Código 309 Artigo de Revisão Dermatoscopia como ......elementos adicionais para um planejamento...

6
Dermatoscopia como ferramenta na detecção de margens pré-cirúrgicas de carcinomas basocelulares Cristiane Comparin 1 Carlos Alberto Ferreira de Freitas 2 Günter Hans Filho 3 Resumo Introdução: O carcinoma basocelular (CBC) é um tumor maligno epitelial de pele que tem como característica o crescimento frequentemente assimétrico, emitindo prolongamentos de extensão variável ao longo de suas bordas. Esta particularidade faz com que a extensão real do tumor seja maior do que a lesão clinicamente sugere, o que leva a exéreses incompletas. Nos últimos anos, têm-se observado que a dermatoscopia, técnica não invasiva de exame para lesões cutâneas, é uma ferramenta valiosa para se aumentar a capacidade de delimitação das margens laterais tumorais, principalmente em lesões não pigmentadas. método: relato de dois casos clínicos de CBC com margens somente definidas através da dermatoscopia. Discussão: A dermatoscopia é técnica prática, de fácil aprendizado e utilização. Permite ao cirurgião visualizar nuances de cor e estruturas não distinguíveis a olho nu, o que traz elementos adicionais para um planejamento cirúrgico mais consistente, podendo aumentar a probabilidade de exérese tumoral completa com margens seguras. Comentários finais: Os dados de literatura suportam que a aplicação da dermatoscopia na delimitação das margens de CBCs, pode levar a uma maior taxa de exérese tumoral completa, principalmente nos casos de lesões extensas, irregulares e com limites mal definidos a olho nu. Descritores: Carcinoma Basocelular; Dermoscopia; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Neoplasia de Células Basais; Neoplasias Cutâneas. AbstRACt Introduction: Basal cell carcinoma (BCC) is malignant epithelial skin tumor, frequently with the characteristic of asymmetrical growth, emitting prolongations of variable extension along its margins. This particularity causes the real extension of the tumor to be greater than the lesion clinically suggests, which leads to incomplete excisions. Over the last few years, it has been observed that dermoscopy, a non invasive examination technique for cutaneous lesions, is a valuable tool to increase the capacity for delimitation of the lateral margins of tumors, particularly in non pigmented lesions. method: Report on two clinical cases of BCC with margins that were only defined by means of dermoscopy. Discussion: Dermoscopy is a practical, easy-to-learn and easy- to-use technique. It allows the surgeon to visualize nuances of color and structures that are not distinguishable by the naked eye, which brings additional elements enabling more consistent surgical planning, capable of increasing the probability of complete tumor excision with safe margins. Final comments: The data in the literature support the application of dermoscopy in the delimitation of the margins of BCC, which may lead to a higher rate of complete tumor excision, particularly in the case of extensive, irregular lesions, with poorly defined limits that are not visible to the naked eye. Key words: Carcinoma, Basal Cell; Dermoscopy; Head and Neck Neoplasms; Skin Neoplasms. 1) Dermatologista (Preceptora da Residência Médica em Dermatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (NHU/UFMS) - Campo Grande / MS). 2) Doutor em cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP (Professor adjunto de cirurgia de cabeça e pescoço da Faculdade de Medicina da UFMS, preceptor da Residência Médica em Dermatologia do NHU/UFMS, ambulatório de tumores da pele - Campo Grande / MS). 3) Doutor em dermatologia pela FMUSP (Professor Adjunto de Dermatologia da Faculdade de Medicina da UFMS. Chefe do Programa de Residência Médica em Dermatologia e do Serviço de Dermatologia do NHU/UFMS - Campo Grande / MS). Instituição: Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (NHU/UFMS). Campo Grande / MS – Brasil. Correspondência: Cristiane Comparin - Serviço de Dermatologia/ Hospital Universitário - NHU/UFMS - Av. Filinto Müller, S/N - Campo Grande / MS - Brasil - CEP: 79080-190 – E-mail: [email protected] Artigo recebido em 28/5/2012; aceito para publicação em 09/12/2012; publicado online em 31/03/2013. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Artigo de Revisão Dermatoscopy as a tool in the detection of presurgical margins of basal cell carcinomas INTRODUçãO O carcinoma basocelular (CBC) é um tumor maligno epitelial de pele de crescimento lento, que afeta predo- minantemente indivíduos de meia-idade e pele clara. 1 Dados epidemiológicos indicam que sua incidência glo- bal está aumentando, particularmente em grupos mais jovens, emergindo como um crescente problema de saú- de pública. 2 Os aspectos clínico-patológicos são variados e in- cluem os subtipos nodular, superficial, esclerodermiforme e variantes pigmentadas, entre outros menos comuns. 1,3 Uma característica deste tumor é o seu crescimento frequentemente assimétrico, emitindo prolongamentos Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 1, p. 47-52, janeiro / fevereiro / março 2013 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 47

Transcript of Código 309 Artigo de Revisão Dermatoscopia como ......elementos adicionais para um planejamento...

Dermatoscopia como ferramenta na detecção de margens pré-cirúrgicas de carcinomas basocelulares

Cristiane Comparin 1

Carlos Alberto Ferreira de Freitas 2

Günter Hans Filho 3

Resumo

Introdução: O carcinoma basocelular (CBC) é um tumor maligno epitelial de pele que tem como característica o crescimento frequentemente assimétrico, emitindo prolongamentos de extensão variável ao longo de suas bordas. Esta particularidade faz com que a extensão real do tumor seja maior do que a lesão clinicamente sugere, o que leva a exéreses incompletas. Nos últimos anos, têm-se observado que a dermatoscopia, técnica não invasiva de exame para lesões cutâneas, é uma ferramenta valiosa para se aumentar a capacidade de delimitação das margens laterais tumorais, principalmente em lesões não pigmentadas. método: relato de dois casos clínicos de CBC com margens somente definidas através da dermatoscopia. Discussão: A dermatoscopia é técnica prática, de fácil aprendizado e utilização. Permite ao cirurgião visualizar nuances de cor e estruturas não distinguíveis a olho nu, o que traz elementos adicionais para um planejamento cirúrgico mais consistente, podendo aumentar a probabilidade de exérese tumoral completa com margens seguras. Comentários finais: Os dados de literatura suportam que a aplicação da dermatoscopia na delimitação das margens de CBCs, pode levar a uma maior taxa de exérese tumoral completa, principalmente nos casos de lesões extensas, irregulares e com limites mal definidos a olho nu.

Descritores: Carcinoma Basocelular; Dermoscopia; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Neoplasia de Células Basais; Neoplasias Cutâneas.

AbstRACt

Introduction: Basal cell carcinoma (BCC) is malignant epithelial skin tumor, frequently with the characteristic of asymmetrical growth, emitting prolongations of variable extension along its margins. This particularity causes the real extension of the tumor to be greater than the lesion clinically suggests, which leads to incomplete excisions. Over the last few years, it has been observed that dermoscopy, a non invasive examination technique for cutaneous lesions, is a valuable tool to increase the capacity for delimitation of the lateral margins of tumors, particularly in non pigmented lesions. method: Report on two clinical cases of BCC with margins that were only defined by means of dermoscopy. Discussion: Dermoscopy is a practical, easy-to-learn and easy-to-use technique. It allows the surgeon to visualize nuances of color and structures that are not distinguishable by the naked eye, which brings additional elements enabling more consistent surgical planning, capable of increasing the probability of complete tumor excision with safe margins. Final comments: The data in the literature support the application of dermoscopy in the delimitation of the margins of BCC, which may lead to a higher rate of complete tumor excision, particularly in the case of extensive, irregular lesions, with poorly defined limits that are not visible to the naked eye.

Key words: Carcinoma, Basal Cell; Dermoscopy; Head and Neck Neoplasms; Skin Neoplasms.

1) Dermatologista (Preceptora da Residência Médica em Dermatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (NHU/UFMS) - Campo Grande / MS).2) Doutor em cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP (Professor adjunto de cirurgia de cabeça e pescoço da Faculdade de Medicina da UFMS, preceptor da

Residência Médica em Dermatologia do NHU/UFMS, ambulatório de tumores da pele - Campo Grande / MS).3) Doutor em dermatologia pela FMUSP (Professor Adjunto de Dermatologia da Faculdade de Medicina da UFMS. Chefe do Programa de Residência Médica em Dermatologia e do Serviço de

Dermatologia do NHU/UFMS - Campo Grande / MS).

Instituição: Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (NHU/UFMS). Campo Grande / MS – Brasil.

Correspondência: Cristiane Comparin - Serviço de Dermatologia/ Hospital Universitário - NHU/UFMS - Av. Filinto Müller, S/N - Campo Grande / MS - Brasil - CEP: 79080-190 – E-mail: [email protected] Artigo recebido em 28/5/2012; aceito para publicação em 09/12/2012; publicado online em 31/03/2013. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

Artigo de Revisão

Dermatoscopy as a tool in the detection of presurgical margins of basal cell carcinomas

Código 309

Introdução

O carcinoma basocelular (CBC) é um tumor maligno epitelial de pele de crescimento lento, que afeta predo-minantemente indivíduos de meia-idade e pele clara.1 Dados epidemiológicos indicam que sua incidência glo-bal está aumentando, particularmente em grupos mais

jovens, emergindo como um crescente problema de saú-de pública.2

Os aspectos clínico-patológicos são variados e in-cluem os subtipos nodular, superficial, esclerodermiforme e variantes pigmentadas, entre outros menos comuns.1,3

Uma característica deste tumor é o seu crescimento frequentemente assimétrico, emitindo prolongamentos

Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 1, p. 47-52, janeiro / fevereiro / março 2013 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 47

de extensão variável ao longo de suas bordas laterais e profundas, o que leva a exéreses incompletas, nem sempre verificadas no exame anatomopatológico atra-vés da técnica rotineiramente realizada.

Além deste fato, em várias ocasiões, seus limites não são bem delimitados a olho nú, o que pode se traduzir em planejamento cirúrgico com margens insuficientes. So-mando isto ao crescimento assimétrico, culmina-se em um grande número de recidivas tumorais pós-exérese de CBC, especialmente na face, local em que a retirada completa do tumor é fundamental para evitarem-se pro-cedimentos sucessivos, os quais, invariavelmente, terão resultado estético, oncológico e funcional desfavoráveis.

Com especial interesse nessa questão os especia-listas têm observado nos últimos anos que a dermatos-copia é uma ferramenta valiosa para se aumentar a ca-pacidade de delimitação das margens laterais tumorais, principalmente em lesões não pigmentadas. A utilização desta técnica permite ao cirurgião visualizar nuances de cor e estruturas não distinguíveis a olho nu, o que traz elementos adicionais para um planejamento cirúrgico mais consistente, podendo aumentar a probabilidade de exérese tumoral completa com margem segura, trazen-do benefício inegável ao paciente.

Desta forma, a dermatoscopia pode contribuir para o sucesso terapêutico no contexto de CBCs grandes e pouco delimitados, comumente operados por cirurgiões oncológicos e de cabeça e pescoço. Este trabalho tem o objetivo de descrever a técnica de utilização da derma-toscopia para auxiliar a delimitação de CBC, e favorecer a marcação de margens seguras de ressecção cirúrgica.

Dermatoscopia do CBCA dermatoscopia é uma técnica que permite o exa-

me in vivo de estruturas dentro da epiderme e derme superficial que não são facilmente visíveis a olho nú.4

Os dermatoscópios originais consistiam em uma peça ocular de magnificação (x 10) com uma fonte de luz co-nectada ao cabo de um otoscópio. Uma fina camada de óleo de imersão era aplicada à lente, que era colocada em contato direto com a superfície cutânea. A tecnologia recente utiliza aparelhos menores com lentes polariza-das e diodos emissores de luz (LEDs), o que dispensa o óleo de imersão e contato direto com a pele.5

Em geral, todos os padrões dermatoscópicos pa-tognomônicos de CBC,6,7 se localizados nas margens tumorais são úteis na definição das bordas periféricas.8 Porém, a principal característica dermatoscópica que permite a definição das bordas periféricas de CBCs pouco ou não-pigmentados é a interrupção da textura normal da pele em função da proliferação das células neoplásicas. Esta interrupção pode ser definida como o “padrão dermatoscópico negativo” e ser chamado de padrão apofático (apófase: negação), caracterizando-se por áreas acinzentadas, vítreas, semi-translucentes9 ou como véu esbranquiçado, representando meramente um padrão de extensão do corpo tumoral, e não um padrão patognomônico individual,10 mas que diferencia-se, es-

pecialmente pela coloração pálida e ausência das aber-turas foliculares, presentes na pele sã ao redor.

Desde a identificação de estruturas vasculares espe-cíficas através da dermatoscopia,11-13 os padrões vascula-res dermatoscópicos tem sido postulados, com os vasos arboriformes sendo um dos padrões mais notáveis para o diagnóstico do CBC não-pigmentado.13 São caracteri-zados por troncos vasculares de amplo calibre, com mais de 1 mm de tamanho, e ramificação irregular em capilares mais finos.11,13 O vaso é vermelho-brilhante, e permanece perfeitamente em foco na imagem por sua localização na superfície tumoral, logo abaixo da epideme. 13

Frequentemente encontradas no CBC superficial, as telangiectasias pequenas e finas são vasos delgados, retorcidos, de pequeno calibre (tipicamente < 1 mm) e comprimento, que possuem relativamente poucos ou ne-nhum ramo, e estão distribuídos irregularmente dentro das áreas brancacentas do tumor.7

Outros padrões clássicos de CBC são ninhos ovói-des azul-acinzentados que são areas pigmentadas bem circunscritas ovóides ou alongadas; ulceração; glóbulos azul-acinzentados múltiplos; áreas em folha de bordo, que são extensões bulbosas marrons a cinza-azuladas, formando o padrão em folha; áreas em raio de roda, cor-respondentes a projeções radiais, usualmente marrom-claras, mas eventualmente azuis ou cinzas, encontran-do-se em um eixo central frequentemente mais escuro (marrom-escuro, preto ou azul).6,14

Todos estes padrões à dermatoscopia podem ser úteis na avaliação da periferia do tumor, e na determina-ção precisa dos seus limites, provendo maior segurança ao cirurgião no momento da marcação das incisões para a ressecção completa e segura da lesão.

Exemplificação da TécnicaDois exemplos serão relatados para demonstração

da técnica de demarcação das margens com o auxílio da dermatoscopia. Ambos os pacientes são da raça branca e provenientes de Campo Grande / MS. O primeiro caso, relativo a um CBC localizado na região infra-palpebral direita, teve sua excisão marcada a olho nu e, poste-riormente, revisada através da dermatoscopia de con-tato com luz não-polarizada. Observa-se, na figura 1, a margem pré-dermatoscópica, marcada a olho nú, e, nas figuras 2 e 3, a visão dermatoscópica, na qual podemos identificar um feixe serpiginoso vertical branco, sem es-truturas (padrão apofático), partindo da região superior do tumor, seguindo em direção ao rebordo palpebral, e entrando em contato com a margem desenhada. Nas figuras 4 e 5 demonstra-se a remarcação da margem, agora distando 4 mm da área suspeita à dermatoscopia, resultando na margem cirúrgica final.

O segundo exemplo refere-se à exérese de um CBC localizado na região frontal direita. Inicialmente, realizou-se a marcação cirúrgica a olho nu (figura 6), e posterior-mente, procedeu-se à conferência das margens com o dermatoscópio, observando-se na margem medial áreas de padrão apofático próximas à margem desenhada (fi-

Dermatoscopia como ferramenta na detecção de margens pré-cirúrgicas de carcinomas basocelulares. Comparin et al.

48 ���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 1, p. 47-52, janeiro / fevereiro / março 2013

gura 7). Realizou-se nova marcação da margem medial, distando 4 mm das áreas suspeitas (figura 8).

A marcação também poderá ser feita apenas após o exame dermatoscópico, traçando-se a linha de excisão somente após a avaliação.

dIscussão

Em estudos retrospectivos prévios, as taxas de exci-são incompleta de CBC variam de 4 a 16,6% com a exci-são cirúrgica tradicional.15,16 Em razão de muitos centros dermatológicos não disporem da cirurgia micrográfica de Mohs, e do fato de, para lesões não-complicadas, a exci-

são cirúrgica tradicional é mais simples e menos dispen-diosa, a principal preocupação é como obter adequação pré-cirúrgica das margens do tumor. Métodos diferentes tem sido propostos17,18 , como a curetagem (na tentativa de evidenciar a frágil área neoplásica) e a ultra-sono-grafia de alta resolução pré-operatórios19,20, mas a der-matoscopia é mais simples, mais reprodutível, segura e menos dispendiosa.21

Caresana e Giardini10 avaliaram a eficácia da der-matoscopia na avaliação pré-operatória das margens cirúrgicas de CBCs através de um estudo com 200 pa-cientes consecutivos, portadores de CBCs de cabeça e pescoço. Foram excluídos os tumores recorrentes e

Dermatoscopia como ferramenta na detecção de margens pré-cirúrgicas de carcinomas basocelulares. Comparin et al.

Figura 1. CBC infra-palpebral, margem cirúrgica pré-dermatoscopia. Figura 2. Visão dermatoscópica: observa-se feixe serpiginoso branco partindo do pólo superior do tumor e conectando-se à margem dese-nhada.

Figura 3. Detalhe da visão dermatoscópica, do feixe vertical de padrão apofático, comprometendo a margem tumoral superior.

Figura 4. Remarcação da margem superior 4 mm acima da área sus-peita.

Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 1, p. 47-52, janeiro / fevereiro / março 2013 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 49

os de subtipos esclerodermiforme e superficial multifo-cal, lesões localizadas em sítios não acessíveis para a avaliação dermatoscópica, e os integrantes da síndro-me de Gorlin-Goltz (síndrome do nevo basocelular). As margens foram marcadas a olho nu e, posteriormente, avaliadas e remarcadas, se necessário, através da der-matoscopia polarizada sem contato. As peças cirúrgicas foram avaliadas através de secções histológicas para-lelas a intervalos de 2 mm. Em um terço dos casos a dermatoscopia demonstrou extensão tumoral periféri-ca além da avaliada a olho nu. A exérese foi total em 197 casos, resultando em excisão cirúrgica completa de 98,5% dos tumores, taxa maior do que a de 95%, comu-mente alcançada com a técnica usual.

Teruskin e Wang4 relataram sua experiência utili-zando a dermatoscopia na avaliação de dois casos de

CBC superficial, com margens mal-definidas e localiza-dos no tronco, antes de realizarem cirurgia micrográfica de Mohs, obtendo exérese completa no primeiro está-gio do procedimento em ambos os casos. A presença de estruturas em raio de roda e em folha auxiliaram no delineamento das margens do tumor. Após a exérese, as áreas periféricas suspeitas à dermatoscopia foram confirmadas no exame histopatológico correspondendo a áreas de CBC superficial. Os autores ressaltam que o sucesso na exérese no primeiro estágio cirúrgico propi-cia a redução no tempo do procedimento e evitou custos adicionais com os estágios seguintes da cirurgia micro-gráfica de Mohs.

Carducci e colegas21 realizaram um estudo com 84 pacientes com CBCs de cabeça ou pescoço, dividindo-os em dois grupos. Um dos grupos teve suas margens

Figura 5. Planejamento do retalho para fechamento, utilizando a mar-gem adicional.

Figura 6. CBC frontal direito: marcação das margens a olho nu.

Figura 7. Visão dermatoscópica: padrão apofático acompanhado de pontos hemorrágicos e telangiectasias próximas à margem medial.

Figura 8. Remarcação da margem medial, distando 4 mm da área sus-peita.

Dermatoscopia como ferramenta na detecção de margens pré-cirúrgicas de carcinomas basocelulares. Comparin et al.

50 ���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 1, p. 47-52, janeiro / fevereiro / março 2013

cirúrgicas delimitadas clinicamente, e o outro, através da dermatoscopia. Todos foram submetidos à exérese cirúrgica com 3 mm de margem. No primeiro grupo, 8 pacientes de 40 avaliados apresentaram margens cirúr-gicas comprometidas (6 CBCs nodulares e 2 escleroder-miformes), enquanto que no segundo grupo 3 pacientes de 44 avaliados apresentaram este desfecho (1 CBCs nodular e 2 esclerodermiformes), sendo estatisticamente significativa a diferença global entre os grupos, e tam-bém avaliando-se somente CBCs nodulares. CBCs su-perficiais foram excisados completamente nos grupos 1 e 2 (3 e 4 espécimes, respectivamente). O trabalho conclui que a análise dermatoscópica pré-cirúrgica das margens do CBC é uma ferramenta útil, particularmente para CBCs nodulares de cabeça e pescoço, sendo uma técnica efetiva, simples, não-invasiva e econômica, para aumentar a performance da cirurgia tradicional. Estes re-sultados contrastam com a impressão anterior de que a dermatoscopia teria menor aplicação na avaliação das margens dos CBCs nodulares, já que estes apresenta-vam limites aparentemente bem definidos.4,5

Em estudo latino-americano,22 14 CBCs de face e couro cabeludo foram avaliados utilizando-se a vídeo-dermatoscopia. Foi realizada a marcação das margens traçando-se um círculo imediatamente em torno das es-truturas tumorais visualizadas. O estudo relata o encon-tro de pelo menos um padrão dermatoscópico de CBC em cada tumor, e citam que as áreas semi-translucentes foram a única característica encontrada em tumores pe-quenos e pouco pigmentados. Procedeu-se à exérese das lesões e a histopatologia demonstrou margens livres em todas as lesões, variando de 0,05 a 2,2 mm no má-ximo, reforçando que a presença de estruturas derma-toscópicas corresponde à extensão tumoral. O trabalho conclui que o limite mostrado pela dermatoscopia é con-fiável para evidenciar a extensão lateral real do tumor, ressalvando o fato de que o comprometimento neoplási-co abaixo da derme superficial não pode ser visualizado através da dermatoscopia.

Nos casos de CBC persistente ou recorrente após tratamentos prévios, a definição dermatoscópica das bordas periféricas pode ser particularmente difícil, em função das cicatrizes, que interrompem a textura nor-mal da pele, mimetizando o padrão apofático ou negati-vo do CBC. Nestes casos, e em todos os casos de de-finição dermatoscópica ambígua dos limítes tumorais, alguns autores advogam traçar as margens de excisão 2 mm após a área duvidosa, para análise histopatoló-gica. 20

comentárIos FInaIs

A dermatoscopia é uma ferramenta útil e simples para a visualização de estruturas tumorais invisíveis a olho nu, e é tradicionalmente utilizada por dermatolo-gistas para esta e outras aplicações. Seu emprego por todos os cirurgiões que realizam excisões de tumores cutâneos deve ser explorado e estimulado. Tendo em

vista que, muitas vezes o cirurgião de cabeça e pescoço opera tumores de grandes dimensões e que estão loca-lizados em áreas delicadas da face, o seu uso pode ser muito vantajoso.

Embora se trate de um método de técnica simples, a sua utilização requer treinamento específico. Há cursos de curta duração, que, aliados a prática, podem capaci-tar o cirurgião não habituado ao seu uso. Entre inúmeros trabalhos que apresentam padrões dermatoscópicos de forma clara e didática, salientamos o de Altamura e co-legas.14

Os dados de literatura aqui descritos demonstram que a aplicação da dermatoscopia na delimitação das margens de CBCs, e consequentemente, no auxilio da demarcação dos locais das incisões cirúrgicas, pode le-var a um melhor resultado terapêutico, principalmente nos casos de lesões extensas, irregulares e com limites mal definidos a olho nu.

reFerêncIas

1. Roewert-Huber J, Lange-Asschenfeldt B, Stockfleth E, Kerl H. Epidemiology and etiology of basal cell carcinoma. Br J Dermatol 2007;157(Suppl):47-51.2. Telfer NR, Colver GB, Morton CA. Guidelines for management of basal cell carcinoma. Br J Dermatol 2008;159:35-48.3. Leiter U, Garbe C. Epidemiology of melanoma and nonmelanoma skin cancerethe role of sunlight. Adv Exp Med. Biol 2008;624:89-103.4. Terushkin V, Wang SQ. Mohs Surgery for Basal Cell Carcinoma Assisted by Dermoscopy: Report of Two Cases. Dermatol Surg 2009;35:2031–2035.5. Guardiano RA, Grande DJ. A direct comparison of visual inspec-tion, curettage, and epiluminescence microscopy in determining tumor extent before the initial margins are determined for Mohs micrographic surgery. Dermatol Surg 2010;36:1240–1244.6. Menzies SW, Westerhoff K, Rabinovitz H, Kopf AW, McCarthy WH, Katz B. Surface microscopy of pigmented basal cell carcinoma. Arch Dermatol 2000; 136: 1012–1016.7. Giacomel J, Zalaudek I. Dermoscopy of superficial basal cell carcino-ma. Dermatol Surg 2005; 31: 1710–1713.8. Teruskin V, Wang SQ. Mohs surgery for basal cell carcinoma as-sisted by dermoscopy: report of two cases. Dermatol Surg 2009; 35: 2031–2035.9. Stoecker WV, Kolm I, Rabinovitz HS, Oliviero MC, Xu J, Malters JM. Semitranslucency in dermoscopic images of basal cell carcinoma. Arch Dermatol 2009; 145: 224.10. Caresana G, Giardini R. Dermoscopy-guided surgery in basal cell carcinoma. JEADV 2010, 24, 1395–139911. Kreusch JF. Vascular patterns in skin tumors. Clin Dermatol 2002;20: 248–54.12. Vazquez-Lopez F, Kreusch J, Marghoob AA. Dermoscopic semiolo-gy: further insights into vascular features by screening a large spectrum of nontumoral skin lesions. Br J Dermatol 2004;150:226–31.13. Argenziano G, Zalaudek I, Corona R, Sera F, Cicale L, Petrillo G, Ruocco E, Hofmann-Wellenhof R, Soyer HP. Vascular structures in skin tumors: a dermoscopy study. Arch Dermatol 2004;140:1485–914. Altamura D, Menzies SW, Argenziano G, Zalaudek I, Soyer HP, Avr-amidis M, DeAmbrosis K, Fargnoli MC, Peris K. Dermatoscopy of basal cell carcinoma: morphologic variability of global and local features and accuracy of diagnosis. J Am Acad Dermatol 2010; 62 (1): 67-75.15. Fahri D, Dupin N, Palangié A, Carlotti A, Avril MF. Incomplete exci-sion of basal cell carcinoma: rate and associated factors among 362 consecutive cases. Dermatol Surg 2007;33:1207–14.16. Bogdanov-Berezovsky A, Cohen AD, Glesinger R, Cagnano E, Krieger Y, Rosenberg L. Risk factors for incomplete excision of basal cell carcinomas. Acta Derm Venereol 2004; 84:44–7.17. Rogalski C, Kauer F, Simon JC, Paasch U. Meta-analysis of pub-

Dermatoscopia como ferramenta na detecção de margens pré-cirúrgicas de carcinomas basocelulares. Comparin et al.

Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 1, p. 47-52, janeiro / fevereiro / março 2013 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 51

lished data on incompletely excised basal cell carcinomas of the ear and nose with introduction of an innovative treatment strategy. J DDG 2006;5:118–27.18. Mortazawi D, Lehmann P. Fluoreszenz diagnostik mit δ-Aminolävulinsäure-induzierten Porphyrinen (FDAP) in der Dermato-logie. Akt Dermatol 2005;31: 206–10.19. Chiller K, Passaro D, McCalmont T, Vin-Christian K. Efficacy of cu-rettage before excision in clearing surgical margins of nonmelanoma skin cancer. Arch Dermatol. 2000 Nov;136(11):1327-32.20. Desai TD, Desai AD, Horowitz DC, Kartono F, Wahl T. The use of high-frequency ultrasound in the evaluation of superficial and nodular

basal cell carcinomas. Dermatol Surg. 2007 Oct;33(10):1220-7; discus-sion 1226-721. Carducci M, Bozzetti M, Foscolo AM, Betti R. Margin detection us-ing digital dermatoscopy improves the performance of traditional surgi-cal excision of basal cell carcinomas of the head and neck. Dermatol Surg 2011; 37(2): 280-285.22. Enei ML, Paschoal F, Valdés R,Valdés G. Contribución de la derma-toscopia en el establecimiento de márgenes quirúrgicos mínimos para la resección de carcinoma basocelular de cara y cuero cabelludo. Med Cutan Iber Lat Am 2011; 39 (4): 205-8.

Dermatoscopia como ferramenta na detecção de margens pré-cirúrgicas de carcinomas basocelulares. Comparin et al.

52 ���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 1, p. 47-52, janeiro / fevereiro / março 2013