Código 145 Relato de Caso Controvérsias no … · osso móvel, a mandíbula. ... com uma...

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Controvérsias no tratamento das fraturas mandibulares em crianças - relato de caso Leonardo Perez Faverani 1 Éllen Cristina Gaetti-Jardim 2 Gabriel Ramalho-Ferreira 3 Igor Mariotto Beneti 4 Rodolpho Valentini Neto 5 Idelmo Rangel-Garcia Junior. 6 Resumo Introdução: O tratamento das fraturas mandibulares passou por diversas mudanças, especialmente após a introdução de técnicas de fixação interna rígida e o desenvolvimento de novos materiais. Atualmente, destaca-se a utilização de materiais absorvíveis, os quais apresentam algumas vantagens sobre dispositivos metálicos, especialmente quando são aplicados nas crianças. objetivo: Os autores realizam uma discussão a respeito das controvérsias envolvidas no tratamento das fraturas mandibulares em crianças, principalmente relacionada à fixação das fraturas. Relato de Caso: Neste trabalho, será apresentado um caso clínico de uma criança de 5 anos de idade, com fratura de corpo mandibular tratada por meio de redução cruenta e fixação interna rígida com placas e parafusos de titânio. Comentários Finais: Com o intento de não causar interferências no desenvolvimento dos germes dentários, bem como do crescimento ósseo mandibular, neste tratamento, indica-se um segundo ato cirúrgico, para remoção do sistema de fixação. Descritores: Fraturas Mandibulares; Fixação de Fratura; Placas Ósseas. summaRy Introduction: The treatment of mandibular fractures has undergone many changes, especially after the introduction of rigid internal fixation techniques. Currently, the use of resorbable materials presents some advantages over metallic devices, particularly when applied in children. objective: The authors discuss the controversies involved in the treatment of mandibular fractures in children, mainly related to fixation of fractures. Case Report: In this paper, we present a case of a 5 years treatment patient with mandibular angle fracture treated by open reduction and internal fixation with plates and screws. Final Comments: Aiming to not interfere in the development of tooth germs and mandibular bone growth a second surgery for removal of the fixation devices is indicated. Keywords: Fracture Fixation; Mandibular Fractures; Bone Plates. 1) Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. 2) Mestre em Estomatologia. Mestranda em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial. 3) Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. 4) Graduada em Odontologia. Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. 5) Mestre em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Doutorando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. 6) Doutor em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial. Professor Adjunto Doutor do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Instituição: Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista – UNESP. Araçatuba / SP - Brasil. Correspondência: Faculdade de Odontologia de Araçatuba - Rua José Bonifácio, 1193 - Vila Mendonça - Araçatuba / SP - Brasil - CEP: 16015-050. Recebido em 24/01/2011; aceito para publicação em 24/05/2011; publicado online em 30/09/2011. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há Relato de Caso Controversies in the mandibular fractures treatment of children - case report INTRODUÇÃO A face é constituída por um conjunto de ossos que se articulam firmemente entre si, apresentando um único osso móvel, a mandíbula. A posição, configuração ana- tômica e proeminência da mandíbula, fazem com que este seja, depois do nariz, um dos ossos mais acometi- dos no trauma facial 1 . O tratamento do traumatismo facial em crianças me- rece considerações especiais, quando comparado ao dos pacientes adultos. Isso se deve à rapidez com que o reparo dos tecidos moles e duros ocorre e à rica vascu- larização tecidual. Soma-se a isso uma grande capaci- dade adaptativa das estruturas orofaciais que estão em desenvolvimento 2 . Em se tratando de fraturas mandibulares, o emprego da fixação interna rígida por meio de placas e parafusos de titânio foi difundido nos últimos 15 anos, o que propor- cionou maior conforto pós-operatório, retorno precoce às funções e menor índice de complicações 2,3 . Entretanto, há relatos de diversas complicações com a utilização do sistema de fixação inabsorvível, 158 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.40, nº 3, p. 158-160, julho / agosto / setembro 2011

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Controvérsias no tratamento das fraturas mandibulares em crianças - relato de caso

Leonardo Perez Faverani 1

Éllen Cristina Gaetti-Jardim 2

Gabriel Ramalho-Ferreira 3

Igor Mariotto Beneti 4

Rodolpho Valentini Neto 5

Idelmo Rangel-Garcia Junior. 6

Resumo

Introdução: O tratamento das fraturas mandibulares passou por diversas mudanças, especialmente após a introdução de técnicas de fixação interna rígida e o desenvolvimento de novos materiais. Atualmente, destaca-se a utilização de materiais absorvíveis, os quais apresentam algumas vantagens sobre dispositivos metálicos, especialmente quando são aplicados nas crianças. objetivo: Os autores realizam uma discussão a respeito das controvérsias envolvidas no tratamento das fraturas mandibulares em crianças, principalmente relacionada à fixação das fraturas. Relato de Caso: Neste trabalho, será apresentado um caso clínico de uma criança de 5 anos de idade, com fratura de corpo mandibular tratada por meio de redução cruenta e fixação interna rígida com placas e parafusos de titânio. Comentários Finais: Com o intento de não causar interferências no desenvolvimento dos germes dentários, bem como do crescimento ósseo mandibular, neste tratamento, indica-se um segundo ato cirúrgico, para remoção do sistema de fixação.

Descritores: Fraturas Mandibulares; Fixação de Fratura; Placas Ósseas.

summaRy

Introduction: The treatment of mandibular fractures has undergone many changes, especially after the introduction of rigid internal fixation techniques. Currently, the use of resorbable materials presents some advantages over metallic devices, particularly when applied in children. objective: The authors discuss the controversies involved in the treatment of mandibular fractures in children, mainly related to fixation of fractures. Case Report: In this paper, we present a case of a 5 years treatment patient with mandibular angle fracture treated by open reduction and internal fixation with plates and screws. Final Comments: Aiming to not interfere in the development of tooth germs and mandibular bone growth a second surgery for removal of the fixation devices is indicated.

Keywords: Fracture Fixation; Mandibular Fractures; Bone Plates.

1) Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial.2) Mestre em Estomatologia. Mestranda em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial.3) Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial.4) Graduada em Odontologia. Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial.5) Mestre em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Doutorando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial.6) Doutor em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial. Professor Adjunto Doutor do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial.

Instituição: Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista – UNESP. Araçatuba / SP - Brasil.

Correspondência: Faculdade de Odontologia de Araçatuba - Rua José Bonifácio, 1193 - Vila Mendonça - Araçatuba / SP - Brasil - CEP: 16015-050.Recebido em 24/01/2011; aceito para publicação em 24/05/2011; publicado online em 30/09/2011.Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há

Relato de Caso

Controversies in the mandibular fractures treatment of children - case report

Código 145

INTRODUÇÃO

A face é constituída por um conjunto de ossos que se articulam firmemente entre si, apresentando um único osso móvel, a mandíbula. A posição, configuração ana-tômica e proeminência da mandíbula, fazem com que este seja, depois do nariz, um dos ossos mais acometi-dos no trauma facial1.

O tratamento do traumatismo facial em crianças me-rece considerações especiais, quando comparado ao dos pacientes adultos. Isso se deve à rapidez com que o

reparo dos tecidos moles e duros ocorre e à rica vascu-larização tecidual. Soma-se a isso uma grande capaci-dade adaptativa das estruturas orofaciais que estão em desenvolvimento2.

Em se tratando de fraturas mandibulares, o emprego da fixação interna rígida por meio de placas e parafusos de titânio foi difundido nos últimos 15 anos, o que propor-cionou maior conforto pós-operatório, retorno precoce às funções e menor índice de complicações2,3.

Entretanto, há relatos de diversas complicações com a utilização do sistema de fixação inabsorvível,

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especialmente a interrupção da formação radicular dos germes dos dentes permanentes, bem como da re-modelação óssea do côndilo associada ao desvio de abertura bucal e alteração no crescimento mandibu-lar4,5. Desta feita, com o intuito de reduzir estas com-plicações, assim como da necessidade de um segundo ato cirúrgico para a remoção das placas e parafusos de titânio, há algum tempo está sendo empregado os ma-teriais de fixação absorvíveis, principalmente advindos dos ácidos polilático e poliglicólico (PGA/PLA)5. Toda-via, ainda apresenta o inconveniente do alto custo para a sua aquisição5.

Portanto, este trabalho tem como objetivo relatar um caso clínico de fratura mandibular num paciente pediátri-co, discutindo, controvérsias da literatura e os métodos de tratamento empregados enfocando a utilização de fi-xação interna rígida nesta modalidade de trauma.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 05 anos de idade, leu-coderma, acompanhado de seu responsável (mãe), pro-curou atendimento no Pronto Socorro, o qual foi vítima de atropelamento por motocicleta e apresentou trauma no terço inferior da face.

O paciente possuía bom estado geral, de ambulan-do, corado, hidratado, eupneico, aniquitérico, afebril e acianótico. Segundo informações colhidas não apresen-tava quaisquer doenças de bases, alergias medicamen-tosas ou discrasias sanguíneas. O exame físico extra-bucal evidenciou assimetria facial às custas de edema na região bucal (+1/+4) à direita do paciente. A palpação ficou bastante prejudicada, devido o impedimento pelo paciente. Intrabucalmente notou-se dentição mista. No exame radiográfico (ortopantomografia), confirmou-se o diagnostico em fratura do corpo mandibular à direita, com uma solução de continuidade na base mandibular (Figuras 1 A e B).

O tratamento proposto foi à redução cruenta e fi-xação com placas e parafusos de titânio. Em ambiente hospitalar, sob anestesia geral, entubação nasotraqueal, o procedimento iniciou-se após a infiltração com solução anestésica com vasoconstrictor (Lidocaína 2% + Adre-nalina 1:100.000), a incisão na região retro-molar infe-rior do lado direito e descolamento mucoperiostal para exposição do traço de fratura (Figura 2A). Após o rea-linhamento da base mandibular e restabelecimento da oclusão, prossegui-se com a fixação da fratura com 1 placa e parafusos de titânio do sistema 2,0 mm. Sendo que os parafusos eram monocorticais (Figuras 2B), com o intuito de não interferirem no irrompimento dos dentes permanentes.

Na radiografia pós-operatória, observou-se uma boa estabilização do sistema de fixação, assim como do ali-nhamento da base mandibular (Figura 3). Tendo com-pletado no mínimo 6 meses de pós-operatório, a placa e os parafusos serão removidos, para não interferirem no desenvolvimento e crescimento ósseo facial.

Figura 1a. Ortopantomografia evidenciando a fratura do corpo man-dibular direito.

Figura 1B. Em maior evi-dência a fratura oblíqua com desalinhamento da base mandibular.

Figura 3. Radiografia panorâmica pós-operatória mostrando o correto alinhamento da base mandibular.

Figura 2a. Imagem do acesso e exposição da fratura do corpo mandibular direito.

Figura 2B. Fixação com placa e parafusos monocorticais, (sistema 2,0 mm), com preservação do ner-vo mentual.

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Controvérsias no tratamento das fraturas mandibulares em crianças - relato de caso. Faverani et al.

DISCUSSÃO

É relativamente incomum a ocorrência de fraturas mandibulares na população pediátrica, em que a litera-tura mostra uma prevalência de aproximadamente 12 %. Os fatores etiológicos mais preponderantes são os aci-dentes ciclísticos, bem como os acidentes domésticos e nas escolas2. O que não vem corroborar com este relato, em que o paciente, com 5 anos de idade, foi vítima de atropelamento por motocicleta, que também pode ser considerado como fator causal destas fraturas. Especial-mente porque os responsáveis devem ter muito cuidado com as crianças, para que se possa evitar este tipo de acidente. Da mesma forma, os motociclistas necessitam respeitar as leis de trânsito e promoverem uma direção defensiva.

O exame clínico é essencial para o diagnóstico das fraturas faciais1,4. A palpação é parte deste exame que possibilita avaliar o grau de deslocamento das fraturas mandibulares e delimitar os parâmetros para o tratamen-to a ser proposto1,4. Entretanto, como no paciente deste trabalho, as crianças são bastante vulneráveis ao exame físico, principalmente pela limitação causada pela dor. Para tanto, os exames de imagem colaboram significati-vamente para a confirmação do diagnóstico. Dentre es-tes, destaca-se a ortopantomografia, que fornece uma imagem bastante elucidativa dos traços das fraturas mandibulares, assim como da relação com os germes dos dentes permanentes2-Neste relato, o paciente, com na maioria dos casos dos pacientes juvenis, dificultou o exame físico (palpação). Sendo assim, a radiografia panorâmica auxiliou sobremaneira na definição do diag-nóstico.

De acordo com Eppley (2005)2, fraturas incompletas e fraturas condilares são abordadas de forma conserva-dora, limitando a dieta do paciente a alimentos líquido-pastosos. De acordo com este autor, fraturas completas com algum grau de deslocamento são tratadas por redu-ção cruenta e utilização de fixação interna rígida2.

Há grandes controvérsias no tratamento das fraturas mandibulares em crianças, principalmente devido ao fato das complicações inerentes a utilização do sistema de fixação de titânio2. Um fator é a presença dos germes dentários que dependendo da idade do paciente e da lo-

calização do traço de fratura, não se podem utilizar pa-rafusos longos, o que pode levar a alterações no desen-volvimento e erupção dos dentes. Uma das vantagens do uso de parafusos absorvíveis seria o fato de ocorrer uma diminuição destas alterações, já que a técnica de inserção é menos traumática; a ponta destes é romba e, após terem sido reabsorvidos, eliminasse a possibilidade de interferências mecânicas com o processo eruptivo2,5. Todavia apresenta uma importante desvantagem, o alto custo, que no caso deste relato, por se tratar do Sistema Único de Saúde (SUS) não promover a condição para a aquisição deste sistema no presente Serviço de Cirurgia, foi proposta fixação com placas e parafusos de titânio monocorticais, bem como planejar uma segunda aborda-gem cirúrgica futura, para a remoção dos mesmos, evi-tando-se de alguma forma interferir no desenvolvimento e crescimento ósseo.

De acordo com a experiência dos autores deste tra-balho, fundamentados na casuística deste serviço de Cirurgia, o tratamento das fraturas em crianças pode ser realizada com uma boa previsibilidade de sucesso, por meio da fixação com placas e parafusos de titânio e, serem removidas numa segunda oportunidade cirúr-gica. No entanto, cabe salientar que cada vez mais esta limitação relacionada ao custo do sistema reabsorvível de fixação, não deverá ser um fator limitante para o tra-tamento aos pacientes, mesmo custeado pelo SUS, em se tratando de Brasil.

REFERÊNCIAS

1. Gaetti Jardim EC, Faverani LP, Gullineli JL, Queiroz TP, Magro Filho O, Garcia Júnior IR. Epidemiologia das fraturas mandibulares em pa-cientes atendidos na região de Araçatuba. Rev Bras Cir Cabeça Pes-coço. 2009;38(3):163-165.2. Eppley BL. Use of resorbable plates and screws in pediatric facial fractures. J Oral Maxillofac Surg. 2005;68:385-391.3. Ansari MH. Maxillofacial fractures in Hamedan province Iran: a ret-rospective study (1987-2001). J Craniomaxillofac Surg. 2004;32:28-34. 4. Arnez MFM, Stuani AS, Silva FWGP, Trivellato AE, Queiroz AM. Complicações a longo prazo de fraturas mandibulares em crianças em idade precoce: relato de caso clínico. Rev Odontol UNESP. 2010;39: 58.5. Chaves-Netto HDM, Klüppel LE, Pereira CL, Luna AH, Mazonetto R. Utilização de Placas e Parafusos Absorvíveis no Tratamento de Fratura Mandibular em Criança: Relato de Caso. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac. 2007;7(1):31-6.

Controvérsias no tratamento das fraturas mandibulares em crianças - relato de caso. Faverani et al.

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