meu esposo Roberto, pelo amor, incentivo e apoio
incondicional, que possibilitaram a realização deste meu projeto de vida.
Aos nossos filhos Cintia, Iago, Roberto Orlando, Maria Gabriela e Marcelo,
que nos permitem reconhecer os papéis de educadores e aprendizes.
Aos netos Rodrigo, Henrique, Luisa e Igor, por semearem
alegria em nossas vidas.
Aos meus pais Reinaldo e Maria Aparecida, e aos meus irmãos Dalton,
Joslaine e Joelma, pela constante torcida pelo meu sucesso.
5
AGRADECIMENTOS
A conclusão deste trabalho foi uma grande conquista pessoal e profissional.
Agradeço a Deus pela oportunidade da vida, onde estou constantemente
adquirindo novos conhecimentos.
Agradeço às Profªs. da Clínica Paeeon: Ana Célia R. de Souza, Rosana Pena,
Sônia Maria Bufarah Tommasi e Sônia Regina Crosariol Lindenberg, pela
disposição de ensinar.
Aos meus colegas de curso: Amália, Cintia, Cláudio, Dayse, Deborah, Érica,
José Maria, Laira, Luciana, Luciano, Maria Theresa, Nilo, Rosana, Simone e
Viviane, pelo companheirismo, ajuda e incentivo.
Aos clientes que me possibilitam o exercício da profissão como Psicóloga.
Às famílias Veiga, Silva e Zardo que me apoiaram e juntos torceram pelo êxito
do meu trabalho.
A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuiram com críticas,
sugestões e comentários para a materialização deste trabalho, meu eterno
reconhecimento pela ajuda.
Um agradecimento especial ao Prof. Doutor José Jorge de Morais Zacharias
que supervisionou meus atedimentos clínicos e como orientador me indicou
caminhos que me permitiram ampliar a compreensão do tema em questão.
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RESUMO
A população brasileira, notadamente nas últimas décadas, tem feito um movimento em busca de uma religião que atenda suas necessidades psicológicas, sendo bastante significativo o número de recém conversos às doutrinas fundamentalistas. Esse fenômeno provoca alterações do sistema de crenças e, conseqüentemente, mudanças de comportamento. O objetivo geral deste trabalho é compreender quais os aspectos psicológicos que levam as pessoas a se converterem para a Igreja Batista, também reconhecida como fundamentalista. O estudo de caso constitui-se de entrevistas em profundidade, com roteiro pré-definido, envolvendo membros de uma família convertida. Os dados obtidos foram submetidos a técnica de análise de conteúdo, usando a abordagem qualitativa com categorização temática. Os resultados revelaram que a conversão religiosa apresentou como principais manifestações conscientes, uma necessidade prévia de trabalho em pról da comunidade e a atração pelo movimento observado em frente a Igreja. A decisão pela conversão propriamente dita, que indica uma participação ativa na instituição, foi desencadeada após o enfrentamento de um problema de saúde, propiciando ao sujeito “uma experiência direta com Deus”. Um novo estilo de vida, refletindo mudanças de comportamento, é reconhecido e justificado como alterações do sistema de crenças. Quanto aos processos inconscientes, os resultados permitiram depreender que a conversão religiosa em questão se mostra fortalecida pela intensão daqueles que buscam essa fé, no sentido de controlar pensamentos, sentimentos e atitudes. Estes movimentos são aqui interpretados como repressão dos conteúdos sombrios a favor de uma persona que corresponda ao ideal de perfeição, tendo Jesus Cristo como um modelo a ser seguido. Palavras-chave: Religião; Conversão a Doutrinas Fundamentalistas; Sistema de Crenças; Mudanças de Comportamento; Aspectos Psicológicos.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................ 09
1. CONCEITO DE RELIGIÃO, SOB A LUZ DA PSICOLOGIA ANALÍTICA.. 12
1.1. A importância da mitologia na fundamentação das crenças..................... 17
1.2. Dados históricos....................................................................................... 23
1.3. A inserção do protestantismo no Brasil.................................................... 27
2. PRINCÍPIOS DA IGREJA BATISTA........................................................... 29
2.1. Mitos, ritos, dogmas e regras da Igreja Batista........................................ 32
2.2. Os elementos da religião sob a ótica junguiana........................................ 35
2.3. O processo da conversão religiosa........................................................... 40
3. PROBLEMA DE PESQUISA, DELIMITAÇÃO E OBJETIVOS.................. 47
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................................... 48
4.1. Sobre a pesquisa qualitativa.................................................................... 48
4.2. Tipo de pesquisa...................................................................................... 49
4.3. O estudo de caso como estratégia de pesquisa....................................... 49
4.4. Estratégia de amostragem........................................................................ 50
4.5. O papel do pesquisador............................................................................ 51
4.6. Técnica de coleta de dados...................................................................... 52
4.7. Análise de dados...................................................................................... 53
4.8. Resumo.................................................................................................... 53
5. PROCESSO DE TRATAMENTO DOS DADOS.......................................... 55
5.1. Organização da análise............................................................................ 55
5.2. Codificação............................................................................................... 56
5.3. Categorização........................................................................................... 57
6. A ANÁLISE E A INTERPRETAÇÃO DOS DADOS.................................... 58
6.1. A caracterização dos entrevistados.......................................................... 64
6.2. A conversão religiosa................................................................................ 64
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 69
LIMITAÇÕES DO ESTUDO............................................................................. 71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 72
APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas........................................................... 75
9
INTRODUÇÃO
Na história da humanidade podemos reconhecer as épocas de importantes
movimentos políticos e religiosos, responsáveis pelo estabelecimento dos
diversos sistemas de crenças. Estes movimentos são sempre decisivos para a
formação de grupos sociais, porque interferem nas bases das estruturas
psicológicas, determinando os comportamentos dos indivíduos. Inserido no
coletivo, o ser humano responde de forma adaptativa ou reage, direta ou
indiretamente, introduzindo novas ideologias. A evolução da qual fazemos
parte deriva-se da constante construção de novos paradigmas, e naturalmente,
neste mesmo cenário, para satisfação de suas necessidades individuais, o
homem tende a buscar apoio em suas relações interpessoais.
Em ciências da religião, a religião é considerada não só um fenômeno
psicológico, mas também um fenômeno sociológico e histórico, sendo esta
uma das expressões mais antigas da alma humana. Na abordagem junguiana,
o termo “alma” é utilizado em lugar de psique, principalmente, quando se faz
necessário destacar os processos psíquicos que emergem do inconsciente. O
pós-junguiano Hillman (2004) diz que a psique não substitui a alma, pois esta é
um “símbolo”, e como tal, a alma não pode ser conceituada. Ela converte os
eventos em experiências, dando-lhes um sentido, comunica-se pelo amor,
tendo uma implicação religiosa.
Zacharias (1998) diz que a religião é tão importante ao homem quanto a
ciência, a arte ou a filosofia. Cada um destes quatro campos distintos do
10
conhecimento humano tem seu método específico. A religião nunca será
ciência, nem arte e nem filosofia; muito embora seja legítimo o campo da
ciência da religião e das demais correlações, entre arte e religião, e filosofia
das religiões. Podemos construir pontes entre esses quatro campos. Por
exemplo: a psicologia é tida como ciência e estuda o inconsciente, que é um
fenômeno que não pode ser quantificado em correspondência ao método
científico. Este também não pode ser aplicado no estudo das artes, que é uma
expressão estética, nem na estrutura do pensamento filosófico. A maneira
como olhamos o mundo espiritual depende do ponto de vista que utilizamos: o
científico, o artístico, o filosófico ou o religioso.
Sem sombra de dúvidas, a religião é um campo complexo, pois existem muitas
variáveis, que podem ser usadas como visão libertadora ou prática
aprisionante. A maioria dos problemas ocorridos dentro das diversas crenças
religiosas é porque as pessoas confundem religião com religiosidade. Entende-
se religião por uma organização formal de conceitos e mitos, com dogmas,
teologia e rituais próprios. Por outro lado, a religiosidade tem um forte apelo
psicológico, pois se refere a experiência das pessoas frente às religiões.
(ZACHARIAS, 2002).
Quando se estuda a religião, se faz necessário identificar seus elementos
(doutrinas, mitos, ritos, dogmas e regras) e também decidir por qual
abordagem caminhar. Neste trabalho, estamos focando o aspecto psicológico.
O objetivo é construir uma linha de raciocínio que possibilite a compreensão
das alterações no dinamismo psíquico, devido à conversão para a Igreja
11
Batista. Pretende-se abordar o conceito de religião, sob a luz da psicologia
analítica, relatar a importância da mitologia na fundamentação das crenças,
citar alguns dados históricos e descrever sobre a inserção do protestantismo
no Brasil. Serão apresentados os princípios da Igreja Batista e os elementos
desta religião. Também serão discutidos os elementos da religião, sob a ótica
junguiana e analisado o processo da conversão religiosa. Desta forma,
manifestamos o interesse de contribuir com a psicologia enquanto ciência,
considerando que a conversão promove mudanças de comportamento. O
problema de pesquisa é: que mudanças psíquicas movem uma nova escolha,
levando pessoas a se converterem para outra religião, e no caso particular,
para a Igreja Batista? Sendo esta uma doutrina fundamentalista, com forte
apelo para atrair novos conversos, acredita-se que o tema é relevante para
criação do conhecimento, sendo necessário investir na compreensão dos fatos
e identificar qual é seu papel psíquico.
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1. CONCEITO DE RELIGIÃO, SOB A LUZ DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
Religião deriva-se do termo latino “re-ligare”, significando “religação” com o
divino. Essa definição engloba o aspecto místico e religioso, abrangendo
seitas, mitologias e outras doutrinas ou formas de pensamento, tendo como
característica fundamental um conteúdo metafísico, ou seja, que está além do
plano físico. Místico está relacionado a “mistério”, referindo-se a qualquer coisa
que fale a respeito de um plano desconhecido e inacessível diretamente pela
percepção ou cognição. Seita é derivada da palavra “secta” em latim, e
também é considerada uma religião; trata-se de um segmento minoritário,
sendo esta particularidade que a diferencia das crenças majoritárias.
Existem várias formas de religião e são muitos os modos utilizados para
compreendê-las. Uma forma de classificação é a cronológica ou antropológica,
onde se considera os sucessivos momentos culturais das sociedades. Outro
modo de classificação diz respeito à solidez de princípios e à profundidade
filosófica, onde podemos identificar as religiões com e sem Livros Sagrados.
Valerio (2009) utiliza-se de uma classificação onde considera as duas
características acima descritas, dividindo as religiões em quatro grandes
grupos distintos: Panteístas (Deus é Tudo), Politeístas (Deus é Plural),
Monoteístas (Deus é Um) e Ateístas (Deus é Nada). O referido autor aponta
que:
1) Panteístas são as religiões mais antigas, dominantes em sociedades
menores e mais tribais, surgiram na pré-história e não possuem Livros
Sagrados.
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Exemplos de religiões Panteístas: silvícolas, xamanismo, religiões
célticas, amazônicas, indígenas norte americanas, e africanas dentre
outras. O renascimento panteísta, conhecido como Neo Panteísmo,
esteve presente em todos os períodos históricos, mas popularizou-se a
partir do século XVIII. Seus textos são, em geral, filosóficos. Exemplos
de religiões Neo Panteístas: Racionalismo Cristão, Espiritismo
Kardecista, Teosofia e os diversos esoterismos.
2) As Politeístas surgem num estágio posterior do desenvolvimento de uma
cultura. Quanto mais a sociedade se torna complexa, mais o Panteísmo
vai se tornando Politeísmo. Essas religiões, muitas vezes possuem
registros de suas lendas e mitos em versões escritas, mas não possuem
uma revelação propriamente dita. Exemplos: Religião Helênica, Egípcia,
Xintoísmo, Religião das culturas Azteca e Maia.
3) As Monoteístas são mais recentes, surgindo a partir do último milênio
a.C., foram predominantes na Idade Média e na atualidade representam
quantitativamente mais da metade da humanidade. Todas as grandes
religiões Monoteístas possuem uma revelação divina em forma de Livro
Sagrado. São elas: Brahmanismo, Zoroatrismo, Judaísmo, Cristianismo,
Islamismo e Sikhismo.
4) As Ateístas, embora neguem a existência de um ser supremo central,
podem admitir a existência de entidades espirituais diversas. Essas
religiões surgem geralmente como uma reação ao Monoteísmo ou ao
14
Politeísmo, e embora possuam características exclusivas, em muitos
aspectos se confundem com o Panteísmo. Possuem livros guias, mas
por não acreditarem num Deus pessoal, não tem o peso dogmático de
uma revelação divina, e sim de tratados filosóficos. Religiões Ateístas
Orientais: Taoísmo, Confucionismo, Budismo e Jainismo. Religiões
Ateístas Ocidentais: Filosofias NeoPlatônicas e Ateísmo Filosófico (Não
Religioso).
Devemos ainda observar que o Brahmanismo, antiga filosofia religiosa indiana,
se estende de meados do segundo milênio a.C. até o início da era Cristã.
Persiste de forma modificada, sendo atualmente chamado de Hinduísmo. Por
outro lado, o Cristianismo é baseado na vida e nos ensinamentos de Jesus de
Nazaré, caracterizando-se, em princípio, como uma seita do Judaísmo. O
Cristianismo herdou do Judaísmo a crença na existência de um único Deus,
criador do universo e que pode intervir sobre ele. Assim como ocorreu com as
demais religiões, muitas idéias e facções se formaram no interior do
Cristianismo. As principais correntes cristãs são: a Igreja Católica Apostólica
Romana, as várias denominações Igrejas Protestantes e a Igreja Católica
Ortodoxa.
Carl Gustav Jung (1875–1961), grande pesquisador da psicologia da religião,
explica da seguinte forma o que entende por religião: “uma acurada e
conscienciosa observação do numinoso” (JUNG, 1987, p. 9), termo utilizado
por Rudolf Otto. Para Otto (apud JUNG, 1987, p. 9), numinoso significa:
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... uma existência ou efeito dinâmico não causados por um ato arbitrário [...], qualquer que seja sua causa, o numinoso, constitui condição do sujeito, é independente de sua vontade [...], pode ser a propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência.
Afirmando um ponto de vista psicológico, Jung (1987) não se referia à religião
como uma determinada profissão de fé religiosa. Entendia a religião como uma
atitude do espírito humano capaz de promover uma consciência transformada
pela experiência do numinoso, atitude esta relacionada a qualquer coisa que
impressione uma pessoa o suficiente para mobilizá-la à adoração, obediência,
reverência e amor. Os críticos, especialmente os clérigos, questionavam
porque Jung se recusava a dizer de onde o próprio numinoso se originava,
exceto que correspondia a uma imagem de Deus no indivíduo. Ele falava
também que essa imagem assume uma propensão arquetípica, não só para
expressar-se, como para, quando expressa, assumir uma forma reconhecível.
Para Samuels, Shorter e Plaut (1988, p. 38): “Arquétipo é um conceito
psicossomático, que une corpo e psique, instinto e imagem, representando a
parte herdada da psique”.
Jung observava que a forma reconhecível do numinoso aproximava-se daquela
que caracterizou o relacionamento entre os seres humanos e o chamado divino
ao longo de todas as eras, povos e regiões. Na concepção de Jung tais
imagens são promovidas pelo inconsciente coletivo, e percebidas nos
comportamentos externos, em torno de experiências universais da vida, tais
como nascimento, casamento, maternidade, morte e separação. Por estarem
aderidos à estrutura da psique humana, os arquétipos também são observáveis
16
na relação com a vida interior ou psíquica e revelam-se por meio de figuras
como Self, anima, sombra, persona e outras mais. Eles provocam o afeto,
tomam posse da vontade, “cegando” o indivíduo para a realidade externa.
Assim, Jung percebia o homem como naturalmente religioso, sendo a função
religiosa tão poderosa quanto o instinto para o sexo ou a agressividade. Como
uma forma natural de expressão psíquica, a religião era também, em sua
opinião, um objeto apropriado para a observação psicológica. (SAMUELS,
SHORTER e PLAUT, 1988).
Fernandes (2004) comenta que, quando o assunto é religião, não existe
concordância entre a psicologia analítica e a psicanálise. A primeira considera
o desenvolvimento da consciência como um processo naturalmente religioso,
denominado individuação, e a segunda, defende a idéia de que religião é uma
ilusão. Freud acreditava inclusive que, com o desenvolvimento da ciência, a
religião cairia no ostracismo.
Dourley (1987, p. 121) diz que: “A religião representa para Jung a experiência
que emana do contato energizante mantido com o inconsciente. As religiões
institucionais existem com a finalidade de mediar essa experiência”.
Independentemente do lugar que reservamos a Deus (interior, absolutamente
externo e acima de todos, que está abaixo enquanto base do ser,
compartilhado onde dois ou três estiverem reunidos, ou se estamos todos em
Deus e nunca estaremos perdidos para ele), o momento religioso será sempre
uma experiência, e esta inevitavelmente acontecerá na psique.
17
Considerando que todo processo evolutivo que pretende levar o homem ao
encontro de si mesmo, deveria ser dialético e não dogmático, podemos
compreender perfeitamente a crítica de Jung em relação ao cristianismo e a
toda religião que se apresenta como absoluta.
Dourley (1987, p. 9) afirma que: “Ao se proclamar como única e acabada,
qualquer religião se torna perigosa e alienante, porque se recusa a permanecer
aberta à Palavra de Deus que se revela no coração do homem”. Em sua
autobiografia, Jung (2002) declara-se um luterano e protestante, mas sempre
quiz deixar a porta aberta para a mensagem cristã, por considerá-la de
importância fundamental para o homem ocidental. Enfatizou que a religião
precisava ser vista sob uma nova luz, de acordo com as mudanças impostas
pelo espírito contemporâneo e no interior do mesmo. Caso contrário, ela não
acompanharia à evolução dos tempos e não teria efeitos construtivos. Admitia
que a religião nos ligava a um mito eterno, porém era precisamente essa
conexão que lhe dava sua validade humana e sua universalidade.
1.1. A importância da mitologia na fundamentação das crenças
Armstrong (2005, p. 8) diz que: “Desde épocas muito antigas o ser humano se
distingue pela capacidade de ter pensamentos que transcendem sua
experiência cotidiana”. Diferentemente dos animais, nós buscamos sentido
para a vida, todos queremos saber de onde viemos e também para onde
vamos, por isto criamos histórias que falam de uma existência póstuma. A
mitologia fala desse outro plano, que existe paralelamente ao nosso mundo, e
18
em certo sentido o ampara. Os mitos não são fatos históricos, mas retratam
uma realidade que sentimos intuitivamente, auxiliando-nos a lidar com nossos
problemas e a compreender nosso ambiente, nossos semelhantes e nossos
próprios costumes. A experiência da transcendência sempre fez parte da
experiência humana, pois é uma experiência profundamente psicológica.
Experienciamos momentos de êxtase quando nos sentimos profundamente
tocados e por um momento nos elevamos para fora de nós, tendo a impressão
de que estamos vivendo mais intensamente do que estamos habituados, assim
entramos em contato com a plenitude de nossa condição humana.
As religiões tem sido um dos meios mais tradicionais para alcançar o êxtase,
quando as pessoas não o encontram nos templos, igrejas, sinagogas ou
mosteiros, procuram-no em outro lugar: na poesia, na música, na
contemplação da natureza, na dança, no sexo, no esporte ou nas drogas.
(ARMSTRONG, 2005).
Para garantir a sobrevivência, o homem primitivo caçava e/ou buscava o
animal morto, utilizando-se das funções da visão e do olfato. Ao fazer a
conexão entre os abutres voando sobre o animal, ele (homem) toma
consciência e desenvolve a capacidade de raciocínio. Como herança desse
processo, até hoje, buscamos relacionar os fatos. A tomada de consciência
possibilitou o reconhecimento das emoções e a elaboração dos pensamentos a
respeito das mesmas.
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Há um pareamento entre os fenômenos da natureza e o que eles causam em
termos de emoções, desta forma, surgiram as primeiras imagens arquetípicas.
Quando o homem primitivo começa a construir essas imagens, o faz de uma
forma desproporcional, percebendo, por exemplo, que a morte, o raio, o ódio, o
trovão são bem mais poderosos que ele; portanto, não são humanos, são
supra-humanos, são deuses. Assim nascem os deuses e a consciência dos
movimentos inconscientes, onde os sonhos passam a ser entendidos como
mensagens das divindades. Daí surgem as religiões, o religar ao nosso
inconsciente. (JUNG, sd).
As primeiras divindades foram as grandes mães, o matriarcado foi primordial,
apresentando o mistério do nascimento e a criação de semelhantes. A mulher
sofre mudanças hormonais, e é percebida inconstante e cíclica como a lua,
esta comparação conduziu os antigos a identificar as fases lunares com os
ciclos de fertilidade femininos, assim nasce a primeira deusa lunar, a Grande
Mãe. O sol é diferente, todo dia se levanta, como o pai que acorda, vai
trabalhar, e só volta à tarde; ele é o pai, racional, lógico, forte, necessário para
germinação. Ele é ao mesmo tempo consciência que ilumina as trevas e herói
que vence a noite terrível. Através das experiências com estes fenômenos e,
associando os mesmos fenômenos com emoções e impulsos inconscientes, o
ser humano primitivo passou a cultuar deuses nas suas diversas
representações na natureza. Além das divindades percebidas, a experiência
com sonhos em que surgiam ancestrais já falecidos, originou a compreensão
de que os mortos deveriam estar vivos em algum lugar fora do alcance da
percepção direta, mas não desapareciam. Então, tomaram consciência da
20
transmutação das almas, geralmente na figura de ancestrais divinizados.
(JUNG, sd).
Joseph Campbell (1904–1987), uma das maiores autoridades no estudo dos
mitos, diz que: “Nossas primeiras evidências tangíveis do pensamento
mitológico provêm do período do Homem de Neandertal, que persistiu desde
cerca de 250.000 a.C. até cerca de 50.000 a.C.”. (CAMPBELL, 2007, p. 32). Os
funerais da época, com oferendas de alimentos, sugerem a idéia de
imortalidade ou de algum tipo de vida futura. Além de utensílios, sudários e
coisas semelhantes, foram preservados em cavernas, vários santuários onde
crânios de ursos-das-cavernas estão cerimonialmente dispostos em arranjos
simbólicos. Nos estágios primitivos da história de nossa espécie, os povos
foram se movimentando para lugares mais distantes e criando uma variedade
de sistemas sociais, e desta forma, cada grupo interpretando à sua maneira, os
fatos considerados universais. Examinando as histórias em que se assentam
as principais religiões do ocidente e do oriente, deparamo-nos com poucas
diferenças de conteúdo e grandes diferenças de interpretação.
Na história do ocidente, a primeira mulher a ser criada, Eva, narrada no livro de
Gênesis da Bíblia, foi formada da costela do primeiro homem, Adão. E uma
serpente lhe falou sobre as propriedades maravilhosas dos frutos de uma
árvore, a árvore do conhecimento do bem e do mal, da qual Deus proibira o
casal de comer. Não tendo resistido à curiosidade, eles experimentaram o fruto
proibido e tornaram-se os responsáveis pela “queda” de toda a humanidade.
No centro do jardim do Éden havia uma segunda árvore, cujo fruto
21
proporcionaria ao casal a possibilidade da vida eterna; mas o criador, temendo
que eles pudessem também comer desse fruto, e assim se tornassem tão
sábios e imortais quanto ele, expulsou-os do paraíso. (Gênesis, cap. 1 e 2)
Na história do oriente também está presente a imagem mítica da árvore da vida
imortal. Essa árvore é aquela sob a qual Sidarta Gautama estava sentado,
quando despertou para a luz de sua própria imortalidade, ficando então
conhecido como Buda, o Desperto. Na mitologia indiana a cobra também
existe, sendo imaginada como equilibrando a Terra em sua cabeça, como se
esta fosse uma mesa, estando a cabeça da cobra exatamente abaixo da árvore
do mundo. Nas mitologias sobre Buda, quando ele atingiu a onisciência
permanecendo sentado por vários dias em absoluta meditação, e sendo
ameaçado por uma grande tempestade, a prodigiosa serpente, vinda de baixo,
enrolou-se ao redor de Buda para protegê-lo, cobrindo-lhe a cabeça aos
moldes um capuz. (NOVAK e SMITH, 2004).
Segundo Campbell (2007), ao lermos os referidos mitos, como referência ao
estado interior espiritual e não como pré-história, certamente encontraremos
um novo sentido. Supondo o jardim do Éden como uma paisagem da alma e
não um cenário geográfico, esse jardim teria de estar dentro de nós. Porém,
uma vez que provamos o gosto pelo conhecimento do bem e do mal, nossas
mentes conscientes tornaram-se incapazes de ingressar nele e desfrutar o
sabor da vida eterna, assim fomos arremessados para fora de nosso próprio
centro. Na lenda do oriente a serpente não é entendida como o mal, mas
compreendida como símbolo da energia imortal que habita em toda a vida
22
sobre a Terra. A mudança de pele é comparada ao espírito da reencarnação,
que se despe e se veste como um homem põe e tira suas roupas. Enquanto
em uma dessas duas lendas a respeito da árvore, o serviço da serpente é
rejeitado, na outra ele é aceito. De acordo com a Bíblia, nossos primeiros pais
foram expulsos do paraíso, na tradição budista somos convidados a entrar,
ficando evidente que, o que nos mantém fora do jardim é o nosso próprio
apego instintivo e não o ciúme ou a ira de algum deus.
Há uma oposição entre o ocidente e o oriente quanto a figuras simbólicas.
Dragões e serpentes são para os ocidentais o emblema do mal, enquanto que
para os orientais, representam símbolos de elevação e sabedoria. Em termos
de religião a diferença entre o ocidente e o oriente é a vivência. Para o
ocidental a religião é contemplativa, o Deus é transcendente, está fora de nós.
Para o oriental a religião é um estado de vida, ela está inserida no dia-a-dia, o
Deus (ou outra entidade espiritual) é imanente, está dentro de nós. Estes
conceitos estão ligados à extroversão e à introversão, indicando qual rumo
toma a energia psíquica.
Tanto entre os judeus, como entre os cristãos, era e continua sendo, para a
maioria dos fiéis, costume conceber literalmente as narrativas dos primeiros
livros e capítulos da Bíblia, como se fossem eventos pré-históricos reais e
relatos fiéis sobre a origem do universo.
23
Para Chevalier e Gheerbrant (2007, p. xix):
Os mitos apresentam-se como transposições dramatúrgicas desses arquétipos, esquemas e símbolos, ou como composições de conjunto, epopéias, narrativas, gêneses, cosmogonias, teogonias, gigantomaquias, que já começam deixar entrever um processo de racionalização.
O mito apresenta o homem em seu desenvolvimento biológico, psicológico,
espiritual. Na terminologia junguiana, a psique é uma totalidade consciente-
inconsciente; portanto, a esfera psicológica abrange os conteúdos
materialmente reais e os psicologicamente reais, também conhecidos como
conteúdos internos ou espirituais. Simbolicamente, o mito revela lutas interiores
e exteriores no caminho evolutivo da personalidade.
1.2. Dados históricos
O estudo da história começou na Idade Antiga, período que se estendeu desde
a invenção da escrita (4000 a.C. a 3500 a.C.) até 476 d.C., quando os gregos
começaram a questionar o mito. Essa foi uma era importantíssima, época em
que tivemos a formação dos Estados organizados e o surgimento de algumas
religiões; entre elas, o cristianismo, o budismo, o confucionismo e o judaismo.
No início da Idade Média (século V) os cristãos foram perseguidos, com maior
ou menor intensidade, por negarem os deuses romanos, admitindo um único
Deus; porém, no ano 313, o imperador Constantino adotou o cristianismo como
religião oficial do Império. Isto aconteceu após uma visão em que o sinal da
cruz aparecia nos céus, indicando-lhe que sob este novo estandarte venceria
24
os exércitos inimigos, e assim sucedeu. O cristianismo tornou-se a religião
oficial, e a Igreja a instituição mais poderosa do Império de Constantino.
O século XV indica o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna. Nessa
época também surgiram as rotas de comércio e a expansão marítima. O
Renascimento (final do século XIII a meados do século XVII) foi um período de
grandes transformações ocorridas na história do Ocidente. A Igreja teve seu
poder de influência espiritual e político diminuído, e “Deus foi para o céu”.
Prevaleciam os valores do Humanismo, que denotavam grande valorização e
confiança na humanidade, geradas pela concepção de que ele é o centro do
mundo e livre para seguir seu caminho. O ambiente cultural estava propício a
que livres pensadores, como o teólogo agostiniano Martinho Lutero, levantasse
questões sobre as normas e aspectos teológicos da Igreja. Esses
questionamentos do movimento reformista cristão, Martinho Lutero iniciou em
1516, como uma proposta de reforma ao catolicismo de então. No entanto,
suas 72 teses de reforma foram rejeitadas, Lutero foi excomungado e apoiado
por príncipes alemães, surgindo assim o movimento dos protestantes (os que
protestam contra as decisões da Igreja católica) e o luteranismo. (NEVES,
2005).
O movimento protestante propagou-se nos países da Europa, aflorando na
Suiça e na Inglaterra novos rompimentos com a Igreja de Roma, chegando
também a outros continentes. Devido aos diferentes graus e formas de
entendimento entre os fiéis, o luteranismo foi desmembrado em outras
variantes, os anabatistas, por exemplo, foram reconhecidos como uma forma
25
mais radical de protestantismo. Assim chamados porque os convertidos eram
batizados em idade adulta, desconsiderando o batismo infantil praticado pela
Igreja católica e luterana. Segundo eles, o batismo só tem valor quando as
pessoas se convertem conscientemente a Cristo, e isto só é possível na idade
adulta. (HURLBUT, 2008).
Contrariando a crença dos anabatistas, de que “as almas dormem até o último
momento” (julgamento final), João Calvino (1509-1564), convertido protestante
por volta de 1532, escreve em 1534, seu primeiro livro sobre religião,
defendendo a idéia da “imortalidade da alma”. Os adeptos desta forma de
pensamento constituíram o calvinismo, marcando a segunda fase da Reforma
Protestante. Esse movimento, além das questões religiosas, apresentava uma
nova ideologia sócio-cultural, servindo de base para a ética capitalista, uma vez
que Calvino valorizava o trabalho e o lucro, porém esse lucro não se
transformava em investimento nos mesmos moldes do capitalismo moderno.
Os protestantes em geral, sofreram perseguições devido a suas
manifestações, que divergiam da concepção da doutrina católica, o que trazia
implicações não só religiosas, mas principalmente políticas. (NEVES, 2005).
A Idade Moderna está estreitamente relacionada com a origem e a evolução do
sistema capitalista. Esse período de transição, também marcado pelo
surgimento das ciências (séculos XVI e XVII) termina com a Revolução
Francesa, no ano de 1789. Na época da Revolução Científica, movimento que
desvinculou o profano do sagrado, e sustentou o progresso tecnológico, a
crença fundamental passou a ser a “das verdades científicas”.
26
O século XVIII ficou conhecido como o “Século das luzes” e recebeu o nome
de Iluminismo. Na crise da Modernidade, a razão toma qualquer objeto para
questionamento, inclusive ela própria.
Segundo Crema (1989), o século XIX também ficou caracterizado pela crença
no determinismo racional, com a promessa de desvelar todos os segredos da
alma e do universo. O dogma da objetividade fortaleceu-se com as obras de
Darwin (na biologia); de Marx (na sociologia) e de Freud (na psicologia). O
culto ao intelecto em detrimento ao coração e ao espírito desencadeou uma
crescente patologia.
Na Idade Contemporânea (século XIX até nossos dias) ainda comprovamos
movimentos que indicam forte influência na crença científica, pois nos
deparamos com expressões religiosas esforçando-se para serem reconhecidas
como ciência, um exemplo disto é o kardecismo. O catolicismo por sua vez
foca os aspectos sociológicos dos fiéis. Já o protestantismo busca a
compreensão racional das Escrituras. Observamos então, um esquecimento
das questões místicas, espirituais e simbólicas que deveriam estar atreladas às
questões religiosas.
27
Para o cientista contemporâneo, a ciência não é mais uma “verdade” absoluta,
estando implícito que, as novas descobertas podem perfeitamente refutar os
atuais conceitos. Campbell (2001, p. 17) questiona...
Deve o mestre consciencioso – preocupado com o caráter moral, bem como com a aprendizagem de seus estudantes por meio de livros – ser leal, antes de mais nada, para com os mitos que sustentam nossa civilização ou para com as verdades “fatualizadas” da ciência? Estariam os dois, em todos os níveis, em conflito? Ou não há um ponto de sabedoria, para além dos conflitos de ilusão e verdade, por meio do qual suas vidas possam voltar a se reunir?
Jung (2007) afirma que a ciência é um excelente e inestimável instrumento do
espírito ocidental, sendo esta a modalidade da nossa compreensão, feita para
servir. Através dela “abre-se mais portas do que com as mãos vazias”. Porém,
quando tomada como um fim em si, reivindicando para si o privilégio de
construir a única maneira adequada de apreender as coisas, a ciência pode
causar danos. Devido à sua própria ineficiência, esta área do conhecimento
precisa do apoio das demais e deve colocar-se a serviço das ciências adjuntas.
1.3. A inserção do protestantismo no Brasil
Como dito anteriormente, as divisões do protestantismo geraram múltiplas
denominações e “famílias evangélicas”. Em sua tese, Conrado (2006) classifica
os evangélicos ou protestantes, em históricos e pentecostais, citando também
a época em que emergiram no Brasil. Para este autor, os evangélicos
históricos, seriam aqueles que guardam um parentesco com a doutrina, a
teologia e a própria história dos movimentos de reforma do século XVI, sendo
os primeiros a estabelecer o protestantismo em terras brasileiras, na primeira
metade do século XIX. E os evangélicos pentecostais, que chegaram ao Brasil
28
na segunda década do século XX, pregam uma modalidade carismática e
popular do protestantismo. Os protestantes históricos, também se subdividem
em protestantes de imigração e de missão. Os de imigração são representados
pelos anglicanos, que vieram no ano de 1808, por conta das relações
comerciais da Coroa Portuguesa com a Inglaterra, e pelos luteranos
imigrantes, que aportaram em 1824. Os protestantes de missão, assim
chamados porque surgiram do movimento missionário norte-americano,
chegaram ao Brasil logo depois. Em 1855 vieram os congregacionais, em 1859
os presbiterianos, em 1867 os metodistas dissidentes dos anglicanos, em 1882
os batistas e em 1890 os episcopais, a chamada Igreja baixa anglicana.
Conrado (2006) relata também que, depois disso, outras igrejas históricas vão
aparecer, vindas dos EUA, da Europa, ou ainda de cisões locais ao longo do
século XX.
A presença dos evangélicos em nosso país contribuiu ainda mais para o
pluralismo religioso, sendo que, a competição entre as religiões,
intencionalmente ou não, comprometeu a hegemonia católica. Considerando
que cada grupo religioso tem seus princípios e o conjunto destes, serve de
base à sua doutrina, podemos deduzir que o fenômeno da conversão
relaciona-se a uma necessidade de resposta à demanda psicológica.
29
2. PRINCÍPIOS DA IGREJA BATISTA
Souza (2001) apresenta-nos os princípios que sustentam a doutrina da Igreja
Batista, conforme Quadro 1.
Quadro 1: Princípios que sustentam a doutrina da Igreja Batista.
1. Cristo como Senhor: A suprema fonte de autoridade é o Senhor Jesus Cristo, e toda a esfera da vida está sujeita a Sua soberania.
2. As Escrituras: A Bíblia como revelação inspirada da vontade divina, cumprida e completada na vida e nos ensinamentos de Jesus Cristo, é a nossa regra autorizada de fé e prática.
Autoridade
3. O Espírito Santo: O Espírito Santo é o próprio Deus revelando Sua pessoa e vontade aos homens. Ele, portanto interpreta e confirma a voz da autoridade divina.
1. Seu Valor: Cada indivíduo foi criado à imagem de Deus e, portanto, merece respeito e consideração como uma pessoa de valor e dignidade infinita.
2. Sua Competência: Cada pessoa é competente e responsável perante Deus, nas próprias decisões e questões morais e religiosas.
O Indivíduo
3. Sua liberdade: Cada pessoa é livre perante Deus em todas as questões de consciência e tem o direito de abraçar ou rejeitar a religião, bem como de testemunhar sua fé religiosa, respeitando os direitos dos outros.
1. A Salvação pela Graça: A salvação é dádiva de Deus através de Jesus Cristo, condicionada, apenas, pela fé em cristo e rendição à Soberania Divina.
2. As Exigências do Discipulado: As exigências do discipulado cristão estão baseadas no reconhecimento da soberania de Cristo, relacionam-se com a vida em um todo e exigem obediência e devoção completas.
3. O Sacerdócio do Crente: Cada cristão, tendo acesso direto a Deus através de Cristo, é seu próprio sacerdote e tem a obrigação de servir de sacerdote de Cristo em benefício de outras pessoas.
4. O Cristão e Seu Lar: O lar é básico, no propósito de Deus para o bem estar da humanidade, e o desenvolvimento da família deve ser de supremo interesse para todos os cristãos.
A Vida Cristã
5. Cristão como Cidadão: O cristão é cidadão de dois mundos – o Reino de Deus e o Estado – e deve ser obediente à lei do seu país tanto quanto a lei suprema de Deus.
A Igreja
1. Sua Natureza: A Igreja, no sentido lato, é a comunidade fraterna de pessoas redimidas por Cristo e tornadas uma só na família de Deus. A Igreja, no sentido local é a companhia fraterna de crentes batizados, voluntariamente unidos para o culto, desenvolvimento espiritual e serviço.
30
2. Seus Membros: Ser membro de Igreja é um privilégio dado exclusivamente a pessoas regeneradas que voluntariamente aceitam o batismo e se entregam ao discipulado fiel, segundo preceito cristão.
3. Suas Ordenanças: O batismo e a ceia do Senhor, as duas ordenanças da Igreja, são símbolos da redenção, mas sua observância envolve realidades espirituais na experiência cristã.
4. Seu Governo: Uma Igreja é um corpo autônomo, sujeito unicamente a Cristo, sua cabeça. Seu governo democrático, no sentido próprio, reflete a igualdade e responsabilidade de todos os crentes, sob a autoridade de Cristo.
5. Sua Relação Para com o Estado: A Igreja e o Estado são constituídos por Deus e perante Ele responsáveis. Devem permanecer distintos, mas têm a obrigação do reconhecimento e reforço mútuos, no propósito de cumprir-se a função divina.
6. Sua Relação Para com o Mundo: A Igreja tem uma posição de responsabilidade no mundo; sua missão é para com o mundo; mas seu caráter e ministério são espirituais.
1. A Centralidade do Indivíduo: De Consideração primordial na vida e no trabalho de nossas Igrejas é o indivíduo, com seu valor, suas necessidades, sua liberdade moral, seu potencial perante Cristo.
2. Culto: O culto – que envolve uma experiência de comunhão com o Deus vivo e santo – exige uma apreciação maior sobre a reverência e a ordem, a confissão e a humildade, a consciência da santidade, magestade, graça e propósito de Deus.
3. O Ministério Cristão: Cada cristão tem o dever de ministrar ou servir com abnegação completa; Deus, porém, na sua sabedoria, chama várias pessoas de um modo singular para dedicarem sua vida de tempo integral, ao ministério relacionado com a obra da Igreja.
4. Evangelismo: O evangelismo, que é básico no ministério da Igreja e na vocação do crente, é a proclamação do juízo e da graça de Deus em Jesus Cristo e a chamada para aceitá-lo como Salvador e segui-lo como Senhor.
5. Missões: As missões procuram a extensão do propósito redentor de Deus em toda a parte, através do evangelismo, da educação, e do serviço cristão e exige de nós dedicação máxima.
6. Mordomia: A mordomia cristã concebe toda a vida como um encargo sagrado, confiado por Deus, e exige o emprego responsável de vida, tempo, talentos e bens – pessoal ou coletivamente – no serviço de Cristo.
7. O Ensino e Treinamento: A natureza da fé e experiência cristãs e a natureza e necessidades das pessoas fazem do ensino e treinamento um imperativo.
8. Educação Cristã: A educação cristã emerge da relação da fé e da razão e exige excelência e liberdade acadêmicas que são tanto reais quanto responsáveis.
Nossa
Tarefa
Contínua
9. A Autocrítica: Todo grupo de cristãos, para conservar sua produtividade, terá que aceitar a responsabilidade da autocrítica construtiva.
Fonte: Elaborado pela autora, com base em Souza (2001, pg 11-21).
31
Mendonça (2002) explica que, os batistas aparecem como um ramo paralelo
no esquema das famílias de Igrejas reformadas, tornando-se imprópria para
eles a denominação “protestantes”, pois não se consideram fruto da Reforma,
embora tenham assumido seus pressupostos teológicos. Autodenominam-se
“batistas”, simplesmente, ou, melhor ainda, “um povo chamado batista”.
Segundo eles, suas raízes históricas estão no Novo Testamento.
Os batistas têm convicções em comum com outros cristãos. Acreditam em
Deus como criador de todas as coisas. Crêem em Jesus Cristo e no Espírito
Santo. Entendem que a Igreja é constituida do povo de Deus, e que a Bíblia é a
palavra de Deus em linguagem humana, sendo escrita por homens inspirados
e dirigidos pelo Espírito Santo. Portanto, pode-se dizer que a religião batista
revela-se como uma doutrina fundamentalista.
É pensamento comum entre a maioria das Igrejas evangélicas, reclamar para
si o direito de ser a única autêntica e verdadeira a seguir o Novo Testamento e
representar a Igreja primitiva de Jesus Cristo na atualidade.
O fundamentalismo cristão baseia-se na ênfase literal da Bíblia como sendo
autoritativa, inqüestionável, não só em matérias de fé, mas na regência da
sociedade e na forma de interpretar a ciência. Esse movimento teológico e
social surgiu após a publicação da obra “A origem das espécies” de Charles
Darwin, em 1859. Vários grupos, incluindo o judaismo, o cristianismo, o
islamismo e principalmente o protestantismo, representados por seus líderes
32
mais conservadores da época, temendo que a razão afetasse a fé cristã,
reagiram e publicaram “Os Fundamentos”.
2.1. Mitos, ritos, dogmas e regras da Igreja Batista
Para os batistas, as Escrituras Sagradas, e em especial o Novo Testamento,
são a única regra de fé e conduta. No tópico “Declaração Doutrinária da
Convenção Batista Brasileira” (Souza, 2001), encontramos dezenove artigos,
que segundo o autor, foram escritos com o intuito de dissipar dúvidas e
reafirmar posições. Com base nesses artigos e consultando trechos da Bíblia
Sagrada – nova tradução na linguagem de hoje, identificamos os mitos, ritos,
dogmas e regras que norteiam a religião batista.
Na tentativa de compreender como os batistas lidam com a questão do
“pecado”, reconhecemos a crença no mito de Adão e Eva. Os crentes da
referida religião, reconhecem o fato como verídico e incontestável. Vejamos:
Então o SENHOR Deus pôs o homem no jardim do Éden, para cuidar dele e nele fazer plantações. E o SENHOR deu ao homem a seguinte ordem: - Você pode comer as frutas de qualquer árvore do jardim, menos da árvore do conhecimento do bem e do mal. Não coma a fruta dessa árvore; pois no dia em que você a comer, certamente morrerá. (Gênesis, 2:15-17).
Interpretação: “No princípio o homem vivia em estado de inocência e mantinha
perfeita comunhão com Deus.”
A desobediência do primeiro casal. (Gênesis 3).
33
Interpretação: “Mas, cedendo à tentação de Satanás, num ato livre de
desobediência contra seu Criador, o homem caiu no pecado e assim perdeu a
comunhão com Deus e dele ficou separado.”
Verificamos assim, que os enunciados bíblicos são interpretados como fatos
históricos pelos batistas, ou seja, de forma literal.
O rito, compreendido como um conjunto de atividades organizadas, em que as
pessoas se expressam, por meio de gestos, símbolos, linguagem e
comportamento, transmite um sentido coerente ao ritual (culto). A sucessão de
palavras, gestos e atos, indicam que o rito possui um caráter comunicativo.
Assim sendo, as duas ordenanças da Igreja Batista, o batismo e a ceia do
Senhor (comunhão), segundo eles, de natureza simbólica e estabelecida pelo
próprio Jesus Cristo, podem ser consideradas formas de ritual.
Dogmas são pontos fundamentais e indiscutíveis da doutrina religiosa. No
artigo I, da Declaração Doutrinária da Convenção Batista, Souza (2001, p. 23)
informa que: “[...] A Bíblia é a autoridade única em matéria de religião, fiel
padrão pelo qual devem ser aferidas as doutrinas e a conduta dos homens”. Do
artigo II, também relataremos partes das citações:
a) Deus: Em sua triunidade, o eterno Deus se revela como Pai, Filho e Espírito Santo, pessoas distintas mas sem divisão em sua essência.
b) Deus Pai: Deus, como Criador, manifesta disposição paterna para com todos os homens. [...] Ele é Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem enviou a este mundo para salvar os pecadores e deles fazer filhos por adoção. Aqueles que aceitam a Jesus Cristo e nele crêem são feitos filhos de Deus, nascidos pelo seu espírito, e, assim, passam a tê-lo como Pai celestial, dele recebendo proteção e disciplina.
34
c) Deus Filho: Jesus Cristo, um em essência com o Pai, é o eterno Filho de Deus. Nele, por ele e para ele, foram criadas todas as coisas. d) Deus Espírito Santo: O Espírito Santo, um em essência com o Pai e com o Filho, é a pessoa divina. É o Espírito da verdade. Atuou na criação do mundo e inspirou os homens a escreverem as Sagradas Escrituras.
A seguir, apresentaremos alguns trechos (Souza, 2001) sobre: conversão;
relação para com o Estado; testemunho, o dia do Senhor e a morte;
particularmente entendidos como “regras”, que dizem respeito aos crentes da
religião batista:
A pessoa qualifica-se para ser membro da Igreja, por ser nascida de
Deus e aceitar volutariamente o batismo; ou seja, sendo convertida.
As responsabilidades de sustentar o Estado devem ser aceitas pelos
cristãos; esta “regra” reflete a valorização pela obediência ao poder civil.
Todo cristão tem responsabilidade de dar testemunho de Cristo,
fazendo-o por palavras e ações.
A igreja comunica que, no dia de domingo, todos os cristãos devem
abster-se do trabalho secular, executando apenas àquelas tarefas que
sejam imprescindíveis e indispensáveis à vida da comunidade. Neste
dia, eles devem evitar também as recreações que desviem a atenção
das atividades espirituais.
Os batistas dizem: “Na Palavra de Deus encontramos claramente
expressa a proibição divina da busca de contato com os mortos, bem
como a negação da eficácia de atos religiosos com relação aos que já
morreram”.
35
2.2. Os elementos da religião sob a ótica junguiana
As funções tradicionais e atuais da mitologia. [...] A primeira função é despertar no indivíduo um sentimento de assombro, mistério e gratidão pelo mistério máximo da existência. [...] A segunda função serve para apresentar um universo no qual o mistério se faz presente da forma como é entendido, de modo que para onde quer que se olhe ele é, por assim dizer, uma imagem sagrada que se volta para o grande mistério. [...] A terceira função da mitologia, a sociológica, é proporcionar leis para a vida em sociedade. [...] A última função da mitologia, a pedagógica, dá ao indivíduo um vínculo entre o mundo psicológico interior e o mundo exterior, dos fenômenos. (CAMPBELL, 2008, p. 127-130).
Jung (1986) nos diz que, o mito, não é ficção; o mito se verifica em fatos que
se repetem incessantemente e podem ser observados constantemente. Ele
ocorre no homem, da mesma maneira que os heróis gregos, tendo os homens
um destino mítico. Para Jung (2007), o homem moderno tem um medo tão
racional e noções de tal modo tão confusas acerca do que seja a “vivência
mística”, que, em certos casos, repele ou recalca seu caráter numinoso, por
desconhecer a natureza de sua experiência, tratando-a como um fenômeno
obscuro e irracional, ou mesmo patológico.
De acordo com a psicologia analítica, se fizermos a leitura das passagens
bíblicas de forma literal, corremos o risco de perder o sentido das mensagens.
Fernandes (2004) afirma que, quando interpretado simbolicamente, o Novo
Testamento, pode levar o indivíduo à consciência de alteridade e de totalidade.
Alteridade e totalidade são denominações próprias dos dois últimos níveis de
dinamismos arquetípicos, estes sucedem os dois primeiros (matriarcal e
patriarcal). Os quatro dinamismos se manifestam no processo de evolução da
consciência e permanecem atuantes durante toda vida, pois à cada nova
experiência, o ciclo se repete. Na dinâmica da alteridade o “eu” atinge seu
36
potencial pleno de relacionamento com o “outro” e também da sua própria
individualidade. Na dinâmica da totalidade, a consciência torna-se plena e
vivencia “o todo” diretamente. “Participamos da mesma natureza do cosmos e
exercemos influência contínua e recíproca sobre ele”. (JAFFE, 2002, p. 29).
Franz (2003, p. 9) comenta que: “Em muitas religiões primitivas, narrar o mito
de criação estabelece um ensinamento essencial no rito de iniciação“. O mito
re-memora, o rito co-memora.
No contato com a floresta, os homens criaram o animal totêmico, um espírito
protetor – o animal de poder e o da cura. Vestindo-se como eles, usando
máscaras e caminhando como o animal, num espaço específico (p. ex., em
torno de uma fogueira), o caminho se transforma em dança, que se torna um
ritual sagrado, acompanhado de um som ritmado constante, para se manter
dentro do temenos (espaço sagrado).
Para Jung (1987, p. 11): “O exercício e a repetição da experiência original
transformaram-se em rito e em instituição imutável”. Segundo o autor, o
protestantismo perdeu os matizes mais sutis do cristianismo tradicional: a
missa, a confissão, grande parte da liturgia e a função do sacerdote como
representante hierárquico de Deus. Para compensar a perda da autoridade da
Igreja, o protestantismo reforçou a autoridade da Bíblia. Nas narrativas acima,
quanto ao estilo de expressão religiosa batista, fica muito claro o que Jung
comenta sobre a necessidade de supervalorizar o texto em detrimento dos
símbolos e mistérios.
37
Jung (1987) diz que, o protestantismo, ao que parece, se libertou quase que
totalmente do ritual codificado, desintegrando-se assim, em mais de
quatrocentas denominações. O catolicismo, mesmo com sua rigidez, não limita
o número de rituais, podendo inclusive, aumentar com o decorrer do tempo. A
confissão, por exemplo, ajuda a equilibrar um excesso de tensão. Para Hillman
(2004, p. 21): “A finalidade da confissão é purificar. [...] O inconsciente tem o
dom de absorver os nossos pecados. Ele os deixa descansar, dando a
sensação do perdão concedido a si mesmo”.
“Um dogma é sempre o resultado e o fruto do labor de muitos espíritos e de
muitos séculos”. (JUNG, 1987, p. 55)
O símbolo central da fé cristã é o dogma da Trindade. A princípio, esse tema
pertence ao campo da teologia; entre as ciências profanas é a história a que
mais se volta para ele. No entanto, para Jung (2007), as religiões se acham tão
próximas da alma humana, com tudo quanto elas exprimem, que podemos
seguramente refletir sobre o dogma da Trindade numa perspectiva psicológica,
considerando-o como objeto possível de análise.
Na história das religiões, desde o estágio primitivo já aparecem tríades divinas.
Jung (2007) diz que, provavelmente esse arquétipo foi o que inspirou a idéia da
Trindade cristã. As mais antigas tentativas de formulação teológica das tríades
de que se tem notícia aparecem na história da Babilônia, do Egito e da Grécia,
culturas estas, que precederam em muitos séculos o advento do cristianismo.
A Trindade cristã, mesmo sendo uma representação arcaica, oferece-nos um
38
valor incomum, por constituir uma representação hipostasiada e suprema da
tríade bidimensional, representado na relação “Pai-Filho”, e entre eles, surge
um terceiro elemento, que não é humano, mas “Espírito”.
Em termos psicológicos, o Espírito Santo é a ponte que liga o Pai (Self) ao
Filho (ego), viabilizando a interação dialética dos aspectos do dinamismo da
alteridade. O Self é o centro da totalidade, um princípio unificador dentro da
psique humana, que abrange tanto o consciente como o inconsciente. O ego é
o centro da mente consciente.
Jung (2007) contesta a Trindade, dizendo que, na ordem da natureza, existe
ainda a relação de mãe e filha, que o dogma cristão suprimiu, transpondo o
elemento feminino para outro plano. Deduz-se então, que a fórmula patriarcal,
que exclui a mãe ou progenitora divina, já “estava no ar”, muito antes da era
cristã.
O símbolo central do cristianismo é a Cruz, que indica evidentemente uma
idéia de quaternidade dos princípios divinos. Jung (2007) apresenta-nos a
psicologia da quaternidade da seguinte forma:
O “Pai” representa o estado ainda infantil, primitivo da consciência.
As mudanças começam quando o “Filho” se prepara para ocupar o lugar
do “Pai”, mas isto não constitui um progresso propriamente dito, apenas
a manutenção do hábito original, e por isto não se verifica nenhuma
diferenciação da consciência. Para tanto, será necessário um certo grau
de conhecimento da individualidade.
39
A terceira etapa indica a emancipação do “Filho”, onde este, através de
uma função inconsciente, eleva os estágios conscientes ao mesmo nível
de autonomia do “Pai”. De acordo com o autor, podemos denominar
esta instância de inspiradora, e na projeção chamá-la pelo nome de
“Espírito Santo”. O progresso desta fase é o reconhecimento do
inconsciente.
O quarto componente é o Adversário (Diabolus). Uma reflexão desta
ordem não tem lugar no reino do pensamento trinitário. Por se tratar de
um conflito extremamente violento, não se atribui ao mal qualquer
relação lógica com a Trindade. Porém, quando o bem e o mal
começaram a ser relativizados, viu-se erguer um clamor por uma
existência “para além do bem e do mal”. Neste mundo não há bem sem
mal, dia sem noite, verão sem inverno. O número quatro representa a
totalidade.
As reflexões de Jung (2007), sobre o dogma da Trindade, nos dizem que, se a
Trindade for entendida como um processo, este dogma deveria prolongar-se
com o quarto elemento, chegando assim à totalidade absoluta, pois não teria
havido criação sem Lúcifer – este foi apenas vencido, mas não destruído.
Segundo Gênesis 3, Deus dotou o homem da capacidade de querer o inverso
do que Ele manda; os que se submetem à lei ou à expectativa geral,
comportam-se como o homem que enterrou o seu talento. A condenação
eterna, por sua vez, também não corresponde à bondade da forma como a
entendemos. Naturalmente, nos deparamos com uma série de contradições.
Na vida precisamos dos pólos contrários para que haja energia, sendo o bem e
40
o mal nada mais do que aspectos morais destas antinomias. “Dizem que o
altruísmo é o oposto do egoísmo. Mas no inconsciente descobrimos que
altruísmo exagerado é hipocrisia e compensação, quando o tipo adequado de
egoísmo fracassou”. (HILLMAN, 2004, p. 77).
O processo de individuação é complexo e profundo, exige compromisso com a
verdade de cada um, sendo necessário a tomada de consciência da sombra,
para que possamos integrá-la, nos desfazendo das projeções e promovendo a
ampliação da nossa consciência. Jaffe (2002, p. 70) nos diz que: “Vida sem
contradições interiores é apenas vida pela metade ou então vida no além,
própria somente para os anjos”.
2.3. O processo da conversão religiosa
Tradicionalmente, os progenitores procuram transmitir sua visão de mundo às
gerações seguintes. Partimos do pressuposto que, esta almejada transferência
de conhecimentos, engloba entre outros, aspectos morais e religiosos. Com
isto, queremos dizer que, a escolha por uma determinada profissão de fé, é
uma decisão que só pode ser tomada de forma consciente, no período da
adolescência ou na fase adulta. Adolescentes e adultos, por sua vez, quando,
nas instituições em que freqüentam, não encontram respostas condizentes às
suas inquietudes, buscam “beber de outras fontes”.
Como este trabalho tem por objetivo a compreensão das alterações no
dinamismo psíquico, que leva o indivíduo à conversão para a Igreja Batista,
41
encontramo-nos diante do desafio de buscar um entendimento sobre “o quê
provavelmente requer a psique das pessoas que buscam esta fé”?
Para responder o questionamento acima, buscamos registros bibliográficos que
abordam o tema “conversão religiosa” e relatos sobre a crença protestante,
onde inclui a denominação batista. Em seguida, pretende-se articular estas
idéias relacionando-as com as possíveis necessidades psíquicas dos
convertidos.
Velasques Filho (2002) nos fala que, as Igrejas evangélicas brasileiras, que
surgiram do movimento missionário do século XIX, associam a conversão à
adoção de outros padrões culturais, levando a rejeição de aspectos de sua
própria cultura. As pessoas convertidas acatam sugestões de outras formas de
comportamento, outras crenças e valores sociais, presididas por uma disciplina
rígida, exercida pela congregação local. O referido autor esclarece-nos sobre
as regras defendidas pela grande maioria das comunidades evangélicas. A
título de ilustração, apresentaremos algumas das restrições impostas aos
crentes:
Ausentar-se das atividades sem comunicar o motivo, caso isto aconteça,
a justificativa deve ser plausível;
Rejeitar ou ter dúvidas sobre as doutrinas fundamentais da comunidade;
Negligenciar suas responsabilidades de testemunho cristão;
Ter vícios socialmente aceitos, como o álcool ou tabaco;
Ser infiel ao cônjuge ou manter relações sexuais antes do casamento.
42
Rubem Alves (apud Velasques Filho, 2002) diz que, o fiel evangélico recorre à
disciplina comportamental a fim de dominar-se e reprimir-se, tendo consciência
de que é diferente, o mesmo pensa que, se todos fossem iguais a ele, o mundo
seria melhor. O mesmo autor (apud Domingos, 2003) afirma que, a conversão
poderia ser denominada metamorfose da subjetividade. Isto significa que
converter é morrer para nascer de novo. No entanto, a subjetividade não
elimina a consciência em que ocorre a conversão, e muito menos os conteúdos
inconscientes, reprimidos ou não.
No artigo IV, da Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira
(Souza, 2001, p. 25), fala sobre o pecado: “[...] o homem caiu no pecado e
assim perdeu a comunhão com Deus e dele ficou separado. [...] o homem é
absolutamente incapaz de salvar-se a si mesmo e assim depende da graça de
Deus para ser salvo”. O artigo V (Souza, 2001, p. 26-27) descreve a salvação:
“A salvação é outorgada por Deus pela sua graça, mediante arrependimento do
pecador e da sua fé em Jesus Cristo como único Salvador e Senhor”. Neste
mesmo artigo encontramos os subitens, que fazem menção à: regeneração,
justificação, santificação e a glorificação. Despertaram nossa atenção as
seguintes citações:
Há duas condições para o pecador ser regenerado: arrependimento e fé;
Nessa experiência de conversão o homem perdido é reconciliado com
Deus, que lhe concede perdão, justiça e paz;
A graça é concedida não por causa de quaisquer obras meritórias
praticadas pelo homem, mas por meio de sua fé em Cristo;
43
O homem regenerado realiza os propósitos de Deus, estando habilitado
a progredir em busca da perfeição moral e espiritual;
A glorificação é o estado final, permanente, da felicidade dos que são
redimidos pelo sangue de Cristo.
Segundo Domingos (2003), a conversão de um indivíduo, independentemente
da religião, é geralmente marcada por estágios bem definidos. O conflito e a
crise são dois dos estágios marcantes no processo da conversão. Depois de
ultrapassados os momentos de conflito e crise, constatam-se um estado de paz
e harmonia interior. O indivíduo chega à conclusão que tem fé, que seus
pecados foram perdoados e seus problemas e alfições foram resolvidos.
William James (apud Domingos, 2003, p. 8), define a conversão religiosa da
seguinte forma: “Ser convertido é o processo, gradual ou súbito, pelo qual um
ser até ali dividido, e conseqüentemente errado, inferior e infeliz, torna-se
unificado e conscientemente certo, superior e feliz, em conseqüência do seu
apoio mais firme às realidades religiosas”.
Considerando o que foi exposto até este ponto, apontamos algumas condições
psicológicas favoráveis à conversão:
1. Dificuldade de enfrentar uma crise existencial, geralmente promovida
pelo embate com o inconsciente.
2. Busca de sentido para a própria vida, às vezes buscando de maneira
equivocada atender um chamado inconsciente de sentido.
3. Sentir-se aceito, uma necessidade de pertencer, que provavelmente é
mais evidente em extrovertidos.
44
4. Sentimento de culpa em relação a atitudes do passado, isto é, o peso de
conteúdos da sombra frente à persona, ou um movimento de
enantiodromia.
5. Enfrentamento de experiências dolorosas e conseqüentemente ameaça
à integridade do ego.
6. Medo da morte diante de alguma doença física, representando ameaça
à integridade do ego.
7. Medida de “segurança” em relação à educação dos filhos, buscando
conformidade social na construção das normas da persona.
Todo ser humano, em maior ou menor grau, depara-se com situações desta
ordem, mas cada um reage à sua maneira. Alguns refletem conscientemente
sobre a tensão dos opostos, lidam com suas alegrias e tristezas como fatos da
própria vida, assumem responsabilidades de trilhar por caminhos incertos,
onde o bem e o mal podem ser relativizados. Outros aderem a doutrinas que
indicam caminhos que oferecem uma sensação de paz e conforto, pois neste
caso, o certo e o errado já estão previamente definidos, assim acreditam estar
respondendo a uma lei cristã, que lhes oferece a garantia da salvação. Podem-
se buscar os determinantes para o sentido da vida na viagem interior,
elaborando-se uma ética interna; ou no mundo exterior, apropriando-se da
ética e sentido determinados pelas instituições. Identificamos então que, a
psique dos que buscam a fé batista, enquadra-se nesta segunda classe de
necessidades, onde a individuação e a conversão religiosa não encontram na
alteridade um ponto em comum.
45
Para Fernandes (2004), se a conversão for entendida como o retorno ao Reino
de Deus via repressão patriarcal, não será possível traçar nenhum paralelo a
respeito da individuação e da conversão religiosa. Na abordagem psicológica,
o Reino expressa as novas bases para uma sociedade fraterna, regida pela
cooperação e não pela competição e intolerância; trata-se de uma metáfora do
indivíduo em conexão com o seu centro profundo. Jung (1986, p. 110) diz:
“Para que se tome consciência do processo de individuação, é preciso que a
consciência seja confrontada com o inconsciente e se chegue a um equilíbrio
entre os opostos”.
Podemos levantar a possibilidade de que o fenômeno da conversão ocorra em
estágios distintos, com diferentes conseqüências psicológicas. Uma forma de
conversão, como se um arrebatamento súbito para Deus, ocorre com base no
confronto imediato e direto com elementos do inconsciente coletivo, mais
precisamente com o Si-mesmo, em que a personalidade como um todo é
transformada e uma dimensão religiosa é estabelecida. Esta dimensão se
expressa mais em religiosidade individual que em conformismo com as regras
externas de qualquer religião. Como exemplo mais emblemático, temos a
conversão de Saulo de Tarso, narrada no livro dos Atos dos Apóstolos da
Bíblia. Por outro lado uma conversão pode exprimir a experiência de confronto
com conteúdos sombrios do próprio indivíduo, que através de um ritual pré-
estabelecido de confissão e oração de perdão que gera uma catarse, opta
conscientemente por “fincar pé” nos ditames da persona moral e rígida,
recalcando mais ainda os aspectos sombrios para o fundo do inconsciente.
Este estilo de conversão necessita de constante vigilância e repressão aos
46
conteúdos inconscientes, manutenção feita pela freqüência aos cultos e
aprofundamento de compromisso com os laços comunitários, e está
estreitamente vinculado à estrutura da religião instituída.
Para Jung (1986), o protestantismo parece ter sucumbido a um historicismo
racionalista, pois perdeu a sensibilidade para a presença do Espírito Santo,
que se manifesta no mais recôndido de nossa alma. O protestantismo não
levou em conta os sinais dos tempos que indicam a igualdade de direito da
mulher em relação ao homem, a atual realidade da emancipação feminina.
47
3. PROBLEMA DE PESQUISA, DELIMITAÇÃO E OBJETIVOS
O problema de pesquisa deste trabalho é: que mudanças psíquicas movem
uma nova escolha, levando pessoas a se converterem para outra religião, e no
caso particular, para a Igreja Batista? As delimitações do problema são:
1) Não será objeto deste trabalho o estudo da conversão religiosa como
um todo, mas especificamente a conversão para a Igreja Batista;
2) Os temas que dizem respeito aos processos psíquicos que levam o
indivíduo à conversão não serão abordados em suas totalidades.
O objetivo geral deste trabalho é compreender as alterações que acontecem no
dinamismo psíquico, devido à conversão para a Igreja Batista. Os objetivos
específicos são:
1) Explicitar os possíveis fatores que interferem na dinâmica da psique no
decorrer do processo da conversão religiosa;
2) Observar as mudanças ocorridas no sistema de crenças do sujeito
convertido;
3) Analisar as alterações de comportamento apresentadas pelo indivíduo
convertido;
4) Compreender a influência psicológica que o indivíduo convertido recebe
da comunidade religiosa em que participa e a forma como este novo
sistema de crenças influencia o meio em que vive.
48
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1. Sobre a pesquisa qualitativa
Segundo Gonzáles Rey (2002), a pesquisa qualitativa se diferencia da
quantitativa por estar orientada à produção de idéias, ao desenvolver a teoria o
essencial é a produção de pensamento. A teoria não pode ser transformada
em uma camisa-de-força; pois uma das causas que levam à especulação é a
tentativa de significar fenômenos empíricos complexos nas categorias gerais
da teoria. Para este autor, a construção de conhecimento na pesquisa
qualitativa é um processo que avança por diferentes níveis, que se ramifica à
medida que o objeto se expressa em toda sua riqueza, encontrando seu ponto
de convergência no pensamento do pesquisador.
O projeto de pesquisa serve de guia para orientar o pesquisador a definir onde
o mesmo quer chegar e quais meios pretende utilizar.
Neste trabalho adotamos uma diretriz considerando os seguintes pontos:
A pesquisadora tem em mente o objetivo geral e os específicos.
Portanto, acreditamos que estes objetivos devam ser explicitados de
forma transparente;
Foram estudadas diversas teorias para desenvolver este trabalho.
Optamos por explicitá-las de forma resumida e abreviada.
Definimos foco e critérios, evitando levantar excesso de informações, o
que poderia dificultar a etapa de análise e interpretação de dados.
49
4.2. Tipo de pesquisa
O tipo de pesquisa escolhido será um estudo de caso que investigará o
fenômeno da conversão religiosa para a Igreja Batista. A opção pelo estudo de
caso foi baseada em Yin (2001) que afirma que esse método tem uma
aderência adequada para perguntas do tipo como e por que, além de não
requerer controle sobre o comportamento dos eventos e focalizar eventos
contemporâneos.
A opção de escolher uma família convertida para a Igreja Batista como
amostra, considerou a mudança de comportamento apresentada por seus
membros. Sendo o comportamento um objeto de estudo das ciências humanas
e principalmente da psicologia, decidiu-se investir na compreensão das
necessidades psíquicas que levam o sujeito à conversão religiosa.
4.3. O estudo de caso como estratégia de pesquisa
Yin (2001, p. 32) menciona que o estudo de caso, assim como outras
estratégias de pesquisa, representa um modo de investigar um problema
empírico, seguindo-se um conjunto de procedimentos pré-especificados. Para
o autor, um estudo de caso é uma investigação empírica que:
Investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida
real, especificamente quando os limites entre esse fenômeno e o
contexto não tem clara definição;
50
Enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais
variáveis de interesse do que pontos de dados. Como conseqüência,
se baseia em diversas fontes de evidências e beneficia-se do
desenvolvimento a priori de proposições teóricas para conduzir coleta
e análise de dados.
Os estudos de caso exigem um desenvolvimento prévio da teoria, a qual será
determinada ou testada. Este método pode levar a uma generalização
analítica, associada à busca pela replicação de experimentos, com fins de
testar uma teoria.
4.4. A estratégia de amostragem
A autora definiu a população a ser pesquisada e o tipo de amostra escolhido,
considerando que em uma pesquisa qualitativa a amostra não é uma questão
de representatividade, mas sim de relevância. A amostra foi definida por
conveniência. A escolha das unidades de análise foi determinada em função
das questões levantadas no corpo teórico deste trabalho. O conhecimento
apriorístico da pesquisadora determinará a escolha das unidades de análise. A
pesquisadora então buscará uma situação típica.
A estratégia da escolha da amostra deste trabalho será baseada nos critérios
de amostragem de caso crítico, de conveniência e seleção primária. Serão
entrevistadas duas pessoas de uma família convertida.
51
4.5. O papel do pesquisador
Cabe ao pesquisador buscar acesso adequado ao campo de pesquisa, praticar
a interação com os entrevistados e ter claro o critério de quando deixar o
campo. Segundo Yin (2001), o pesquisador necessita possuir habilidades de
elaboração de perguntas, assimilação de informações e interpretação das
respostas. O pesquisador também deve ser flexível, rigoroso com os aspectos
metodológicos e ter uma base sólida de conhecimento sobre o objeto de
estudo. O autor acrescenta a essas habilidades o cuidado que o entrevistador
deve ter para não influenciar sua pesquisa pelo uso de viéses pessoais. Para
reduzir essa possibilidade e aumentar a confiabilidade do estudo, o autor
recomenda a elaboração de protocolo que oriente a pesquisa.
De acordo com Yin (2001, p. 80), o pesquisador necessita possuir pelo menos
quatro habilidades:
Elaborar perguntas adequadas e interpretar as respostas. A curiosidade
deve estar sempre presente, de modo que o pesquisador se pergunte o
tempo todo o porquê os eventos aconteceram. Isto, na verdade, é um
ciclo em que uma pergunta desencadeia outras;
Assimilar informações de forma isenta e ser bom ouvinte. As ideologias
devem ser postas de lado e os acontecimentos devem ser vistos de
modo genérico;
Usar a flexibilidade e adaptabilidade sem, contudo, perder o rigor da
metodologia;
52
Usar uma base sólida de conhecimentos que exigem interpretação clara
daquilo que é necessário ao estudo. Esse não é um trabalho mecânico.
A pesquisadora deste estudo de caso é psicóloga e pós-graduanda em
psicologia analítica. Para franquear o acesso da pesquisadora ao campo, neste
trabalho, foi feita uma solicitação verbal aos entrevistados. A resposta foi
positiva.
Recomenda-se uma postura de total isenção de partido, bem como respeitar e
mencionar as fontes de dados disponibilizados e manter sigilo absoluto de
dados pessoais dos entrevistados. O pesquisador deverá buscar uma postura
de neutralidade. Caberá também ao entrevistador reforçar aos entrevistados o
caráter acadêmico da pesquisa.
4.6. Técnica de coleta de dados
Alves-Mazzotti (2002) diz que as técnicas mais utilizadas para coleta de dados
em pesquisas qualitativas são: observação participante; observação não
participante; entrevistas em profundidade e análise de documentos. As
entrevistas em profundidade podem ser elaboradas com roteiros estruturados,
semi-estruturados ou desestruturados.
No presente trabalho será adotada a condução da entrevista em profundidade,
com roteiro semi-estruturado. O interesse da pesquisadora é apreender, a
53
partir das representações feitas pelos sujeitos das pesquisas. As entrevistas
serão gravadas e posteriormente transcritas e analisadas.
4.7. Análise de dados
A interpretação de dados é o cerne da pesquisa qualitativa. Yin (2001) diz que
a análise dos dados consiste em examinar, categorizar, classificar e combinar
as evidências tendo em vista as proposições iniciais do estudo. Prioridades de
análises e suas justificativas devem ser estabelecidas. Existem poucas
fórmulas para orientar o pesquisador principiante na estratégia de análise dos
dados. Uma estratégia analítica geral permite tratar das evidências de modo
justo. Basear-se nas proposições teóricas que levaram ao estudo de caso é a
estratégia preferida. Essas proposições estabelecem prioridades, focando em
certos dados e eliminando outros. Ajudam também a organizar o estudo,
principalmente partindo-se de proposições causais do tipo “como” e “porque”.
Neste trabalho será adotata a análise de dados proposta por Yin (2001), na
seqüência será feita uma análise de conteúdo à luz da teoria junguiana,
segundo uma categorização temática.
4.8. Resumo
Do exposto até este ponto, observa-se uma seqüência de etapas essenciais
para o planejamento da pesquisa. Essa seqüência está resumida no Quadro 2,
juntamente com a síntese dos procedimentos metodológicos:
54
Quadro 2: Síntese das principais etapas do trabalho e dos procedimentos
metodológicos.
Definição do tema e
problema
O problema de pesquisa deste trabalho é: que mudanças psíquicas movem uma nova escolha, levando pessoas a se converterem para outra religião, e no caso particular, para a Igreja Batista?
Justificativa da escolha do problema
Acredita-se que o tema é relevante para criação do conhecimento, sendo necessário investir na compreensão dos fatos e identificar qual é seu papel psíquico.
Objetivos gerais e
específicos
O objetivo geral deste trabalho é compreender as alterações que acontecem no dinamismo psíquico, devido à conversão para a Igreja Batista. Os objetivos específicos são:
1. Explicitar os possíveis fatores que interferem na dinâmica da psique no decorrer do processo de conversão religiosa;
2. Observar as mudanças ocorridas no sistema de crenças do sujeito convertido;
3. Analisar as alterações de comportamento apresentadas pelo indivíduo convertido;
4. Compreender a influência psicológica que o indivíduo convertido recebe da comunidade religiosa em que participa e a forma como este novo sistema de crenças influencia o meio em que vive.
Local/Campo de Pesquisa
Na residência dos entrevistados.
Procedimentos Metodológicos
1. Pesquisa qualitativa e uso do estudo de caso.
2. Técnica de coleta de dados
2.1. Entrevista semi-estruturada (em profundidade) com base em roteiro
pré-determinado.
2.1.1. Registro das entrevistas
2.1.2. Transcrição das entrevistas
3. Seleção da amostra: um casal de convertidos
4. Análise de conteúdo, abordagem qualitativa com categorização temática.
5. Relatório final
Pesquisadora Jussara Veiga Silva, Pós-graduanda em Psicologia Analítica
Fonte: Elaborado pela autora com base em Barros e Lehfeld (1986, p. 97).
55
5. PROCESSO DE TRATAMENTO DOS DADOS
O processo de tratamento dos dados constituiu-se de três fases: 1)
organização da análise; 2) codificação e 3) categorização.
5.1. Organização da análise
Nesta fase foram completadas três atividades, sendo a primeira delas relativa à
duas entrevistas realizadas. Originalmente pensou-se em um conjunto de cinco
entrevistas, mas em função da riqueza de conteúdos obtidos nas duas
primeiras entrevistas, decidiu-se que esta quantidade seria suficiente. Foi
usada a técnica do gravador para registro das entrevistas conduzidas por um
roteiro pré-definido. As entrevistas foram transcritas integralmente pela própria
pesquisadora. Esse processo permitiu a pesquisadora um contato mais
aprofundado com o material, o que contribuiu para um melhor entendimento do
conteúdo das entrevistas.
A segunda atividade foi à participação da pesquisadora em um culto na Igreja
Batista. Este trabalho de campo permitiu à pesquisadora observar o ambiente e
um dos eventos relevantes da vida cotidiana dos indivíduos pesquisados.
A terceira atividade foi à geração de algumas afirmações provisórias, fruto de
leitura flutuante e das observações que foram paulatinamente se tornando em
suposições com alguma consistência.
56
5.2. Codificação
A pesquisadora utilizou o tema como unidade de registro. Foi contemplada a
atividade de elaboração de índices e em seguida verificado de que modo as
informações oferecidas pelos entrevistados atenderam as questões
apresentadas na pesquisa. Na primeira coluna foram listados os
questionamentos propostos pela pesquisadora, abordando os temas conforme
descrito no roteiro semi-estruturado de entrevistas em profundidade. A coluna
dois indica se nas falas dos entrevistados foram constatadas as respostas para
os referidos questionamentos. A coluna três exibe, quando possível, se o
conteúdo foi afirmativo ou negativo e a coluna quatro identifica os aspectos
relevantes dos movimentos psíquicos observados diante do fenômeno
estudado. O Quadro 3 exemplifica o procedimento adotado.
Quadro 3: Etapa de tratamento dos dados
Conversão religiosa Respostas Sim ou Não Observações
Prática de outra(s) fé(s) religiosa(s) antes da conversão para a Igreja Batista.
Sistema de crenças e valores antes da conversão.
Histórico de vida e padrões de comportamento antes da conversão.
Acontecimento(s) significativo(s) durante o processo de conversão.
Busca de novos caminhos espirituais.
Relato de acontecimento(s) e experiência(s) decisivo(s) para a tomada de decisão à conversão.
Alterações no sistema de crenças.
57
Mudanças de hábitos, de rotinas e do estilo de vida.
Constatação de influências recebidas e exercidas no meio em que vive.
Fonte: Elaborado pela autora, com base em Zardo (2005, p. 123).
5.3. Categorização
Nesta etapa foram feitos reagrupamentos de dados, tomando-se Flick (2004)
como base referencial. O referido autor explica que a categorização é uma das
estratégias básicas que visa à redução do texto original, sendo aplicada para
lidar com os referidos conteúdos, para em seguida interpretá-los.
A categorização refere-se ao resumo de conceitos ligados ao material
empírico, onde os dados são primeiramente segmentados e as expressões são
classificadas de acordo com suas unidades de significados (uma única palavra
ou seqüências curtas de palavras), a fim de unir anotações e sobretudo
conceitos a estas.
Com base em Zardo (2005), foram observadas as regras de qualidade de uma
categorização: a) da exclusão mútua, para que um determinado elemento
estivesse presente em apenas uma categoria; b) da homogeneidade, que
oferece estabilidade às categorias; c) da objetividade e fidelidade e d) da
produtividade, buscando suprir dados e resultados que possibilite o
pesquisador fazer inferências e levantar novas premissas.
58
6. A ANÁLISE E A INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Para as entrevistas, utilizou-se um roteiro pré-definido com quatro questões
amplas e abertas. Lidando com o texto regularmente e várias vezes, pode-se
observar que os discursos dos entrevistados apontam para dez categorias: 1)
Fundamentalismo bíblico; 2) Forte referência ao pecado; 3) Jesus como
Salvador; 4) Concepção radical da vida espiritual; 5) Conversão como conceito;
6) Proselitismo; 7) Moral; 8) Conversão como experiência; 9) Aprendizagem
social; 10) Grupo de referência.
O fundamentalismo bíblico foi a categoria que apresentou a maior freqüência
de citações. Os respondentes afirmam que “Deus criou o homem (um ser
físico, espiritual e eterno) acima de qualquer outro ser natural”. Em relação ao
Livro Sagrado, outras frases de impacto foram citadas com bastante ênfase:
“[...] Está na Bíblia. [...] A Bíblia me orienta. [...] Lendo a Bíblia.” Depreende-se
pelos depoimentos dos sujeitos que a leitura da palavra de Deus, para eles,
também é considerada “um alimento”, sendo esta uma das formas costumeiras
de exercitarem a fé. Outro aspecto ressaltado nas entrevistas é que, na Bíblia
encontram respostas para tudo o que lhes acontece, conferindo-lhe o valor de
um livro atualizadíssimo. Para estes respondentes, a mensagem bíblica é uma
mensagem de vitória, que afirma que você não está só, que o Todo Poderoso
está ao seu lado.
Outra categoria encontrada foi a forte referência ao pecado. Os entrevistados
afirmaram que “todos pecaram, e afastados estão da glória de Deus”. Segundo
eles, lá no Éden, o mal (simbolizado pela serpente) entrou no mundo através
59
do coração de Eva, esse mal persuadiu Eva, e esta influenciou Adão, então
comeram o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, que Deus tinha
proibido-lhes de comer. Por contrariarem Deus, entrou o que a Bíblia chama de
pecado, de rebelião. Os respondentes compreendem o pecado como se ele
fosse um senhor, como se ele fosse um dono seu, mas sem saber você vai
servi-lo. Acrescentaram ainda que “as armadilhas são representadas pelos
conflitos e dificuldades que enfrentamos diariamente, que podem nos tirar do
sério, desta forma estaremos propícios a brigar, falar palavrões e outras
manifestações que denotam perda de equilíbrio emocional, por isto, procuram
viver em constante vigilância”. Foi evidenciado também a imagem que os
respondentes fazem de Deus, quando afirmaram: “Ele não faz distinção de
pessoas, mas a semeadura é bíblica, ‘cada um colhe o que planta’, as pessoas
esquecem que, além de amor, Deus é justiça, portanto, temos que ter temor a
Ele, devendo nos colocar na posição de discípulos”.
Jesus como Salvador também foi enfatizado pelos respondentes. Apoiados na
Bíblia relataram que, para haver perda do pecado, tem que haver
derramamento de sangue. Segundo eles, no Antigo Testamento isto era feito
através do sangue de animais, que um sacerdote, representando o povo,
oferecia no altar como uma forma de sacrifício a Deus, para obterem remissão
dos pecados. O Novo Testamento foi citado como representando uma nova
aliança, em que Jesus Cristo foi quem derramou o sangue puro, o sangue
santo, na cruz do calvário em Jerusalém, no lugar de cada um de nós, sendo
este um sacrifício substitutivo. Isto explica a conhecida frase “Jesus Cristo é o
cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. A cruz de Jesus cobre
60
matematicamente o abismo entre Deus e o homem, a cruz é como um carimbo
de “conta paga”. Acrescentaram também que, o que Deus tem de mais
precioso é o filho dele, Jesus Cristo, tanto que o poder de Deus se manifestou
e ressucitou Jesus Cristo, e ele hoje está vivo. Segundo os entrevistados
“Jesus vai voltar”, acreditam que o grande dia será o dia do arrebatamento da
Igreja, quando haverá um encontro nos ares, das pessoas que crêem em
Jesus, com Jesus Cristo.
A concepção radical da vida espiritual foi outra evidência depreendida das
entrevistas, categoria esta observada pela citação da frase: “[...] A Bíblia é
claríssima, ou é com Ele, ou é sem Ele; com Ele céu, sem Ele inferno”. Nesta
mesma categoria, foi possível reconhecer a imagem que os respondentes
fazem de Deus, quando afirmaram que “Ele está num lugar, numa soberania,
num poder que os humanos, por melhores que sejam, nunca poderiam estar”.
Segundo eles, Deus é Deus, ele é criador e nós somos meras criaturas. Ele é
Deus, não quer na realidade que sejamos iguais a ele, detentores da sabedoria
do bem e do mal; Deus não aceita o segundo lugar, ele é o primeiro ou ele é o
último, não tem como você ser o Deus da sua vida, é como se você tivesse
dois senhores, você vai servir um ou outro. Sendo difícil imaginar como Deus é,
olham para Jesus Cristo, pois possuem como referência os trinta e três anos
que ele viveu aqui na Terra, como um modelo. Reforçaram dizendo “vários
trechos da Bíblia deixam bem claro que Jesus Cristo é a própria palavra de
Deus”.
61
A conversão como conceito foi retratada pelos respondentes como sendo “uma
experiência transformadora”, que promove mudanças no estilo de vida,
significando voltar-se do pecado para Cristo. Este voltar para Cristo é se
arrepender; segundo eles, toda conversão passa necessariamente pelo
arrependimento dos pecados. Acrescentaram ainda que “as pessoas que se
convertem hoje, olham para o seu passado e pedem perdão à Deus pelas
oportunidades perdidas, devendo assumir as conseqüências disso”. Para os
mesmos, a conversão representa se render a Deus e atuar no mundo como
Jesus Cristo, o evangélico torna-se “um farol, uma luz, um luminário”, de forma
leve e solta – porque o próprio Jesus falou “meu jugo é suave e meu fardo é
leve”. Os entrevistados afirmaram ainda que, atualmente vivem de acordo com
o Evangelho do reino de Deus, que para eles significa relacionamento, que a
conversão levou à uma “mudança de foco” na vida, hoje o foco é Jesus Cristo.
O proselitismo foi identificado e tratado como categoria, devido a ênfase dada
em algumas expressões que retratam a forma como os respondentes
enxergam as pessoas. Afirmaram que o propósito de Deus é ter uma grande
família com muitos filhos semelhantes a Jesus Cristo, que algumas pessoas
são “terra fértil” para a palavra de Deus. Na ocasião da entrevista foi
mencionado: “[...] você não está aqui por acaso. [...] é uma mensagem assim
que você está recebendo”. Disseram ainda que costumam orar pelas pessoas
que amam, para que um dia todos tenham uma experiência forte com Deus.
A Moral foi outra categoria identificada no conteúdo das entrevistas, pelo fato
dos respondentes afirmarem que, na condição de humanos continuam
62
pecando, sendo isto parte do processo de aperfeiçoamento, pois estão no
mundo “em construção”. Através do autopoliciamento, das orações e dos
estudos bíblicos (que inclui a participação aos cultos), buscam adquirir um
caráter mais moldado, porque é isto que Deus quer. Para os mesmos, segundo
a palavra de Deus, o pecado anda como um leão procurando a quem tragar,
porque o inimigo (que são os demônios) querem nos tirar do foco, que é Jesus
Cristo, colocando armadilhas para tropeçarmos. A experiência da conversão
também faz com que as pessoas fiquem mais seletivas em todos os sentidos,
desde a escolha de uma música para ouvir até os tipos de bebidas que
oferecem nos eventos que promovem, desprezando as preferências dos
convidados. Posicionam-se firmemente contra os vícios, sejam eles: bebidas
alcoólicas, tabaco ou drogas. Comentam segura e alegremente que, no meio
em que vivem, adultos e adolescentes se divertem sem os recursos acima
citados, e da vida regrada que seguem os próprios filhos.
Outra categoria encontrada foi a conversão como experiência, ficando evidente
nos depoimentos dos respondentes que, existia a priori uma curiosidade
aguçada em relação a esta religião devido ao movimento constatado em frente
a Igreja Batista, de forma que tomaram a iniciativa de participação no culto da
referida Igreja. Sentiram-se bem no ambiente e fizeram a decisão por “aceitar
Jesus”. No domingo seguinte, indecisos se iriam para a Igreja evangélica ou
para a católica, o filho de oito anos disse: “vamos naquela Igreja onde tem
músicas gostosas”, assim passaram a freqüentar os cultos, somente aos
domingos a noite. Um deles sentia falta dos santos na Igreja, pois tinham
muitas imagens em casa, depois de convertidos descartaram as referidas
63
imagens. Foi mencionado que “todo mundo tem sede de Deus, todo mundo
tem necessidade de ter fé”, aliado a isto, o casal tinha vontade de trabalhar, de
fazer alguma coisa pelo social, denotando também uma busca de sentido para
a vida e de realização espiritual. A participação ativa na instituição, observada
através dos compromissos assumidos junto à comunidade, que exige
dedicação maior de tempo, aconteceu três meses depois, após um dos
cônjuges ter enfrentado um sério problema de saúde – no momento oportuno
abordaremos mais detalhadamente essa experiência.
A aprendizagem social está implícita no contexto das entrevistas, eleita como
categoria pela interpretação das afirmações feitas pelos respondentes: “A EVB
(Escola Bíblica Dominical) é a maior escola do mundo. [...] onde a gente tem
oportunidade de estudar a palavra”. Disseram também que na EVB conhecem
outras pessoas e se integram com a comunidade. Foi declarado que, uma vez
por semana os entrevistados recebem em casa um grupo de aproximadamente
vinte pessoas (chamado de “pequeno grupo”) e juntos fazem orações e
estudam a Bíblia. Hoje, a casa é bastante movimentada, principalmente por
adolescentes e segundo eles, transformou-se numa “casa de orações”.
Foi constatado que o grupo de referência se revelou como uma categoria
porque os respondentes disseram que, quando começaram a participar dos
cultos na Igreja Batista, encontraram colegas de profissão participando
ativamente na Igreja. Quanto às demais denominações evangélicas,
comentaram que Deus é o mesmo, que uns vão se sentir atraídos por esta e
outros por aquela Igreja, mas o compromisso deles é com a Igreja onde
64
aceitaram Jesus, onde foram convertidos. Acrescentaram ainda que “é como
se tivessem sido chamados para servir Jesus ali, naquela Igreja”.
6.1. A caracterização dos entrevistados
Os respondentes apresentam a idade média de 47 anos, sendo casados há 18
anos, possuem filhos adolescentes. Ambos tem formação de nível superior
com especialização. A conversão religiosa para a Igreja Batista aconteceu há
sete anos; antes disso, freqüentavam a Igreja Católica e esporadicamente o
Centro Espírita Kardecista.
6.2. A conversão religiosa
Os respondentes eram católicos, mas não freqüentavam missas regularmente,
tinham ainda uma simpatia pela doutrina Kardecista. A esposa revelou
inclusive sua aversão a crentes, percebia-os como bitolados, uma vez que os
mesmos se mostravam donos da verdade e afirmavam que só eles iam para o
céu. Mesmo assim, certo dia resolveu conhecer a Igreja Batista e participar de
um culto, pois a atração pelo movimento observado em frente a Igreja foi maior
que seus preconceitos. Fazendo uma analogia com a teoria sobre tipos
psicológicos, desenvolvida por Jung, a atração por movimentos de pessoas
retrata um comportamento característico dos extrovertidos. As pessoas com
atitude extrovertida preferem focar a atenção para fora, compreendendo o
externo como mundo real.
65
Durante a análise e interpretação dos dados acima demonstrados, pode-se
comprovar que os referidos evangélicos compreendem as Escrituras de forma
racional e literalmente, desprezando as questões místicas, espirituais e
simbólicas. Essa compreensão racional das Escrituras corrobora com a teoria
apresentada no trabalho, onde diz que, os protestantes reforçam a autoridade
da Bíblia em detrimento da autoridade da Igreja.
Neste estudo de caso em específico, compreendemos que uma das principais
alterações ocorridas no dinamismo psíquico dos respondentes, diz respeito aos
processos inconscientes. Constatou-se que a experiência decisiva para a
conversão foi o enfrentamento de um problema de saúde, experiência esta que
ocorreu com um dos cônjuges, e que aconteceu três meses após a primeira
participação deles ao culto, levando os respondentes a assumirem
definitivamente todos os compromissos propostos pela Igreja Batista. O relato
obtido confirma que após o diagnóstico médico, de um sangramento na
hipófise (glândula situada na base do cérebro), houve a necessidade de se
submeter a um exame de ressonância magnética. Na ocasião, o paciente que
sabia exatamente o risco de vida que corria, primeiramente se debateu com
pensamentos invasivos de grandes preocupações em relação à famíla, tendo
em seguida uma lembrança da cunhada que lhe falava sobre a importância da
meditação (esvaziar a mente), aceitou a autosugestão de meditar. Relaxando
teve uma visão, por fração de segundos enxergou Jesus Cristo, essa visão
trouxe-lhe paz e segurança, aos poucos foi melhorando, não sendo necessário
enfrentar uma neurocirurgia e a cura foi atribuída a Deus. Os respondentes
interpretam essa vivência como “uma experiência direta com Deus”.
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Uma das técnicas utilizadas no método da psicoterapia com abordagem
analítica é a imaginação ativa. Este processo visa estabelecer uma
comunicação com o inconsciente, acontecendo após um relaxamento, sendo
em seguida sugerido ao paciente observar e relatar as imagens que lhe
surgem na mente, atribuindo um significado às referidas imagens. O intuito de
aplicação dessa técnica é estimular o indivíduo a acessar seus recursos
internos para a solução de conflitos, dando-lhe a oportunidade de resignificar
os acontecimentos. Podemos dizer que, em maior ou menor grau, todas as
pessoas são dotadas da capacidade de utilização desse método, de forma
dirigida ou espontânea. Como diz Armstrong (2005), a experiência de
transcendência sempre fez parte da experiência humana, sendo esta uma
experiência profundamente psicológica. Quando nos sentimos tocados, nos
elevamos para fora de nós e experenciamos momentos de êxtase. Assim
sendo, podemos interpretar a experiência acima descrita, vivenciada pelo
respondente, com uma manifestação que ocorreu devido à imaginação ativa.
Elegemos alguns fatores que reconhecemos terem interferido na dinâmica da
psique dos respondentes, no decorrer do processo de conversão religiosa. As
condições em que ocorreu a conversão apontam que, conforme a teoria
descrita anteriormente houve a experiência de “medo da morte”, que pode ter
representado ao sujeito uma ameaça à integridade do ego (centro da
consciência). Antes disso, porém, existia por parte do casal uma busca
espiritual, declarado como “sede de Deus”, essa busca pode ser interpretada
como um chamado inconsciente de sentido para a própria vida. Foi verbalizado
ainda que o envolvimento com a comunidade evangélica promoveu uma
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mudança na dinâmica familiar, trazendo movimento para a residência,
preenchendo um espaço em aberto, que veio ao encontro de uma necessidade
de pertença, mais evidente em pessoas do tipo extrovertido.
Quanto às mudanças de comportamento apresentadas pelos indivíduos
convertidos, pode ser comprovado que os respondentes reconhecem as
alterações ocorridas, assumindo que agora desfrutam de um novo estilo de
vida. O reconhecimento dessas alterações indica que essa particularidade diz
respeito a um processo consciente. Porém, o fato dos convertidos se
mostrarem confortáveis diante das regras impostas pela Igreja, posicionando-
se contra a própria cultura do meio em que se desenvolveram, denota uma
necessidade de controle dos impulsos. Subentende-se que esta dinâmica está
estreitamente relacionada aos processos inconscientes, mais precisamente à
repressão da sombra e ao fortalecimento da persona, possibilitando aos
respondentes uma perfeita adaptação na instituição eleita. Pode-se
acrescentar ainda que esse tipo de compensação não promova o processo de
individuação, pois de acordo com o novo sistema de crenças não existe espaço
para lidar com os conflitos internos, uma vez que, em nome da fé, todas as
situações são entregues a Deus. Segundo os entrevistados, desde uma grande
negociação até a compra de um simples presente, eles costumam pedir
orientações ao Espírito Santo.
A manutenção aos cultos e o aprofundamento de compromisso com os laços
comunitários possibilita o fortalecimento do vínculo à estrutura religiosa,
estando implícito que os respondentes se colocam de forma permissiva em
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relação à influência psicológica exercida pelo meio. Ao constatar que os
mesmos internalizaram a crença de que devem agir como discípulos,
ampliando a “família de Deus”, que tem como propósito ter muitos filhos
semelhantes a Jesus Cristo, pode-se afirmar que existe a intenção de atrair
novos parceiros que possam acompanhá-los nessa jornada espiritual.
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além do interesse de contribuir com a psicologia enquanto ciência, a escolha
do tema deste trabalho reflete uma curiosidade da pesquisadora por assuntos
que dizem respeito a religião. A realização da tarefa foi extremamente
gratificante devido ao aprendizado adquirido, não só através das reflexões
proporcionadas pelas leituras dos conteúdos didáticos a que se teve acesso,
como também pela troca de idéias entre pares, familiares e amigos. Entende-
se que esta foi apenas uma etapa cumprida e que continuará inacabada devido
ao reconhecimento das limitações humanas e ao próprio mistério da vida.
Algo que ainda instiga e que causa inquietação pessoal é pensar sobre as
pessoas que investem seu “aqui e agora” esperando obter recompensas em
outro plano. Outra questão particularmente relevante, diz respeito aos
descendentes de famílias que seguem uma determinada religião
desconsiderando a existência de “outras verdades” espirituais. Mesmo
acreditando que todos temos um daimon (anjo da guarda) que nos guia para
um caminho específico, podemos questionar: quão interessante seria se os
indivíduos em geral tivessem oportunidades de esclarecimentos sobre a
diversidade religiosa?
A grande maioria das pessoas alega ter respeito pelas crenças alheias, mas
quando o assunto é religião, percebe-se que as diferentes opiniões também
tem o poder de distanciar pessoas. Existem os que encontram dificuldade de
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dialogar sem defender sua própria crença, estes acabam colocando uma
barreira de comunicação entre eles e os que não comungam da mesma fé.
Se indivíduo significa “aquele que não é dividido”, alcançar uma personalidade
inteira, determinada e madura é a meta do processo de individuação, um
caminho complexo e sem volta. O autoconhecimento requer a tomada de
consciência da sombra, reconhecendo e integrando os aspectos obscuros da
personalidade. Na sombra também podemos encontrar grandes “tesouros”,
que representam nossas potencialidades não desenvolvidas. Assim como
existe a sombra pessoal também existem as sombras coletivas: familiares,
culturais e institucionais. Identificar a sombra, seja ela pessoal ou coletiva, é o
primeiro passo para promover a mudança, mudança esta que começa pelo
indivíduo. Segundo Jaffe (2002, p. 76): “Não podemos mudar o que nos
acontece, mas podemos modificar nossa atitude com relação ao que acontece,
o que alterará nossa experiência”.
A valorização dos acontecimentos externos, própria dos ocidentais, promove
um ambiente propício à criação e à manutenção de expectativas, estas quando
não correspondidas tornam-se as causas de frustrações e sofrimentos. É fato
que inicialmente “o apego” é necessário para a estruturação da consciência,
sendo também verdade que para a evolução da mesma “o desapego” é
fundamental. Assim sendo, podemos concluir que temos muito que aprender
com a tradição oriental, que valoriza os acontecimentos internos. A ponte de
ligação entre ocidente e oriente precisa ser estabelecida, favorecendo o
equilíbrio individual e social.
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LIMITAÇÕES DO ESTUDO
Um estudo de caso exige definição de parâmetros, representando um “recorte”
das histórias de vidas dos sujeitos pesquisados. Assim sendo, naturalmente
outros interessados no tema poderão ampliar o conteúdo, adaptar e reaplicar o
roteiro de entrevista e conseqüentemente explorar os mesmos ou outros
aspectos que não foram abordados neste trabalho.
A parte teórica serviu de base para análise e interpretação dos dados otidos na
pesquisa, na medida do possível, procurou-se esclarecer os termos técnicos
aqui citados, facilitando o entendimento do conteúdo por parte daqueles que
não tem familiaridade com o assunto, mais precisamente com a abordagem
junguiana.
Como previsto, os processos psíquicos que se manifestam no fenômeno da
conversão religiosa não foram abordados em suas totalidades, devido a
amplitude da análise psicológica requerida por esse movimento.
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APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas
1) Qual era a sua religião antes da conversão para a Igreja Batista? Como você
descreve seu sistema de crenças daquele período? Fale-me sobre seu
histórico de vida, relatando os padrões de comportamento que manifestava
antes da conversão religiosa?
2) Quais os acontecimentos que ocorreram em sua vida, que podem ser
considerados significativos no período em que ocorreu a conversão? O que
você buscava em termos de espiritualidade? Você poderia relatar pelo menos
uma experiência que tenha sido decisiva para a tomada de decisão que te
levou a conversão?
3) Em sua opinião, quais as alterações ocorridas no seu sistema de crenças?
O que mudou na sua rotina de vida, pessoal e profissional? Como você
enxerga suas experiências cotidianas a partir da conversão para a Igreja
Batista? O que você deixou de fazer e quais os hábitos que adquiriu depois da
conversão?
4) Como você avalia a convivência com as pessoas que seguem a fé batista e
que influências você acredita exercer no meio em que vive, após ter se
convertido? Você poderia contar uma ou mais experiências com pessoas
próximas, que se interessaram pelo seu novo estilo de vida?