Coleção Didática ePráticadeEnsino - Personagem Digital · Ângela Imaculada Loureiro de Freitas...

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: Avaliação Educacional Educação a Distância e Tecnologias da Informação e Comunicação Educação Profissional e Tecnológica Ensino Superior Políticas Educacionais Coleção Didática e Prática de Ensino

Transcript of Coleção Didática ePráticadeEnsino - Personagem Digital · Ângela Imaculada Loureiro de Freitas...

Convergncias e tenses no campoda formao e do trabalho docente:

Avaliao Educacional

Educao a Distncia eTecnologias da Informao e

Comunicao

Educao Profissional eTecnolgica

Ensino Superior

Polticas Educacionais

Coleo Didticae Prtica de Ensino

COLEO DIDTICA E PRTICA DE ENSINO

CONVERGNCIAS E TENSES NO CAMPO DAFORMAO E DO TRABALHO DOCENTE:

Avaliao EducacionalEducao a Distncia e Tecnologias da Informao e

ComunicaoEducao Profissional e Tecnolgica

Ensino SuperiorPolticas Educacionais

Relaes Raciais e Educao

XV ENDIPE ENCONTRO NACIONAL DE DIDTICA E PRTICA DE ENSINO

CONVERGNCIAS E TENSES NO CAMPO DA FORMAO E DO TRABALHO

DOCENTE: POLTICAS E PRTICAS EDUCACIONAIS

REALIZAO

Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais (CEFET-MG)

Faculdades Pitgoras

Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Universidade Federal de So Joo Del Rei (UFSJ)

Universidade Federal de Viosa (UFV)

Universidade Federal de Uberlndia (UFU)

Universidade Vale do Rio Verde (UNINCOR)

Apoio

Centro Universitrio de Belo Horizonte (UNI-BH)

Centro Universitrio (UNA)

Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

Parceria

Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq)

Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES)

Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)

Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP)

COLEO DIDTICA E PRTICA DE ENSINO

CONVERGNCIAS E TENSES NO CAMPO DAFORMAO E DO TRABALHO DOCENTE:

Avaliao EducacionalEducao a Distncia e Tecnologias da Informao e

ComunicaoEducao Profissional e Tecnolgica

Ensino SuperiorPolticas Educacionais

Copyright 2010 Os autores e organizadoresEste livro ou parte dele no pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizao escrita do editor.

Organizao da coleongela Imaculada Loureiro de Freitas DalbenJlio Emlio Diniz PereiraLeiva de Figueiredo Viana LealLucola Licnio de Castro Paixo Santos

Organizao da Parte I do livro - Avaliao Educacional: convergncias e tenses no campo daformao e do trabalho docentengela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

Organizao da Parte II do livro - Educao a Distncia e Tecnologias da Informao eComunicao: convergncias e tenses no campo da formao e do trabalho docenteAdriana Rocha Bruno

Organizao da Parte III do livro - Educao Profissional e Tecnolgica: convergncias etenses no campo da formao e do trabalho docenteLuclia Regina de Souza Machado, Maria Rita Neto Sales Oliveira

Organizao da Parte IV do livro - Ensino Superior: convergncias e tenses no campo daformao e do trabalho docenteMaria do Carmo Lacerda Peixoto

Organizao daParte V do livro - Polticas Educacionais: convergncias e tenses no campodaformao e do trabalho docenteDalila Andrade Oliveira, Marisa Ribeiro Teixeira Duarte

Conselho EditorialAda Maria Monteiro SilvaIlma Passos Alencastro VeigaJos Carlos LibneoLlian Anna WachowiczMaria de Lourdes Rocha de LimaMaria Isabel da CunhaVera Maria Ferro Candau

Preparao de originaisMarcos Evangelista Alves

CapaCedecom/UFMG - Painel: Yara Tupinamb

Editorao eletrnicaLooris Comunicao | www.looris.com.br

RevisoA reviso ortogrfica e gramatical de responsabilidade de cada autor.

FICHA CATALOGRFICA

C766 Convergncias e tenses no campo da formao e do trabalho docente /organizao de ngela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben ...[et al.]. Belo Horizonte : Autntica, 2010.870p. (Didtica e prtica de ensino)

Textos selecionados do XV ENDIPE Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino realizado naUFMG, no perodo de 20 a 23 de abril de 2010.

Inclui bibliografia.Contedo: Avaliao educacional Educao a distncia e tecnologias da informao e comunicao

Educao profissional e tecnolgica Ensino superior Polticas educacionais.ISBN: 978-85-7526-463-8

1. Didtica. 2. Prtica de ensino. I. Dalben, ngela ImaculadaLoureiro de Freitas. II. Srie.

CDD: 371.3CDU: 37.02

Elaborada pela DITTI Setor de Tratamento da Informao / Biblioteca Universitria da UFMG

APRESENTAO DA COLEO

Apresentamos a Coleo Didtica e Prtica de Ensino,constituda de 6 volumes, que expressa a produo de renomadoseducadores, em diferentes campos temticos, convidados para odebate das Convergncias e tenses no campo da formao e dotrabalho docente: polticas e prticas educacionais, que aconteceu noXV ENDIPE.

O Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino (ENDIPE) um evento cientfico, no campo educacional, que congregaprofissionais que trabalham com questes relacionadas aos processosde ensino e aprendizagem. Esses profissionais so, em sua maioria,docentes e discentes que atuam nos programas de Ps-Graduaoem Educao, nas Faculdades de Educao e nos sistemas de ensinodas redes pblicas do pas.

O ENDIPE nasceu de um pequeno seminrio, realizadona PUC/RJ, em 1982 e 1983, denominado A didtica em questoque objetivou problematizar e discutir a Didtica, sua orientaoepistemolgica e poltica bem como a natureza de suas propostas parao campo do ensino. Esses seminrios contaram, na poca, apenascom a participao de cerca de 60 pessoas e deram origem aosatuais Encontros Nacionais de Didtica e Prtica de Ensino. Ocorre,a partir de ento, de dois em dois anos, em diferentes estados e soorganizados por instituies de ensino superior que, na assembliafinal de cada encontro, se apresentam como proponentes para sediaro prximo evento. Hoje, pode-se dizer que o ENDIPE o maior eventoacadmico na rea da Educao, que pode contar uma histria detrinta anos de percurso ininterruptos, delineado em seus ltimosencontros como um evento de grande porte, com a participao demais de quatro mil pesquisadores da rea.

A finalidade dos ENDIPEs socializar os resultados de estudose pesquisas relacionadas ao ensinar e ao aprender, o que envolve,mais especificamente, a temtica da formao docente, do ensino

das diferentes disciplinas e do currculo. Constitui-se, portanto, emum espao privilegiado de trocas de experincias, de articulao degrupos, de questionamentos, de novas idias e de novas reflexes.

O tema central Convergncias e tenses no campo daformao e do trabalho docente: polticas e prticas educacionaisfoi escolhido em razo do importante momento poltico vivido pelaeducao brasileira.

O contexto atual se revela promissor em possibilidades derealizao prtica de sonhos antigos. Se nesse momento presencia-seum conjunto de crticas severas ao desempenho da educao bsicano pas, ao mesmo tempo, concretizam-se respostas importantes dogoverno federal com a implantao do Programa REUNI, programa deexpanso das universidades pblicas brasileiras, com uma amplitudee extenso jamais vistas pela histria desse pas.Associado a ele, vemsendo criadas polticas de incentivo oferta de cursos de formaode professores tanto em nvel de graduao quanto no mbito daformao continuada e integrada a essas polticas, presenciamos,ainda, a dinmica de organizao nos diferentes Estados da federaodos FORPROFs Fruns de Formao de Professores, articuladoresdessas ofertas, com a participao dos gestores das diversasuniversidades pblicas e dos secretrios municipais e estaduais deEducao. Vivemos, assim, um movimento profcuo participao daacademia na estruturao de polticas educacionais, porque chamadasa integrar espaos e participar com a sua produo. E nesse contexto,a resposta dada por esta coleo que integra a reflexo organizadade pesquisas e prticas, extremamente oportuna para a construodessas polticas.

A coordenao geral do evento tomou a deciso de subdividiro tema central em campos bem definidos para permitir a anlisedas tendncias atuais em cada campo, favorecendo a socializaodos resultados dos estudos e o dilogo com as diferentes reas. Ossubtemas,emconexocoma temticageraldoEncontro,debatidosnos90 simpsios realizados pelos pesquisadores convidados constituem abase dos 6 volumes dessa coleo, organizados a partir da confluncia

ou similaridade dos temas ou mesmo das necessidades tcnicas dediagramao dos volumes. So eles: Alfabetizao e Letramento;Arte-Educao; Avaliao Educacional; Currculo; Didtica; Educaoa Distncia e Tecnologias da Informao e Comunicao; EducaoAmbiental; Educao de Jovens e Adultos; Educao de Pessoascom Deficincia, Altas Habilidades e Condutas Tpicas; Educao doCampo;EducaoemCincias;EducaoemEspaosNo-escolares;Educao, Gnero e Sexualidade; Educao Indgena; EducaoInfantil; Educao Matemtica; Educao Profissional e Tecnolgica;Ensino da Lngua Portuguesa; Ensino de Educao Fsica; Ensino deGeografia; Ensino de Histria; Ensino de Lnguas Estrangeiras; EnsinoSuperior; Escola, Famlia e Comunidade; Formao Docente; PolticasEducacionais; Relaes Raciais e Educao; Trabalho Docente.

Como organizadores, desejamos que esta coleo se torneum incentivo para o debate sobre as tenses presentes na Educaohoje e que esse debate encontre convergncias capazes de construirpropostas vivas e criativas para o enfrentamento da luta por umaeducao de qualidade para todos. Desejamos, tambm, que a alegriavivida por ns no percurso de produo deste material esteja presentenas entrelinhas desses textos, de modo a tecer, solidariamente, umaenorme rede de compromissos com a educabilidade em nosso planeta.

Belo Horizonte, abril de 2010.

ngela Imaculada Loureiro de Freitas DalbenJulio Emilio Diniz PereiraLeiva de Figueiredo Viana LealLucola Licnio de Castro Paixo SantosOrganizadores da coleo

SUMRIO

PARTE IAVALIAO EDUCACIONAL: CONVERGNCIASE TENSES NO CAMPO DA FORMAO E DOTRABALHO DOCENTE

APRESENTAOngela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

POR UMAAPRENDIZAGEM MAISCULA DAAVALIAO DAAPRENDIZAGEMMara Regina Lemes De Sordi

AVALIAO DAAPRENDIZAGEM ESCOLAR: RISCOSE NECESSIDADES DENTRO DO PROCESSO DEFORMAO DE PROFESSORESMaria da Assuno Calderano

PROJETO INTERVENTIVO E PORTFLIO:CONSTRUINDO AAVALIAO FORMATIVABenigna Maria de Freitas Villas Boas

AVALIAO INSTITUCIONAL DE QUALIDADEPOTENCIALIZADA PELA PARTICIPAO DOS VRIOSSEGMENTOS DA ESCOLAMaria Marcia Sigrist Malavasi

AVALIAO: DA PEDAGOGIA DA REPETNCIA PEDAGOGIA DA CONCORRNCIA?Sandra M. Zkia L. Sousa

GRATIFICAO PARA PROFESSORES EFUNCIONRIOS DE ESCOLAS DE EDUCAOBSICA: PROPOSTA DE INDICADORJos Francisco SoaresZakia Ismail Hachem

O APRENDIZADO DAMATEMTICA NAS ESCOLAS DAPESQUISA GERESNigel BrookeAndra Aguiar

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PARTE IIEDUCAO A DISTNCIA E TECNOLOGIAS DAINFORMAO E COMUNICAO: CONVERGNCIASE TENSES NO CAMPO DA FORMAO E DOTRABALHO DOCENTE

APRESENTAOAdriana Rocha Bruno

TRAVESSIAS INVISVEIS: PLASTICIDADE, DIFERENAE APRENDIZAGEM EM REDES RIZOMTICAS DEFORMAO DE ADULTOS EDUCADORES NOSAMBIENTES ONLINEAdriana Rocha Bruno

REDES SOCIAIS VIRTUAIS. TERO ELAS ESPAO NAESCOLA?Simo Pedro P. Marinho

AS MUITAS TECNOLOGIAS E AS MUITAS FORMAS DECOMUNIDADES DE APRENDIZAGEMVani Moreira Kenski

A INTERAO ENTRE APRENDIZES NASCOMUNIDADES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM:OPORTUNIDADE DE APRENDER E IDENTIFICARTALENTOSJos Armando Valente

CONTRIBUIES DAWEB 2.0 FORMAO DEEDUCADORES SOB ENFOQUE DIALGICOLucila Pesce

PROFESSORES UNIVERSITRIOS EM REDE: UMJEITO HACKER DE SERNelson de Luca Pretto

REFLEXES SOBRE A FORMAO DEPROFESSORES PELA/PARA EDUCAO A DISTNCIANA CONTEMPORANEIDADE: CONVERGNCIAS ETENSESDaniel Mill

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FORMAO DE PROFESSORES PARA DOCNCIAONLINE: UMA PESQUISA INTERINSTITUCIONALMarco Silva

MEDIAO PEDAGGICA E FORMAO DOCENTEPARAA EAD: COMUNICAO, MDIAS E LINGUAGENSNAAPRENDIZAGEM EM REDEDulce Mrcia Cruz

CONVERGNCIAS ENTRE A EAD E O ENSINOPRESENCIAL NA FORMAO DE PROFESSORESMaria Teresa de A. Freitas

PARTE IIIEDUCAO PROFISSIONAL E TECNOLGICA:CONVERGNCIAS E TENSES NO CAMPO DAFORMAO E DO TRABALHO DOCENTE

APRESENTAOLuclia MachadoMaria Rita Neto Sales Oliveira

A REGULAO DA EDUCAO PROFISSIONALBRASILEIRA EM TEMPOS DE CRISE DO CAPITALRamon de Oliveira

AABORDAGEM POR COMPETNCIA COMOPARADIGMA E POLTICA DE CURRCULOAntnia Vitria Soares Aranha

AS TENSES DECORRENTES DA IMPLANTAODAS POLTICAS DE EDUCAO PROFISSIONAL ETECNOLGICA NO IFSPCelso Joo Ferretti

FRUM MUNDIAL DE EDUCAO PROFISSIONAL ETECNOLGICA: CONVERGNCIAS E TENSESLuclia Machado

FORMAO DE PROFESSORES PARAA EDUCAOPROFISSIONALMaria Rita Neto Sales Oliveira

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FORMAO DE PROFESSORES PARAA EDUCAOPROFISSIONAL E TECNOLGICA E A NECESSRIAATITUDE DOCENTE INTEGRADORARonaldo Marcos de Lima Araujo

FORMAO DE PROFESSORES PARAA EDUCAOPROFISSIONAL E TECNOLGICAAcacia Zeneida Kuenzer

PARTE IVENSINO SUPERIOR: CONVERGNCIAS E TENSESNO CAMPO DA FORMAO E DO TRABALHODOCENTE

APRESENTAOMaria do Carmo de Lacerda Peixoto

A ESCOLA E A CULTURA DO DESEMPENHOPaolo Nosella

O FUTURO DO HOJE E OS ESTUDANTESDenise Leite

OS PROFESSORES UNIVERSITRIOS, SUAFORMAAO PEDAGGICA E SUAS NECESSIDADESFORMATIVASAlvanize Valente Fernandes FerencAna Cludia Lopes Chequer Saraiva

DESAFIOS DA CONSTRUO CURRICULAR EMVISO INTEGRATIVA: ELEMENTOS PARA DISCUSSOLa das Graas Camargos Anastasiou

RANKINGS DE DESEMPENHO NAAVALIAODA EDUCAO SUPERIOR: TENDNCIAS DACONTEMPORANEIDADEMarlia Costa Morosini

O NOVO ALFABETO DO SINAES: REFLEXES SOBREIDD, CPC E IGCRobert E. Verhine

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AVALIAO DA EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL:DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E QUALIDADEDO TRABALHO ACADMICO EM QUESTOMarlia Fonseca

AVALIAO INSTITUCIONAL EXTERNA NO SINAES:CONSIDERAES SOBRE A PRTICA RECENTEMaria do Carmo de Lacerda Peixoto

PARTE VPOLTICAS EDUCACIONAIS: CONVERGNCIASE TENSES NO CAMPO DA FORMAO E DOTRABALHO DOCENTE

APRESENTAOMarisa R T Duarte

AAVALIAO E A REGULAO. O PROFESSOR E ARESPONSABILIZAO DOS RESULTADOSOlgases Cabral Maus

POLTICAS EDUCACIONAIS E REGULAES DOTRABALHO DOCENTElvaro Moreira Hyplito

CONVERGNCIAS E TENSES NA FORMULAODAS ATUAIS POLTICAS PARAA FORMAO DEPROFESSORES NO BRASIL: ENTRE O ARCABOUONORMATIVO E O RESPEITO S CULTURAS E SFORMAS DE VIDAIria Brzezinski

CONVERGNCIAS E TENSES NAS PROPOSTASDE 2009: POLTICA NACIONAL DE FORMAO DEPROFISSIONAIS DO MAGISTRIO DA EDUCAOBSICA E PLANO NACIONAL DE FORMAO DEPROFESSORESMagali de Castro

EDUCAO INTEGRAL EM PALMAS NO TOCANTINS:IMPLANTAO E SUSTENTABILIDADEDanilo de Melo Souza

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AAMPLIAO DE JORNADA ESCOLAR NOSMUNICPIOS BRASILEIROS: POLTICAS E PRTICASLcia Helena Alvarez Leite

PEDAGOGIA, FORMAO DE PROFESSORES E AGORA? PROBLEMAS DECORRENTES DASDIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA OSCURSOS DE PEDAGOGIASelma Garrido PimentaMaria Amlia Santoro FrancoJos Carlos Libneo

EDUCAO INTEGRAL E REINVENO DA ESCOLA:ELEMENTOS PARA O DEBATE A PARTIR DOPROGRAMAMAIS EDUCAOJaqueline Moll

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PARTE I

AVALIAO EDUCACIONAL:CONVERGNCIAS E TENSES NO CAMPO DA

FORMAO E DO TRABALHO DOCENTE

ngela Imaculada Loureiro de Freitas DalbenOrganizadora

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APRESENTAO

A avaliao est presente em todos os domnios da atividadehumana, sejaatravsde reflexes informaisqueorientamas freqentesopes do dia-a-dia ou, formalmente, atravs da reflexo organizada esistemtica para a tomada de decises em diferentes mbitos. Para oprofessor Jos Dias Sobrinho, o campo da avaliao polissmico epluri-referencial ( 2002, p.15) e bastante complexo Os processos deavaliao exigem, para o seu entendimento, anlises scio-histricasna perspectiva de construo de seus sentidos e significados sociais,envolve o campo da tica e dos valores socialmente construdosdurante sculos e tm origem num universo muito amplo que refletea prpria construo social da realidade. Este campo referencial estpresente nos currculos, nas formas de organizao do ensino, nospadres de comportamento esperados nos alunos e nos mecanismosformais de avaliao, dentre outros, e se preserva atravs das relaescotidianas na escola, dando sentido e significado ao contexto e sprticas docentes concretas nele estabelecidas. Um dos objetivos daavaliao a tomada de deciso, seja ela desenvolvida no mbitoda escola, compreendendo as prticas pedaggicas como um todonos trabalhos cotidianos em sala de aula ou no mbito do sistemaescolar, quando se processam avaliaes de currculo, de princpioseducativos, de processos de incluso, seleo e controle de alunos,de escolas, projetos e outros.

No caso da avaliao da aprendizagem, por exemplo, existemvariveis que afetam os resultados da aprendizagem dos alunose so geradores potenciais de desigualdade ou de igualdade emrelao aos processos de escolarizao. As pesquisas apontamque condies familiares e as prticas pedaggicas escolares seconstituem em variveis fundamentais na construo dos sentidose na intensidade como essas variveis iro se comportar no campoda relao pedaggica, transformando-se em foras positivas ounegativas. CASASSUS (2000, p.30) discute que a aprendizagem

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uma situao social, que sintetiza fenmenos diversos que ocorrem nonvel cognitivo e emocional dos sujeitos, mas pertencem, em especial,ao campo do simbolismo cultural. Isso significa que os processos deaprendizagem e conseqentemente os processos de escolarizaoesto diretamente vinculados s experincias de vida dos estudantese que a relao dessas experincias com as prticas pedaggicasescolares apresentam-se como um universo de contradies quedeve ser desvendado pelo professor e pela escola em busca de aesassertivas na direo de um dilogo possvel.

A avaliao sistmica, por outro lado, uma modalidade deavaliao, em larga escala, desenvolvida no mbito de sistemas deensino visando, especialmente, subsidiar polticas pblicas na reaeducacional. Constitui-se num mecanismo privilegiado capaz defornecer informaes sobre processos e resultados dos sistemasde ensino s instncias encarregadas de formular e tomar decisespolticas na rea da educao. uma estratgia que pode influenciara qualidade das experincias educativas e a eficincia dos sistemasevitando o investimento pblico de maneira intuitiva, desarticuladaou insuficiente para atender s necessidades educacionais. Odesenvolvimento de um sistema nacional de avaliao no Brasil bastante recente e ainda pouco estudado. Os debates pelademocratizao do ensino nos anos oitenta trouxeram as principaisquestes focalizadas nesse campo, como o acesso escola e aqualidade do ensino oferecida pelas escolas, a desigualdade de ofertae os resultados gerados. Alertava-se sobre o fato de no existireminformaes precisas sobre os comportamentos dos sistemas deensino e sobre os resultados dos investimentos pblicos em educao.OMEC ( Ministrio da Educao e Cultura) por meio do INEP (InstitutoNacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) tem sido o principalresponsvel pelos processos de avaliao sistmica no mbito federalna perspectiva de oferecer diretrizes para as polticas de educao nopas.

nesse caminho de reflexes que situamos a importncia daspesquisas apresentadas nos Simpsios do Sub tema AVALIAO

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no XV ENDIPE, evento que se investe de grande importncia nessemomento em que se discute o baixo desempenho da educaobsica . O seu tema central, Convergncias e tenses no campo daformaoedo trabalhodocente: polticas eprticas educacionais,centraliza temticas que tm as instituies de ensino, as salas deaula, o trabalho docente e discente como referncia e, em especial,no caso desse sub tema, situa trabalhos de autores renomados queesto investigando o campo da avaliao nas trs vertentes principais:os processos de avaliao da aprendizagem, da gesto do ensino eda escola e da avaliao sistmica.

Apresentamos a seguir os textos trazidos para o debate darea.

Na discusso do tema AVALIAO DA APRENDIZAGEMESCOLAR temos trs trabalhos. O primeiro texto Por umaaprendizagem maiscula da avaliao da aprendizagem de MaraRegina Lemes De Sordi (UNICAMP) discute o lugar da avaliao daaprendizagem na cena pedaggica do espao da aula universitria ea importncia da reintegrao da mesma ao conjunto de categoriasconstitutivas do trabalho escolar. Contesta a lgica utilitarista quecaracteriza os processos relacionais entre professor, estudantes ecoordenaes de curso em funo das reformas educacionais atuaise prope a necessria ampliao do olhar de docentes e estudantespara outros nveis de avaliao, sobretudo o institucional, sublinhandoos desdobramentos na sala de aula que precisam ser interpretadosem uma perspectiva integradora.

O texto de Maria da Assuno Calderano (UFJF) intituladoAvaliao da aprendizagem escolar: riscos e necessidades dentrodo processo de formao de professores faz uma reflexo sobreo significado das aes que acontecem no contexto da avaliao daaprendizagem escolar, percorrendo dimenses relativas ao ato deavaliar e ser avaliado.Aautoraentrelaa reflexescomdadosempricospautando-se em estudos e pesquisas que envolvem processos deavaliao em sua interface com a formao educacional. Ressaltaa importncia de se refletir sobre os processos avaliativos de forma

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orgnica - universidade e a escola - como prtica formativa e atitudecotidiana de modo que os objetivos e critrios utilizados na avaliaosejam definidos claramente, explicitados e analisados de modocoerente a fim de que as medidas tomadas a partir desse processosolidifiquem o alcance dos objetivos educacionais mais amplos.

O texto Projeto Interventivo e Portflio: construindo aavaliao formativa de autoria de Benigna Maria de Freitas VillasBoas (UnB), apresenta o surgimento do Projeto Interventivo, aoexecutada nas escolas da rede oficial de ensino do DF, situando oseu objetivo, as suas singularidades e as vantagens de se construiro portflio desse Projeto. Descreve e justifica a articulao das aesdesse projeto por meio do uso do portflio num contexto de avaliaoformativa, discutindo as possibilidades dessa articulao. Defende oargumento de que este instrumento pode dar vigor e atualidade aoProjeto Interventivo. Conclui com a afirmao de que a avaliaosomente alcanar propsitos formativos se o processo for construdopelos professores, em cada escola. Para a autora, o que faz a avaliaoser formativa no a inteno dos formuladores das diretrizes deavaliao, mas a prtica cotidiana dos professores.

O debate do tema AVALIAO DA EDUCAO BSICAE GESTO DAS ESCOLAS se faz por meio dos textos seguintes.Avaliao institucional de qualidade potencializada pelaparticipao dos vrios segmentos da escola de Maria MarciaSigrist Malavasi (UNICAMP) realiza uma reflexo acerca da qualidadeexistente na Educao Bsica de nosso pas e de como essa qualidadetem sido compreendida em nossas escolas por todos aquelesresponsveis pela liderana e solidificao dos Projetos Pedaggicosescolares em curso. Discute as concepes que esto atreladas qualidade desejada para as escolas e para quem elas esto postas,alm das conseqncias da implantao de um modelo ou padrode qualidade definido e implantado em educao. Segundo a autora,a qualidade do ensino e das prticas pedaggicas adequadas podegerar diferentes desempenhos escolares se as escolas levarem emconta a realidade de cada um dos estudantes e as condies nos

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quais ocorre seu aprendizado. Por isso devem ser consideradastodas as possveis interfaces entre a escola, a comunidade e seuentorno. Cabe a escola, portanto, a tarefa de auxiliar o grandecontingente populacional brasileiro que precisa de gestores presentese comprometidos, professores motivados, comunidade inseridanos projetos escolares, famlias acolhidas e respeitadas e, por fim,polticas pblicas educacionais srias, que podem fazer diferena nosprximos tempos.

O texto de Sandra M. Zkia L. Sousa (USP e UNICID-SP) traza seguinte indagao em seu ttulo: Avaliao: da pedagogia darepetncia pedagogia da concorrncia? Trata das relaes entreavaliao e gesto, considerando alguns focos que se entrecruzam nocotidiano escolar, quais sejam: avaliao da aprendizagem, avaliaode desempenho dos alunos e avaliao de desempenho docente.Ilustra continuidades e desdobramentos relativos ao significadoda avaliao na escola bsica, realando que tanto a pedagogiada repetncia quanto a pedagogia da concorrncia tendem a serincorporadas na gesto da escola em uma sociedade capitalista, emque a idia do mrito presente.

J o texto de Jos Francisco Soares (UFMG) e Zakia IsmailHachem (Mestranda em Sociologia UFMG), intitulado Gratificaopara professores e funcionrios de escolas de educao bsica:proposta de indicador, tem por objetivo propor uma forma para opagamento de uma parte varivel na remunerao dos professorese funcionrios de escolas de educao bsica que contemple tantoo aprendizado dos alunos, quanto o esforo dos professores efuncionrios. O texto visa subsidiar a construo de um sistemade remunerao varivel que atinja todas as escolas, propondo,proporcionalmente, um indicador de merecimento, cuja definio o objeto ltimo desse estudo. Esse indicador de merecimentoconsidera primeiramente o aprendizado dos alunos das escolas,registrado nas suas proficincias obtidas em testes padronizados deLngua Portuguesa e Matemtica, opo que reflete a idia de que oaprendizado dos alunos a principal funo da escola de educao

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bsica. Alm disso, considera o esforo necessrio para a obtenodesse resultado j que as escolas trabalham com alunados decaractersticas diferentes que podem facilitar ou dificultar o trabalhoda escola.

No mbito das discusses sobre As polticas de avaliao ea qualidade do ensino, o texto O aprendizado da matemtica nasescolas da pesquisa geres, de autoria de Nigel Brooke ( UFMG)e Andra Aguiar (UFMG) discute o uso da avaliao externa paraa identificao de fatores que influenciam a qualidade do ensino,incluindo o trabalho do professor. Entre as dificuldades em atribuir aoprofessor a responsabilidade pelo nvel de rendimento dos alunos,encontra-se a falta de informao sobre o ponto de partida dos alunosem termos da aprendizagem previamente acumulada. A pesquisaGERES, recmconcluda,mostra quehdiferenasnoponto departidae no ritmo de progresso de alunos de escolas pblicas e privadasem Leitura e Matemtica. Chama a ateno uma desacelerao noritmo de aprendizagem em Matemtica dos alunos da escola pblicaao longo da 2 srie. Com esta desacelerao, a diferena nosresultados mdios das redes pblica e privada aumentam. Mesmocom a retomada da aprendizagem em Matemtica na srie seguinte,o aumento na desvantagem dos alunos da escola pblica se perpetua.

Os processos de avaliao escolar encontram-se no limiardas contradies sociais. Produzem conhecimentos, reconhecemdesigualdades e diferenas, mas podem, paradoxalmente, estar aserviodaseleoedaexclusoouaservioda lutapelaaprendizageme pela incluso. Nesse contexto, a produo terica apresentadapelos pesquisadores torna-se extremamente importante para quepossamos estabelecer um dilogo denso com vistas construo depolticas e prticas educacionais no pas que permitam a consolidaodo processo de democratizao do ensino, da aprendizagem e dodireito escola de qualidade.

ngela Imaculada Loureiro de Freitas DalbenPresidente da Comisso Cientfica do Subtema Avaliao

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POR UMAAPRENDIZAGEM MAISCULADAAVALIAO DAAPRENDIZAGEMMara Regina Lemes De SordiUNICAMP

INTRODUO

Muitas so as questes envolvendo o cotidiano escolar sobreas quais os educadores divergem assim como so inmeras e, quasesempre, inconciliveis as razes que apresentam para justificar asdificuldades de consenso. Curiosamente estes atores convergemquando a questo refere-se complexidade do fenmeno da avaliaoda aprendizagem. Independente da profundidade de anlise que fazemou da lgica que usam para justificar as razes desta complexidadeh acordo que a avaliao uma categoria particularmente especiale rida.

As formas prticas de lidarem com a avaliao, noentanto, voltam a refletir os diferenciados posicionamentos tico-epistemolgicos que embasam as escolhas aparentemente tcnicasque fazem e que so geradoras de boa parte das dificuldades queexperimentam. Como se percebe, identificam-se nas dificuldades edistanciam-se nas eventuais formas de superao destas. Isso devesignificar alguma coisa.

Estas dificuldades no so exclusivas da pedagogiauniversitria, mas neste campo ganham vulto dado falta depreparao pedaggica que normalmente acompanha os profissionaisque passam a assumir responsabilidades docentes como uma desuas reas de atuao. Inserem-se no campo da formao trazendoseus saberes experienciais e profissionais, porm nem sempreacompanhados dos saberes pedaggicos. Igualmente tendem a sevincular ao projeto pedaggico de um curso, nem sempre conscientesde que esta prerrogativa implica responsabilidades e compromissoscom uma causa maior a que devem se curvar seus saberes e

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competncias individuais.A configurao fragmentada e ensimesmada do processo de

trabalho que tem caracterizado a pedagogia universitria interferena organizao dos atores implicados com o projeto de um curso eprecisa ser contestada. Torna-se ainda mais delicada e prementeesta transformao das bases do trabalho pedaggico quando estepretende ser inovador e imiscuir-se como possibilidade de superaoparadigmtica. A busca de uma formao que dialogue com osproblemas sociais da contemporaneidade e que frente a estes seposicione com clareza dando sustentao tica para proposiesconcretas nos diferentes espaos educativos que revelar asubstantividade das inovaes de um projeto pedaggico.

Um bom projeto educativo - compreendido como processoabrangente e comprometido com o desenvolvimento pleno (tcnico ehumano) dos estudantes - requer que a perspectiva monodisciplinarseja ultrapassada, redefinindo os limites do territrio de ingerncia eprotagonismo de cada sujeito no campo da pedagogia universitria.Como participes de algo mais amplo, precisam se colocar a serviode um projeto/processo pedaggico que reclama por competnciascoletivas e capacidades de auto-organizao entre outras (PISTRAK,2001).

Zabalza (2004) acrescenta que um dos dilemas vividos pelosdocentes universitrios deslocar o eixo da formao centradano ensino para uma formao centrada na aprendizagem. Oimportante no que se fale ou explique bem os contedos: oimportante como eles so entendidos, organizados e integradosem um conjunto significativo de conhecimentos e habilidades novas(p.156). Certamente destamudana, outras poderiam se originar entreas quais a produo de uma nova relao de estudantes e professorescom a avaliao, entendendo-a como recurso de mediao entre seuspontos de saber e seus pontos de no-saber ainda. Enriquecidos pelaintensidade das trocas intersubjetivas que podem ser favorecidas pelaformade trabalho pedaggico pactuada, as situaes de aprendizagempoderiam no desperdiar os momentos de avaliao incluindo-os

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como tempos/espaos em que tambm se ensina e aprende.Qualquer trabalho escolar como atividade que rene diferentes

atores sociais afetado pelas inmeras e diversas concepesantropolgicas, gnosiolgicas e tico-polticas que estes carregam econstituem-se fonte de confronto invariavelmente. Isso acrescentacomplexidade ao processo de ensino-aprendizagem transcendendo osaspectos instrumentais da questo, sobretudo no campo da avaliao.

Surge da a necessidade de construo de acordos mnimospara que se balizem as microdecises que so tomadas, sem as quaisse pode comprometer a eficcia social de um projeto pedaggico. Ouso aparentemente contraditrio do termo eficcia social assumidoneste texto intencionalmente e pretende contrapor-se ao reducionismode se lutar por uma eficcia que se oriente simplesmente pela lgicautilitarista do mercado. H outros compromissos implicados nosespaos educativos que habitamos e estes nos obrigam a tomarposies que no se contentem em ser apenas denunciadoras deuma qualidade educacional falsa nas premissas de transformaosocial que anuncia nos textos dos projetos pedaggicos dos cursos,formalmente documentados.

Considerando que a avaliao uma categoria forte no campodas decises pedaggicas, dada a repercusso quase imediata navida dos estudantes, entendemos que esta precisa ganhar maiortransparncia no campo das relaes entre professores e alunos nosespaos educativos.Adefesa da importncia deste pacto de qualidadenegociada (BONDIOLI, 2004) se amplia dada a centralidade que aavaliao tem ocupado tambm e, sobretudo no campo das polticaseducacionais.

A avaliao exerce alta fora indutora nas formas de agir deprofessores e estudantes e da sociedade em geral. Esforos nosentido de entender/desvelar o modus operandi da avaliao dentro efora da sala de aula, dentro e fora da escola so requeridos de modoa recriar possibilidades de que esta atividade recupere o potencialeducativo que lhe inerente.

A cultura de avaliao que possumos tende a ser reproduzida

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acriticamente como se houvesse uma nica forma de esta ser vivida,praticada, ensinada. Isso nos desafia a refletir sobre a forma comonos organizamos ora para avaliarmos ora para sermos avaliadosindagando a que e a quem tem servido esta lgica.

A avaliao certamente uma das categorias mais refratrias mudana. Sem que a avaliao se reinvente, no h comoesperar alteraes na formao universitria, ficando o discursoinovador do Projeto Pedaggico (PP) condenado a ser letra morta.Ostensivamente presente nos documentos de um curso, na prticapode ficar despossudo de energia transformadora se a avaliao nose reconfigurar.

Perrenoud (1993) admoesta que, em geral, os professoresaceitam falar sobre e repensar muitos aspectos de seu trabalho, pormsintetiza que ao se tocar no fenmeno da avaliao, dispara-se o sinalde alerta no mexam na minha avaliao! que interdita o dilogoanteriormente iniciado. Esta cultura no se restringe aos docentes.Igualmente os estudantes reagem a mudanas na avaliao por maisque denunciem sua insatisfao com o formato vigente.

Isso leva a que no nos surpreendamosmais coma convivnciaamigvel (nemsempre explcita) de dois projetos no mbito de nossoscursos/IES: um formal e outro real. Este, quase sempre perpassadopor lgicas do passado, ainda que pretensamente voltado para o futuroe para a transformao da realidade que aquele promete realizar. Umolhar para os processos de avaliao que so desenvolvidos no mbitodestes projetos confirmar a contradio performativa referida. H umdiscurso progressista sobre a avaliao que no se revela presentenas formas de avaliao praticadas que tendem a no se afastar dovis classificatrio, excludente e disciplinador.

Contradies como estas necessitam de problematizao,reflexo e disposio para mudana para que a avaliao daaprendizagem universitria sintonize-se com o iderio do projetopedaggico dos cursos. H que se (re) aprender a olhar a avaliaopara melhorar as condies de produo de novos processosavaliativos, capazes, inclusive, de ensinar os estudantes a aprender

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com e na avaliao, restabelecendo suas possibilidades formativas.

DAS FRONTEIRAS S INTERFACES: (RE) APRENDENDO AOLHAR AAVALIAO

Temos visto que docentes e estudantes parecem no gostarda avaliao que praticam ainda que continuem a aceitar as regrasdo jogo (HADJI, 1994). Evidentemente esta postura desacelera aschances de transformaes substantivas nos processos de avaliao.

A avaliao da aprendizagem precisa ser compreendida comocategoria do trabalho pedaggico de modo a cumprir sua finalidadeeducativa. Esta postura implica um olhar ampliado para o fenmenoo que poderia contribuir para o abandono da avaliao como arazo de ser do trabalho que professores e estudantes desenvolvemconjuntamente. Tal transformao no simples, sobretudo quandose buscam solues pragmticas para as situaes de desconfortocom a avaliao da aprendizagem.

Cunha adverte que os processos de trabalho docente tm sidomarcados por poucas tarefas coletivas e muitas individuais o quedesabilita a partilha e a construo de uma base epistemolgica daprofisso (CUNHA2005, p.11).A solido desta aprendizagem se tornamais sofrida quando se defrontam com a avaliao e suas ciladas.

Para que possam ser extrados bons usos da avaliao daaprendizagem dos alunos, parece necessrio, a priori, auxiliarmos odocente a construir uma convivncia mais humana com esta categoriapromovendo o gosto pelo processo de autoconhecimento que estafavorece.

Podemos supor que quando um professor mantm relaesdefensivas com a avaliao de seu prprio trabalho, dificilmenteconseguir incutir em seus estudantes a confiana neste processo,contribuindo para que as relaes com a avaliao permaneamsendo disseminadas como um mal necessrio a que devemos noscurvar por falta de melhores alternativas.

Professores familiarizados com prticas e concepes de

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avaliao mais abrangentes ganham condio de bem ensinar ebem realizar a avaliao de/com seus estudantes. Assim comocompreendero que no adequado dissociar a avaliao daaprendizagem comumente restrita sala de aula de outros mbitosavaliatrios. Cabe-lhes entender criticamente como as polticas deavaliao externa influenciam de alguma maneira o trabalho querealizam de forma aparentemente autnoma junto aos estudantes.Cabe-lhes o direito/dever de participar de processos de avaliao dainstituio em que trabalham, assumindo co-responsabilidade como desenvolvimento do projeto pedaggico do curso em que atuam eque ajudam a construir por meio de posturas colaborativas e crtico-reflexivas. A isso denominaremos uma aprendizagem maisculada avaliao que no se contente em ser apenas usada comoclassificadora da aprendizagem dos alunos desgarrada dos fatoresassociados que explicam as diferenas de desempenho observadas.

Outra relao com a avaliao precisa nascer ampliandoas possibilidades de que profissionais/professores e professores/profissionais se disponham e se instrumentalizem para um usomais conseqente e tico da avaliao nos espaos educativos quefreqentam.

A trade como se aprende - como se ensina - como se avaliaa avaliao precisa ser rediscutida para que possamos estabelecerrelaes mais fecundas com esta atividade de singular importncia navida das pessoas e dos estabelecimentos educacionais.

Consideramos essencial a perda de centralidade da avaliaono nvel micro da cena pedaggica. Entendemos que esta mudana nacultura da avaliao se alimentar, por contradio, do zelo e tempogasto com a incluso desta categoria nos processos de formaopara o trabalho docente com enfoques que ajudem a explicitar aindissociabilidade entre os mbitos da meso e macro abordagem dofenmeno, respectivamente ligados ao nvel institucional e ao nveldo sistema de ensino e seus desdobramentos na sala de aula (nvelmicro).

Para que a avaliao possa cumprir os fins educativos que

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dela se espera, mister que esta extrapole as dimenses restritasexclusivamente aprendizagem dos estudantes e dialogue com ascondies objetivas que afetam este trabalho pedaggico assim comoas polticas externas de avaliao que ajudam a firmar ou denegardeterminados projetos pedaggicos. preciso que se gaste tempoestudando e refletindo sobre as bases tericas da avaliao para queno usemos em vo o vocbulo contribuindo para a opacidade docampo.

Esta aprendizagem maiscula da avaliao amplia acondio tico-epistemolgica dos professores agirem e reagirem,proativamente, tanto no mbito da sala de aula como no mbitoinstitucional qualificando sua participao nesses processos. Maisdo que isso, uma aprendizagem maiscula da avaliao ensina osprofessores a apreender melhor os limites e possibilidades de seutrabalho junto aos alunos e isso potencializa esforos de superao.

A aprendizagem da avaliao constitui-se saber essencial doprocesso de desenvolvimento profissional dos professores para arm-los dos argumentos necessrios para uma interlocuo em alto nvelcom os dados informados pela avaliao, relativos tanto realidadedos alunos como da instituio escolar. No h como ignorarmos quea avaliao busca comunicar algo para algum convocando a dilogosrigorosos com a realidade e que ancoram as demandas que se seguemao processo de avaliao e que so sempre pluridimensionais. Todojuzo de valor emitido no ato de avaliao exige conseqnciasque subsidiam processos decisrios e estes no ocorrem de formadesinteressada. Razo pela qual no campo da avaliao no cabeingenuidade.

A aprendizagem da avaliao no pode se resolver apenasna descrio terica, politicamente correta, sobre como esta deveriaser e/ou sobre as razes porque no consegue ser diferentementedesenvolvida.Reclamapor posicionamentodoseducadores.Compete-lhes fazer circular princpios mais democrticos nos processos deavaliao que planejam levando-os a assistir a aprendizagem dosestudantes (LOBO, 1989) e a contribuir para o aprimoramento dos

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projetos institucionais. A avaliao categoria que gera ao. Aoque pode ( deve) se orientar pelas estratgias de compromissocom as aprendizagens dos estudantes ao invs de um acatamentocego s normas e regras existentes a que se obtm adeso semcomprometimento , como resposta de convenincia s estratgiasdo controle institucional ( NGULO, 2007) orientadas pelas polticasexternas de avaliao .

PRESSUPOSTOS DE UMAAPRENDIZAGEM MAISCULA DAAVALIAO

Acreditamos que uma abertura avaliao pode ajudar a queesta recupere a relevncia na cena universitria com seu potencialeducativo preservado. Isso far crescer seu valor de uso em detrimentoao valor de troca que a tem acompanhado e que tem subtrado seupotencial formativo. Posto que orientados por motivadores externose quase sempre utilitaristas, os processos de avaliao (seja dosestudantes, dos docentes ou das instituies educacionais) tmpadecido de uma artificialidade que precisa ser enfrentada.

A que serve a avaliao ostensiva de tudo e de todos se estano gerar transformaes que sejam socialmente pertinentes? A quese presta uma avaliao que despreza uma viso de totalidade dofenmeno avaliado?

Lima (2007) lembra que h distintos nveis de abordagem dofenmeno educativo quando se resolve avaliar sua qualidade. Estesnveis dialogam entre si e faz da abordagem micro, meso e macro,uma rede complexa a ser examinada com cautela e rigor.

A aprendizagem da avaliao da aprendizagem a maisdesejada pelo docente universitrio, aquela que lhe rouba o sono, mas apenas parte de processo bem mais amplo. Ignorar suas interfacesacaba tornando mais conflituoso o trabalho pedaggico, em especial,quando o docente se depara com dificultadores que tem razes fora dombito da sala de aula e sobre os quais tem pouca governabilidade.No h como deixar de considerar os conflitos que envolvem os

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professores quando se defrontam com marcantes diferenas entreos estudantes que contrastam com a homogeneidade relativa dasprticas institucionalizadas de avaliao (TENTI FANFANI, 2008,p.176). Como avaliar usando instrumentos padronizados, sujeitossociais to distintos, com capitais culturais diferenciados sem resvalarora para a condescendncia pedaggica ora para o autoritarismoexcludente?

O docente universitrio precisa aprender a coletar e interpretardados da realidade de seus alunos confrontando-os com o tipo detrabalho pedaggico que foi executado e com as condies objetivasque afetaram este trabalho, estejam elas dentro ou fora da instituioescolar.

Os diferentes mbitos da avaliao mutuamente se afetam,razo pela qual no podem ser desconhecidos pelos professores sobpena de estes, ingenuamente, produzirem diagnsticos equivocadosque marcaro suas intervenes subseqentes. Estas, nascendo devisesparciais sobreo fenmeno, tendemase revelar insuficientese/ouidiossincrticas para a mediao pedaggica que ser implementada.

Da qualidade desta mediao podem resultar fortes vnculoscomosestudantes, auxiliando-os a seenvolveremmais profundamentecom o trabalho pedaggico. Um professor que assume o compromissode bem ensinar, legitima-se para o trabalho avaliativo, pois torna maisinteligvel aos estudantes (e para si) os objetivos que referenciaroo processo de avaliao. Familiarizados com as demandas e asexigncias de um trabalho pedaggico que quer ser conseqente,estudantes tendem a participar commais conscincia e isso contribuirpara uma mudana na/da cultura de avaliao.

Professor e alunos; alunos e alunos, em relao dialgicapodem discutir, negociar seus pontos de vista de modo horizontalizadoe complementar. Um dilogo orientado para assistir a aprendizagem,comprometendo-os com a superao das condies que dificultam aapreenso dos contedos e desenvolvimento de competncias maisalargadas. Um dilogo focado na firmao de um pacto que explicitaregras e d visibilidade aos acordos, permitindo autovigilncia e

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monitoramento coletivo.O monitoramento coletivo possibilita outra aprendizagem que

envolve o mbito da avaliao institucional. Neste nvel de abordagemo protagonismo exercido pelo coletivo do curso/ instituio que seorienta e se movimenta pelo esprito do projeto pedaggico. H ntidasrelaes entre o que ocorre no mbito do curso e da instituio com oque acontece na sala de aula universitria.

Muitodosucessoou insucessodo trabalhopedaggicodependedas condies de funcionamento de uma instituio educacional eenvolve entre outros: o nmero de estudantes por turma, o regime detrabalho docente, a qualidade dos recursos tecnolgicos, as polticasde capacitao pedaggica, os incentivos indissociabilidade ensino/pesquisa/ extenso. Inclusive o clima institucional interfere na salade aula universitria favorecendo relaes no hierarquizadas.Evidentemente ao associarmos estes dois nveis de abordagemavaliativa, melhoramos nosso posicionamento inclusive no terceironvel, o macro.

Conhecedores das polticas de avaliao externa que incidemsobre o trabalho pedaggico universitrio e que so posterior esumariamente retratados nos conceitos preliminares dos cursos, osdocentes e estudantes no podem mostrar-se despreparados para aleitura dos informes da avaliao e faz-la de modo integralizado essencial.

Pode-se perceber que um olhar mido para a avaliao daaprendizagemuniversitria contribui para o acobertamento do conjuntode variveis que afeta as rotas de xito e fracasso dos estudantese das instituies. Desprovidos destas evidncias ou despreparadospara sua leitura, podem o professor ou o estudante pensar-se comonicos responsveis pelos baixos resultados de um processo que multifacetado e que envolve protagonismos entrecruzados.

Como todo processo social, a avaliao envolve juzos devalor e estes so permeados pela credibilidade dos atores sociaisque participam do processo e esto comprometidas pelos interessesde quem os formulou, servindo inclusive para a manipulao e ou

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distoro dos fatos.Alguns saberes eclipsados na capacitao do docente

universitrio ajudam a naturalizar a cultura da avaliao e sua lgicaclassificatria, individualista, excludente e supostamente neutra,teoricamente criticada. Ao propormos uma aprendizagem maisculada avaliao interessa-nos desenvolver nos atores sociais nelaimplicados a capacidade de reunir evidncias que ancorem seusposicionamentos tico-epistemolgicos e possibilitem um dilogoconcreto com a realidade avaliada.

Segundo Thomas, evidncia informao que sustenta(ou refuta) uma afirmao e deve passar pelo teste da relevncia,da suficincia e da veracidade, se quiser ter credibilidade. Aqualidade e a suficincia das evidncias esto relacionadas com asambies epistemolgicas da proposio (THOMAS, 2007 p.12).Como avaliadores ou como avaliados, parece-nos imprescindveldesenvolvermos nossas capacidades de nos posicionarmosdiferentemente no jogo da avaliao sendo exigentes no dilogo quetravamos com os fatos apresentados que no devem ser pensadosdesconectados. O exerccio da interpretao dos dados apresentadospela avaliao desfrutar de maior rigor metodolgico se estiverancorado em evidncias que sustentem as proposies realizadas,sobretudo aquelas que marcam indelevelmente a vida das pessoas edas instituies.

AFINAL, A AVALIAO APRENDIZAGEM CENTRAL OUPERIFRICA NA PEDAGOGIA UNIVERSITRIA?

Defendemos que processos de capacitao pedaggica queobjetivem sustentar projetos pedaggicos inovadores nos cursos degraduao requerem um novo jeito de avaliar que no se resolveapenas com a mudana de tcnicas e/ou instrumentos de avaliao.

Ao medo de no saber bem avaliar no paradigma que fez daavaliao uma estratgia de controle e disciplinamento, deve surgir odespertar para o potencial educativo da avaliao que se esconde em

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cada microdeciso que tomamos dentro do trabalho pedaggico queconcebemos e que carrega em si germes emancipatrios.

Quaisquer aes de capacitao pedaggica que seimplementeminstitucionalmentevisandocontribuirparaumapedagogiauniversitria de qualidade no podem deixar de discutir a avaliao daaprendizagem. Porm precisam faz-lo em outra perspectiva que noaquela centrada na mera escolha de bons e modernos procedimentosde avaliao desvinculados do trabalho pedaggico em que seinserem. Paralelamente no podem deixar de incluir e explicitar osnexos visveis e invisveis existentes entre os diferentes mbitos daavaliao (micro/meso/macro).

Isso nos parece necessrio para comprometer o docenteuniversitrio com o trabalho pedaggico que executa com seusestudantes e que inclui o compromisso de ambos com uma avaliaojusta e equnime e orientada pelo compromisso com a aprendizageme no apenas com a certificao. Nada pode justificar a apatia dosdocentes frente aos estudantes que no aprendem bem como nadapode justificar a culpabilizao unilateral dos docentes pelo fracassodos estudantes com defasagem levando-os a acreditar ingenuamenteque estes limites possam ser explicados por sua falta de saberespedaggicos atribuindo-lhes poderes redentores que no possuem.

A aprendizagem da avaliao da aprendizagem na pedagogiauniversitria inclui, portanto um olhar entrecruzado para os mltiplosnveis da avaliao e desta aprendizagem maiscula decorreruma mudana de postura avaliativa tornando-se mais abrangente erigorosa e, por conseguinte menos ingnua diante deste processoque ao se fazer to presente em nossa realidade de vida pessoal eprofissional, individual, coletiva e institucional, no pode continuar aser equacionado a partir da racionalidade instrumental apenas. Nestatica parece-nos central aprender a avaliar exatamente para colocara avaliao a servio do projeto educativo oferecido aos estudantes eeste a servio de uma sociedade mais fraterna e justa.

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REFERNCIAS

ANGULO, Felix R.O planejamento da qualificao da escola: o leigograal da mudana educacional In MURILLO, F.J. e REPISO, M.M ecol. A qualificao da escola. Um novo enfoque Porto Alegre: Artmed,2007

BONDIOLI, Anna O projeto pedaggico da creche e sua avaliao.Campinas: Autores

Associados, 2004

CUNHA, Maria Isabel da (org.) Formatos avaliativos e concepes dedocncia Campinas:

Autores Associados, 2005

HADJI, Charles A avaliao, regras do jogo. Das intenes aosinstrumentos. Porto: Porto

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LIMA, L.C. Educao ao longo da vida. Entre a mo direita e a moesquerda de Mir So Paulo: Cortez, 2007

LOBO, A.S. Aprendizagem assistida pela avaliao (AAA). Um sorrisodifcil para o novo sistema de avaliao Porto: Porto Editora, 1989

PERRENOUD, P No mexam na minha avaliao! Para umaabordagem sistmica da mudana pedaggica In: ESTRELA, A &NOVOA, A (org.) Avaliaes em educao: novas perspectivas Porto:Porto editora, 1993

PISTRAK. Fundamentos da escola do trabalho. So Paulo:Brasiliense, 2001.

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TENTI FANFANI, Emilio Dimensiones de la exclusin educativa y laspolticas de inclusin In: EGGERT, E; TRAVERSINI, C; PERES, E;BONIN, I (org.) Trajetrias e processos de ensinar e aprender; didticae formao de professores XIV ENDIPE Porto Alegre: EDiPUCRS,2008, livro 1, p.172-189

THOMAS, G Introduo: evidencias e prtica in: THOMAS, G &PRING, R e col. Educao baseada em evidncias A utilizao dosachados cientficos para a qualificao da prtica pedaggica PortoAlegre: Artmed, 2007 p.9-31

ZABALZA, Miguel. A. O ensino universitrio, seu cenrio e seusprotagonistas, Porto Alegre: Artmed, 2004

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AVALIAO DAAPRENDIZAGEMESCOLAR: RISCOS E NECESSIDADESDENTRO DO PROCESSO DE FORMAODE PROFESSORESMaria da Assuno CalderanoProfessora Associada UFJF

CONTEXTUALIZANDO AS REFLEXES SOBRE AVALIAO

Antes de tudo, gostaria de explicitar o lugar a partir do qualapresento minhas reflexes. Refiro-me experincia de 10 anos comoprofessora dos anos iniciais do ensino fundamental, em escola pblica,local onde tambm atuei como supervisora educacional, durantedois anos. Em outro contexto realizei um trabalho como educadoraem espao no escolar, por um perodo de cinco anos. Desde 1992,atuo como professora e pesquisadora da UFJF, desenvolvendoinvestigaes no campo da formao de professores, trabalhando nagraduao e ps graduao em educao pela UFJF.

Nesse percurso profissional os processos de avaliaocruzaram as aes ligadas formao docente inicial e continuada,prpria e de outrem. Nesse mbito facilidades e desafios foramencontrados, vistos como necessidades e riscos j que por mais quese persiga o propsito de bem desenvolver o trabalho educacional ele sempre passvel de erros, por sua dinamicidade e multiplicidade deenfoques e de sujeitos a ele relacionados. Embora no se discuta aimportncia da avaliao, faz-se necessrio, por vezes, indagar sobrea importncia de cada tipo de avaliao e de procedimento tendo emvista seus objetivos conhecidos ou no pelo avaliador e pelo avaliado.Observando os diferentes tipos de contextos e de avaliao, cabeindagar: Para que serve a avaliao? Ela um retrato do qual sefaz um rtulo? Um filme, dentro do qual se percebe um cenrio comdiversos atores? Um mapa que localiza o ponto em que se encontra eas possibilidades para se chegar ao ponto que se espera?

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Para cada uma dessas possibilidades h sempre riscos e oprocesso de avaliao, embora necessrio, torna-se objeto de novoscuidados e indagaes, como por exemplo: Quem avalia o avaliador?Quem forma o avaliador? Quem avalia o que est sendo entendidocomo objeto e avaliao? O que est sendo avaliado? Quais os itensou indicadores presentes no processo e no ato da avaliao? Com queobjetivos se avalia? O que se faz a partir dos resultados da avaliao?

As reflexes aqui expressas, frutos deexperincias acadmicase prticas diversas, revelam seu compartilhamento junto queles comos quais convivo no cotidiano profissional, ampliando assim o olharindividual, no se reduzindo a ele. Dessa forma, passarei a coment-las num tom plural, ainda que guardem algumas singularidades.

Nossas observaes apontam que nem sempre a avaliao vista como um procedimento de diagnstico associado a uma tomadade atitude junto aos sujeitos envolvidos, dentro da qual se traamestratgias para se atingir novos objetivos claramente expostos edevidamente justos. Por vezes, ao contrrio, a avaliao vista quasepuramente comoumobjeto depoder e emsuasentrelinhas, de punio.Aquele que detm o poder de avaliar tambm aquele que detm opoder de aprovar ou no, de classificar ou no, de rotular ou no. svezes tambm a avaliao marcada por posicionamentos pessoais einiciativas isoladas no constituindo uma poltica de avaliao internas instituies educacionais. Em outras circunstncias, a avaliaotambm vista em outro extremo, como decorrente, partcipe e refmde uma poltica de avaliao nem sempre compartilhada pelos sujeitosenvolvidos no processo gestores educacionais, professores, alunos.

Como encarar esse dilema e construir e fortalecer umaalternativa que d conta dessas complexidades?

So muitos os desafios encontrados nesse campo. Referimo-nos, inicialmente, ao fato de que, por diversas vezes, avaliaes sofeitas e sequer seus resultados so conhecidos pelos seus pares membros do corpo docente ou dos rgos que administraram oprocesso. Com menor frequncia ainda acontecem registros de queas avaliaes chegaram aos sujeitos que realizaram o procedimento

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avaliativo focos de ateno do projeto ou programa, no qual foi geradatal necessidade. Mesmo em se tratando de avaliao da aprendizagemescolar que deveria se distinguir de simples mensurao por vezes,a nota apresentada sem a exposio devida dos procedimentosutilizados naquela atividade e dos meios pelos quais se chegou queleresultado. Raramente o aluno tem a oportunidade de explicitar oraciocnio utilizado por ele na resoluo das questes apresentadas emprocesso de avaliao e raramente tambm se encontram situaesem que o professor explicita os objetivos em que se pautou, a lgicae os critrios utilizados na avaliao.

Diferentemente, defendemos um processo de avaliao cujosobjetivos, bases e critrios sejam conhecidos pelos envolvidos e seusresultados compartilhados. Tanto em atividades de docncia quantona pesquisa entendemos que os sujeitos com os quais lidamos sotambmparte integrante do processo sem, contudo, fazer transfernciade responsabilidades.

Emumdenossos trabalhos (CALDERANO (coord.), 2009a), porexemplo, acerca do resultado de uma avaliao feita por profissionaisda educao em determinado contexto, procuramos analisar osresultados de uma prova por eles desenvolvida, compreendendo-osdo ponto de vista terico e conceitual, indo alm da verificao dapontuao final. Portanto, no consideramos a pontuao alcanada,de forma cabalstica, como numa sentena prescritiva de umdeterminado sujeito ou de um conjunto de sujeitos que se submeteramao processo de avaliao. Ao contrrio, o resultado final de acertose no acertos foi apenas parte da anlise, pois que interessou-nos sobremaneira entender os possveis sentidos atribudos pelosprofissionais que se submeteram avaliao a cada item, presenteno instrumento avaliativo. Focalizamos assim, as alternativas derespostas e suas possveis interpretaes.

Emboraexistamvaloresdiferentes intrnsecosacadaalternativade resposta e a escolha por uma delas carregue um significado prprio no constituindo uma ao indiferente optamos por analisar asrespostas apresentadas como tentativas de acerto, ao invs de fazer

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uma anlise polarizada entre o certo e o errado. Buscamos, dessaforma, refletir sobre a lgica do que pode ser identificado como erro.Nessa dimenso, considera-se que

no desvendar do erro reside a possibilidade de resgateda premissa bsica da avaliao, o questionamento, queleva a transformao do significado restritivo, comumentea ela atribudo, para um significado construtivo, quefavorece o crescimento de todos os envolvidos nesseprocesso, por meio do desenvolvimento de uma culturada avaliao. (SILVA, 2008,p.91)

No se trata de colocar, num mesmo patamar, alternativasdiversas, atribuindo a elas o mesmo valor, mas compreender osprocedimentos utilizados para seu alcance. E, nesse caso, a anlisedo erro tambm acaba por identificar realidades distintas.

A reconceitualizao do erro no processo de aprenderimporta tambm em discernir o erro construtivo doerro sistemtico. O primeiro aquele que surgedurante o processo de redescoberta ou reinveno doconhecimento, e que o sujeito abandona ao alcanarum nvel de elaborao mental superior. J o errosistemtico aquele que resiste, apesar das evidnciasque comprovam sua inadequao limitando ou mesmoimpedindo as possibilidades de aprendizagem. (SILVA,2008, p.100)

Nesse trabalho antes mencionado, o que defendemos queas respostas no esperadas no so necessariamente erradas.Elas foram consideradas como no acerto, por se reconhecer osprincpios que sustentam as alternativas corretas, no neutralizando,portanto seu contedo, nem desprezando tampouco o esforo deentender, por dentro, a justificativa para as alternativas apresentadas.Dessa forma, mais que diagnosticar as polaridades identificadas

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como certo e errado, colocamo-nos na posio de demarcarum conjunto de conhecimento que ainda carece de maior acesso,por parte dos que foram avaliados, e um conjunto de questes queprecisam ser simultaneamente analisadas para que se possa superaros mecanismos e estruturas que sustentam respostas e aes aindacaracterizadas preponderantemente pelo senso comum, e no peloconhecimento historicamente acumulado e criticamente apropriado.Para isso nos dispusemos a desvendar a lgica dos no acertosqualificando os caminhos possveis ao seu acesso para, a partir deles,apontar novas possibilidades de acerto.

Ocupamo-nos, dessa forma, em pensar nas lgicas a partir dasquais pudesse, o respondente, inferir como certa alguma alternativa,enquanto ela no era assim considerada em termos conceituais, nosentido restrito. Dizendo de outra forma, trabalhamos no na lgicado erro, mas na lgica do acerto, investigando sobre seus processosinternos, procurando descobrir as possveis causas do no acerto.

Nesse ponto destacamos que fazemos uma distino dessestermos erro e no acerto. O no acerto refere-se ao um estgio doainda no, de algo que est em processo de acerto. O erro pressupealgo contrrio ao acerto. Pressupe a ideia de uma realidade cristalinaprovocadora e resultante de uma dualidade linear em que algo estariacompletamente certo e, em oposio, algo estaria completamenteerrado. Ao compreender a complexidade dos processos avaliativos,entendemos que eles acionam lgicas diversas e combinaesmltiplas de alternativas que exigem, do sujeito, em avaliaocontnua, uma definio sobre a melhor estratgica a ser construda eou seguida.

Sabemos que, na vida real, as aes no so isoladas,fragmentadas. Uma ao aqui gera outra acol que por sua vez refleteepisdios diversos. Portanto, simplificar os processos avaliativos compolaridades opostas de acerto e erro pouco ou nada contribuipara a superao de uma atitude fundada na construo cotidiana deprticas mais significativas. Por vezes, estas prticas so cristalizadas,mudando-se apenas a verbalizao a partir do que conhecido

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como politicamente correto. Trata-se, portanto, de desvendar o quefundamenta as posies tomadas a fim de que, nesse exerccio debusca do entendimento dessa lgica, possamos favorecer o processode superao do estgio atual de conhecimento.

Falamos na perspectiva de Vigostky (1991,1994) queapresenta o conceito de zona de desenvolvimento proximal comoum momento de crescimento significativo associado s interrelaesque so possveis de serem construdas naquele momento, dentrodaquela situao. No h como negar que existe uma fase doprocesso de conhecimento em que, por vezes, no se est pronto paradesempenhar as atividades cognitivas e sociais necessrias. O sujeitofocalizado no consegue, por vezes, perceber as complexidades dasaes e atitudes, das relaes entre vrias situaes ou sentenase seus desdobramentos, mas nem por isso pode-se dizer que nohouve ou no h aprendizado naquele quesito destacado. Apenas eleno atingiu todos os objetivos nele impressos.

Por que essa reflexo? Porque defendemos que essa lgicade anlise dos processos avaliativos deva contemplar esses aspectos,independentemente de se tratarem de uma avaliao em largaescala, uma avaliao de um processo de ensino aprendizagem, umaavaliao pontual, seja em espao escolar, seja no campo acadmico.Acreditamos que a avaliao precisa tomar para si o processo deconstruo pelo qual a aprendizagem de faz e no apenas declararum valor final sem um olhar interno aos processos anteriores.

Sabemosquehmuito jsesuperoua ideiadeumaneutralidadena interpretao dos dados. Omesmo se pode dizer frente a processosde avaliao da aprendizagem. Por mais que se tenha objetividadenesse processo, a subjetividade sempre est presente. Dentro de umapostura no reducionista, difcil negar os meandros pelos quais sepassa para se chegar aos resultados apresentados. No se trata derelativizar e declarar como acertada uma resposta que se ope ao quese espera. Mas de compreender os processos utilizados na construoda resposta a fim de diagnosticar os ns da aprendizagem e superarseus limites e lacunas. Por outro lado, sabe-se dos riscos de vieses

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que deturpam o que est sendo focalizado pela subjetividade daqueleou daqueles que se dispe(m) a analisar e conferir um sentido aosresultados encontrados. Sabemos que

A avaliao escolar um meio e no um fim em simesma; est delimitada por uma determinada teoria epor uma determinada prtica pedaggica. Ela no ocorrenum vazio conceitual, mas est dimensionada por ummodelo terico de sociedade, de homem, de educaoe, consequentemente, de ensino e de aprendizagem,expresso na teoria e na prtica pedaggica.(CALDEIRA,2000, p.122).

Nesse aspecto, Silva (2008,p.98), dentro de sua reflexo, indicaque a anlise da avaliao da aprendizagem envolve ampla discussosobre vrios aspectos. Dentre eles destaca-se a finalidade da avaliaoque, por sua vez, no pode ser dissociada do tipo de aprendizagem aser promovido. A autora nos apresenta uma Trajetria da Avaliao- Breve Viagem no Tempo, na qual se visualiza uma sntese histricados estudos de avaliao j realizados e seus pressupostos bsicos.Perpassando pelos aspectos da mensurao, descrio e julgamento,ela situa tambm a abordagem recorrente:

Recentemente, a avaliao da quarta gerao ficacaracterizada pelo processo imperativo, negociado, quese fundamenta num referencial terico construtivistae num enfoque responsivo. Parte de preocupaes,proposies ou controvrsias em relao ao objetoda avaliao. construtivista uma vez que supera omodelo cientfico e tecnicista, predominante at ento,abrangendo tambm os aspectos humanos, polticos,sociais, culturais, e ticos, envolvidos no processo.Vale ressaltar que embora marcada pela flexibilidade,a concepo responsivo-construtivista no exclui osprocedimentos do tipo ordenado, e cientificamente

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mais orientados, apenas os incorpora, desde que aresponsividade e as preocupaes das diferentessituaes assim o exigirem.( SILVA, 2008, p.99-100)

Com objetivo similar, Chueiri (2008), atravs de seu textoConcepes sobre a Avaliao Escolar discorre sobre as diversasconcepes de avaliao demarcadas em tempos histricos distintosem que os objetivos educacionais se visualizavam intrinsecamenteligados aos princpios avaliativos. Ao analisar as concepespedaggicas e os significados assumidos pela avaliao ela estabelecequatro categorias de anlise dentro das quais se situame se relacionamquatro conceitos de avaliao: examinar, medir, classificar e qualificar,demonstrando que o enfoque avaliativo guarda relao com o tempohistrico e poltico em que se vive.

Bernadete Gatti ressalta a importncia de processos avaliativosque no se confundem com processos de medio:

preciso ter presente, tambm, que medir diferentede avaliar. Ao medirmos um fenmeno por intermdiode uma escala, de provas, de testes, de instrumentoscalibrados ou por uma classificao ou categorizao,apenas estamos levantando dados sobre uma grandezado fenmeno. (...) Mas, a partir das medidas, para termosuma avaliao preciso que se construa o significadodessas grandezas em relao ao que est sendoanalisado quando considerado com um todo, em suasrelaes com outros fenmenos, suas caractersticashistoricamente consideradas, o contexto de suamanifestao, dentro dos objetivos e metas definidospara o processo de avaliao, considerando os valoressociais envolvidos.(GATTI, 2003, p.110).

Nota-se grande preocupao por parte daqueles que estudamos processos de avaliao. Entre tantos, podemos citar alguns autoresque explicitam concepes e refletem sobre os processos de avaliao

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(SAUL 1988; CALDEIRA, 2000; GATTI, 2003; LUCHESI, 1995, 2003;AZZI, 2001; HOFFMAN, 2000; NOVAES e MUSSE, 2008), entreoutros.

Torna-se necessria a busca pelo equilbrio entre polaridadesextremas observadas na prtica avaliativa. De um lado, visualizam-se processos de avaliao que tm como pressupostos padrespr-estabelecidos e que, portanto negam as condies especficasrelativas aos grupos e sujeitos focalizados. Do outro lado, visualizam-seavaliaes eminentemente subjetivas em que se perde a possibilidadede acompanhamento do processo pela singularidade apresentada.

Nesse campo de avaliao apresentamos trs aspectos quejulgamos fundamentais: 1) h que se caminhar por alternativas deavaliao em que sejam focalizados padres mnimos esperados apartir dos objetivos especficos, definindo previamente e de modo claroos objetivos e critrios de avaliao; 2) que sejam, simultaneamente,contemplados aspectos que considerem a cultural regional e local, indoalm dos conceitos formais, das dimenses meramente cognitivas edos saberes escolares em sentido restrito; 3) que o processo avaliativoe sua anlise contemplem elementos que ajudem a diagnosticar osproblemas observados no processo de aprendizagem.

SOBRE AS BASES EPISTEMOLGICAS DESSAS REFLEXES

Tais reflexesseapiamemprincpiosquedefendemosedentrodos quais nos situamos. Um deles a necessidade de explicitaodas bases sobre as quais se pautam as anlises e reflexes, a fimde se deixar claro o lugar em que se encontra(m) aquele ou aquelesque confere(m) um e no outro sentido ao tema proposto e ao focode ateno destacado.

No h nada que assegure a total imparcialidadede dados, e no mesmo esperado que exista totalneutralidade em um processo de avaliao. [...] Assim,somente possvel a realizao desse processo quando

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so assegurados e explicitados critrios de julgamentoe anlise dos dados. Sem esse cuidado, um processobem intencionado de legitimao pode se transformarem jogo de opinio. (SOUZA, MARCONDES, ACOSTA,2008,p.35)

Decorrente do anterior, outro princpio sobre o qual se assentamas reflexes aqui apresentadas a clareza de que sempre se trata deuma interpretao possvel e no a interpretao cabalstica e definitivafrente qual no se pode discordar. Ao contrrio, a explicitao dasbases conceituais em que se pauta a anlise exatamente a condiopara que novas anlises, a partir de novos recortes tericos, sejamfeitas e que, por sua vez, possam confirmar, aprimorar ou refutar asposies apresentadas.

Nesse contexto, um primeiro enfoque terico que aqui seexplicita oRealismoCrticoabordagemfilosficaquepressupeumconjunto de princpios e orientaes que se baseiam na compreensodo fenmeno estudado compreendendo-o em seu contexto interno eexterno (BHASKAR, 1979, 1996(a), 1996(b), 1996(c); OUTHWAITE,1993; CALDERANO, 2002 (p.74-83); BAERT, 1995).

Podem ser destacadas quatro caractersticas principaisdo Realismo Crtico: a) sentido conferido ao real entende-secomo real no apenas aquilo que pode ser medido e observadodiretamente, mas aquilo que pode ser percebido atravs do efeito edos desdobramentos gerados por outros eventos; b) falibilidade abusca de conhecimento pressupe reconhecer e assumir os riscosde possveis equvocos na anlise, exigindo uma abertura a novosconhecimentos; c) transfenomenalidade - necessidade de olhar ofenmeno por dentro, indo alm de sua aparncia, atentando parao princpio de cientificidade exposto por Marx, segundo o qual se aaparncia e essncia no se confundissem no precisaria a cincia e;na quarta caracterstica, podemos situar a d) contrafenomenalidade segundo a qual, a partir da anlise realizada pode-se chegar aconcluses at mesmo opostas quelas visualizadas na aparncia

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dos dados, atravs de suas anlises preliminares (COLLIER, 1994).Nessa perspectiva importa aqui deixar claras as estruturas

de pensamentos e os mecanismos utilizados para as anlises econcluses apresentadas, favorecendo a compreenso da trajetriaescolhida e consequentemente, sua prpria avaliao.

Outra abordagem evocada para o presente estudo aEtnometodologia (COULON 1995(a); 1995(b); GARFINKEL 1978;CALDERANO, 2002 (p 52-54)). Podemos destacar aqui um deseus conceitos principais que a indicialidade, a partir do qual setorna possvel compreender o fenmeno a ser observado com suascaractersticas particulares, conferindo-lhe um sentido de acordocom a vivncia e modos de trabalho prprios aos sujeitos envolvidosna ao analisada. A partir desse conceito apresentado por Coulon,podemos afirmar que para que se conhea de fato uma dada realidade preciso entender o significado dos contedos a partir tambm doolhar especfico dos sujeitos que esto se relacionando ao foco deestudo.

preciso buscar o entendimento do possvel sentido conferidoao processo de aprendizagem e de avaliao. Isso torna-se possvel medida em que so relacionadas as experincias prvias e atuais,estabelecendo um acompanhamento processual, individual e coletivosem se constituir num movimento hierrquico e classificatrio dossujeitos.

Outro autor que contribui significativamente com as reflexesaqui apresentadas Gramsci que ao descrever e caracterizar ointelectual orgnico percebe-o como aquele sujeito capaz deidentificar o senso comum presente nas pessoas demodo geral e comhabilidade revelar o bom senso nele contido de forma a contribuir coma elevao moral e intelectual dos sujeitos focalizados (GRAMSCI,1974(a), 1974(b), 1985, 1986; CALDERANO, 1988 (cap II)).

Compreender o que se passa dentro da lgica do senso comum,dialogar com essa lgica reconhecendo-a por dentro, identificar seuspontos frgeis constituemumacondio indispensvelparadopontode vista subjetivo da avaliao transformar prticas cotidianas pouco

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refletidas em prticas orgnicas, aguando o desejo de superao dasdebilidades encontradas nesse cotidiano. Do ponto de vista objetivoda avaliao, condio para gerar as condies necessrias paratal superao tanto do ponto vista micro quanto macro da avaliao.

O processo de avaliao, compreendido como parte doprocesso de aprendizagem, precisa ser analisado desse ponto devista se se quiser efetivamente contribuir com a construo de novossaberes, novas prticas, novos conhecimentos. Caso contrrio elefunciona como um parecer estanque, cujos efeitos no se tem controlealgum.

Outro autor central nesse conjunto de reflexes que seseguem Giddens. Entre as contribuies desse autor para o campoeducacional, destacamos seu conceito de agncia, segundo o qualnenhum de ns uma marionete fazendo apenas o que querem ouo que exigem que faamos. Cada um de ns tem o poder de ao,o poder de fazer a diferena (GIDDENS 1989, 1997, 1998, 2005;CALDERANO, 2002 (p 64-74)).

Giddens aborda a estrutura social como simultaneamenteconstrangedora e possibilitadora e fala da necessidade da estruturaenquanto construo social. Por sua vez, essa dualidade - queconstrange e possibilita favorece tanto as permanncias quanto asmudanas sociais dado que, na estrutura est incutida a ao dosagentes que por sua vez atuam sobre ela. Os agentes sociais, aoreconhecerem os entraves presentes na estrutura tm, sobretudo, acapacidade de identificar espaos, atravs dos quais se pode atuar deum modo diferente daquilo que fora previamente estabelecido. Assimcabe ao agente social ter clareza sobre a estrutura, identificar osmecanismos que coexistem nela e atuar com uma autonomia relativano sendo, portanto, seu refm.

A anlise do processo de avaliao da aprendizagem aquidestacado reflete a percepo de que no se pode negar o papel dossujeitos que pertencem a esse processo seja professor, seja aluno nem tampouco se pode identific-los de modo isolado frente a umaestrutura que vai alm deles e por vezes interfere diretamente em

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suas aes.Por outro lado, concebe-se essa estrutura em sua dualidade,

seja o campo das universidades, dos sistemas de ensino, das escolasou dos espaos familiares em que se encontram os alunos. Essaestrutura que constrange e oferece limites, tambm possibilita aese exige a criatividade, iniciativa e autonomia. Portanto no se concebea estrutura como determinante das aes, ela influencia, mas nodetermina a capacidade de ao desses sujeitos envolvidos.

Com isso chamamos a ateno para o seguinte aspecto: ofato de pretendermos ir alm das aparncias em busca de umacompreenso do sentido indicial contido nas interpretaes dasrespostas apresentadas em umprocesso de avaliao, seja ele escolarou acadmico esse procedimento no se pauta no individualismometodolgico, segundo o qual tudo pode ser explicado a partir daobservao do indivduo ou de suas aes. Tampouco se vincula aseu oposto holismo metodolgico, segundo o qual, foras ocultasou amacro estrutura social seria(m) a(s) responsvel(eis) pelas aesdesses mesmos sujeitos.

Diferentemente, numa perspectiva de sntese, prpria aoRealismo Crtico, cuidamos sempre de focalizar os sujeitos emambiente de aprendizagem e de avaliao, compreendendo-os emsua insero social, dentro de seu prprio contexto educacional, compoder de ao delimitado pelas estruturas mas no determinadopor ela. Somente assim julgamos ser possvel identificar lacunas,debilidades e potencialidades em ambos os campos - micro e macro- reunindo foras para apontar alternativas que superem o estgio decompreenso dos processos de aprendizagem e de avaliao e osresultados decorrentes de ambos os processos.

Com isso, tanto na prtica cotidiana como docente, e naatividade de investigao acerca do processo de formao deprofessores e da avaliao desse processo, deparamo-nos com essedesafio de compreender os resultados alcanados, sem neutralizar aspeculiaridades das respostas encontradas, mas, sobretudo sem perderde vista o contexto em que se encontram e o significado pessoal e

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social atribudo a esse processo de aprendizagem.Assim, por exemplo, ao se deparar com um determinado

resultado que aponta a precariedade de aprendizagem de umdeterminado sujeito aluno, professor, gestor educacional sobreum aspecto especfico, mais que classificar como uma fragilidadedo processo de aprendizagem importa-nos decifrar porque aqueleaprendizado no se fez da forma desejada, quais os ns presentesnesse processo, quais os fatores que interferiram naquele resultado,quais as implicaes daquele resultado e o que se deveria fazer a partirdaquele resultado tendo em vista o processo contnuo de formao.

Entre diversos trabalhos desenvolvidos nesse campo, fica claropara ns que o grau de interesse pelo assunto em foco, a importnciaconferida ao contedo a ser estudado e a previso de sua utilizaoprtica constituem um conjunto de variveis que se transformam emmotor de uma aprendizagemmais adequada, transfervel e duradoura.Mais adequada porque se visualiza claramente a apropriao daqueleconhecimento. Transfervel porque se percebe com facilidadeque aquele conhecimento facilmente transposto, interpretado eencaixado com as devidas adaptaes em situaes diversas.Duradoura porque ele passa a fazer parte do capital cultural daquelesujeito que apropria tal aprendizagem de forma perene. Essa sntese derivada de uma srie de depoimentos coletados junto a alunos docurso de pedagogia, concluintes e egressos, bem como de diversosprofissionais em servio entrevistados ao longo de distintas pesquisassobre a formao docente relacionadas diretamente ao processo deaprendizagem e de avaliao pelos quais se passou.

Nesses estudos, fica evidente que o que aprenderam no cursofoi exatamente aquilo que fez sentido para cada um deles desdequando estudavam. Ou seja, se no momento do curso, o aprendizadono faz sentido para o aluno, aquele pacote logo descartado, noaguardando momento de uma nova anlise a partir ou sobre ele. Aocontrrio, quando o ensinamento vem relacionado a um significadoconferido pelo aluno, esse aprendizado qualificado, relacionado,ampliado e desenvolvido com maior facilidade.

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ALGUMAS REFLEXES A PARTIR DE TRABALHOS DEPESQUISA

Entre as pesquisas realizadas com concluintes do cursode pedagogia que j atuam como professores, com egressos docurso e ainda com profissionais oriundos de diversos cursos depedagogia (CALDERANO, 2009, b), observamos que ao se avaliaro prprio curso, alguns blocos de questes so apresentados, demodo destacado: crticas e mritos so apontados para as disciplinasligadas aos fundamentos. Metodologias, estgios e saberes escolaresespecficos. Nenhuma meno seja de mrito ou crtica feitarelativa ao processo de avaliao do curso, ou a disciplinas que tratamdesse contedo. como se essa dimenso do processo de formaoe de atuao profissional no exigisse nem merecesse maior ateno.

Em outro estudo que envolveu sete IES de Minas Gerais,cujos dados foram levantados junto a 230 professores em servio,procuramos analisar e relacionar trs focos especficos: a formao,o trabalho docente e a avaliao sistmica. Nessa investigao, osegressos dos cursos de pedagogia que atuam em escola, ao seremindagados sobre o curso de formao inicial no que tange preparaopor ele oferecida quanto avaliao de processos de ensino eaprendizagem, disseram, em sua grande maioria, que o curso ospreparou apenas parcialmente (50,7%); 43% disseram que o cursoos preparou adequadamente. Afirmam que o curso no preparou6,3% e, 3,1% no quiseram responder. (CALDERANO, coord. 2009, c)

Notamos que o desenvolvimento do processo do ensino eaprendizagem e, da mesma forma, os processos de avaliao eacompanhamento desse percurso, nos cursos de formao inicial,so pouco aprofundados. Nesse contexto o aprendizado profissionalacaba sendo informado prioritariamente pela experincia prtica vividaem sala de aula como aluno dos anos iniciais ao ensino mdio ou dagraduao, e no necessariamente pelo que se estudou e aprendeuteoricamente nesses cursos.

Observamos tambm que no h uma prtica sistemtica

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de discusso sobre os processos de avaliao, seja nos cursos degraduao, seja nas escolas. Muito pouco ou nada se discute a esserespeito. Em nome da autonomia do professor universitrio, porexemplo, encontramos uma diversidade de prticas avaliativas quetransitamentrea transfernciaparaoalunode tal tarefaatravsdaauto-avaliao at outro extremo em que o aluno no consegue se informarsobre os critrios e indicadores presentes nas avaliaes s quais sesubmete. H casos em que as atividades em grupo preponderam noprocesso de avaliao, fazendo surgir situaes embaraosas em quese depara, por exemplo, com um determinado aluno em um cenrioparticular, frente ao qual se pergunta: como foi que ele conseguiu seraprovado nas diversas disciplinas pelas quais passou?

Acreditamos que esse trato pouco sistemtico e orgnico dese tratar a avaliao na universidade, gera de um lado, ndices derendimento escolar de aluno incrivelmente dspares entre disciplinas eentre cursos de graduao diversos de acordo com os procedimentosindividuais tomados pelos professores envolvidos.

O contedo da avaliao tambm no parece ser objeto deateno coletiva. Nem sempre se avalia a identificao de um conceito,por exemplo, e sua aplicabilidade, mas a interpretao dele que porsua vez d margem a uma amplitude de compreenso passvel de sedesvirtuar a ideia originalmente proposta pelo autor, devido falta deum conhecimento mais apropriado dos fundamentos da tese por eleapresentada. E a o ecletismo surge, o relativismo absoluto cresce e ainsegurana profissional aparece. Nesse campo, por vezes, muda-seapenas a forma da inoperncia acadmica da dependncia absoluta arrogncia sem precedentes.

Observando como as escolas tm tratado a questo daavaliao, chamou-nos a ateno, no dirio de campo, o relato dodilogo da entrevistadora com quatro professoras de uma determinadaescola, sendo que uma delas ocupa o cargo de diretor e as outras trsatuam como coordenadora pedaggica. Ao falarem sobre o sistemade avaliao, referem-se constantemente s provas desenvolvidase aplicadas pelos professores que atuam em sua escola. Elas do

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nfase a esse aspecto e dizem que os professores demonstram-semuito presos aplicao de provas. Os relatos de pesquisa oriundosdo dirio de campo, bem como os depoimentos coletados atravs deentrevistas foram construdos dentro de um trabalho de investigao,cujos dados e anlises completas podem ser vistos em Calderano(coord.), (2009,b). Uma das entrevistadoras apresenta o seguinteregistro de campo:

A diretora fala da avaliao como um dos principaisproblemas. Pergunto qual o problema em relao avaliao e ela diz que a questo da prova. Segundoela, os professores mantm-se muito presos aplicaode provas. Pergunto como elas encaminharam asdiscusses sobre os resultados do teste e elascomentam que montaram grupos de estudos, mas osprofessores no se interessavam, no liam os textos.Pergunto onde elas buscaram o apoio terico paraas discusses e elas relatam que foram a uma escolaestadual que estava trabalhando essa questo e quelhes fornecera algum suporte. Levanto a questo danecessidade da teoria e elas parecem no concordarmuito. A coordenadora E. fala que s vezes no adiantamuito. Pergunto se as professoras recm-formadas tmo mesmo comportamento em relao avaliao. Acoordenadora N diz que elas j vm com essa culturade prova da universidade. Comento que na universidadeh outras formas de avaliao e pergunto o que elastinham feito para tentar romper com esse esquema. Aoutra Coordenadora C comenta que at acredita quea universidade possa utilizar outros tipos de avaliao,alm das provas, mas que a partir do momento que asprofessoras vo trabalhar isso em sala de aula, faz-se,segundo ela, um n. E fala a respeito de metodologias.Elas dizem que tinham trabalhado em cima de debates,

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seminrios, mas as professoras no desenvolviam essasatividades. E E completa dizendo: Elas no sabem fazer,como elas podemensinar se no sabem? (EntrevistadoraM C T)

Ao pensar sobre a teoria e prtica dentro da escola, indaga-se se o professor no sabe ento como ele vai ensinar e comovai avaliar? Isso fato e pode-se, a princpio, se responsabilizar oprocesso de formao por essa lacuna. Mas compreendendo que oconhecimento contnuo posto que contnuas so as exigncias deum novo conhecimento, indaga-se tambm se esse profissional noidentifica, em si mesmo, o que ele no sabe, se ele no reconhece asprprias lacunas de seu conhecimento, como que ele vai superaros limites de aprendizagem? E se ele no aprender como que elevai ensinar? Se ele no exercitar a busca de correlaes intrnsecase necessrias s diversas reas de conhecimento e aos diversossaberes, como ele poder construir um novo modo de ser e de pensar?

Nesse conjunto de questes aspectos reducionistas econtraditrios aparecem. Ora se atribui a responsabilidade dosucesso ou fracasso ao aluno, ora ao professor. Isso pode ser visto nodepoimento de uma professora de outra escola:

Os professores costumam achar que se no conseguemensinar, a culpa do aluno. Eu penso que no - se oprofessor no consegue ensinar, o problema desseprofessor, que no encontrou os meios de fazer com quea criana aprenda. (Professora M)

preciso entender que os profissionais da educao tm aresponsabilidade de criar mecanismos, mtodos, estratgias prpriasao favorecimento do processo de ensino e aprendizagem, indo almdo contexto da sala de aula. Mas preciso tambm reconhecer oslimites dessa profisso e desse campo de atuao que se tornar maisefetivo quando se estabelecer dilogos responsveis entre diversossegmentos sociais, polticos e econmicos.

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H que se cuidar, no entanto, de no se enveredar por umtipo de discurso, escondendo-se por detrs dele, a inoperncia oua ausncia de aes cabveis dentro de cada rea de atuao. Emoutras palavras, preciso fazer tudo o que for necessrio e possvel emtermos polticos, pedaggicos e sociais dentro do campo de atuaoeducacional. Nisso consiste no apenas aprimorar o processo deformao inicial e continuada dos profissionais, mas tambm buscarformas de organizao e fortalecimento dos espaos j existentes quepermitam o aguamento da crtica ativa exigindo que o sistema polticoe econmico reconhea e responda adequadamente as demandasdo campo social e educacional e no ao contrrio, impactando-onegativamente.

No se pode negar que o exerccio da profisso umforte estimulador desse processo de aprendizagem,desde que o profissional se coloque disponvel paratal: tive que estudar, passei por muitos contratos, e euquando cheguei na escola, fui pra casa e abri a boca achorar, porque eu no sabia o que fazer. At que eu fuiaprender... (Supervisora M)

Como sntese desse despreparo, destacamos o seguintedepoimento:

A maioria das pessoas que chega escola acha que aescola funciona como um trem no trilho que nunca vaiextraviar, nunca vai acontecer nada. A maioria acha quetodos os alunos vo aprender da mesma forma, temdificuldade em aceitar um aluno com uma dificuldademaior, at s vezes de planejar uma aula, de escreverum texto, de programar essas atividades. s vezes agente escuta assim: Esse menino aqui chegou na 1srie, ele no t alfabetizado, o que vou fazer com ele?(Supervisora G)

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O trabalho colegiado precisa ser melhor entendido para que defato se produza um trabalho orgnico, caso contrrio, a transfernciade responsabilidade solidificar o vazio presente na escola quandose trata do aprendizado e da avaliao da aprendizagem de umdeterminado conjunto de alunos principalmente aqueles pertencentess classes desfavorecidas social e culturalmente.

Uma coordenadora pedaggica de outra escola, ao referir aseus professores tece comentrios sobre a busca de desenvolveruma filosofia humana e revela a forma como lida com a avaliao daaprendizagem:

Aqui de um modo geral os professores so muito bons.A gente trabalha em uma linha em uma filosofia muitohumana, voltada pra criana. E justamente por entendero problema social que muitas vezes a gente nem cobratanto. Igual eu te falei deste menino. Se a gente fosseolhar na ntegra eu o deixaria na primeira srie, mas no,eu vou seguir com ele pra segunda respeitando mesmoos limites deles. (Professora L)

Nesse depoimento fica acionada a possibilidade de umgrande debate acerca da avaliao, relao professor e aluno,responsabilidade social da escola, enfim, esse depoimento poderia sedesdobrar em diversas discusses que merecem a ateno devida,mas aqui vamos focalizar apenas a autonomia relativa da escola q