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Retalhos miocutâneos para reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço: Experiência da UNICAMP Julia Girardi Cutovoi 1 Antonio Santos Martins 2 Alfio José Tincani 3 Camila Guimarães Aguiar 4 André Casarim 5 André Del Negro 6 Resumo Introdução: Retalhos miocutâneos pediculados são reconhecidos como importante método para reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço. São amplamente utilizados após ressecções oncológicas extensas que resultam em grandes defeitos cirúrgicos. Apesar de atualmente os retalhos livres realizados com técnicas microvasculares serem largamente utilizados e considerados a melhor opção em grandes centros, o uso de retalhos pediculados é técnica frequentemente empregada em muitos serviços. objetivo: Avaliar a taxa de sucesso e as complicações encontradas com o uso de retalhos miocutâneos pediculados em pacientes submetidos a ablações cirúrgicas oncológicas extensas no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNICAMP. método: Entre fevereiro de 1990 e janeiro de 2010, foram avaliados retrospectivamente os dados de 138 pacientes submetidos à ressecção oncológica em cabeça e pescoço, o tipo de retalho utilizado para reconstrução, a taxa de sucesso e as complicações observadas. Resultados: A taxa global de sucesso foi de 92,7%. Para o retalho de músculo peitoral maior a taxa de sucesso foi de 93,6%; para o retalho infra-hioideo, 85,9%; para o retalho de grande dorsal, 100%. Conclusão: Os resultados encontrados fundamentam o uso dos retalhos miocutâneos pediculados na cirurgia de reconstrução em cabeça e pescoço, pois apresentam altas taxas de sucesso e podem ser realizados em centros que não disponham de equipe especializada em cirurgia microvascular. Descritores: Retalhos Cirúrgicos; Reconstrução; Neoplasias de Cabeça e Pescoço. AbstRACt Introduction: Pedicled myocutaneous flaps are recognized as an important method for reconstruction in head and neck surgery. They are often used after extensive oncologic resections that result in large surgical defects. Although currently the free flaps harvested with microsurgical techniques are broadly used and considered the best option in many centers, the pedicled flaps is a technique often used in many services. objective: To evaluate the success rate and the complications found with the use of pedicled myocutaneous flaps on patients undergoing extensive oncologic surgery ablations in Head and Neck Surgery service at UNICAMP. method: Between February 1990 and January 2010, were retrospectively evaluated the data of 138 patients who underwent oncologic resection in the head and neck region, the type of flap used for reconstruction, the success rate and the observed complications. Results: The overall success rate was 92.7 %. For the pectoralis major flap the success rate was 93.6 %; for the infrahyoid flap, 85.9 %; for the latissimus dorsi flap, 100 %. Conclusion: The results justify the use of pedicled myocutaneous flaps in the head and neck reconstruction surgery, because they present with high success rates and can be performed in centers that do not dispose of a team with microsurgery techniques. Key words: Surgical Flaps; Reconstruction; Head and Neck Neoplasms. 1) Residente de Cirurgia Geral. 2) Professor Doutor. Professor Doutor, Chefe da Disciplina de CCP – UNICAMP. 3) Professor Doutor. Professor associado da disciplina de CCP – UNICAMP. 4) Cirurgiã CCP. Ex-residente da disciplina de CCP – UNICAMP. 5) Médico Assistente. 6) Médico Doutor. Médico Assistente Doutor. Instituição: Universidade Estadual de Campinas - Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Campinas / SP – Brasil. Correspondência: Julia Girardi Cutovoi - Rua Pedro Vieira da Silva, nº 64. Bloco Carmel, apto 43 - Jd. Santa Genebra - Campinas / SP - Brasil - CEP: 13080-570 – E-mail: [email protected] Artigo recebido em 25/08/2012; aceito para publicação em 29/03/2013; publicado online em 31/03/2013. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Artigo Original Myocutaneous flaps for reconstruction in head and neck surgery: UNICAMP experience INTRODUçãO Retalhos miocutâneos pediculados são reconheci- dos como importante método para reconstrução em ci- rurgia de cabeça e pescoço. São amplamente utilizados após ressecções oncológicas extensas que resultam em grandes defeitos cirúrgicos. O retalho de peitoral maior foi introduzido em 1979, descrito por Ariyan,¹ promovendo vascularização ampla e confiável associada à cobertura cutânea em defeitos de difícil reconstrução, tornando-se rapidamente a pri- meira escolha em reconstruções primárias, em serviços que não dispõem de reconstrução microvascular. Apre- senta como vantagens facilidade técnica, localização e Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 1, p. 13-17, janeiro / fevereiro / março 2013 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 13

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Retalhos miocutâneos para reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço: Experiência da UNICAMP

Julia Girardi Cutovoi 1

Antonio Santos Martins 2

Alfio José Tincani 3

Camila Guimarães Aguiar 4

André Casarim 5

André Del Negro 6

Resumo

Introdução: Retalhos miocutâneos pediculados são reconhecidos como importante método para reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço. São amplamente utilizados após ressecções oncológicas extensas que resultam em grandes defeitos cirúrgicos. Apesar de atualmente os retalhos livres realizados com técnicas microvasculares serem largamente utilizados e considerados a melhor opção em grandes centros, o uso de retalhos pediculados é técnica frequentemente empregada em muitos serviços. objetivo: Avaliar a taxa de sucesso e as complicações encontradas com o uso de retalhos miocutâneos pediculados em pacientes submetidos a ablações cirúrgicas oncológicas extensas no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNICAMP. método: Entre fevereiro de 1990 e janeiro de 2010, foram avaliados retrospectivamente os dados de 138 pacientes submetidos à ressecção oncológica em cabeça e pescoço, o tipo de retalho utilizado para reconstrução, a taxa de sucesso e as complicações observadas. Resultados: A taxa global de sucesso foi de 92,7%. Para o retalho de músculo peitoral maior a taxa de sucesso foi de 93,6%; para o retalho infra-hioideo, 85,9%; para o retalho de grande dorsal, 100%. Conclusão: Os resultados encontrados fundamentam o uso dos retalhos miocutâneos pediculados na cirurgia de reconstrução em cabeça e pescoço, pois apresentam altas taxas de sucesso e podem ser realizados em centros que não disponham de equipe especializada em cirurgia microvascular.

Descritores: Retalhos Cirúrgicos; Reconstrução; Neoplasias de Cabeça e Pescoço.

AbstRACt

Introduction: Pedicled myocutaneous flaps are recognized as an important method for reconstruction in head and neck surgery. They are often used after extensive oncologic resections that result in large surgical defects. Although currently the free flaps harvested with microsurgical techniques are broadly used and considered the best option in many centers, the pedicled flaps is a technique often used in many services. objective: To evaluate the success rate and the complications found with the use of pedicled myocutaneous flaps on patients undergoing extensive oncologic surgery ablations in Head and Neck Surgery service at UNICAMP. method: Between February 1990 and January 2010, were retrospectively evaluated the data of 138 patients who underwent oncologic resection in the head and neck region, the type of flap used for reconstruction, the success rate and the observed complications. Results: The overall success rate was 92.7 %. For the pectoralis major flap the success rate was 93.6 %; for the infrahyoid flap, 85.9 %; for the latissimus dorsi flap, 100 %. Conclusion: The results justify the use of pedicled myocutaneous flaps in the head and neck reconstruction surgery, because they present with high success rates and can be performed in centers that do not dispose of a team with microsurgery techniques.

Key words: Surgical Flaps; Reconstruction; Head and Neck Neoplasms.

1) Residente de Cirurgia Geral.2) Professor Doutor. Professor Doutor, Chefe da Disciplina de CCP – UNICAMP.3) Professor Doutor. Professor associado da disciplina de CCP – UNICAMP.4) Cirurgiã CCP. Ex-residente da disciplina de CCP – UNICAMP.5) Médico Assistente.6) Médico Doutor. Médico Assistente Doutor.

Instituição: Universidade Estadual de Campinas - Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Campinas / SP – Brasil.

Correspondência: Julia Girardi Cutovoi - Rua Pedro Vieira da Silva, nº 64. Bloco Carmel, apto 43 - Jd. Santa Genebra - Campinas / SP - Brasil - CEP: 13080-570 – E-mail: [email protected] recebido em 25/08/2012; aceito para publicação em 29/03/2013; publicado online em 31/03/2013. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

Artigo Original

Myocutaneous flaps for reconstruction in head and neck surgery: UNICAMP experience

Código 336

Introdução

Retalhos miocutâneos pediculados são reconheci-dos como importante método para reconstrução em ci-rurgia de cabeça e pescoço. São amplamente utilizados após ressecções oncológicas extensas que resultam em grandes defeitos cirúrgicos.

O retalho de peitoral maior foi introduzido em 1979, descrito por Ariyan,¹ promovendo vascularização ampla e confiável associada à cobertura cutânea em defeitos de difícil reconstrução, tornando-se rapidamente a pri-meira escolha em reconstruções primárias, em serviços que não dispõem de reconstrução microvascular. Apre-senta como vantagens facilidade técnica, localização e

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amplo volume de tecido bem vascularizado, associado à baixa morbidade. É uma ferramenta adequada para o preenchimento do espaço morto após reconstruções de mandíbula e para proteção de grandes vasos cervi-cais, entre outros. (Figuras 1 e 2). Suas desvantagens incluem limitações impostas pela extensão do pedículo e arco de rotação, por vezes tecido subcutâneo exces-sivo. Em longo prazo pode haver contratura cervical re-lacionada à radioterapia pós-operatória ou desnervação inadequada durante transposição.2-6

O retalho de grande dorsal foi descrito inicialmente em 1978 por Quillen,7 podendo ser usado para recons-trução de grandes defeitos da cavidade oral ou cervical, possibilitando transferência osteomiocutânea com seg-mentos de costelas. Esse retalho exige mudança de de-cúbito no intraoperatório, sendo essa sua maior desvan-tagem.8

O retalho infra-hioideo foi inicialmente descrito por Wang et al, em 1986.9 O retalho infra-hioideo apresenta resultados cosméticos e funcionais muito favoráveis em seu uso em cavidade oral e defeitos de orofaringe por ser maleável e delgado. É um retalho confiável, de fácil confecção para o cirurgião familiarizado com a anatomia dessa região, utilizado nos defeitos pouco extensos, di-minuindo o tempo total de cirurgia, se comparado a reta-lhos microvasculares.10,11 (Figura 3)

Apesar de atualmente os retalhos livres realizados com técnicas microcirúrgicas serem largamente utiliza-dos e considerados a melhor opção em grandes centros, o uso de retalhos pediculados é técnica frequentemente empregada em muitos serviços, pelo menor custo e por não necessitar de equipes cirúrgicas altamente especia-lizadas, aspectos requeridos para confecção de retalhos microcirúrgicos e pouco disponíveis na maioria dos gran-des centros atualmente.

O objetivo deste estudo e avaliar a taxa de sucesso e as complicações encontradas com o uso de retalhos miocutâneos pediculados em pacientes submetidos a ablações cirúrgicas oncológicas extensas no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNICAMP, sendo re-alizado o levantamento dos prontuários arquivados no nosso serviço.

Método

Entre fevereiro de 1990 e janeiro de 2010, foram avaliados retrospectivamente os dados de 138 pacien-tes submetidos à ressecção oncológica em cabeça e pescoço, o tipo de retalho utilizado para reconstrução, a taxa de sucesso e as complicações observadas. Os pacientes escolhidos para o estudo foram aqueles com tumores malignos de cabeça e pescoço. Em 98% dos casos tratava-se de carcinoma espinocelular. Todos os pacientes foram estadiados segundo os critérios TNM da UICC (2004), sendo que 85% eram estádios III e IV. Os pacientes foram submetidos à confecção de re-talhos miocutâneos de peitoral maior, infra-hioideo ou de grande dorsal. Todos foram tratados em um único

Retalhos miocutâneos para reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço: Experiência da UNICAMP. Cutovoi et al.

Figura 1. Retalho de músculo peitoral maior (RMPM).

Figura 2. RMPM para reconstrução cervical.

Figura 3. Retalho infra-hioideo.

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tempo cirúrgico com a ressecção tumoral seguida por reconstrução imediata do defeito cirúrgico. Foram ob-servadas as complicações ocorridas durante o follow up desses pacientes. Foram consideradas como com-plicações: deiscência do retalho, fístulas, necrose par-cial e necrose total do retalho.

A técnica cirúrgica para uso do retalho de músculo peitoral maior, o retalho mais utilizado nas reconstruções, foi modificada em nosso serviço (UNICAMP) por Salata et al, minimizando complicações de perdas, podendo-se otimizar a quantidade de músculo a ser utilizada, apre-sentando também grande arco de rotação, com elevação acima do arco zigomático. A técnica cirúrgica utilizada inicia-se com incisão cutânea com linha levemente curva que se inicia na prega axilar e termina na porção mais inferior do músculo peitoral maior, geralmente medial-mente ao mamilo (Figura 4). Caso haja necessidade de um retalho maior para defeitos mais extensos ou para re-construir regiões anatômicas mais craniais, essa incisão pode se estender até cinco centímetros além da porção superior do músculo reto abdominal. Faz-se a dissecção na parte lateral da parede torácica entre o tecido celu-lar subcutâneo e as fáscias dos músculos peitoral maior, grande dorsal e serrátil anterior, o que facilita o fecha-mento primário da área doadora posteriormente. Com dissecção romba delicada, as fibras musculares dos músculos peitoral maior e menor são individualizadas e é identificado o feixe tóraco-acromial na porção súpero-posterior do músculo peitoral maior (Figura 5). O retalho de músculo peitoral maior pode então ser rodado supe-riormente através de túnel subcutâneo abaixo da pele intacta deltopeitoral, entre a fáscia do músculo peitoral maior e o tecido celular subcutâneo. Utilizamos sempre uma rota supraclavicular (Figura 6), já que observamos maior número de complicações com túneis infraclavicu-lares, além da vantagem de que se poupa a pele do om-bro, que poderá ser utilizada em outro tempo cirúrgico como retalho fascio cutâneo deltopeitoral (Bakanjan).12

O retalho miocutâneo infra-hioideo é executado se-gundo a técnica descrita por Wang et al, confeccionado a partir da pele da região cervical, músculos infra-hioideos - músculos esterno-tireoideo, esterno-hioideo e ventre inferior do músculo omo-hioideo - e seu pedículo é ba-seados nas artérias tireoidea superior e inferior e veia tireoidea inferior.9,10,11

resultados

Em cento e nove pacientes (78,9%) o retalho utiliza-do foi o peitoral maior, em vinte e um pacientes (15,2%) o retalho infra-hioideo e em oito pacientes (5,8%) o re-talho de grande dorsal, sendo um total de 138 retalhos miocutâneos confeccionados para reconstrução pós res-secção tumoral.

Todos os pacientes apresentavam neoplasias malig-nas de região orofaríngea ou de pele de região de cabe-ça e pescoço, sendo, em 98% dos casos, estas constitu-ídas de carcinomas epidemóides.

Figura 4. Incisão na pele que se inicia na prega axilar e termina na porção inferior do músculo peitoral maior.

Figura 5. RMPM rodado por túnel subcutâneo.

Figura 6. Pedículo tóraco-acromial é mantido sob visão direta evitan-do-se lesões inadvertidas.

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A taxa global de sucesso foi de 86,95%. Para o re-talho de músculo peitoral maior a taxa de sucesso foi de 88,1%; para o retalho infra-hioideo, 85,9%; para o reta-lho de grande dorsal, 100%. (Tabela 1)

Foram consideradas como complicações necrose to-tal do retalho, necrose parcial do retalho, deiscência do retalho e fístulas salivares.

Em apenas dois casos houve necrose total de retalho de peitoral maior (1,8%), e em três casos, necrose parcial (2,7%). Houve dois casos de necrose parcial de retalho infra-hioideo (9,4%). Houve dois casos de deiscência de retalho de músculo peitoral maior (1,8%), com boa reso-lução sem perda do retalho. Houve oito casos de fístulas salivares de retalho de peitoral maior (7,3%) e um caso de fístula salivar no retalho infra-hioideo (4,7%), todos com resolução após tratamento clínico. O retalho de grande dorsal não apresentou complicações maiores. (Tabela 2)

Todas as áreas doadoras da parede torácica e da região cervical foram fechadas primariamente com resul-tado estético bem aceitável em todos os casos.

dIscussão

Os pacientes estudados eram portadores de neo-plasias do trato aerodigestivo superior e pele da região de cabeça e pescoço. Destes, 85% apresentava doença em estádios III e IV, necessitando ressecções amplas da lesão primária, em geral associadas a esvaziamento cervical. O retalho ideal deve ser delgado, flexível, sem pelos, de fácil confecção, com pedículo vasculo-nervoso confiável e permitir sua implementação em um único procedimento cirúrgico, logo após a ressecção tumoral.

Na maioria dos casos foi empregado o retalho de peitoral maior (78,9%), devido à experiência técnica, ver-satilidade e proximidade com a região de cabeça e pes-coço. Foi utilizado principalmente em lesões extensas de face, orofaringe e hipofaringe. A vantagem da técnica cirúrgica utilizada em nosso serviço, com incisão da axila até a face medial ao mamilo, é que possibilita dissecar a face lateral do retalho até o músculo grande dorsal. Assim pode-se otimizar o tamanho do retalho a ser con-feccionado sem riscos de lesão ao pedículo e também calcular o quanto pode-se avançar à fáscia do músculo reto abdominal. Essa técnica traz muita segurança quan-to ao alcance do arco de rotação do retalho e da distân-cia cranial do retalho na região de cabeça e pescoço.12

Nos casos que requereram ressecções mais exten-sas utilizou-se o retalho de grande dorsal (5,8%).

O retalho infra-hioideo foi utilizado em ressecções de lesões intra-orais (15,2% dos casos), principalmente de assoalho anterior, por ser um retalho mais delgado e localizado próximo a esses defeitos cirúrgicos, apresen-tando alta confiabilidade e permitindo fechamento primá-rio da área doadora, com baixa taxa de complicações, bons resultados estéticos e funcionais e boa aceitação pelos pacientes.9,10,11 É indicado classicamente para re-construções de região faríngea, pele de parótida e defei-tos intra-orais.

Os retalhos pediculados apresentam grande confia-bilidade e versatilidade, devendo ser de conhecimento e domínio de todo cirurgião de cabeça e pescoço, pois, embora atualmente as técnicas de cirurgia microvas-cular tenham ganhado preferência, não são todos os centros que dispõem de equipe especializada, material adequado e caro e rigoroso controle e monitorização pós operatória. As vantagens dos retalhos miocutâneos pediculados incluem a facilidade técnica, a proximidade com a região de cabeça e pescoço e a possibilidade de obtenção de grande quantidade de tecido bem vascula-rizado. Além disso, possibilitam execução em um único tempo cirúrgico e causam baixa morbidade à área doa-dora.2, 13, 14

Nos últimos 30 anos, estudos mostraram taxas de complicação com o uso de retalho de músculo peitoral maior entre 16% e 63%, a incidência de necrose parcial entre 4% e 29% e necrose total entre 0% e 7%, e fístu-las entre 5% e 29%.2-6,15-19. Nossos resultados mostraram uma taxa de complicações total de 13,7%, com dois ca-sos de necrose total (1,8%) e três casos de necrose par-cial (2,7%), oito casos de fístulas salivares (7,3%) para o retalho de peitoral maior. Entre os dois outros retalhos estudados, infra-hioideo e grande dorsal, a taxa de fís-tulas foi de 4,7% e de necrose parcial foi de 9,4%, sem casos de deiscência ou necrose total (Tabela 3).

Os resultados encontrados fundamentam o uso do retalho de músculo peitoral maior, bem como de infra-hioideo e grande dorsal, em menor escala, na cirurgia de reconstrução em cabeça e pescoço após ressecção oncológica, com excelente taxa de sucesso e baixa mor-bidade.

conclusão

A técnica usada em nosso serviço para o retalho de músculo peitoral maior é rápida, útil e segura, com gran-de vantagem da visibilização do feixe vasculo-nervoso que possibilita aprimorar o arco de rotação e seu alcan-

tabela 1. Taxa global de sucesso.Tipo de Retalho Nº Total %Peitoral Maior 109 88,1Infra-hioideo 21 85,9Grande Dorsal 8 100

tabela 2. Número de complicações (%). Peitoral Infra- Grande Maior hioideo DorsalFístula 8 (7,3) 1 (4,7) -Deiscência 2 (1,8) - -Necrose Parcial 3 (2,7) 2 (9,4) -Necrose Total 2 (1,8) - -Total 15 (13,7) 3 (14,1) - Porcentagem relativa ao número total de retalhos por tipo de retalho.

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ce com segurança.12 O retalho miocutâneo infra-hioideo é mais trabalhoso tecnicamente e demanda maior ex-periência do cirurgião, por apresentar pedículo vásculo-nervoso e estruturas mais delicadas.10,11 Os resultados confirmam que retalhos miocutâneos pediculados são um importante método de reconstrução, com altas taxas de sucesso e podem ser realizados em centros que não disponham de equipe reconstrutiva com técnicas de mi-crocirurgia20, 21.

referêncIas

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tabela 3. Trabalhos sobre retalhos de músculo peitoral maior e suas complicações.Primeiro autor (ano) Nº Retalhos Taxa global de Necrose total Necrose parcial Fístula complicações (%) (%) (%) (%)Ossoff (1983) 95 35,0 1,0 4,0 5,0 Shuller (1983) 47 40,4 4,2 4,2 19,1 Wilson (1984) 112 16,0 7,0 9,0 - Kroll (1990) 168 63,0 2,4 17,0 21,0 Shah (1990) 211 63,0 3,0 29,0 29,0 Ijsselstein (1996) 224 53,0 0,0 13,0 21,0 Metha (1996) 220 40,5 2,7 11,8 12,7 Liu (2001) 224 34,8 4,0 11,1 7,8 Dedivitis (2002) 17 41,2 5,9 5,9 11,8 Vartanian (2004) 371 36,1 2,4 9,7 11,8 Estudo Atual 109 13,7 1,8 2,7 7,3

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