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Revista Paulista de Pediatria ISSN: 0103-0582 [email protected] Sociedade de Pediatria de São Paulo Brasil Arias, Márcia Helena R.; Zeferino, Angélica Maria B.; de Azevedo Barros Filho, Antonio Características clínico-sociais do surdocego institucionalizado Revista Paulista de Pediatria, vol. 24, núm. 1, marzo, 2006, pp. 20-26 Sociedade de Pediatria de São Paulo São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406038915004 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista Paulista de Pediatria

ISSN: 0103-0582

[email protected]

Sociedade de Pediatria de São Paulo

Brasil

Arias, Márcia Helena R.; Zeferino, Angélica Maria B.; de Azevedo Barros Filho, Antonio

Características clínico-sociais do surdocego institucionalizado

Revista Paulista de Pediatria, vol. 24, núm. 1, marzo, 2006, pp. 20-26

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Características clínico-sociais do surdocego institucionalizadoSocial and clinical characteristics of institutionalized deaf-blind patients

Márcia Helena R. Arias1, Angélica Maria B. Zeferino2, Antonio de Azevedo Barros Filho3

Artigo Original

1Fonoaudióloga e mestre em saúde da criança e do adolescente pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)2Professora doutora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciên-cias Médicas da Unicamp3Professor associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp

Endereço para correspondência:Márcia Helena Ramos Arias Avenida Imperatriz Dona Tereza Cristina, 706 – Jardim GuaraniCEP 13095-160 – Campinas/SPE-mail: [email protected] em: 2/8/2005Aprovado em: 11/2/2006

RESUMO

Objetivo: Identificar os fatores associados à surdocegueira de indivíduos que freqüentam instituições especializadas em aten-dimento a portadores de deficiência visual e dupla deficiência sensorial, traçando um perfil clínico e social dessa população.

Métodos: A seleção dos entrevistados foi feita pelo pron-tuário de quatro instituições, incluindo todos os surdocegos identificados. Foi aplicado um roteiro de entrevista semi-es-truturado aos pais ou responsáveis pelo paciente surdocego. Coletaram-se dados relativos ao nível socioeconômico, dados demográficos e culturais da família, informações sobre a gestação do paciente, descrição do desenvolvimento neuro-psicomotor e levantamento do atendimento institucional que recebem. A casuística foi de 46 sujeitos diagnosticados como surdocegos, sendo 42 assistidos por instituições que atendem portadores de deficiência visual e múltipla deficiência senso-rial e quatro deles sem acompanhamento especializado.

Resultados: Rubéola, seguida de etiologia desconhecida, meningite, toxoplasmose, consanguinidade, paralisia cerebral e as síndromes de Usher e de Marshall foram os diagnósticos obtidos. A prematuridade aparece associada à etiologia em dez casos e, em dois casos, como causa única. O desenvolvimento motor e da comunicação dos sujeitos da pesquisa mostraram-se bem comprometidos. Observou-se atraso no diagnóstico e atraso maior ainda no início do tratamento.

Conclusões: A falta de conhecimento dos serviços de saúde e educação para orientar e encaminhar os pacientes para os órgãos competentes e a dificuldade dos pais em encontrar serviço especializado para os filhos, independentemente do nível socioeconômico da família, são fatores que contribuem para o agravamento das alterações encontradas no desenvol-vimento dos surdocegos.

Palavras-chave: Diagnóstico, prevenção, reabilitação, surdez, cegueira.

ABSTRACT

Objective: To identify possible causes associated to deaf-blindness in subjects treated in institutions specialized in the care of deaf-blind and/or multiple sensorial impaired people, and to describe the clinical and social characteristics of this population.

Methods: 50 deaf-blind subjects were identified in the institutions’ records. A semi-structured questionnaire was applied to 46 parents/caretakers. This questionnaire included data regarding demographic characteristics, gestational course, neuropsychomotor development and the kind of support provided by the institutions. Among the 46 subjects diagnosed as deaf-blind, 42 were assisted by institutions that work with visual impaired as well as multiple sensorial impaired people and four did nor have specialized care.

Results: Rubella (German measles), followed by unidentified etiology, meningitis, toxoplasmosis, con-sanguinity, cerebral palsy, Usher and Marshall syndromes were the diagnoses reported as the causes of the impair-ment. Prematurity was associated to these etiologies in ten patients and was given as the only cause in two. The motor and communication skills of these patients were severely impaired. Delay was observed in the diagno-sis and it was even greater regarding the introduction of the treatment.

Conclusions: The lack of knowledge of health professio-nals in the recognition and the lack and of guidelines for the appropriate referral to specialized institutions contribute to increase the deaf-blind patients’ handicap in multiple aspects of their development, regardless of their families’ social and economical level.

Key-words: Diagnosis, prevention, rehabilitation, deaf, blindness.

Rev Paul Pediatria 2006;24(1):20-6.

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Introdução

Nos últimos 30 anos, o progresso da Medicina vem propiciando a redução da mortalidade infantil e o prolonga-mento da vida de bebês de risco atendidos em unidades de terapia intensiva neonatal. Além desse progresso, aumentou a prevalência de deficiências múltiplas em bebês salvos por recursos tecnológicos e medicações, muitas vezes prejudiciais a seu desenvolvimento. Dentre as deficiências, encontra-se a surdocegueira, considerada como deficiência única, que exige técnicas específicas por não ser a soma da deficiência visual e da deficiência auditiva.

A criança surdocega tem grande dificuldade na relação com o mundo, ou seja, na integração sensorial dos resíduos visuais, auditivos, do tato e do movimento. Dessa forma, as crianças permanecem ligadas às sensações táteis, às vibrações e a seus movimentos estereotipados, levando-as a uma grande limitação de experiências e formação de significados(1).

Para McInnes e Treffy(2), o surdocego não é uma pessoa surda que não pode ver e não é uma pessoa cega que não pode ouvir. Ele tem privações multissensoriais, que o impedem de fazer uso simultâneo dos dois sentidos e, por isso, sua deficiência é uma das menos entendidas, tanto por aqueles que convivem com o surdocego, quanto pelos reabilitadores em geral.

Os indivíduos surdocegos têm perda substancial de visão e audição, de forma que a combinação das duas deficiências causa extrema dificuldade na conquista de metas educacio-nais, vocacionais, sociais e de lazer.

Entre os pacientes surdocegos, a perda total nos dois canais não é freqüente, mas, mesmo assim, as informações externas chegarão à criança de forma incompleta e distorcida, levando a grande dificuldade na relação com o mundo, ou seja, na integração sensorial dos resíduos visuais, auditivos, do tato e do movimento(3).

As causas da surdocegueira são inúmeras, sendo, até 1990, a maior incidência devida à rubéola, quadro mo-dificado desde a efetivação da vacina. As demais causas se dividem entre infecções congênitas (toxoplasmose, sífilis, citomegalovírus), síndromes genéticas, condições de nas-cimento e outras(4).

Para os portadores de surdocegueira faltam habilidades para se comunicar com o meio ambiente de forma significa-tiva. Eles têm uma percepção distorcida do mundo, inabili-dade para antecipar eventos ou o resultado de suas ações, são privados de estímulos externos, rotulados como retardados ou portadores de distúrbios emocionais, são forçados a desenvol-ver um estilo de aprendizagem para compensar sua deficiência

múltipla e têm extrema dificuldade para estabelecer e manter relacionamento com outras pessoas(5).

A presença da segunda deficiência aumenta a privação sensorial e modifica a avaliação e a abordagem terapêu-tica convencional, havendo necessidade de profissionais habilitados para interpretar os resultados das avaliações e intervenções terapêuticas. Para suprir as necessidades dos surdocegos, é preciso contar com uma equipe transdiscipli-nar composta de fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e psicólogo, todos especializados em educação especial ou em surdocegueira.

No Brasil, o trabalho com o surdocego iniciou-se somente por volta de 1970, porém nos Estados Unidos, Europa e Co-lômbia esse trabalho vem se desenvolvendo há muitos anos. Sendo uma prática relativamente nova no Brasil, há escassez bibliográfica principalmente no que se refere à identificação da surdocegueira como uma doença única(6).

Assim, o objetivo desta pesquisa foi identificar os fato-res associados à deficiência múltipla: sua prevalência nas instituições pesquisadas, a freqüência das diversas causas, a análise dos dados gestacionais dos pacientes, a idade do diagnóstico, o início do tratamento e o perfil socioeconômico e demográfico da família do surdocego.

Métodos

Foram identificados 50 surdocegos de instituições especia-lizadas em deficiência visual e dupla deficiência sensorial por meio de prontuários institucionais das cidades de São Paulo, São Caetano do Sul e Campinas, municípios do Estado de São Paulo, além de quatro pacientes identificados por contatos feitos por um dos pesquisadores (MHRA).

Houve concordância de todos os responsáveis pelos sur-docegos identificados na participação da pesquisa, num total de 50 sujeitos, porém foram incluídos no estudo apenas os indivíduos cuja mãe ou responsável compareceu à entrevista, perfazendo um total de 46, sendo 42 institucionalizados e quatro não-institucionalizados.

Tratou-se de um estudo descritivo transversal, que utili-zou um questionário semi-estruturado aplicado aos pais ou responsáveis. As informações não lembradas foram resgatadas no prontuário institucional. As variáveis estudadas foram: a) dos sujeitos: idade gestacional, peso ao nascer, presença

de anomalias congênitas, infecções congênitas, síndromes, fatores hereditários para surdez e cegueira, intercorrências perinatais, doenças pós-natais, desenvolvimento neurop-sicomotor, desenvolvimento da linguagem, aquisição da

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b) das mães: idade atual, escolaridade, número de consultas no pré-natal, programação da gravidez, grau de parentes-co dos pais, ocupação das mães, renda familiar e condições de moradia.

As variáveis pesquisadas foram baseadas nos indicadores de risco para surdez(7) e no Manual básico de genética en las sorderas, cegueras y sordo-cegueras(4).

A classificação das perdas auditivas foi baseada em Davis e Silvermann(8) e avaliada em dBNA (intensidade em decibéis de nível de audição), sendo considerada audição normal de 0 a 25 dBNA; perda auditiva leve de 26 a 40 dBNA; modera-da de 41 a 70 dBNA; grave de 71 a 90 dBNA, e profunda acima de 90 dBNA. A classificação da perda visual utilizada seguiu Veitzman(9), sendo avaliada na distância em pés (o número 20 representa 20 pés, correspondente a 6 metros). A baixa visão foi considerada leve quando a perda se situava entre 20/60 e 20/80, moderada de 20/80 a 20/160 e grave de 20/500 a 20/1000.

Quanto à análise estatística, as variáveis numéricas foram descritas por medidas de tendência central e va-riabilidade e as contínuas, pela freqüência dos eventos analisados. Para analisar a associação entre as variáveis categóricas foi utilizado o teste qui quadrado ou o teste exato de Fisher. Para comparar os valores das variáveis numéricas aplicou-se o teste de Mann-Whitney ou de Kruskal-Wallis(10). O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5% (p≤0,05).

A pesquisa foi realizada após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e contou com o consentimento, por escrito, dos responsáveis pelos sujeitos avaliados e das instituições selecionadas.

Resultados

Em relação às características avaliadas, observou-se que 27 (59%) mães tinham entre 35 e 50 anos de idade; 33 (72%) famílias apresentavam união estável (legal ou consensual); a média de filhos por família foi dois; as mães tiveram uma média de seis consultas de pré-natal/mês, sendo que 13 gestações não ultrapassaram as 37 semanas; 30 (65%) gra-videzes não foram programadas; 43 (94%) casais não eram consanguíneos; 27 (61%) mães não trabalhavam fora; e o número de pessoas que residia na casa variou de dois a sete, com uma média de quatro pessoas por casa.

O perfil socioeconômico das famílias foi caracterizado pelos seguintes dados: 34 (74%) mães apresentaram escola-ridade até o 1º grau; a renda familiar que prevaleceu foi de um salário mínimo (14 famílias), seguido de 2–2,5 salários (12 famílias), e 31 (67%) famílias residiam em casa própria.

A análise comparativa das seguintes variáveis não mostrou significância estatística: idade do diagnóstico da surdoceguei-ra versus início do tratamento; escolaridade da mãe versus etiologia da surdocegueira; escolaridade da mãe versus idade no diagnóstico da surdocegueira; convênio médico versus idade do diagnóstico; convênio médico versus início de tra-tamento e convênio médico versus estado civil.

Na Tabela 1 é mostrada a idade em anos, o sexo, a origem da deficiência sensorial, a idade do diagnóstico (em meses e anos), a etiologia e o tipo de perda (auditiva e visual) dos 46 sujeitos estudados.

Quanto ao início da doença, 29 (63%) eram de origem congênita, 9 (19,6%) adquiridas e em 6 (17,4%) não foi possível identificar a época do início. A idade dos sujeitos da pesquisa variou de 3 a 27 anos, com mediana de 13,5 anos. Quanto à etiologia da surdocegueira entre os sujeitos estudados, houve predomínio da rubéola (43,5%), seguida de causa desconhecida (21,7%), meningite (6,5%), toxo-plasmose (6,5%), consanguinidade (4,3%), paralisia cerebral (4,3%), síndrome de Usher (4,3%), asfixia perinatal (2,2%) e síndrome de Marshall (2,2%). A prematuridade aparece associada a outra etiologia em dez (21,1%) casos e, em dois (4,3%), como causa única.

A idade do diagnóstico está presente na Tabela 2 e re-fere-se ao diagnóstico feito quando as deficiências visual e auditiva se manifestaram juntas. Nos cinco últimos casos, a segunda deficiência foi diagnosticada em idade mais avançada. A mediana da idade de diagnóstico de ambas as deficiências foi 14,5 anos. Foi feita a análise comparativa de idade do diagnóstico (meses) versus início do tratamen-to (anos), que não mostrou significância, o que pode ser visualizado na Tabela 3.

Discussão

Neste trabalho, detectou-se que o surdocego foi reco-nhecido com muito atraso, que mais de 50% das causas do problema poderiam ser evitadas e que esse atraso e a falta de informação dos responsáveis não tiveram relação com o nível social, econômico e cultural da família.

A demora para encontrar atendimento especializado para o surdocego, que em média foi de 4,2 anos, acarretou uma

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Tabela � – Características clínicas dos surdocegos

CasoIdade(anos)

SexoCongênitaadquirida

Idade do diagnóstico Etiologia Tipo de perda

1 3 M congênita 1 mês toxoplasmose PA profunda / BV grave2 4 F congênita 1 mês em investigação PA profunda / BV grave3 5 F adquirida 12 meses paralisia cerebral PA profunda / BV grave4 5 M *desconh. 13 meses em investigação PA profunda / BV grave5 6 F *desconh. 12 meses em investigação PA profunda/ BV grave6 6 M congênita 1 mês rubéola PA profunda / BV grave7 7 F adquirida 2 meses prematuridade PA moderada / cegueira 8 7 M congênita 5 meses toxoplasmose PA grave / BV grave9 7 F *desconh. 8 meses em investigação PA moderada / BV moderada

10 8 F congênita 1 mês consanguinidade PA. leve / BV grave11 8 M *desconh. 2 anos em investigação PA profunda / BV grave12 9 M adquirida 2 meses meningite PA profunda / BV grave13 9 F adquirida 6 meses prematuridade PA moderada / cegueira14 10 F congênita 2 meses rubéola PA profunda / BV grave15 10 M congênita 1 mês rubéola PA profunda / BV moderada16 10 F congênita 24 meses consanguinidade PA moderada / BV moderada17 11 M adquirida 48 meses desconhecida PA profunda / cegueira18 11 M congênita 1 mês rubéola PA profunda / BV grave19 11 F adquirida 1 mês paralisia cerebral PA moderada / BV moderada20 12 M adquirida 1 mês anóxia pós-natal PA profunda / cegueira21 13 F congênita 7 meses rubéola PA profunda / BV grave22 13 M adquirida 7 meses meningite PA profunda / BV moderada23 13 F congênita 24 meses toxoplasmose PA leve / BV grave24 14 M *desconh. 96 meses desconhecida PA leve / cegueira25 14 M adquirida 1 mês meningite PA profunda / cegueira26 14 M congênita 9 meses rubéola PA profunda / BV moderada27 15 M congênita 5 meses rubéola PA leve / BV grave28 15 M congênita 1 mês rubéola PA profunda / BV profunda29 16 F congênita 1 mês rubéola PA profunda / BV moderada30 16 M congênita 9 meses rubéola PA profunda /BV profunda31 16 M congênita 84 meses rubéola PA profunda / BV profunda32 16 F congênita 24 meses rubéola PA profunda / BV profunda33 17 M congênita 36 meses rubéola PA profunda / BV moderada34 17 F congênita 6 meses rubéola PA profunda / BV profunda35 18 M congênita 24 meses rubéola PA moderada / cegueira36 19 F congênita 1 mês síndrome Marshall PA moderada / BV moderada37 19 M congênita 120 meses síndrome de Usher PA profunda / BV profunda38 20 F adquirida 192 meses desconhecida PA moderada / BV moderada39 20 F congênita 12 meses rubéola PA profunda / BV grave40 22 M congênita 1 mês rubéola PA profunda / BV grave41 22 M congênita 12 meses rubéola PA profunda / cegueira42 24 F congênita 36 meses síndrome de Usher PA profunda / cegueira43 24 M congênita 2 meses rubéola PA profunda / BV moderada44 25 M congênita 3 meses rubéola PA profunda / cegueira45 26 M *desconh. 12 meses desconhecida PA profunda / BV grave46 27 M *desconh. 300 meses desconhecida PA moderada / BV moderada

PA: perda auditiva; BV: baixa visão; *causas desconhecidas, incluídas as etiologias com ausência de identificação e as com recusa da família para a investigação clínica

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série de problemas de ordem social e terapêutica, pois se sabe que a combinação das perdas auditiva e visual causa sério comprometimento nas habilidades de comunicação e no desenvolvimento de experiências. Nos casos específicos da cidade de Campinas, os quatro surdocegos não-instituciona-lizados tinham diagnóstico comprovado, porém o município não oferecia atendimento especializado. Mesmo que não se possa apontar quantitativamente o quanto houve de atraso no desenvolvimento da criança surdocega, a importância da intervenção imediata, logo após o diagnóstico, já está bem estabelecida na literatura(11).

Nos prontuários de dois sujeitos da pesquisa, a consan-guinidade é mostrada como causa da surdocegueira, mas vale questionar se não deveria ter sido considerada como causa desconhecida, pois a consanguinidade não é um fator etiológico e, sim, um fator de risco para o déficit sensorial. No grupo estudado (n=46), vê-se o alto índice de consangui-nidade (4,3%), reforçando a necessidade do esclarecimento à população, bem como do aconselhamento genético.

Sendo crianças com comprometimentos múltiplos, o cui-dador, por mais esclarecido que seja a respeito da deficiência, terá dificuldade para estimular corretamente o surdocego, o que pode levar a conseqüências catastróficas no desenvolvi-mento da criança, quando ocorrem as situações de privação social e sensorial intensas na primeira infância(12).

Tabela � – Idade ao diagnóstico da surdocegueira

Freqüência (n%)1 mês 13 (28,3%)2 a 6 meses 9 (19,5%)7 a 11 meses 5 (11,0%)1 a 2 anos 11 (24,2%)3 a 4 anos 3 (6,5%)6 a 8 anos 2 (4,3%)10 a 16 anos 2 (4,3%)25 anos 1 (2,2%)

Tabela � – Idade ao diagnóstico (meses) versus início do tratamento (anos)

Início do tratamento� a � anos � a � anos >� anos Total

≤6 meses 7 6 6 197 a 12 meses 0 5 6 1113 a 24 meses 1 2 3 6>24 meses 0 2 4 6Total � �� �� ��

Teste exato de Fisher p=0,232

Dentre as causas de surdocegueira encontradas na po-pulação analisada, destacou-se a rubéola (43,5%) e, desse total, 30% eram prematuros, o que pode ter agravado o quadro. Um percentual maior de acometidos pela infecção (75%) apresenta mais de 15 anos de idade, tendo nascido em época em que a cobertura vacinal não era tão ampla. Somente a partir de 1992 a vacina foi introduzida no ca-lendário oficial da rede pública para crianças. A imuniza-ção universal fez declinar acentuadamente a incidência da rubéola, porém até 10% das mulheres podem ser suscetí-veis(13). Algumas mães entrevistadas, que adquiriram rubéola durante a gravidez, relataram que não sabiam o que era a doença ou suas conseqüências.

O Censo 2000 do IBGE(14) mostrou que, no Brasil, existem 24,5 milhões de pessoas (cerca de 14,5%) portadoras de defi-ciência e os critérios utilizados para caracterizar as deficiências foram os recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas (ONU). Foram detectadas 5.750.809 (16,7%) pessoas com deficiência auditiva e 16.573.937 (48,1%) com deficiência visual.

No Brasil, a idade média de diagnóstico de deficiência auditiva varia entre três e quatro anos, segundo o Instituto Nacional de Educação do Surdo (Ines)(15), e pode levar até dois anos para ser concluído, fato que atrasa de modo significativo o desenvolvimento da comunicação da criança, fazendo com que se perca o período crítico da estimulação. A identificação precoce das alterações auditivas é preconizada desde 1994 pela Academia Americana de Audiologia, de Otorrinolarin-gologia e de Pediatria, reunidas no Joint Committee on Infant Hearing(16), que recomenda a triagem auditiva universal por meio de emissões otoacústicas. Vários hospitais no Brasil e no exterior já implantaram programas de triagem auditiva e essa iniciativa vem contribuindo para diminuir a idade do diagnóstico da deficiência auditiva e favorecer o início mais precoce da reabilitação. Em Campinas, alguns hospitais se-guem rigorosamente a recomendação, não permitindo que

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os bebês saiam da maternidade sem o exame ou sem que ele já tenha sido agendado.

É necessário ficar sempre atento à acuidade visual das crianças, pois, se isso não for explicado às famílias, dificil-mente a deficiência visual será percebida. Nas crianças com outros comprometimentos, o cuidado deve ser redobrado. Na deficiência visual, a intervenção precoce deve ir além da reeducação psicomotora, normalmente realizada nos programas de intervenção. É preciso uma intervenção que vá além das atividades de controle voluntário de movimen-to, que incida em relação a outros aspectos significativos, como o acolhimento, o estabelecimento de uma linguagem corporal que traga a possibilidade, para a pessoa portadora de deficiência, de se perceber, se conhecer, se reconhecer e, muitas vezes, se constituir, formando uma imagem corporal integrada para facilitar a aprendizagem e, ao mesmo tempo, segurança e significado.

O reconhecimento da necessidade de uma abordagem específica para o surdocego implica a formação e disponibi-lidade de um número significativo de profissionais altamente especializados. Embora as leis obriguem o atendimento ade-quado aos deficientes, o contexto é repleto de dificuldades para o aprimoramento dos profissionais. O artigo 59 das Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica(17)

assegura aos educandos atendimento especializado, com pro-fessores capacitados, porém, quando se trata especificamente de surdocegueira, esta se confunde com outras deficiências e os profissionais na área precisam colher dados ainda não disponíveis na literatura.

Existem profissionais preparados para reabilitar portadores de deficiência visual, auditiva, motora e mental separadamen-te, mas dominar as técnicas para que os estímulos sensoriais sejam integrados aos sentidos que a criança surdocega possui (tato, paladar, olfato) requer um conhecimento especializado, pois todo procedimento precisa ser adaptado. Um exemplo é o ensino da comunicação pela Língua de Sinais (Libras)(18), para o qual não basta ter o domínio da língua, mas é preciso adaptar a linguagem ao corpo do surdocego, porque ele vai sentir os movimentos e, não, vê-los. A carência de profissio-nais habilitados e de órgãos especializados no trabalho com o surdocego faz parte da nossa realidade. Atualmente existem alguns serviços públicos que, por intermédio de supervisão dada por instituição em São Paulo, estão se mobilizando para proporcionar a capacitação de pessoas interessadas na área, porém ainda em número insuficiente.

Quando o surdocego é institucionalizado em programas não-especializados ou segue um programa para deficien-

tes visuais, auditivos ou para deficientes mentais, isso provoca um atraso substancial em seu desenvolvimento, pois priva o indivíduo do acesso a suas reais necessidades, pois a habilitação ou a reabilitação do surdocego tem características ímpares.

Quanto maior o comprometimento do portador de surdocegueira, mais elevada a necessidade de atendimento individual. Mesmo com grandes limitações, a meta é sempre ajudar o indivíduo a atingir seu potencial máximo, até que possa se socializar num trabalho em grupo, embora nem sempre isso ocorra. Além de individual, o tratamento en-volve uma equipe transdisciplinar, que varia de acordo com as necessidades temporárias do paciente. Na equipe trans-disciplinar, o profissional que educa o surdocego, para evitar a multiplicação de vínculos, recebe orientação dos outros especialistas e coordena as informações. Essa integração de trabalho leva a uma abordagem mais específica relacionada às necessidades do surdocego.

Para diagnosticar o surdocego, a dificuldade inicia-se já na avaliação, como na audiometria comportamental, método que precisa de adaptações por usar recursos visuais. Muitas vezes é preciso utilizar a audiometria de resposta evocada – Bera (Brainstem Evoked Response Audiometry)(19), pois esse exame não precisa de reação voluntária da criança. Contudo, trata-se de um teste de alto custo, o que faz com que a família espere meses para poder realizá-lo em um serviço público, comprometendo o desenvolvimento da criança surdocega em função da demora do diagnóstico e, conseqüentemente, da intervenção.

O diagnóstico não é menos complexo em termos da avalia-ção visual. Na avaliação convencional, uma das dificuldades é a compreensão das respostas do paciente pelos oftalmo-logistas, porque normalmente eles não dominam técnicas de comunicação alternativa, e a interpretação pode sofrer distorções. A alternativa é a medida do potencial evocado visual, que implica os mesmos problemas citados para o potencial evocado auditivo.

Uma vez concluída a fase da avaliação em cada setor, a próxima é a da discussão dos resultados dos exames. Ela deve ter por objetivo o encaminhamento adequado para que se inicie o trabalho terapêutico de que o surdocego necessita. Todavia, muitas vezes os exames são feitos em lugares dife-rentes e o encontro dos profissionais, bem como o envio de relatórios, nem sempre acontece.

Feito o diagnóstico, surge o problema do local para aon-de encaminhar o paciente, questionamento constante dos responsáveis pelos pacientes. Somado aos fatores anteriores,

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existe o elevado custo de programa de atendimento que envolve profissionais da reabilitação, como fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, pedagogo e psicólogo. Estudo feito pela Rand Corporation(20) mostrou que o custo da educação de uma criança com necessidades especiais é duas a cinco vezes maior que o custo de uma criança em ensino regular, tanto para o Estado quanto para as famílias. Em questionamento a instituições de São Paulo e Campinas, que atendem pacientes com necessidades especiais, feito por um dos pesquisadores, a informação obtida foi de que o custo é, em média, 3,5 salários mínimos mensais por paciente.

A surdocegueira atualmente é vista como uma deficiência única, justificando assim a eliminação do hífen, que levava a pensar em soma de deficiência auditiva e visual (“surdo-ce-gueira”). Os serviços especializados no Brasil e as instituições internacionais utilizam a nomenclatura surdocego, pois vêem a condição imposta pela deficiência, ou seja, que ela tem características únicas(21). No entanto, na prática, ainda não há uma delimitação clara do programa a ser traçado para o surdocego, a não ser em instituições especializadas como as que fizeram parte desta pesquisa.

A falta de conhecimento dos serviços e dos profissionais ligados à saúde e à educação com relação à surdocegueira dificulta o encaminhamento aos serviços adequados, mos-

trando, assim, a necessidade de ampliação das investigações na área para melhor contextualização do surdocego do Brasil e de campanhas de esclarecimento à população em relação a essa questão.

Há oportunidade, nos vários níveis de cuidados à saúde da gestante e do concepto, de prevenir a surdocegueira por meio de atenção mais específica a seus fatores de risco. Quando a prevenção não for possível, resta a orientação mais precoce possível dos pais e o encaminhamento do paciente aos serviços competentes.

Na experiência dos pesquisadores com surdocegos e na convivência com suas famílias, deparou-se com a fragilida-de em relação a questões como o futuro dos filhos, que são totalmente dependentes, principalmente os que receberam o atendimento tardiamente; o desgaste no relacionamento familiar, tanto do casal quanto entre irmãos (superproteção e rejeição); e o receio de não haver cumprimento das leis em relação aos direitos dos filhos. A literatura também mostra esses dados(22,23), destacando a mudança de estilo de vida de todos os membros de uma família diante da chegada de uma criança deficiente. Esses aspectos reforçam mais uma vez a importância de um serviço especializado para as crianças e suas famílias, para que, logo após o diagnóstico, tenham o apoio e a orientação que precisam.

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Referências bibliográficas

Características clínico-sociais do surdocego institucionalizado

Rev Paul Pediatria 2006;24(1):20-6.