Colesterol

10
LIPOPROTEÍNAS E DISLIPIDÉMIAS Por não serem solúveis na água, os lípidos circulam no plasma sob a forma de lipoproteínas. Os ácidos gordos livres circulam ligados à albumina. Transporte dos lípidos Classificação e função das lipoproteínas Quilomicra: Transporte de triglicéridos exógenos VLDL: Transporte de triglicéridos endógenos LDL: Transporte de colesterol do fígado para outros tecidos HDL: Transporte do colesterol dos tecidos periféricos e outras lipoproteínas para o fígado. Fig. 1- Estrutura de uma lipoproteína. Tabela I - Caracterização das lipoproteínas pela sua composição (% em peso) Lipoproteína Densidade (g/ ml) Proteínas PL COL EC TG Qilomicron <1,006 2 9 1 3 85 VLDL 0,95-1,006 10 18 7 12 50 LDL 1,006-1,063 23 20 8 37 10 HDL 1,063-1,210 55 24 2 15 4 PL = Fosfolípidos EC = Ésteres de colesterol COL = Colesterol TG = Triglicéridos

Transcript of Colesterol

Page 1: Colesterol

LIPOPROTEÍNAS E DISLIPIDÉMIAS

Por não serem solúveis na água, os lípidos circulam no plasma sob a forma de lipoproteínas.

Os ácidos gordos livres circulam ligados à albumina.

Transporte dos lípidos

Classificação e função das lipoproteínas

Quilomicra: Transporte de triglicéridos exógenos

VLDL: Transporte de triglicéridos endógenos

LDL: Transporte de colesterol do fígado para outros tecidos

HDL: Transporte do colesterol dos tecidos periféricos e outras lipoproteínas para o

fígado.

Fig. 1- Estrutura de uma lipoproteína.

Tabela I - Caracterização das lipoproteínas pela sua composição (% em peso)

Lipoproteína Densidade

(g/ ml)

Proteínas PL COL EC TG

Qilomicron <1,006 2 9 1 3 85

VLDL 0,95-1,006 10 18 7 12 50

LDL 1,006-1,063 23 20 8 37 10

HDL 1,063-1,210 55 24 2 15 4

PL = Fosfolípidos EC = Ésteres de colesterol

COL = Colesterol TG = Triglicéridos

Page 2: Colesterol

1

Quilomicra e VLDL

Na tabela I pode-se ver a caracterização das lipoproteínas. Os quilomicra são responsáveis

pelo transporte de lípidos da dieta para a circulação sanguínea. A sua formação aumenta com

a quantidade de triglicéridos absorvidos.

A maior parte das VLDL plasmáticas são de origem hepática. Elas transportam os

triglicéridos do fígado para os tecidos extrahepáticos.

A apolipoproteína Apo-B (Tabela II) é essencial para a formação dos quilomicra e VLDL.

Na abetalipoproteinémia, uma doença rara, a Apo-B não funciona normalmente devido a um

defeito na proteína de transferência dos triacilgliceróis, o que previne a formação de

lipoproteínas contendo esta apolipoproteína – nestas condições ocorre a acumulação de lípidos

no intestino e fígado.

Tabela II - Classificação das proteínas presentes nas lipoproteínas:

Apolipoproteína

(Apo-)

Função

AI Cofactor da LCAT (activa a LCAT);

estrutura das HDL

AII Estrutura das HDL

B100 Estrutura das LDL e VLDL; liga-se a

receptores das LDL

B48 Estrutura dos quilomicra

CI Estrutura das VLDL e HDL

CII Activador de LPL; estrutura dos

quilomicra; VLDL e HDL

CIII Inibidor de LPL; estrutura dos

quilimicrons, VLDL e HDL

E Ligação/ receptor; estrutura dos

quilimicrons, VLDL e HDL

LCAT = Lecitina-colesterol-acil-transferase

LPL = Lipoproteína lipase

Page 3: Colesterol

2

Os quilomicra e as VLDL são rapidamente catabolisados. Os triglicéridos dos quilomicra e

das VLDL são hidrolisados pela

lipoproteína lipase (LPL), presente nas

paredes dos capilares, coração, tecido

adiposo, baço, pulmões, medula renal,

aorta, diafragma, glândulas mamárias

lactantes e no fígado dos recém nascidos.

Os fosfolípidos e a apolipoproteína C-II

(presentes nos quilomicra e VLDL) são

cofactores da LPL, pelo que os quilomicra

e as VLDL possuem o substrato e os

cofactores da enzima. Pela acção da LPL

formam-se quilomicra remanescentes e

VLDL remanescentes ou IDL

(lipoproteína de densidade intermédia) extremamente ricos em colesterol e ésteres de

colesterol devido à perda de triacilgliceróis. Assim, as VLDL são precursoras das IDL e estas

das LDL.

LDL e HDL

As LDL possuem a apolipoproteína Apo B-100, reconhecida por receptores específicos

(receptores para as LDL). Aproximadamente 30% da LDL é degradada em tecidos

extrahepáticos, enquanto 70% da LDL é degradada no fígado. Existe uma correlação positiva

entre a incidência de aterosclerose e a concentração plasmática de LDL, com altos níveis de

colesterol.

As HDL são sintetizadas e secretadas a partir do fígado e intestino. As HDL secretadas do

intestino (de novo) não contêm Apo-C ou Apo-E, apenas contêm Apo-A. Desta forma, a Apo-

C e Apo-E são sintetizadas no fígado e transferidas do fígado para o intestino, passando

depois para o plasma. Uma das funções principais das HDL é o facto de servirem como

armazenadoras da Apo-C e Apo-E, requeridas para o metabolismo das VLDL e quilomicra.

As HDL nascentes têm uma forma de disco, sendo constituídas por uma bicamada de

fosfolípidos, Apo-A e colesterol. Estas lipoproteínas são semelhantes às partículas

encontradas nos pacientes com uma deficiência na enzima plasmática lecitina:colesterol

aciltransferase (LCAT). De facto a LCAT e a Apo-A-I, activador da LCAT, ligam-se ao

Page 4: Colesterol

3

disco. A catálise da LCAT coverte os fosfolípidos de superfície e o colesterol livre em ésteres

de colesterol e lisolecitina. Os ésteres de colesterol não polares migram para o interior

hidrofóbico da bicamada, enquanto a lisolecitina é transferida para a albumina plasmática. A

reacção continua conduzindo à formação de um centro apolar que empurra a bicamada e

forma uma pseudomicela. A LCAT é assim responsável pela remoção de colesterol não-

esterificado de outras lipoproteínas e dos tecidos. O fígado é o local final para a degradação

dos ésteres de colesterol das HDL, pelo que as HDL têm sido implicadas no transporte de

colesterol dos tecidos para o fígado por um processo conhecido como transporte reverso do

colesterol.

Este transporte envolve a tomada e esterificação do colesterol pela HDL3, que se torna

maior e menos densa, formando a HDL2. A lipase hepática hidrolisa fosfolípidos e

triglicéridos da HDL, permitindo que os ésteres de colesterol sejam libertados para o fígado,

conduzindo novamente à formação de HDL3.

As concentrações plasmáticas de HDL variam inversamente com as concentrações de

triglicéridos e directamente com a actividade da lipoproteína lipase. As concentrações

plasmáticas de HDL2 são inversamente proporcionais à incidência de aterosclerose coronária,

uma vez que reflectem a eficiência de captação de colesterol dos tecidos. A presença de Apo-

Page 5: Colesterol

4

AI protege contra a aterosclerose. A Apo-AI associa-se aos fosfolípidos e colesterol formando

a preβ-HDL, a forma mais potente da HDL na indução do efluxo de colesterol dos tecidos

extrahepáticos.

DISLIPIDÉMIAS

As dislipidémias ou hiperlipidémias são doenças resultantes de alterações do

metabolismo das lipoproteínas em que se observam níveis plasmáticos anormais dessas

lipoproteínas.

Podem ser devidas a mutações nos genes que codificam para os componentes das

lipoproteínas ou para os seus receptores (Tabela III), ou podem ser uma manifestação

secundária de outras doenças (Tabela IV).

As dislipidémias podem ainda ser classificadas com base no aspecto do plasma

sanguíneo após permanecer 12 horas a 4ºC e no seu conteúdo em colesterol e triglicéridos

(Classificação de Fredrickson, Tabela V). A classificação de Fredrickson define 6 tipos de

hiperlipoproteinemia, sendo os Tipos IIa, IIb e IV os mais comuns, enquanto o Tipo III tem

uma frequência intermédia (1: 5000 indivíduos) e os Tipos I e V são raros.

Tabela III - Causas genéticas das dislipidémias:

CHD CHD Pancreatite Pancreatite Deficiências em vitaminas lipossolúveis; defeitos neurológicos Defeitos neurológicos; armazenamento dos ésteres de colesterol em locais anormais

IIa ou IIb IV ou V IIa, IIb, IV ou V I I Normal Normal

Redução do número de receptores LDL funcionais. Possível defeito genético. Possível defeito genético. Redução nos níveis de LPL funcional. Redução da síntese de apo C-II (cofactor da LPL). Incapacidade na síntese de apo B. Incapacidade na síntese de apo A.

Hipercolesterolémia familiar Hipertrigliceridémia familiar Hiperlipidémia familiar combinada Deficiência da lipoproteína lipase Deficiência da Apo C-II Abetalipoproteinémia Analfalipoproteinémia (doença de Tangier)

Risco Fredrickson Defeito genético Doença

Page 6: Colesterol

5

Tabela IV – Causas de hiperlipidémia secundária:

Tabela V – Classificação das Dislipidémias segundo Fredrickson:

As dislipidemias são factores de risco para a ocorrência de doença cardíaca coronária,

nomeadamente o aumento do colesterol-LDL, assim como a baixa dos níveis de colesterol-

HDL e o aumento dos triglicéridos. A determinação do colesterol total e do perfil lipídico em

jejum, dá-nos informação sobre o risco de doença cardiovascular (Tabela VI). A razão

colesterol total/ colesterol HDL, é um parâmetro útil para avaliar o transporte de colesterol

dos e para os tecidos periféricos e uma razão de colesterol total/ colesterol HDL acima de 5 é

um indicativo de risco cardiovascular aumentado.

Aumento triglicéridos Aumento triglicéridos Aumento triglicéridos Aumento triglicéridos Aumento colesterol Aumento colesterol

Diabetes Mellitus Excesso de álcool Disfunção renal crónica Drogas (diuréticos, tiazida, bloqueadores-β não selectivos) Hipotiroidismo Síndrome nefrótico

Disfunção lipídica Doença

Page 7: Colesterol

6

Tabela VI- Factores de risco para as doenças cardiovasculares:

* Idade * História familiar de doença de coração prematura * Tabagismo * Hipertensão * Obesidade * Sedentarismo * Diabetes Mellitus * Altos níveis de colesterol LDL * Baixos níveis de colesterol HDL

A decisão de tratar uma dislipidémia baseia-se nos dados laboratoriais obtidos,

nomeadamente nos níveis de colesterol, triglicéridos e colesterol-HDL.

O tratamento destas doenças envolve medidas dietéticas em que é reduzido o consumo

carne e recomendado o consumo de peixe, vegetais e frutas (Fig. 4). A redução de peso

corporal e o exercício físico, são medidas importantes uma vez que levam a uma melhor

tolerancia à glicose e à redução da tensão arterial. Por vezes é necessário associar a estas

medidas uma terapêutica medicamentosa que diminua os níveis de colesterol (Tabela VII).

Fig. 4 - Redução de

lípidos na dieta.

Page 8: Colesterol

7

Tabela VII - Fármacos utilizados no controlo dos níveis séricos de lípidos:

Inibem a lipólise ao nível dos adipócitos e reduzem os níveis de TG. Aumentam o colesterol HDL

Ácido nicotínico e derivados

Activam a lipoproteína lipase (LPL) e reduzem os níveis de TG, colesterol total e LDL. Podem ainda aumentar o colesterol HDL.

Fibráceos

Inibem a síntese do colesterol e reduzem o colesterol total e LDL

Inibidores da HMG-CoA redutase

Bloqueiam a reabsorção dos ácidos biliares e reduzem o colesterol total e LDL

Resinas que sequestram ácidos biliares

Principal acção Grupo farmacológico

Page 9: Colesterol

8

Caso Clínico

J.M.D. é um indivíduo do sexo masculino, com 15 anos de idade, que vem ao médico

por lhe terem surgido na palma das mãos vários nódulos de cor amarela clara e consistência

elástica (xantomas). Apresenta ainda um nódulo semelhante no calcanhar do pé direito.

O estudo dos lípidos plasmáticos mostra: colesterol total 20,2 mmol/L (N: 3.9±0.5

mmol/L); triglicéridos 1.9 mmol/L (N: 1.35±0.5 mmol/L); colesterol-HDL 1.4 mmol/L (N:

0.35±0.5 mmol/L). A electroforese das lipoproteínas plasmáticas mostra uma concentração

elevada das LDL e HDL.

Perante o quadro clínico é posta a hipótese de diagnóstico de hipercolesterolémia

familiar. Com base nesta hipótese foi feito o estudo lipídico dos seus progenitores, que

mostrou:

Pai: Colesterol total 9.0 mmol/L; triglicéridos 1.3 mmol/L.

Mãe: “ “ 8.7 mmol/L; “ 1.0 mmol/L.

Questões:

1. Explique porque razão os níveis de colesterol são mais baixos nos progenitores do que no

filho.

2. Que tipo de transmissão genética lhe é sugerida?

3. A hipercolesterolémia familiar é devida a mutações dos genes que codificam a síntese do

receptor das LDL. Identifique, no esquema da Fig. 5, as várias etapas onde a síntese de

receptor pode ser afectada.

4. Porque é que as concentrações séricas de LDL e HDL estão aumentadas?

5. Acha que o doente corre o risco de desenvolver doença cardíaca coronária? Porquê?

6. Como medida terapêutica poderia prescrever resinas sequestradoras dos ácidos biliares?

Explique a razão desta medida terapêutica.

Page 10: Colesterol

9

Fig. 5 – Síntese e estrutura do receptor das LDL.

N

RER

Golgi Vesícula secretora

1

2

3

Receptor das LDL

4

Membrana plasmática

Domínio ligação LDL

O- Oligossacarídeo

Domínio transmembranar

N- Oligossacarídeo

Síntese do Receptor das LDL: Estrutura do Receptor das LDL: