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Anais do XV Encontro Estadual de História “1964-2014: Memórias, Testemunhos e Estado”, 11 a 14 de agosto de 2014, UFSC, Florianópolis COLUNAS FEMININAS E PROPAGANDAS: REPRESENTAÇÕES DA MULHER NO JORNAL FOLHA DO NORTE DO PARANÁ Amanda de Souza Ribeiro 1 Cristina Satiê de Oliveira Pátaro 2 Frank Antonio Mezzomo 3 Resumo: A pesquisa tem como objetivo analisar as representações da mulher no Jornal Folha do Norte do Paraná, mídia impressa católica que circulou durante as décadas de 1960 e 1970 na região norte do estado do Paraná, no intuito de problematizar as relações de gênero que emergem dos discursos no/do periódico em questão. Faz parte de investigação mais ampla que vem sendo desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Cultura e Relações de Poder desde 2011, com apoio do CNPq e da Fundação Araucária. Neste trabalho, propõe-se a discussão a partir das propagandas e colunas femininas publicadas nas edições dos anos de 1968 e 1969, buscando verificar os valores, as relações e os comportamentos que emergem da maneira pela qual as mulheres são representadas. Com base nas edições digitalizadas, foram identificados, tabulados e analisados os conteúdos das propagandas e colunas femininas que faziam, de alguma forma, referência à mulher. A partir do material tabulado, foi possível identificar, nas representações veiculadas, influências do contexto histórico e das transformações sociais, políticas, culturais e econômicas que marcaram o período. A análise evidenciou os valores, comportamentos e normas que orientavam modelos a serem seguidos, sendo possível ainda identificar influências da religião católica nas representações da mulher presentes no periódico. Por fim, apesar de o Jornal se intitular laico, podemos, observar a influência de valores religiosos em algumas matérias para a mulher e sobre a mulher. Palavras-chave: Mulher, Jornal, Fonte. Nossa pesquisa tem como objetivo identificar e analisar as representações da mulher construídas na imprensa vinculada à Igreja Católica na região Norte do Paraná no período de 1968 a 1969, a partir da análise das propagandas e colunas femininas publicadas no Jornal Folha do Norte do Paraná, buscando identificar as representações da mulher que se fazem presentes nessa mídia impressa, verificando os valores, as relações, comportamentos, e os papéis de gênero que emergem da maneira pela qual as mulheres são representadas. O Jornal Folha do Norte do Paraná, conhecido como o jornal do Bispo, era o segundo maior jornal da região, representando parte do patrimônio imaterial produzido pela Igreja Católica da diocese de Maringá, e constituiu-se como a principal mídia impressa da Igreja no norte do Paraná entre as décadas de 1960 e 1970. Foi fundado no ano de 1962 por Dom Jaime Luiz Coelho, arcebispo de Maringá, e teve suas atividades encerradas em 1979. Dom Jaime 1 Graduanda, Unespar, Campus de Campo Mourão, PIBIC/CNPq, [email protected] 2 Doutora em Educação, Unespar, Campus de Campo Mourão, [email protected] 3 Doutor em História Cultural, Unespar, Campus de Campo Mourão, [email protected]

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Anais do XV Encontro Estadual de História “1964-2014: Memórias, Testemunhos e Estado”,

11 a 14 de agosto de 2014, UFSC, Florianópolis

COLUNAS FEMININAS E PROPAGANDAS: REPRESENTAÇÕES DA MULHER

NO JORNAL FOLHA DO NORTE DO PARANÁ

Amanda de Souza Ribeiro1

Cristina Satiê de Oliveira Pátaro2

Frank Antonio Mezzomo3

Resumo: A pesquisa tem como objetivo analisar as representações da mulher no Jornal

Folha do Norte do Paraná, mídia impressa católica que circulou durante as décadas de 1960

e 1970 na região norte do estado do Paraná, no intuito de problematizar as relações de

gênero que emergem dos discursos no/do periódico em questão. Faz parte de investigação

mais ampla que vem sendo desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Cultura e Relações de

Poder desde 2011, com apoio do CNPq e da Fundação Araucária. Neste trabalho, propõe-se

a discussão a partir das propagandas e colunas femininas publicadas nas edições dos anos de

1968 e 1969, buscando verificar os valores, as relações e os comportamentos que emergem

da maneira pela qual as mulheres são representadas. Com base nas edições digitalizadas,

foram identificados, tabulados e analisados os conteúdos das propagandas e colunas

femininas que faziam, de alguma forma, referência à mulher. A partir do material tabulado,

foi possível identificar, nas representações veiculadas, influências do contexto histórico e

das transformações sociais, políticas, culturais e econômicas que marcaram o período. A

análise evidenciou os valores, comportamentos e normas que orientavam modelos a serem

seguidos, sendo possível ainda identificar influências da religião católica nas representações

da mulher presentes no periódico. Por fim, apesar de o Jornal se intitular laico, podemos,

observar a influência de valores religiosos em algumas matérias para a mulher e sobre a

mulher.

Palavras-chave: Mulher, Jornal, Fonte.

Nossa pesquisa tem como objetivo identificar e analisar as representações da mulher

construídas na imprensa vinculada à Igreja Católica na região Norte do Paraná no período de

1968 a 1969, a partir da análise das propagandas e colunas femininas publicadas no Jornal

Folha do Norte do Paraná, buscando identificar as representações da mulher que se fazem

presentes nessa mídia impressa, verificando os valores, as relações, comportamentos, e os

papéis de gênero que emergem da maneira pela qual as mulheres são representadas.

O Jornal Folha do Norte do Paraná, conhecido como o jornal do Bispo, era o segundo

maior jornal da região, representando parte do patrimônio imaterial produzido pela Igreja

Católica da diocese de Maringá, e constituiu-se como a principal mídia impressa da Igreja no

norte do Paraná entre as décadas de 1960 e 1970. Foi fundado no ano de 1962 por Dom Jaime

Luiz Coelho, arcebispo de Maringá, e teve suas atividades encerradas em 1979. Dom Jaime

1 Graduanda, Unespar, Campus de Campo Mourão, PIBIC/CNPq, [email protected] 2 Doutora em Educação, Unespar, Campus de Campo Mourão, [email protected] 3 Doutor em História Cultural, Unespar, Campus de Campo Mourão, [email protected]

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não tinha intenção de ganho financeiro ou político, e o Jornal foi criado, a princípio, para

propagar a fé cristã. Maringá era uma das principais dioceses do Paraná e sede Provincial, o

que representa, em grande parte, a síntese de toda a dinâmica religiosa presente nas dioceses

sufragâneas de Campo Mourão, Umuarama e Paranavaí. Este é um aspecto que caracteriza a

relevância do periódico em toda a região nesse período.

Ao focar o jornal como fonte privilegiada, está-se de acordo com as discussões

teóricas oriundas da terceira geração do Annales, ainda da década 1970, quando o jornal deixa

de ser compreendido como um mero veículo de informações, transmissor imparcial e neutro

dos acontecimentos, nível isolado da realidade político social na qual se insere, ou mesmo

como apenas instrumento de dominação, manipulação de interesses e de intervenção na vida

social, utilizado pelas classes dominantes (CAPELATO; PRADO, 1980). Ao utilizar o jornal

como fonte, e aqui são adequadas as reflexões de Robert Darnton, é preciso pensar sua

inserção histórica enquanto força ativa da vida moderna, muito mais ingrediente do processo

do que registro dos acontecimentos, atuando na constituição de nossos modos de vida,

perspectivas e consciência histórica (DARNTON, 1990).

Quanto à temática das relações de gênero, de acordo com Moreno (1999), a visão

sexista e de discriminação entre os sexos é dominante em nossa sociedade. Tanto nosso

comportamento como a forma que pensamos, sentimos, falamos, sonhamos ou fantasiamos

são influenciados pela imagem que possuímos de nós. Essa imagem é construída com base

nos modelos oferecidos pela sociedade em que vivemos. Não é a biologia que determina

nossos limites e possibilidades, nosso comportamento e modo de ser, mas a sociedade e a

cultura. As imagens de homem e de mulher que são transmitidas pela sociedade contribuem

de forma intensa para a formação, nos indivíduos, do seu eu social, de seus padrões

diferenciais de comportamento, com que modelo devem se identificar e para informar sobre a

diferente valorização atribuída pela sociedade aos indivíduos de cada um dos sexos.

Assim, as discussões sobre gênero buscam superar a visão naturalizante das diferenças

entre homens e mulheres, visão que acaba por atribuir às especificidades biológicas a

inferioridade feminina e a dominação masculina, justificando as desigualdades e injustiças

presentes na relação entre homens e mulheres. A partir da utilização do conceito de gênero, a

inferiorização das mulheres passou a ser questionada, e a relação entre homens e mulheres –

caracterizada muitas vezes pela assimetria e pela hierarquização – passou a ser vista como

permeada por relações de poder (VIANA; RIDENTI, 1998; SOIHET; PEDRO, 2007; ROSA,

2009).

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No cenário mundial, a década de 1960 foi marcada pela intensificação do movimento

da contracultura, sendo o ano de 1968 um marco importante, que representa o auge das

manifestações de protesto, em especial dos segmentos juvenis, contra uma sociedade

conservadora. Outro aspecto marcante dessa década foi a “explosão do feminismo” (SOIHET;

PEDRO, 2007), com destaque para os anos em questão, trazendo novas ideias e formas de se

pensar a mulher.

Em relação ao contexto brasileiro, devemos mencionar a radicalização e estabilização

do Regime Militar, que passou a provocar reações de descontentamento daqueles que

esperavam pela liberdade de imprensa e pelo retorno da democracia. Em paralelo, nesse

período, é possível perceber modificações no cenário econômico do país, e em especial no

Paraná, no qual começam a ser notados os primeiros passos de um processo de

industrialização, de urbanização e de investimento no agronegócio com vistas à exportação.

Estes e outros aspectos do recorte temporal devem ser levados em conta na análise do material

coletado em nossa pesquisa.

Desenvolvimento da pesquisa

Foi efetuada, para o desenvolvimento da nossa investigação, a digitalização das

edições referentes aos anos de 1968 e 1969 do Jornal Folha do Norte do Paraná. Ao todo,

foram tabulados e analisados 7.525 mil arquivos eletrônicos em forma de fotos das páginas do

jornal. As edições foram lidas na íntegra, procurando-se identificar, separar e descrever todas

as reportagens, notícias, imagens, propagandas e demais conteúdos que fizessem referência à

mulher.

Com base nos conteúdos tabulados, identificamos categorias que nos auxiliaram na

análise das representações da mulher, dentre as quais discutiremos, neste trabalho, as colunas

femininas – conteúdos destinados especificamente ao público feminino, apresentados nas

colunas “Folha da Mulher” (1968) e “Sua Excelência a Mulher” (1969) – e as propagandas

comerciais que faziam, de alguma forma, referência à mulher.

Análise dos dados

Colunas femininas

As colunas femininas (“Folha da Mulher”, em 1968, e “Sua Excelência a Mulher”, em

1969) agregam matérias relacionadas e direcionadas às mulheres, veiculadas nas duas

colunas. A “Folha da Mulher” foi dirigida por Maria Teresa de Janeiro até Julho de 1968 e,

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após esse período, por Ilda Garcia (Julho de 1968 a Setembro de 1968). Já a coluna “Sua

Excelência a Mulher” foi coordenada por Édice Fernandes durante todo o ano de 1969.

Direcionadas ao público feminino, as duas colunas apresentam estruturas diferentes. A

“Folha da Mulher” publicada no Jornal aos domingos em suas primeiras edições, Janeiro e

Fevereiro, apresenta em média seis páginas, sendo que uma delas são histórias em quadrinhos

e outras atividades para as crianças. No restante do ano, ocupa somente uma folha, geralmente

na página 08. Na “Folha da Mulher” são frequentes matérias sobre moda, cuidados com o

cabelo e pele, dicas de beleza, cremes, dicas sobre maquiagem, culinária e exercícios físicos

para um corpo magro. Segundo Miguel (2012) a mulher deveria, “cuidar de si, mas não

unicamente para sentir-se bem, mas, principalmente, para agradar o outro, leia-se, aí, o

marido, noivo ou namorado.” (MIGUEL, 2012, p. 224).

A maior parte do espaço da coluna era ocupado por conteúdos referentes a conselhos

de beleza e moda. A matéria intitulada Bolinhas na moda (28/04/1968) traz um exemplo de

tais conteúdos, versando sobre a volta da moda dos anos 1930, com os tecidos estampados

com bolinhas, com modelos mais delicados e femininos. Também é possível observar que

modelo de beleza é valorizado: “A cintura está novamente cortada. Largos cintos afinam

novamente o corpo esbelto das jovens.” (Folha do Norte do Paraná, 28/04/1968). Nas

matérias que tratam sobre beleza e moda, são sempre representadas modelos magras com

“corpos esbeltos”.

Imagem 1 – Folha do Norte do Paraná, 03 de Março de 1968.

Na matéria Emagrecer: o grande problema (03/03/1968), Imagem 1, afirma-se que “A

moda exige uma silhueta esbelta, ágil, elegante e as mais gordinhas não podem segui-la à

risca. Por isso usam de recursos os mais diversos para perder os quilinhos a mais.” (Folha do

Norte do Paraná, 03/03/1968). São apresentados conselhos sobre como emagrecer de forma

saudável, indicando que emagrecer depende da perseverança da mulher, que deve moderar a

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ingestão de alimentos e controlar a sua “falsa fome”. A matéria segue alertando sobre os

perigos em usar pílulas para emagrecer de forma rápida, mas afirma que se elas forem

utilizadas com prudência podem trazer bons resultados. São mencionados, na matéria, os

medicamentos mais comuns receitados para quem quer emagrecer, como as anfetaminas, que

reduzem o apetite e os diuréticos. Na sequência conta que antes do aparecimento deles, o

jejum parcial ou total era o meio mais difundido e utilizado pelas mulheres para emagrecer.

Podemos notar a valorização da magreza, a busca constante da mulher pelo corpo magro,

visto que, como afirmado nessa e em outras matérias, a mulher deveria ser magra para ser

bela. Esse fato nos mostra um padrão de beleza que era transmitido às mulheres nesse período

e que, de certa forma, faz-se presente até a atualidade.

Podemos encontrar ainda, na coluna “Folha da Mulher”, matérias sobre a educação e o

desenvolvimento das crianças. Encontramos notas que falam sobre o desenvolvimento da

criança, sendo utilizados como referência os estudos de alguns autores como Jean Piaget.

Imagem 2 – Folha do Norte do Paraná (Folha da Mulher), 15 de Setembro de 1968.

Na Imagem 2, temos a uma matéria Você deve acompanhar os estudos de seu filho

(15/09/1968), onde se afirma que os pais devem acompanhar os estudos dos filhos, pois a

educação de uma criança seria o resultado dos esforços conjuntos da escola e da família, e

uma contradição entre as duas poderia levar a criança a ter problemas escolares. Apresenta

algumas dicas para ajudar os pais a escolher a melhor escola, se tradicional ou moderna.

Depois da escolha feita, os pais devem colaborar com a escola, ter cuidado com a frequência,

não deixando seus filhos faltarem, além de aconselhar à mãe que “quando for convocada para

festinhas na escola, procure não faltar, e, sempre que possível leve seu marido. As crianças,

principalmente do curso primário, dão muito valor a isso.” (Folha do Norte do Paraná,

15/09/1968). Afirma ainda que, quando necessário, a criança deve ser ajudada em casa e que a

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mãe deve cultivar a autonomia do filho, oferecendo-lhe meios para desenvolver sua

autonomia. Podemos entender que, por esta matéria estar em uma coluna dedicada ao público

feminino, a responsabilidade de cuidar, acompanhar os estudos dos filhos era tarefa sobretudo

da mulher. Apesar da matéria em grande parte se referir aos pais, podemos observar trechos

onde se faz referência exclusivamente à mulher, como no trecho mencionado anteriormente.

A coluna “Sua Excelência a Mulher”, representada na Imagem 3, era publicada às

quartas-feiras e aos sábados, e ocupa em geral uma página. Apresenta uma estrutura diferente

da “Folha da Mulher”, anteriormente apresentada. Ela se parece com uma coluna social, e

encontra-se dividida em três partes. A primeira delas, ao lado esquerdo, com o título

Aconteceu, onde são publicadas matérias sobre eventos que ocorreram na sociedade,

casamentos, aniversários, desfiles de modas, entre outros. Essas notas, em sua maioria, dão

destaque à mulher, sua participação nesses eventos sociais, com fotos de mulheres da

sociedade. A parte central da página é dedicada a entrevistas, onde o destaque é sempre para

uma mulher. As questões abordadas são sempre as mesmas: onde nasceu, sua formação, sobre

seu marido, quem ele é, com que trabalha, sobre seus filhos e as que trabalham fora do lar

também mencionam suas carreiras e como conciliam os cuidados com o lar, marido e filhos.

No lado direito da coluna, existe um espaço com o nome O Mundo Feminino, onde são

publicadas notas sobre nascimento de crianças, eventos sociais, casamentos, desfiles de

modas, etc., com conteúdo semelhante ao publicado no espaço Aconteceu.

A Imagem 4 traz a entrevista realizada com Célia Rossini Meneguetti. Ela conta que

nasceu e foi criada em Ourinhos-SP, onde fez o curso primário e ginasial. Relata sobre seu

marido Geraldo Meneguetti, gerente da SOMACO S/A, e sobre os seus sete filhos. Afirma

Imagem 3 – Folha do Norte do Paraná, 15 de

Fevereiro de 1969.

Imagem 4 – Folha do Norte do Paraná (Sua

Excelência a Mulher), 15 de Fevereiro de 1969.

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que sua principal meta é formar todos os seus filhos. Destaca que, durante seus 22 anos de

casamento, não teve muitas oportunidades para viajar e passear, porque se dedicou ao lar,

marido e filhos. Em geral, o conteúdo das entrevistas publicadas neste espaço seguem o

mesmo padrão. São mulheres da sociedade, modelos a serem seguidos, que têm como

prioridade em sua vida o cuidado com seu lar, marido e filhos, geralmente se declarando

realizadas com a vida que levam. De acordo com Miguel (2012), cuidar dos filhos, do marido

e da casa seria essencial para a felicidade do casal, “ou seja, a partir do momento em que

cuido do outro, eu estou cuidando de mim, já que garanto minha ‘felicidade’ como esposa e

como mãe.” (MIGUEL, 2012, p. 239). Dessa forma, as mulheres deveriam zelar pela sua casa,

marido e filhos, assim como às senhoras entrevistadas, pois só dessa forma elas seriam felizes.

Com base na análise das colunas “Folha da Mulher” e “Sua Excelência A Mulher”,

podemos notar que nesse período a mulher era representada como a responsável pelos

cuidados com o seu lar, marido e filhos. Ela deveria estar sempre por dentro da moda, cuidar

de sua beleza, manter seu lar organizado, desempenhar a função de mãe e o dever de zelar

pela educação de seus filhos. Farias e Tedeschi (2010) afirmam que “as características

construídas e atribuídas ao feminino são aquelas necessárias ao cuidado do lar, da família e do

bom desempenho da maternidade, negando à mulher outras possibilidades e reforçando seu

enclausuramento no espaço doméstico.” (FARIAS; TEDESCHI, 2010, p. 148).

Propaganda

Essa categoria engloba propagandas comerciais que faziam, de alguma forma,

referência à mulher. As mulheres aparecem em diversos conteúdos, desde anúncios de

institutos de beleza e propaganda de utensílios domésticos até propagandas de carro e barcos,

além de anúncios de filmes e bebidas alcoólicas.

As propagandas estão relacionadas a cuidados com a beleza da mulher, como em

anúncios de institutos de beleza, anúncios de utensílios domésticos, supermercado, produtos

ou serviços que se ligam ao espaço e ao papel que é destinado à mulher na sociedade, naquele

período.

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Na propaganda da Walita da Hermes Macedo, Imagem 5, apresenta-se o seguinte texto

“Seu lar merece walita de Hermes Macedo. Ofertas que são verdadeiros presentes!”. São

anunciados diversos utensílios domésticos como ferro de passar roupa, liquidificador,

enceradeira, entre outros. Quando a imagem da mulher é utilizada para anunciar esse tipo de

produto, demostra que as interessadas são as mulheres que, responsáveis pelos cuidados

domésticos, têm interesse na utilização desses aparelhos. As mulheres que aparecem nesses

anúncios seguem o que seria o modelo ideal de mulher da época, a esposa dedicada, que cuida

do seu lar, do seu filho e do seu marido, dócil, carinhosa, compreensiva e santa. Logo,

ninguém melhor para ajudar a vender produtos domésticos do que elas, que vão comprá-los e

utilizá-los em seu lar.

A propaganda de Fermento Seco Fleischmann, Imagem 6, traz uma receita de

pãezinhos de queijo e afirma que essa seria uma boa receita para a mulher preparar para o café

da manhã e para a merenda de seus filhos. Podemos observar na imagem duas crianças

sentadas à mesa comendo os pãezinhos preparados por sua mãe, que se encontra no fundo da

imagem usando um avental. Mais uma vez, a mulher é representada como forma de ilustrar

uma propaganda que a liga ao mundo privado, doméstico, do lar, onde seria seu lugar.

Ao analisar as propagandas da Revista Capricho nas décadas de 1950 e 1960, Miguel

(2012) afirma que as propagandas de eletrodomésticos, produtos de limpeza e para a casa,

juntamente com as propagandas de produtos de beleza “apresentam um retrato da função

social esperada pelas mulheres da época, função esta diretamente vinculada ao cuidado de si,

ao cuidado da casa e ao cuidado dos outros, incluindo, aí, os filhos e o marido.” (MIGUEL,

Imagem 5 – Folha do Norte do Paraná, 07 de

Setembro de 1969.

Imagem 6 – Folha do Norte do Paraná,

14 de Abril de 1968.

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2012, p. 222). A mídia apresenta uma função educativa e por consequência é responsável pela

disseminação, prescrição e perpetuação de códigos e valores de conduta e comportamento.

Imagem 7 – Folha do Norte do Paraná, 05 de Dezembro de 1968.

A propaganda de natal da loja Hermes Macedo, Imagem 7, traz o seguinte texto: “Não

quebre a cabeça, procurando um presente de natal para seu marido, Hermes Macedo tem as

melhores sugestões com as melhores ofertas. E a senhora aproveita as extraordinárias

facilidades do crédito feminino HM, natal sem capital é com Hermes Macedo S/A” (Folha do

Norte do Paraná, 05/12/1968). Na imagem da propaganda, o desenho do rosto de uma mulher

com a mão no queixo e com uma expressão de quem estava pensando na oferta. Os produtos

em oferta para a mulher comprar para o marido são autorrádios, faróis, rodas cromadas, entre

outros acessórios para o carro. A propaganda evidencia alguns dos papéis atribuídos ao

masculino e ao feminino; a mulher aparece ligada ao cuidado com o marido, e o homem, com

base nos produtos em oferta, ao espaço publico.

Na propaganda da Ciclobel Trainer, Hermes Macedo S/A, Imagem 8, o texto afirma

que “A mulher esbelta é mais admirada” e que “somente o exercício pode modelar o seu

corpo e conserva-lo jovem e em forma”.

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Imagem 8 – Folha do Norte do Paraná, 02 de Novembro de 1969.

Na imagem da propaganda encontramos o desenho de uma mulher utilizando o

aparelho anunciado. Podemos notar uma normatização do corpo da mulher, a propaganda

transmite um modelo de beleza e afirma que ela só será admirada se corresponder ao modelo

determinado.

Considerações finais

Por meio da análise das edições do Jornal folha do Norte do Paraná (1968 e 1969) e

das categorias anteriormente apresentadas (Coluna feminina e Propaganda), podemos tecer

algumas considerações.

A partir das representações analisadas, pudemos verificar que, de maneira geral, a

imagem e o papel da mulher aparecem, de alguma forma, vinculados – ou subordinados – à

figura masculina. Voltados especificamente para a mulher leitora, destacam-se as colunas

femininas, com linguagem e conteúdo organizados para destinar-se especialmente às

mulheres. Os assuntos abordados eram – ou deveriam ser – do seu interesse, abrangendo dicas

de moda, maquiagem, conselhos domésticos, de beleza em geral, cuidados com os filhos,

entre outros. O conteúdo passado nessas matérias trazia indicações de como a mulher deveria

agir, vestir-se, pensar, ser. O mesmo ocorre nas propagandas direcionadas às mulheres, na

intenção de vender produtos que seriam de seu interesse (utensílios domésticos, culinária,

moda, entre outros) e, em alguns casos, fazendo uso da própria imagem da mulher.

Ademais, é necessário destacar que as representações da mulher presentes no Jornal

são delimitadas por valores, comportamentos e normas, muitos deles reforçados pela doutrina

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religiosa, que orientam o modelo a ser seguido e aquele a ser rechaçado. Nesse sentido, o

modelo reforçado é o da mulher mãe, esposa, dona de casa, associada ao espaço e aos afazeres

domésticos – ainda que, em alguns casos, presente também no âmbito do trabalho. É a

imagem da mulher recatada, submissa, generosa e pura. Este é o modelo desejável, no qual

todas as “boas” mulheres devem se espelhar, o que é reforçado principalmente pelos

conteúdos voltados ao público feminino e por aqueles associados de alguma forma à religião.

A partir dos conteúdos analisados, é possível notar a presença de outro modelo de

mulher que começa a ser evocado (ainda que de forma tímida) em conteúdos mais

direcionados ao público adulto e masculino – a imagem da mulher entregue aos prazeres do

corpo e da sexualidade como é possível notar, por exemplo, nos cartazes de filmes e em

algumas propagandas, em que passa a se fazer presente a conotação à sexualidade feminina.

Por fim, em face aos conteúdos analisados, é importante ressaltar que, ainda que o

Jornal Folha do Norte do Paraná seja considerado um periódico laico e com interesses

comerciais, as influências da doutrina Católica, ao que parece, fazem-se presentes nas

representações e discursos veiculados, em especial aqueles referentes à mulher.

Referências

CAPELATO, Maria Helena; PRADO, Maria Ligia. O bravo matutino. Imprensa e

ideologia em O Estado de São Paulo. São Paulo: Omega, 1980.

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Companhia das Letras, 1990.

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