COISA NOSSA FASHION -...

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Expediente: BackUp é uma publicação do Núcleo de Tendências e Pesquisa do Espaço Experiência da Famecos PUCRS. Elaborado por: José Maruri Neto ([email protected]) Jeana Mattei ([email protected]) Coordenadores: Profª Cristiane Mafacioli Carvalho Prof. André Cauduro D’Angelo Ilustração: Gabriel Garcia Fotos: - Núcleo de Fotografia - Profª Cristina Schoreder Lima (orientadora) Fernanda Iranço Rosa Marcelo Pizolotto Modelo fotográfica: Luciana Negretto [email protected] O tightwear é o que Porto Alegre tem de au- têntico, não o de majoritário. Predomina entre as mulheres da capital uma sobriedade que até beira a caretice ao vestir. O tightwear é um estilo especialmente presente no target de 15 a 25 anos – depois dessa faixa etária, reduz- se a um nicho como tantos outros. O tightwear é representativo de um estilo de vida marcado por casas noturnas da moda, música dançante, leitura quase nenhuma e um ideal de beleza no qual a pele alva não tem vez. Aparência alaranjada by bronzeamento artificial em pleno julho é marca registrada dessa turma. A combinação forma de ver a vida + jeito de se vestir das tecnicolor permite que a moda para essas garotas seja comercializada em ambientes multifacetados, conjugando boemia, literatura, cinema e música. Marketing e publicidade voltados à consumidora de moda local devem lembrar que: Londres inventou o punk, Seattle deu ao mundo o grunge, Washington criou o emo – e Porto Alegre produziu, cheia de orgulho, o tightwear. Não tá entendendo? Dê uma olhadinha em volta e veja se você não está cercado(a) de garotas e mulheres com calças legging, tamancões e blusas curtas e coladas. Viu? Pois é, essa é a única contribuição original de Porto Alegre ao mundo da moda, segundo especialistas ouvidos por BackUp. Esse estilo peculiar de vestir – ou de deixar à mostra, como queira – é uma das raras não-imitações de tendências produzidas em outros lugares que podem ser vistas nas ruas da capital. Mas se existe a corrente, há também a contra- corrente. A moda tecnicolor de parte das gurias da cidade opera em frequência completamente diferente, lembrando o que se vestia lá pelos idos dos anos 60 e 70. E com referências culturais que vêm daquela época também. Então, dê uma espiada nos dois estilos, escolha o seu preferido – ou não! – e lembre-se: moda é só uma das coisas mais importantes das coisas menos importantes da vida. Enjoy! BackUp relatório de tendências edição nº 2, jan/fev 2010 soWHAT? - Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele.Caio Fernando Abreu COISA NOSSA FASHION

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Expediente:BackUp é uma publicação do Núcleo de

Tendências e Pesquisa do Espaço Experiência da Famecos PUCRS.

Elaborado por:José Maruri Neto

([email protected])Jeana Mattei

([email protected])

Coordenadores:Profª Cristiane Mafacioli Carvalho

Prof. André Cauduro D’Angelo

Ilustração:Gabriel Garcia

Fotos: - Núcleo de Fotografia -

Profª Cristina Schoreder Lima (orientadora)Fernanda Iranço Rosa

Marcelo Pizolotto

Modelo fotográfica: Luciana Negretto

[email protected]

O tightwear é o que Porto Alegre tem de au-têntico, não o de majoritário. Predomina entre as mulheres da capital uma sobriedade que até beira a caretice ao vestir. O tightwear é um estilo especialmente presente no target de 15 a 25 anos – depois dessa faixa etária, reduz-se a um nicho como tantos outros.

O tightwear é representativo de um estilo de vida marcado por casas noturnas da moda, música dançante, leitura quase nenhuma e um ideal de beleza no qual a pele alva não tem vez. Aparência alaranjada by bronzeamento artificial em pleno julho é marca registrada dessa turma.

A combinação forma de ver a vida + jeito de se vestir das tecnicolor permite que a moda para essas garotas seja comercializada em ambientes multifacetados, conjugando boemia, literatura, cinema e música.

Marketing e publicidade voltados à consumidora de moda local devem lembrar que: Londres

inventou o punk, Seattle

deu ao mundo o grunge, Washington

criou o emo – e Porto Alegre produziu, cheia

de orgulho, o tightwear. Não tá entendendo? Dê uma olhadinha em volta e veja se

você não está cercado(a) de garotas e mulheres com calças legging,

tamancões e blusas curtas e coladas. Viu? Pois é, essa é a única contribuição original

de Porto Alegre ao mundo da moda, segundo especialistas ouvidos por BackUp. Esse estilo

peculiar de vestir – ou de deixar à mostra, como queira – é uma das raras não-imitações de

tendências produzidas em outros lugares que podem ser vistas nas ruas da capital.

Mas se existe a corrente, há também a contra-corrente. A moda tecnicolor de parte das gurias da cidade opera em frequência completamente

diferente, lembrando o que se vestia lá pelos idos dos anos 60 e 70. E com referências culturais que

vêm daquela época também.Então, dê uma espiada nos dois estilos, escolha o seu preferido – ou não! – e lembre-se: moda é só uma das coisas mais importantes das coisas

menos importantes da vida. Enjoy!

BackUprelatório de tendências

edição nº 2, jan/fev 2010

soWHAT?

“- Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele.”

Caio Fernando AbreuCOISA NOSSA FASHION

‘Abençoada por Deus e bonita por natureza’ talvez seja uma boa frase para definir a mulher gaúcha e, em especial, a porto-alegrense. Prova disso são as centenas de gurias que saíram daqui para brilhar nas passarelas e nas telinhas.

Mas não vamos falar sobre a beleza indiscutível de atrizes e modelos famosas, e sim do estilo de outras tantas mortais que são a cara da cidade. E que podem não ter sido escolhidas pela Divina Providência como encarnações da perfeição, mas estão a fim de mostrar o que têm – e às vezes o que não têm - de bonito.

Boa parte da população da capital é composta por descendentes de imigrantes europeus, especialmente italianos e alemães. E, de certa forma, as mulheres daqui conservam o jeito de vestir de seus antepassados até hoje, optando por estilos sóbrios e clássicos, à semelhança do que acontece nos nossos vizinhos Uruguai e Argentina.

Mas toda regra tem uma exceção, e a porto-alegrense atende pelo nome de tightwear. É uma fração das mulheres da capital, especialmente das mais jovens, para as quais preocupações em expor o corpo e parecer sensual definem a escolha do look. A função da roupa é dirigir olhares para o corpo. O resultado? Muita calça colada, blusa curtinha e sandálias de salto altíssimo, tudo emoldurado por bijuterias volumosas e cabelão esvoaçante.

Só que o curioso é que esse estilo, meio over – ou minimum, dependendo do ângulo pelo qual se olha... – é a ÚNICA (sim, a única!) “contribuição” original da capital gaúcha em matéria de moda. Saia às ruas de Porto Alegre e você verá gente elegante, estilosa e até ousada, mas saiba desde já que nada disso é autêntico. Foi concebido em outras capitais, geralmente da Europa e dos EUA, e simplesmente transplantado para cá. Mesmo quando você vê alguém vestido de um jeito beeeem diferente – quem sabe até pelos corredores da FAMECOS -, pode ter certeza: muita gente em Nova York, Tóquio ou São Paulo já veste a mesmíssima coisa há tempos. Porto Alegre não inventa moda, apenas segue a moda que os outros inventaram.

E quando inventa... Por aqui, uma série de circunstâncias contribuiu para que se promovesse um culto ao corpo que, com o tempo, deu origem ao tightwear. E tome helanca, supplex e gym wear – preferência comprovada pelas vendas recordes da Lycra no estado e o sucesso de marcas nativas como Brasil Sul e Di Mattos.

Uma explicação para esse comportamento pode residir nesse anãozinho que todos

têm dentro de si e que responde pelo nome de EGO. As cariocas, para citar

um exemplo bem conhecido, podem alimentá-lo passeando na praia de

biquíni.

As porto-alegrenses, tadinhas, não têm esse privilégio. Mas o ego continua

lá, querendo atenção. A solução, então, é apelar, e o tightwear surge

justamente nesse contexto que mistura geografia desfavorável

e excesso de vontade de se mostrar.

O mais interessante é que, não raras vezes, essa estética, normalmente adotada por jovens na

adolescência e no princípio dos seus 20 anos, vence a barreira

do tempo e invade escritórios e points noturnos mais

“maduros”, por assim dizer. Sim, há senhoras e senhoritas que adotam o

tightwear das gurias e esticam a vida útil do estilo até a casa dos 30, 40 e, vá lá, 50 anos – sempre com adaptações,

claro, mas mantendo vivo o espírito desse visual por mais tempo do

que seria de se esperar.

Quer dizer então que não há vida fashion na cidade fora desse

aparente complô? Há, sim. BackUp descobriu uma tribo de garotas que

abdicam da autenticidade extrema e preferem fazer sutis modificações em modas criadas alhures – e, com isso, dão um toque de originalidade

e diferenciação que, acredite, pode ser tão notado quanto um decote generoso ou uma calça justésima.

Meiobossa-nova etropicáliaToda mulher curte ser reconhecida pelo seu feeling fashion. Peles bronzeadas, corpão à mostra, make, Brasil Sul e Padre Chagas... Tudo isso tá na mídia, tá na pista e a galera a-do-ra!

Acontece que, saindo um pouco dessa realidade meio legally blonde e investigando a famosa cena alternativa de Porto Alegre, encontramos garotas com propostas de estilo e atitude bastante diferentes para pôr na mesa.

Mais próximas do bohemian chic novaiorquino e do retrô, as gurias tecnicolor trazem um kit que vai além das roupas e dos acessórios: a atitude, a música e a literatura expressadas ao lado da moda.

Primando sempre pelo conforto com estilo, as peças em voga são as saias de cós alto, jardineiras, bolerinhos e lenços; sempre contrastando cores neutras, como o branco e o nude, com outras fortes, como preto e vermelho. Estampas florais e petit pois também marcam presença, formando um mosaico fashion todo psicodélico. Sentiu um certo revival? Pois então, isso é apenas o começo!

Como um mutanteA moda para essas gurias é somente uma via de expressão do que pra elas é mais valioso: as referências culturais

que formam seu estilo de vida. A música e a literatura são

parte do que são.

Intelectuais, cultas e ousadas, as tecnicolor

estão “numa eterna busca por não se

sabe o quê”, como nos disse uma de

suas representantes. Apaixonadas pela literatura

introspectiva de Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector, que classificam

como “os escritores de toda uma geração que vive à

flor da pele”, essas gurias poderiam muito bem ser

um de seus personagens, andando pelo Bom Fim por

trás de seus óculos escuros imensos e fumando seus

cigarros.

Musicalmente, as coisas não são muito diferentes. Adeptas

da música feita com feeling, sem apelos comerciais e

longe de modismos atuais, o que mais aparece em

suas playlists são Beatles, The Doors, Pink Floyd,

Mutantes, Maísa e Tropicália.

“Coisas muito antigas, densas e dramáticas

para garotas de 20 anos” você pode estar

pensando...

Então faz o seguinte: dá um pulo no Ossip,

no Zelig ou no Bate Macumba, pede uma cerveja e te prepara

pra encontrar uma dessas figuras de

banda!

TightwearTight, do inglês, quer dizer apertado, justo, esticado. Tudo a ver com o estilo identificado por BackUp.

Tecnicolor é o nome do nono álbum da banda brasileira Mutantes. Foi gravado em 1970, mas só lançado em 2000. Nele, estão versões de várias músicas gravadas anteriormente pelo grupo em outras línguas, bem como algumas regravações nos idiomas originais. A audição de Tecnicolor abre as portas para uma babel idiomática: tem canções em inglês, francês, espanhol e português. Renovação do antigo, intelectualismo e psicodelia fazem as conexões com esse estilo de vestir identificado por BackUp.

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