Coleção de ruínas
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Frederico Spada Silva
Coleção de ruínas
Frederico Spada Silva
Coleção de ruínas
Edição do Autor
Juiz de Fora
2013
Copyright © 2013 by Frederico Spada Silva
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Todos os direitos reservados.
Arte da capa: Frederico Spada Silva, a partir da
fotografia “Holland House library after an air raid,
1940” © English Heritage
Projeto gráfico e revisão: Frederico Spada Silva
Texto revisado segundo o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.
S586c Silva, Frederico Spada
Coleção de ruínas / Frederico Spada Silva. –
Juiz de Fora: Edição do Autor, 2013.
13 p.
1. Poesia brasileira. I. Título.
CDD: B869.91
Atravessar a língua,
esta grande fratura,
exige silêncio e mapas.
Arquivo
Colecionava miudezas,
pequeno e íntimo
museu de fragmentos
coletados ao acaso–
como a própria vida.
Dicionário de palavras esquecidas
A memória se perde
entre os tipos esmaecidos
e esta língua
que já pouco
–ou nada–
me diz:
folheio o esquecimento,
entre dois muros
de meio-couro.
Geografia do abandono
I
Gering Dome Theater
Nova York, E.U.A.
Luxo e opulência
não mais se conjugam no presente.
As partículas de pó que o habitam
bailam à luz do sol,
buscando seus lugares.
A cortina, inerte, pouco revela:
nada aqui se apresenta–
o último monólogo em cena,
ainda a ecoar,
é o silêncio.
II
Lungenkrankenhaus
Hornberg, Alemanha
Paredes descamam como pele.
Bolor e umidade
aderem-se aos menores interstícios.
Há tosses, ainda, ressoando em solidão.
Hoje, o ar é pesado demais.
III
Palácio Al-Fared
Madain Saleh, Arábia Saudita
Era uma vez um monte em meio ao deserto,
entalhado pelas mãos famintas
de milhares de súditos leais
à espada que lhes cortaria o pescoço,
caso se cansassem.
O portal que se abre às dunas
dá a ver miragens de outros tempos:
caravanas de mercadores, dançarinas,
poetas, profetas e astrólogos
que nunca souberam antever,
nos céus,
o vazio que os habitaria.
IV
Kostroma, Rússia
O que os homens já não podem contar
revela-nos o que foi deixado para trás.
Os retratos esquecidos nas paredes,
as imagens que adornam as ruínas,
tudo atesta a pressa com que fugiram.
As portas e janelas abertas
confirmam que nunca cogitaram retornar.
V
Antigo farol de Point of Ayr
Talacre, Reino Unido
nada
i
l
u
m
ino
ao redor de mim.
VI
Catedral submersa
(Uma imagem)
Anjos-medusas flutuam sobre nós;
a multiplicação dos peixes
se dá diante dos olhos;
os ramos de algas se movem
embalados pela cega fé das correntes.
Para os que caminham sob as águas,
o verdadeiro milagre é respirar.
Arquitetura do tempo
No plano, enfim,
se configura a letra
de que se ergue o poema
em construção,
e a voz, magna mater
de todas as palavras,
funda outra realidade,
ampla e contínua,
que escava o tempo
em nova direção.