Com a Cabeça na Lua

844

Transcript of Com a Cabeça na Lua

aSADA DE EMERGNCIA

T T U L O ; Com a Cabea na Lua / n"75 da Coleco Bangl AU T O R I A : Antologia Comemorativa com vrios autores ED I T O R : LUS Corte Real Esta edio 2009 Edies Sada de Emergncia TR A D U O : Mrio Matos em "O Homem que vendeu a Lua", "Uma vezem volta da Lua", "Tendncias", "Destino: Lm", "Poeira lunar, aroma de feno e materialismo dialctico", "Requiem" Joo Seixas em "Umas Frias na Lua"; Jos Saraiva em "Heris relutantes", "Passeio Lunar"; Sofia Moreiras em "A Luz" RE V I S O : Idalina Morgado CO M P O S I O : Sada de Emergncia, em caracteres Minion, corpo 12 DE S I G N D A C A P A E I N T E R I O R E S : Sada de Emergncia

IM P R E S S O E A C A B A M E N T O : Tipografia Guerra - Viseu I " E D I O : Julho, 2009 I S B N : 978-989-637-132-6 DE P S I T O LE G A L : 294636/09 ED I E S SA D A D E EM E R G N C I A Av. da Repblica, 861, Bloco D, 1. Di, 2775-274 Parede, Portugal TE L E FA X : 214 583 770

WWW.SAIDADEEMERGENCIA.COM

COM AUTORES INCONTORNVEIS COMO

ISAAC ASIMOV, ARTHUR C. CLARKE, ROBERT A. HEINLEIN PAUL ANDERSONORGANIZAO E NOTAS DE JOO SEIXAS

E E E E

SADA DE EMERGNCIA

NDICE

1i INTRODUO O HOMEM QUE VENDEU A LUA (1950) Robert A. Heinlein 121 UMA VEZ EM VOLTA DA LUA

(1937) - Vic Phillips 147 TENDNCIAS (1939) - Isaac. Asimov 171 DESTINO: LUA (1950) - Robert A. Heinlein237 UMAS FRIAS NA LUA (1951) Arthur C. Clarke

273 HERIS RELUTANTES (1951)...............frank M. Robinson

297 A LUZ (1957) - Poul A ndersonPASSEIO LUNAR (1952) - H. B. Fyc 561 POEIRA LUNAR, AROMA DE FENO E MATERIALISMO DIALCTICO (1967)- Thomas M. Disch 371 REQUIEM (1940) - Robert A. Heinlein

395 BIBLIOGRAFIA 402 FILMOGRAFIA 411 AGRADECIMENTOS

The chart gives 1978 as the date of the first rocket to the Moon; I will give anyone odds that 1978 is the wrong date, but I will not bet that it

will not be sooner. Robert A. Heinlein, sobre a sua Histria Futura, 1950 We choose to go to the moon. We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard, because that goal will serve to organize and measure the best of our energies and skills, because that challenge is one that we are willing to accept, one we are unwilling to postpone, and one which we intend to win, and the others, too. John F. Kennedy, 12 de Setembro de 1962 Fly me to the Moon, let me play among the stars Let me see what spring is like on Jupiter and Mars Fly Me to the Moon Frank Sinatra, 1969 Dedicada aos astronautas do programa Apollo, que "tornaram o impossvel possvel"

INTRODUO

A Histria avana normalmente com passos ponderados. certo que alguns momentos se desenrolam com a precipitao da parede de uma barragem que se esboroa sob o peso das presses sociais, econmicas e polticas. Mas, regra geral, por detrs de cada revoluo, de cada sobressalto que a nossa conscincia regista, encontra-se um processo demorado e paciente, uma intrincada filigrana de causas e resistncias que, uma vez terminada a sua aco, deixa uma falsa impresso de inevitabilidade e brusquido. No entanto, olhado com a necessria distncia, o curso da Histria uma longa plancie sem

grandes picos ou desfiladeiros. Eventos como as duas Guerras Mundiais foram-se construindo lentamente ao longo de dcadas, agregando sua passagem a massa crtica de condies necessrias e suficientes sua deflagrao. Ningum em 1914 ou 1939 se surpreendeu com o incio da Guerra. No entanto, houve uma dcada da Histria do sculo XX perfeitamente anmala, de tal forma rica em ideias, acontecimentos, contradies, desaires e triunfos, que algum se referiu a ela como sendo uma "dcada do sculo XXI que foi transplantada para o sculo XX". Foi, de facto, um perodo irrepetvel. Se o calendrio nos permite definir essa dcada como sendo o perodo compreendido entre 1961 e 1970, os seus ecos podem ouvir-se ainda na psicologia social da viragem do sculo, para o bem e para o mal. O crescente descrdito da poltica e dos polticos nas sociedades democrticas vai a alimentar as suas razes, mas tambm o cinema independente e a msica; a oposio ao conhecimento cientfico e o abraar de filosofias e sistemas pseudo-espirituais new age so outros dois fenmenos nascidos do misticismo hippie, tal como o so as teorias de conspirao. Foi uma dcada que testemunhou a ascenso de quatro jovens cantores de

Liverpool que se tornaram mais famosos do que Jesus Cristo, mas tambm queda sangrenta de um presidente, de um lder dos direitos civis, e de um revolucionrio negro. Um pas praticamente desconhecido do sueste asitico tornou-se uma causa fracturante nas sociedades ocidentais, invadindo o imaginrio popular das dcadas que se seguiram guerra que a grassou entre 1962 e 1973. A msica consolidou a paz social em Woodstock e reavivou a violncia em Altamont. Mas se houve um feito que marcou a dcada de forma indelvel, foi a chegada do Homem Lua. Em Julho de 1969, com o prazo de uma dcada fixado por John F. Kennedy em 1961 prestes a terminar, Neil Armstrong e "Buzz" Aldrin, foram os primeiros homens a pisar o solo de um outro mundo. A viagem de cerca de quatrocentos mil quilmetros foi o maior feito tecnolgico de sempre na Histria da Humanidade, maior que os Descobrimentos, que a inveno do fogo, que a derrota da Alemanha Nazi. Hoje, habituados que estamos vertigem do avano tcnico-cientfico, tal afirmao parece gratuita, apenas uma hiprbole despropositada. Mas se considerarmos atentamente o teor da proposta de Kennedy, tal como ele prprio a formulou no seu clebre

discurso na Universidade de Rice, em Houston, Texas, a 12 de Setembro de 1962, de enviar Lua, a uma distncia de quatrocentos mil quilmetros do centro de controlo em Houston, um gigantesco fogueto com mais de 90 metros de altura, com o comprimento de um campo de futebol, construdo com novas ligas metlicas, algumas das quais ainda no foram sequer inventadas, capazes de suportar temperaturas e tenses muito superiores s que alguma vez algum experimentou, montado com uma preciso superior do melhor relgio, transportando consigo todo o equipamento necessrio propulso, orientao, controlo, comunicaes, alimentao e sobrevivncia, at um corpo celeste desconhecido, numa misso nunca antes tentada, e trazlo de volta Terra com toda a segurana, reentrando na atmosfera a mais de quarenta mil quilmetros por hora, provocando uma temperatura igual a metade da do Sol, e fazer tudo isso, e faz-lo bem, antes de a dcada terminar, a dimenso do feito torna-se mais perceptvel. E, sobretudo, mais digno de admirao. Envolvida numa corrida com a Unio Sovitica, a NASA, criada em 1959 pelo presidente Eisenhower, logrou o aparentemente impossvel, ao conseguir cumprir um novel e exigente

Programa Espacial que logrou o seu objectivo mximo: levar um homem Lua e traz-lo em segurana de volta Terra. E f-lo seis vezes, com apenas uma misso abortada - a famosa Apollo 13, que proporcionou NASA, ao enfrentar e inverter a adversidade, a sua melhor hora. Uma nao - e o mundo - partilharam de um objectivo comum, um objectivo dispendioso, talvez irrealista, mas que acabou por ser um objectivo de toda a Humanidade, Mas no era obrigatrio que assim fosse. O Programa Apollo custou aos contribuintes NorteAmericanos o equivalente a cerca de cem mil milhes de dlares cotao actual (mais ou menos o mesmo valor em Euros), e a escassez de misses tripuladas (seis das dez previstas) nunca permitiria uma explorao da Lua que no ficasse aqum daquela que poderia ser levada a cabo por sondas ou robs. Alis, a corrida ao espao nunca fora uma prioridade da administrao americana, que mantinha praticamente ociosos os 113 cientistas alemes capturados no final da segunda guerra e chefiados por Wernher von Braun e Arthur Rudolph, criadores da clebre V-2, desde sempre pensada como um fogueto capaz de futuros voos orbitais. A oportunidade e utilidade

do Programa Apollo desde sempre dividiu as opinies, extremadas entre aqueles que defendem as inmeras vantagens que dele advieram (nenhuma das quais, provavelmente, no deixaria de ser obtida por outros meios) e aqueles que entendem que o dinheiro dispendido na aventura espacial poderia ser melhor utilizado na resoluo dos problemas sociais mais prementes (nenhum dos quais seria resolvido com as verbas do Programa Espacial). No entanto, numa dcada crescentemente ensombrada pelos custos da Guerra no Vietname - que consumia em cada ano montante superior ao da totalidade do Programa Apollo - o entusiasmo popular nunca esmoreceu no que dizia respeito corrida espacial. certo que o lanamento do Sputnik 1 em 1957 colocou em causa a imaginada supremacia cientfica e tecnolgica dos Estados Unidos, chegando mesmo a questionar a adequao do sistema educativo americano e as prioridades nacionais. Acima de tudo, o Sputnik foi um violento golpe desferido no prestgio americano, que permanecia invicto desde a independncia em 1776. O impacto desse momento histrico ficou marcado de forma profunda na psicologia americana, conforme bem o ilustra o incio do filme Quiz Show (1994) de Robert Redford,

onde o som do satlite artificial sovitico interrompe a venda de um carro de luxo ltimo modelo, smbolo da ociosidade e decadncia de uma cultura que parece ter perdido a garra combativa. Tambm Stephen King, no seu seminal Danse Macabre (1981), compara esse momento ao da morte de Kennedy, ou ao da chegada Lua, como pertencendo quele grupo de instantes onde toda a gente sabe o que estava a fazer e onde estava no momento da sua ocorrncia. Mas a quebra do prestgio nacional no explica completamente a forma com que a imaginao colectiva abraou a ousada demanda da Lua. Afinal, o prestgio americano foi bastante sovado ao longo dessa dcada, atingido pelo desaire da Baa dos Porcos em Cuba, pelos confrontos raciais, pelo assassinato de JFK em 1963, do irmo, Robert e de Martin Luther King em 1968, pela Guerra do Vietname a partir da sua crescente americanizao em 1965. Por que razo foi a conquista da Lua a expresso escolhida para lavar as feridas desse prestgio ferido? Certamente que as vantagens cientficas a serem alcanadas, eram atractivas - mas incapazes, por si s, de justificar a magnitude do Programa Espacial; tambm as vantagens militares, incentivando o

desenvolvimento de foguetes mais potentes e tecnologia mais avanada que pudesse ser aplicada ao desempenho dos msseis balsticos intercontinentais - mas no foi isso o que animou as massas de populares que acorriam a Cape Kennedy para assistir a todos e cada um dos lanamentos; as vantagens econmicas, potenciadas pela criao de novas ligas e compostos, pelo aperfeioamento de tcnicas de miniaturizao e processamento informtico, s mais tarde seriam perceptveis; a injeco de dinheiro na economia - daqueles vinte e quatro bilies de dlares cotao de 1972 - no era significativa, quando nos recordamos que no pico do conflito, o governo injectava 800 bilies desses mesmos dlares, por ano, no Vietname. Se toda uma nao abraou um programa espacial to ousado que implicava o envio de um fogueto mais alto do que a Esttua da Liberdade a uma distncia maior do que alguma vez algum percorrera, a velocidades at ento inimaginadas, para lograr pousar, com toda a preciso no alvo, num aparelho to frgil como uma embalagem de ovos, controlado por um computador de bordo com apenas 36k de memria, foi pelo facto de essa viagem, ansiada h milnios, fazer parte da cultura popular norte-america na. O Programa Apollo, aos olhos

de milhes de Americanos, mesmo daqueles que nunca leram uma tira de Buck Rogers ou de Flash Gordon, que nunca leram um livro de Heinlein ou de Asimov ou de Clarke, era a expresso triunfante de uma cultura popular essencialmente americana. Que o fosse, na verdade, universal, , para o contexto, indiferente. A ideia de naves espaciais a cobrir as distncias csmicas, levando no interior os modernos exploradores, os modernos cowboys, os modernos piratas, era parte de um imaginrio enriquecido ao longo de milnios em obras esquecidas desde que Luciano de Samosata inaugurou a Lua como local a visitar no sculo II a.C.. sabido que a comunidade da fico cientfica sempre reclamou a inspirao do programa espacial. E isso no deixa de ter a sua ponta de verdade de um e outro lado da Cortina de Ferro. Afinal, no fora von Braun atrado para o desenvolvimento de foguetes pelo filme Die Fru im Mond (1929) de Fritz Lang, para o qual Hermann Oberth servira como consultor tcnico? No fora esse mesmo filme que criara o precedente da contagem regressiva que dcadas mais tarde se escutaria nas praias da Florida? No era Robert Goddard, o pai da tecnologia de foguetes norteamericana, um leitor obcecado por Jlio Verne? No foi o

Mdulo de Comando da Apollo 11 baptizado por Armstrong como Columbia em homenagem Columbiad de Verne? No estiveram os autores de FC como Heinlein, Clarke, Asimov, Anderson desde sempre ligados ao Programa Espacial, quer nas pginas que escreviam, quer atravs da sua presena constante, como convidados especiais nos lanamentos das sucessivas misses? Ser esse, ento, o porqu daquela era mgica em que podamos erguer os olhos ao cu e ver o rasto luminoso de um fogueto que acelera rumo liberdade... liberdade das grilhetas opressivas da gravidade terrestre, liberdade da imensido csmica, pontilhada de estrelas. Durante uma dcada, o imaginrio de uma nao, o imaginrio de uma espcie, tornou-se realidade... o espao interior da imaginao derramou-se sobre o mundo e, por um instante, este confundiu-se com o sonho. Talvez por isso os autores da New Wave reagiram to mal a ele. Cultivando a explorao do inner space ballardiano, sentiram essa sbita identificao do interno com o externo, da fico de escapismo com a realidade, como um total colapso da cultura sobre si prpria. Um desencanto que ecoa magnfico em obras como Memories ofthe Space Age (1988) de Ballard ou Beyond Apollo

(1971) de Barry N. Malzberg. A presente antologia recolhe dez narrativas de diversos autores que retratam a primeira viagem Lua tal como ela foi imaginada pela fico cientfica. Como literatura que , obra do esprito humano, no lhe pode ser exigida a preciso proftica com que muitos a querem por vezes sobrecarregar, mas lendo estes contos e estas noveletas impossvel no ficarmos surpreendidos com as coincidncias, com a exactido de algumas descries, com a familiaridade que elas nos evocam face a um mundo que abandonamos h trinta e oito anos para no mais l regressarmos. Todos estes textos foram escritos antes de 1969 e depois de 1865. Foram estas as balizas que fixmos para orientar o processo de escolha. Antes de 1865, ano de publicao do De la Terre la Lune de Verne, a maior parte dos autores escolhia abordar a viagem Lua no mbito do texto de stira, sendo-lhes quase indiferente a validade qualitativa do mtodo de efectuar a viagem. certo que a par das gotas de orvalho, Cyrano de Bergerac aflorou tambm a hiptese de se servir de foguetes para se impulsionar at Lua em 1656, e que Poe tentou dotar a aventura de um certo Hans Phaal (1835) de uma certa credibilidade cientfica, mas ambas as

obras, tal como as de Francis Godwin, John Wilkins, Ralph Morris, Richard Adams Locke e tantas, tantas outras, no estavam propriamente interessadas na explorao da possibilidade da viagem ao nosso satlite natural, mas apenas em lograr um poleiro mais alto para lanar um (merecido) olhar crtico sobre ns prprios. Verne foi o primeiro a tratar a viagem Lua como um feito tcnico e um fim em si mesmo, digno, por si s, de ser alcanado. Doze astronautas visitaram a Lua entre 20 de Julho de 1969 e 15 de Dezembro de 1972. Desses, apenas nove se encontram actualmente vivos. Com os principais objectivos cumpridos, o cancelamento das misses Apollo 18 a 20 significou o fim prematuro de um ambicioso Programa Espacial que se via como o primeiro passo numa progressiva colonizao do sistema solar. Foi pouco, foi muito pouco. Insuficiente para proceder a um adequado estudo cientfico da Lua, demasiado apressado para permitir o desenvolvimento de aparelhos alternativos e capazes de descolagem e aterragem independentes na linha do experimental X-15, e ferido economicamente pela crise crescente e pelos dispndios com o Vietname, o Programa Apollo cumpriu, ironicamente, aquilo que os

precursores da moderna FC tinham compreendido: ao obterem as primeiras fotografias da Terra vista da Lua, permitiram lanar um olhar nico sobre ns e sobre o nosso planeta. Em 1961, em resposta a um inqurito do Jornal de Letras e Artes (Ano I - n. 8, 22 de Novembro), Rmulo de Carvalho sintetizava assim as suas expectativas sobre a pretenso Americana de alcanar a Lua:"Tambm no espero que os poetas tenham coisas novas a dizer. Como as clulas limitam o poder da retina, tambm as palavras, que so clulas da comunicao verbal limitam o poder de expresso do poeta. Do que haver sempre de novo a dizer ser do prprio homem e, da paisagem, terrena ou sideral, aquilo que dela parte do homem". E nunca o homem foi to parte do Universo como quando espreitou para si prprio a partir de um mundo morto. Irnico, portanto, que em ltima instncia, o Programa Espacial e a fico cientfica se encontrassem irmanadas tambm nisso: ambos proporcionaram um olhar novo sobre o humano. Um olhar que mais nenhuma forma de expresso humana pode igualar.

O HOMEM QUE VENDEU A LUAde

ROBERT, A. HEINLEIN INTRODUO

uando em 1998 Dennis Piszkiewicz publicou aquela que praticamente a biografia definitiva de Wernher von Braun, escolheu para suDtitulo The Man Who Sold the Moon. Mas antes de von Braun, polmico criador do fogueto Saturn V que finalmente acabaria por permitir a viagem Lua, houve um outro e no menos importante dignitrio de to distinta comenda. Para legies de leitores de fico cientfica em todo o mundo, o homem que primeiro nos vendeu a Lua foi Robert A. Heinlein. Heinlein, que publicou o seu primeiro conto, LifeLine, em 1939, cedo se tornou a fora dominante da fico cientfica, criando e desenvolvendo uma esttica narrativa assente essencialmente numa descrio quotidiana das coisas futuras e das tecnologias imaginadas, reforada por um vasto plano de histria futura que constitua o pano de fundo coeso e coerente que agregava os vrios elementos dos seus primeiros contos e romances. Acreditando como poucos contemporneos seus acreditaram - que a fico especulativa (como gostava de lhe chamar) tinha uma componente de profecia que lhe impunha tentar "adivinhar" tendncias futuras - sobretudo a nvel social e tecnolgico - foi tambm dos poucos que marcou pontos sucessivos nessa rea (a criao dos waldoes - braos

Q

tensores para a manipulao distncia de matrias perigosas e que foram baptizados em honra daqueles inventados por Heinlein na sua noveleta Waldo, publicada pela primeira vez em 1942 sob o pseudnimo Anson MacDonald, o exemplo mais citado). Em consequncia, Heinlein moldou sua imagem a chamada hard science fiction, a fico cientfica de maior pendor tecnolgico e rigor cientifico, permitindo-lhe subsistir e prosperar mesmo quando leitores e autores mais jovens a abandonavam em meados dos anos sessenta voltando-se para os modelos alternativos que podiam encontrar nas obras de Disch, Bester, Dick, Sturgeon ou Moorcock. Os anos sessenta foram uma poca estranha: o confluir num nico momento histrico de duas mundividncias completamente opostas - as dos sobreviventes da Grande Depresso que tinham combatido na Segunda Guerra Mundial e a dos baby boomers que ento atingiam a maioridade - gerou um dos perodos mais dinmicos, conflituosos, criativos, violentos e belos de que h memria. E, ironicamente, foi nos mesmos anos sessenta, em que se voltava as costas hard science fiction heinleiniana, que uma das suas maiores promessas se concretizou: o Programa Apollo.

Heinlein, convicto Darwinista Social, acreditava que a evoluo e o futuro da humanidade no s exigiam como dependiam inapelavelmente da explorao espacial. A sua Histria Futura, cujo esquema fora publicado por Campbell, editor da Astounding Science Fiction, em 1941, colocava o primeiro grande passo dessa explorao na chegada do homem Lua, opti- misticamente prevista para 1976. Heinlein, que afirmava que a vida no s era demasiado curta, como sobretudo demasiado estreita, no dando espao a que o indivduo pudesse prosseguir interesses diversos e diversificados, escreveu nada menos do que 3 narrativas em torno da primeira viagem Lua. Tal facto seria bastante para nos dar uma medida da importncia que ele depositava naquele que seria - na fico e na realidade - um dos maiores feitos e triunfos do esprito humano; no entanto, mais eloquente ainda a paixo, claramente um reflexo da sua prpria, com que investiu D. D. Harriman, personagem central de todas elas, e protagonista das narrativas que abrem e fecham este volume. lhe Man Who Sold the Moon, ttulo original do primeiro texto desta antologia, foi originalmente publicado em 1950 e um dos melhores e mais celebrados contos de

Heinlein. Inevitavelmente datado pela chegada do Homem Lua em 1969, a noveleta mantm ainda toda a frescura de quando foi publicada pela primeira vez, graas ao tema central da luta arquetpica de um indivduo contra o sistema por forma a realizar o seu sonho. Lendo-o, possvel sorrir com a escolha do mtodo de propulso da primeira nave que parte rumo Lua, ou com os desadequados princpios e manobras econmicas com que Harriman procura financiar a sua empreitada. Mas, ao mesmo tempo, impossvel no deixar de observar o premonitrio de algumas das suas extrapolaes - afinal, quase se diria que a vida tem a tendncia a imitar a arte quando, lendo a manigncia que Harriman pretende fazer com a venda de envelopes pr-selados alegadamente transportados at Lua, nos recordamos de como um esquema semelhante manchou a misso da Apollo 15 e ps fim carreira de um dos mais capazes astronautas da NASA, David Scott. Mas, independentemente de tudo isso, O Homem que Vendeu a Lua um manifesto em prol da conquista das estrelas, um hino contra a imobilidade e o atavismo, e uma narrativa apaixonada sobre um homem que tem que suportar a suprema ironia para que o sonho de uma vida

possa ser concretizado...

I

T ens de ser crente!declaraoum sorriso de esguelha George Strong fez perante ado scio, Delos, porque no desistes? Andas a cantar essa mesma cano h anos. Talvez um dia os homens vo Lua... Se bem que eu duvide muito disso.

Mas, seja como for, tu e eu no viveremos para ver tal coisa. A perda do satlite gerador ps um ponto final nessa questo, no que toca nossa gerao. D. D. Harriman resmungou: S no veremos isso acontecer se ficarmos sentados nos nossos grandes rabos e se nada fizermos para que acontea. Mas podemos fazer que acontea. Pergunta nmero um: como? Pergunta nmero dois: porqu? Porqu, pergunta ele! Porqu? George, no haver nada nessa tua alma amarga a no ser percentagens e dividendos? Nunca te sentaste com uma rapariga, numa noite quente de Vero, a olhar para a Lua e a indagar-te sobre o que l haver? Sim, cheguei a fazer isso uma vez. Apanhei uma grande constipao. Harriman interrogou o Todo-Poderoso sobre por que razo estava entregue aos Filisteus. Depois, voltou a concentrar-se no scio. Poderia dizer-te o porqu, o verdadeiro porqu, mas no irias compreender-me. Queres saber o porqu em termos de dinheiro, no ?

Queres saber como podero a Harriman & Strong e a Harriman Enterprises mostrar lucros, no ? Sim admitiu Strong e no me venhas com a conversa acerca do negcio do turismo e das fabulosas jias lunares. J ouvi isso. Pedes-me que te mostre os nmeros relativos a um tipo de empreendimento completamente novo, sabendo que no o posso fazer. como se pedisses aos irmos Wright para te darem uma estimativa de quanto dinheiro a Curtiss-Wright Corporation viria um dia a ganhar, a fabricar avies. Deixa-me pr isto de outra forma: no querias que entrssemos no negcio das casas de plstico, pois no? Se fizssemos tudo como querias, ainda estvamos em Kansas City, a subdividir pastagens de vacas e a vender terrenos. Strong encolheu os ombros. Quanto j facturou a New World Homes, at agora? Strong pareceu distrado, enquanto exercia o talento que trazia para aquela parceria. Hum... 172 946 004,62 dlares, depois de impostos, no final do ltimo ano fiscal. A estimativa corrente para este ano de...

Esquece isso. Quanto foi o nosso encaixe? Bem... hum... a parceria, excluindo a parte com que tu ficaste pessoalmente e depois me vendeste mais tarde, teve lucros gerados pela New World Homes, durante este mesmo perodo, de 13 010 437,20 dlares, antes de impostos. Delos, esta dupla tributao tem de parar. Penalizar o empreen dedorismo uma maneira garantida de mandar este pas directamente para... Deixa isso, deixa isso! Quanto ganhmos com a Sky Blast Freight e com a Antpodes Transwaysl Strong respondeu-lhe. E, no entanto, tive de te ameaar fisicamente para te forar a avanar com uns tostes para comprarmos a patente do injector. Dizias tu que os foguetes eram uma moda passageira. Tivemos sorte objectou Strong. No tinhas maneira de saber que iria haver uma grande greve no sector do urnio na Austrlia. Sem isso, o grupo Skyways ter-nos-ia posto no vermelho. E, j agora, a New World Homes tambm teria sido um falhano, se no fosse terem aparecido as cidades beira da estrada para nos darem um mercado

margem das leis de construo locais. Ambos esses pontos no valem nada. O transporte rpido h-de sempre recompensar; sempre assim foi. Quanto ao Novo Mundo, quando dez milhes de famlias precisam de novas casas e ns conseguimos vender-lhas baratas, as pessoas compram. No permitiro que as leis de construo as impeam, pelo menos permanentemente. Apostmos numa certeza. Pensa mais atrs, George: em que empreendimentos perdemos dinheiro, e em quais ganhmos? Todas as minhas ideias loucas deram dinheiro, no foi? E a nica vez em que perdemos a mo foi com investimentos conservadores na rea financeira. Mas tambm ganhmos dinheiro com alguns investimentos conservadores protestou Strong. No o suficiente para pagar o teu iate. S justo nisto, George: a Andes Development Company, a patente do pantgrafo integrado, todos os meus esquemas bizarros... Foi preciso arrastar-te para eles. E todos eles foram compensadores. Tive de suar sangue para os tornar compensadores resmungou

Strong. por isso que somos scios. Eu agarro num gato selvagem pelo rabo; tu pes-lhe uma trela e f-lo trabalhar. Agora, vamos Lua, e tu fars com que isso seja rentvel. Fala por ti. Eu no vou Lua. Eu vou. Humpf! Delos, mesmo admitindo que tenhamos ficado ricos devido especulao com base nos teus palpites, continua a ser um facto irrefutvel que, quando se continua a jogar indefinidamente, se acaba por perder tudo. H um velho ditado sobre o cntaro que tantas vezes vai fonte... Caramba, George! Eu vou Lua! Se no me queres apoiar, vamos fazer as contas e farei isso sozinho. Strong tamborilou os dedos na secretria. Ora, Delos, ningum disse que no te apoiaria. Ento decide-te. Este o momento, e estou decidido. Vou ser o Homem na Lua. Bom... Vamos andando. Vamos chegar atrasados reunio.

Quando saam do gabinete conjunto, Strong, sempre poupado at ao tosto, teve o cuidado de apagar a luz. Harriman vira-o fazer isso milhares de vezes; desta vez, comentou: George, que achas de um interruptor que desligasse automaticamente quando sasses de uma sala? Hum... Mas suponhamos que fica algum na sala? Bom... Poderia ser configurado para se manter ligado quando algum estivesse realmente na sala; o interruptor poderia responder radiao calrica do corpo humano, talvez. Demasiado caro e demasiado complicado. No precisa de ser. Hei-de passar a ideia ao Ferguson, para ele se entreter. Tem de ser do mesmo tamanho dos interruptores actuais e suficientemente barato para que a energia poupada ao fim de um ano compense o preo. E como funcionaria? perguntou Strong. Como hei-de saber? No sou engenheiro; isso com o Ferguson e com os outros rapazes com formao.

Strong ops-se. Isso no tem valor comercial. Apagar a luz quando se sai de uma sala uma questo de temperamento. Eu tenho-o, tu no. Se um homem no o tem, no poders interess-lo num tal interruptor. Poderei, se a electricidade continuar a ser racionada. H falta de electricidade neste momento; e h-de haver ainda mais. Mas s temporria. Esta reunio h-de endireitar isso. George, no h nada neste mundo mais permanente do que uma emergncia temporria. O interruptor vai vender-se. Strong pegou num bloco de apontamentos e numa caneta. Telefonarei a Ferguson acerca disso amanh. Harriman esqueceu o assunto, para nunca mais pensar nele. Tinham chegado ao telhado. Fez sinal a um txi, e depois virou-se para Strong. Quanto poderamos realizar em capital se nos desfizssemos dos nossos activos na Roadways e na Belt Transport Corporation? E na New World

Homes? O qu?! Endoideceste? Provavelmente. Mas vou precisar de todo o dinheiro vivo que puderes libertar. A Roadways e a Belt Transport no so grande coisa; at deveramos ter-nos retirado de l mais cedo. Endoideceste mesmo. Esse precisamente o nico investimento conservador que apoiaste. Mas no estava a ser conservador quando o fiz. Acredita, George, as cidades beira da estrada esto a dar o berro. Esto a comear a ficar moribundas, tal como aconteceu aos caminhos-deferro. Dentro de cem anos, no haver uma nica no continente inteiro. Qual a frmula para fazer dinheiro, George? Comprar em baixa e vender em alta. Isso s metade da coisa... A tua metade. Temos de adivinhar em que sentido as coisas esto a avanar, dar-lhes um empurro e assegurar-nos de que estamos na primeira linha. Liquida essa tralha, George; vou precisar de dinheiro vivo para poder operar. O txi aterrou; entraram e o txi arrancou.

Deixou-os no telhado do Hemisphere Power Building; dirigiram-se para a sala de administrao do conglomerado da electricidade, que ficava to distante do piso trreo, mas para baixo, como a plataforma de aterragem, no telhado. Nesses tempos, apesar de anos de paz, os bares da indstria tinham por hbito reunir-se em locais relativamente imunes a bombas atmicas. A sala no se assemelhava a um refgio antibomba; parecia ser um salo de um apartamento luxuoso de cobertura, porque uma janela com vista, por detrs da cadeira do presidente, no extremo da mesa, mostrava a cidade vista de cima, numa imagem convincente, estereoscpi- ca, projectada do tecto. Os outros administradores estavam diante deles. Dixon acenou com a cabea quando entraram, olhou de relance para o relgio e disse: Pois bem, cavalheiros, o nosso rapaz malcomportado j chegou; o melhor comearmos. Sentou-se na cadeira de presidente e pediu silncio. As minutas da ltima reunio esto nas pastas vossa frente, como de costume. Avisem quando tiverem terminado. Harriman passou os olhos pela minuta que tinha

sua frente e imediatamente carregou num boto em cima da mesa; uma pequena luz verde comeou a piscar diante dele. A maioria dos administradores fez a mesma coisa. Quem est a atrasar a procisso? inquiriu Harriman, olhando em volta. Ah, s tu, George. Despacha-te. Gosto de analisar os nmeros respondeu o scio de Harriman; depois, carregou no seu boto. Uma luz verde maior acendeu-se diante do presidente Dixon, que por sua vez carregou noutro boto; uma placa transparente, subindo at dois ou trs centmetros sua frente, acendeu-se com as palavras EM REGISTO. Relatrio operacional disse Dixon, e tocou noutro boto. Uma voz feminina comeou a ouvirse, vinda de lado nenhum, Harriman seguiu o relatrio pela folha de papel seguinte que tinha diante de si. Estavam agora em operao treze pilhas elctricas de tipo Curie, mais cinco do que aquando da reunio anterior. As pilhas Susquehanna e Charleston tinham ficado com o dbito de potncia anteriormente cedido pela Atlantic Road- city, e as estradas dessa cidade

estavam agora a funcionar velocidade normal. Esperava-se que a estrada Chicago-Angeles pudesse ser reposta na velocidade normal durante os quinze dias seguintes. A energia continuaria a ser racionada, mas a crise estava terminada. Tudo muito interessante, mas sem nenhum interesse directo para Harriman. A crise de energia que tinha sido causada pela exploso do satlite de energia estava a ser controlada de forma satisfatria; isso era tudo muito bom, mas o interesse de Harriman residia no facto de que a causa a favor das viagens interplanetrias tinha sofrido um revs por causa disso, de que poderia nunca recuperar. Quando os combustveis isotpicos artificiais de Harper-Erickson tinham sido desenvolvidos, trs anos antes, parecera que, para alm de resolverem o dilema de uma fonte de energia impossivelmente perigosa, mas que tambm era absolutamente necessria para a vida econmica do continente, tinha sido encontrado um meio fcil de se conseguir avanar com as viagens interplanetrias. A pilha de energia do Arizona fora instalada num dos maiores foguetes da Antpodes, com o fogueto a ser

alimentado por combustvel isotpico produzido pela prpria pilha, e o conjunto todo fora colocado em rbita volta da terra. Um foguete muito mais pequeno andara ento a fazer de vaivm entre o satlite e a Terra, transportando os abastecimentos para o pessoal da pilha de energia e trazendo de volta combustvel sinttico radioactivo para a tecnologia da Terra, faminta de energia. Enquanto administrado? do conglomerado da energia, Harriman tinha sido apoiante do satlite gerador com um segundo interesse que mantivera privado; esperava fornecer energia a uma nave lunar com o combustvel fabricado no satlite gerador e, assim, conseguir a primeira viagem Lua, tudo quase de uma s vez. Nem sequer tentara sacudir o Ministrio da Defesa do seu torpor; no queria qualquer subsdio do Estado. O empreendimento era uma coisa de nada; qualquer um poderia consegui-lo e Harriman haveria de o fazer. Tinha a nave; e em breve teria o combustvel. A nave era um vaivm da sua prpria linha, da Antpodes, cujos motores tinham sido substitudos, e as asas removidas. Continuava espera, pronta a ser abastecida de combustvel. Era a City of Brisbane, recuperada para novo servio e rebaptizada de Santa

Maria. Mas o combustvel estava a demorar a chegar. O combustvel tinha de ser, antes de mais, reservado para o vaivm; depois, vieram as necessidades de energia de um continente sob racionamento. E estas necessidades tinham vindo a crescer mais depressa do que o satlite de energia conseguia debitar combustvel. Longe de estar disposto a fornecer-lhe combustvel para uma intil viagem Lua, o conglomerado tinha deitado mo aos meios mais seguros, embora menos eficientes, das pilhas elctricas de sais de urnio a baixa temperatura e gua pesada, de tipo Curie, como forma de usar o urnio directamente para corresponder procura cada vez maior de energia, em vez de construir e lanar mais satlites. Infelizmente, as pilhas de tipo Curie no geravam as condies tremendas, semelhantes ao interior de uma estrela, necessrias para criar os combustveis isotpicos que eram requeridos por um fogueto movido a energia atmica. Harriman habituara-se relutantemente ideia de que teria de usar a presso poltica para conseguir dar prioridade aos combustveis que queria para o Santa Maria. E ento, o satlite explodira.

Harriman foi distrado da leitura do relatrio pela voz de Dixon. O relatrio operacional parece satisfatrio, cavalheiros. Se no houver objeces, ser registado como aprovado. Notaro que nos prximos noventa dias regressaremos aos nveis de energia que existiam antes de termos sido forados a encerrar a pilha Arizona. Mas sem quaisquer precaues que prevejam as necessidades futuras fez notar Harriman. Enquanto estamos aqui sentados, nasceram muitos bebs. Isso uma objeco aprovao do relatrio, D. D.? No. Muito bem. E agora quanto ao relatrio de Relaes Pblicas... Permitam-me que chame a ateno para o primeiro item, cavalheiros. O vicepresidente em exerccio recomenda um esquema de anuidades, benefcios, bolsas de estudo, e por a fora, para os dependentes do pessoal do satlite de energia e do piloto do Charon. Vejam o Apndice C.

Um administrador em frente a Harriman Phineas Morgan, direc- tor-geral do grupo Cuisine, Inc. protestou: Que isto, Ed? uma pena que tenham morrido, evidentemente, mas pagvamos-lhes salrios elevadssimos e tinham bons seguros. Porqu a caridade? Harriman resmungou: Pague-se. Voto nesse sentido. So tostes. No se mata fome o animal que puxa a carroa. Eu no chamaria tostes a mais de novecentos mil dlares protestou Morgan. S um momento, cavalheiros... era o vicepresidente responsvel pelas relaes pblicas, ele prprio administrador, tambm. Se reparar nos pormenores, ver que 85% do dinheiro ser usado para dar publicidade a este gesto. Morgan semicerrou os olhos enquanto revia os nmeros. Ah! Porque no disseram logo? Bom, suponho que estes benefcios possam ser considerados como custos operacionais inevitveis, mas um mau precedente.

Sem eles, no temos nada para publicitar. Sim, mas... Dixon interveio rapidamente: O Sr. Harriman apresentou voto favorvel. Por favor, assinalem os vossos votos. O painel de contagem brilhou a verde; mesmo Morgan, aps alguma hesitao, deu o seu aval despesa. Temos, a seguir, um outro item relacionado com este prosseguiu Dixon. Uma tal Sra.... Hum... Garfield, por intermdio dos seus advogados, alega que somos responsveis pela condio deficiente congnita do seu quarto filho. Os factos putativos so que a criana estava a nascer precisamente quando o satlite explodiu e que a Sra. Garfield estava nesse momento no meridiano directamente por baixo do satlite. Quer que o tribunal lhe atribua uma indemnizao de meio milho. Morgan olhou para Harriman. Delos, calculo que voc vai dizer que devemos resolver isto fora do tribunal? No seja tonto. Vamos luta. Dixon olhou em volta, surpreendido.

Porqu, D. D.? A minha suposio que poderamos resolver o assunto por dez ou quinze mil dlares; e era isso que ia recomendar. Surpreende-me que o departamento jurdico tenha passado isso para a publicidade. bvio porqu. Est carregado de explosivos altamente poderosos. Mas deveramos lutar, apesar da m publicidade possvel. No como o ltimo caso; a Sra. Garfield e o seu rebento no so gente nossa. E qualquer idiota chapado sabe que no se pode afectar um beb por causa da radioactividade no momento do nascimento; preciso ter-se atingido o plasma gentico da gerao anterior, pelo menos. Em terceiro lugar, se deixarmos isto passar, seremos processados por todo o ovo com duas gemas que seja posto a partir de agora. Isto exige uma alocao de recursos aberta para custos de defesa e nem um cntimo para solues de compromisso. Pode tornar-se bastante caro observou Dixon. Ser mais dispendioso no ir luta. Se pudermos, deveremos comprar o juiz.

O director de Relaes Pblicas sussurrou para Dixon, e depois anunciou: Apoio o ponto de vista do Sr. Harriman. essa a recomendao do meu departamento. Foi aprovado. O item seguinte prosseguiu Dixon uma montanha de processos legais originados por termos reduzido a energia s cidades de estra da, para a desviarmos para outros stios durante a crise. Alegam perdas e danos nos negcios e comrcio, perdas de tempo, prejuzos com isto e com aquilo, mas baseiam-se todos no mesmo pretexto. O mais sensvel , talvez, o processo apresentado por um accionista que afirma que a Roadways e esta empresa esto to interligadas que a deciso de desviar a energia foi tomada tendo em conta os interesses dos accionistas da Roadways. Delos, isto da tua coutada; queres falar sobre isto? Esquece isso. Porqu? So processos base de caadeira. Esta empresa no responsvel; tratei de assegurar que

a Roadways se oferecesse para fornecer a energia porque j estava a prever isto. E as administraes no esto interligadas; pelo menos no papel. para isso que se criam os paus-mandados. Esquece isso. Para cada processo que a tens, a Roadways tem uma dzia. Vamos venc-los. O que te d tanta certeza? Bom... Harriman recostou-se e passou uma perna por cima do brao da cadeira. H uns bons anos eu era mensageiro da Western Union. Enquanto esperava no escritrio, lia tudo a que pudesse deitar a mo, incluindo o contrato que estava escrito no verso do papel dos telegramas. Lembram-se disso? Os telegramas costumavam ser entregues em papel amarelo; ao escrever uma mensagem no papel, aceitvamos o contrato que estava em letras pequeninas no verso, mas a maioria das pessoas no tinha conscincia disso. Sabem o que esse contrato obrigava a empresa afazer? Enviar o telegrama, suponho... No se comprometia a coisssima nenhuma. A empresa propunha esforar-se por entregar a

mensagem, fosse por meio de uma caravana de camelos ou s costas de um caracol, ou por qualquer outro meio sofisticado, se isso fosse conveniente; mas, em caso de falha, a empresa no era responsvel. Li essas letras miudinhas at saber o contrato de cor. Era o mais aprazvel naco de prosa que jamais li. Desde ento, todos os meus contratos tm sido elaborados com base nesse mesmo princpio. Quem quer que processe a Roadways descobrir que a Roadways no pode ser processada por perdas de tempo, porque o tempo no quantificvel. Em caso de completa falha de servio que at agora nunca aconteceu , a Roadways s responsvel pelo custo do frete cobrado, ou pelo preo dos bilhetes de transporte comprados. Por isso, esqueam. Morgan endireitou-se na cadeira. D. D., suponha que eu decidia regressar minha casa de campo esta noite, usando a via rpida, e que havia uma falha qualquer que me impedia de estar aqui amanh a horas... O que est a dizer que a Roadways no seria legalmente responsvel?

Harriman sorriu. A Roadways no ser legalmente responsvel, nem que voc morra de fome durante a viagem. Use o helicptero voltou-se para Di- xon: Proponho que no faamos nada em relao a estes processos e que deixemos a Roadways abrir caminho por ns. Estando completa a agenda normal anunciou Dixon mais tarde , est reservado tempo para o nosso colega, o Sr. Harriman, falar sobre um tema de sua escolha. No forneceu esse tema antecipadamente, mas escut-lo-emos at decidirmos encerrar a reunio, Morgan olhou com azedume para Harriman. Proponho que encerremos desde j a reunio. Harriman fez um sorriso retorcido: Por dois tostes, apoiava a tua moo e deixava-te a morrer de curiosidade. A moo foi rejeitada, por no haver mais ningum que a apoiasse. Harriman levantou-se. Sr. Presidente, meus amigos e olhou para Morgan e associados. Como sabem, estou interessado nas viagens espaciais.

Dixon olhou para ele intensamente. No me digas que isso mais uma vez, Delos! Se no estivesse a presidir, eu mesmo proporia o encerramento da reunio imediatamente. mesmo isso outra vez concordou Harriman. Agora e sempre. Ouam-me. H trs anos, quando corramos todos para colocar a pilha de energia Arizona no espao, parecia que tnhamos um bnus sob a forma das viagens interplanetrias. Alguns de vs juntaram-se a mim para formar a Spaceways, Inc., para a experimentao, investigao... e explorao. O espao foi conquistado; foguetes que podiam ser mantidos em rbita em volta do globo tambm podiam ser modificados para ir Lua; e de l, para qualquer outro lugar! Era apenas uma questo de o fazer. Os problemas que restavam eram de carcter financeiro e poltico. Na verdade, os verdadeiros problemas de engenharia da viagem espacial esto resolvidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A conquista do espao tornou-se desde ento uma simples questo de dinheiro e poltica. Mas parecia, de facto, que o processo HarperErickson, com o seu concomitante fogueto em volta da

Terra e um combustvel de fogueto econmico e prtico, tinha-o pelo menos tornado uma coisa muito real; to prxima, na verdade, que no me opus quando os primeiros lotes de combustvel provenientes do satlite foram reservados para energia industrial. Harriman olhou sua volta No devia ter ficado calado. Devia ter barafustado e ter feito presso e ter-me tornado to incomodativo que vocs acabassem por me reservar o combustvel, s para se verem livres de mim. Porque agora j perdemos a nossa melhor hiptese. O satlite foi-se; a fonte de combustvel desapareceu. At o foguete vaivm desapareceu. Estamos de regresso ao ponto em que estvamos em 1950. Assim sendo... Fez uma nova pausa. Assim sendo... Proponho que construamos uma nave espacial e a enviemos para a Lua! Dixon quebrou o silncio. Delos, ests com um parafuso a menos? Acabaste de dizer que isso j no era possvel. E agora dizes para construirmos uma nave. No disse que fosse impossvel; disse que

tnhamos perdido a nossa melhor oportunidade. O momento est mais do que maduro para uma viagem espacial. Este mundo est cada vez mais superpovoado. Apesar dos avanos tcnicos, a produo de alimentos do planeta menor do que era h trinta anos; e recebemos quarenta e seis novos bebs a cada minuto; sessenta e cinco mil por dia, vinte e cinco milhes a cada ano. A nossa espcie est prestes a explodir em direco a outros planetas; se tivermos a iniciativa, ajudaremos a que isto acontea. Sim, perdemos a melhor oportunidade; mas os pormenores de engenharia podem ser resolvidos. A verdadeira questo quem vai pagar a conta. por isso que me dirijo a vs, cavalheiros, uma vez que aqui mesmo, nesta sala, est a capital financeira deste planeta. Morgan levantou-se. Sr. Presidente, se todos os assuntos relativos a esta empresa esto terminados, peo licena para me retirar. Dixon acenou com a cabea. Harriman disse: Adeus, Phineas. No deixe que eu o retenha.

Ora bem, como ia a dizer, um problema de dinheiro, e aqui que est o dinheiro. Proponho que financiemos uma viagem Lua. A proposta no produziu nenhuma excitao especial; estes homens conheciam Harriman. Dixon disse logo: Algum apoia a moo de D. D.? S um momento, Sr. Presidente... era Jack Entenza, presidente da Two-Continents Amusement Corporation. Quero fazer algumas perguntas a Delos e voltou-se para Harriman. D. D., sabes que acompanhei a jogada quando montaste a Spaceways. Parecia um investimento barato e possivelmente lucrativo em valores educativos e cientficos; nunca fui na conversa dos cargueiros espaciais a fazer a ligao entre planetas. Isso fantasioso. No me importo de entrar no jogo contigo e com os teus sonhos, at um certo ponto, mas como te propes chegar Lua? Como disseste, ests sem combustvel para isso. Harriman ainda estava a sorrir. No brinques comigo, Jack. Sei bem como tu

alinhaste. No estavas interessado em cincia; nunca contribuste com um cntimo para a cincia. Esperavas obter o monoplio de televiso para a tua rede. Pois bem, t-lo-s, se alinhares comigo. Caso contrrio, vou buscar a Recreations Unlimited; esses ho-de pagar o que for preciso s para te enfiarem um dedo num olho. Entenza olhou para ele com ar desconfiado. Quanto me vai isso custar? A tua outra camisa, um olho, os dentes e o anel de noivado da tua mulher; a no ser que a Recreations pague mais. Raios te partam, Delos, s mesmo manhoso. Vindo de ti, Jack, isso um elogio. Faremos negcio. Ora bem, quanto forma como chegarei Lua, trata-se de uma pergunta tola. No h ningum nesta sala que consiga lidar com alguma coisa mais complicada do que um garfo e uma faca. Nenhum de vocs distingue uma chave-inglesa de um reactor a jacto; e, mesmo assim, pedemme que mostre os planos de uma nave espacial. Pois bem, eu digo-vos como vou chegar Lua. Contratarei rapaziada com massa cinzenta adequada, dar-

lhes ei tudo o que quiserem, assegurarei que tenham todo o dinheiro de que precisarem, convenc-los-ei com palavras meigas a trabalhar longas horas... e depois afastar-me-ei um pouco para os ver a obter resultados. Gerirei a coisa como um Projecto Manhattan. A maioria de vocs lembra-se do projecto da bomba atmica. Caramba, alguns at se lembram da Bolha do Mississipi1. O tipo que dirigiu o Projecto Manhattan no sabia distinguir um neutro do seu tio George; mas obteve resultados. Resolveram o assunto em trs tempos. por isso que no estou nada preocupado com o combustvel. Havemos de ter o combustvel. Teremos vrios combustveis. Dixon interveio: E, supondo que isso resulta? Parece-me que nos ests a pedir que mandemos a empresa falncia para benefcio de uma aventura sem nenhum valor real, a no ser puramente cientfico, e de um evento de divertimento nico. No estou contra; no me importaria de entrar com dez ou quinze mil para apoiar um empreendimento de valor. Mas no consigo ver nada disso como uma proposta de negcio.

1 - Crise financeira ocorrida em Frana em 1720. (N. do T.)

Harriman apoiou-se nas pontas dos dedos e percorreu a mesa com o olhar. Dez ou quinze mil? Amendoins! Dan, o que eu quero que entres com um par de mega-dlares, pelo menos; e antes de terminarmos o projecto, hs-de estar a implorar que te venda mais aces. Este o maior empreendimento imobilirio desde que o Papa traou as fronteiras do Novo Mundo. No me perguntem em que que vamos ter lucros; no posso discriminar os bens um a um; mas posso som-los. Os activos sero um planeta: um planeta inteiro, Dan, que nunca foi tocado. E outros planetas para l deste. Se no somos capazes de descortinar maneiras de arrancar uns quantos dlares rpidos de um cenrio to favorvel como este, o melhor irmos os dois viver de caridade. como ter a Ilha de Manhattan a ser-nos oferecida por vinte dlares e uma caixa de whisky. Dixon resmungou: Fazes isso soar como a oportunidade de uma vida. Oportunidade de uma vida, o tanas! Isto a

maior oportunidade de toda a histria. chover sopa; arranja um balde. Ao lado de Entenza estava sentado Gaston P. Jones, director do Trans-America e de mais uma dzia de bancos, e um dos homens mais ricos que estavam na sala. Sacudiu cuidadosamente dois centmetros de cinza do charuto e depois disse secamente: Sr. Harriman, vendo-lhe todos os meus interesses na Lua, presentes e futuros, por cinquenta cntimos. Harriman pareceu radiante. Vendido! Entenza tinha estado a morder o lbio e a ouvir tudo com uma expresso carregada. Agora, ia falar: S um momento, Sr. Jones. Eu ofereo um dlar. Um dlar e meio contraps Harriman. Dois dlares respondeu Entenza calmamente. Cinco! Foram subindo a parada. Aos dez dlares, Entenza deixou Harriman vencer e recostou-se na cadeira, continuando a parecer pensativo. Harriman olhava alegremente sua volta.

Qual de vocs, seus ladres, advogado? perguntou. A pergunta era retrica; de entre os dezassete administradores, a percentagem normal onze, para ser exacto eram advogados. Eh, Tony prosseguiu Harriman , preparame j a um documento legal que sele esta transaco de forma a que no possa ser quebrada nem diante do trono de Deus. Todos os interesses, direitos, titularidades, interesses naturais, interesses futuros, interesses mantidos directamente ou por via da posse de aces, presentemente detidas ou a serem adquiridas pelo Sr. Jones, e por a fora. Pe montes de latim nisso. A ideia que todos os interesses que o Sr. Jones tenha neste momento, ou possa vir a adquirir, so meus; por dez dlares, em dinheiro, pagos em mo. Harriman bateu com uma nota de dez dlares na mesa. Negcio fechado, Sr. Jones? Jones fez um breve sorriso. Fechado, meu jovem amigo e meteu a nota de dez dlares no bolso. Vou emoldurar esta, para deixar aos meus netos. Para lhes mostrar

como fcil ganhar dinheiro. Os olhos de Entenza disparavam de Jones para Harriman. Muito bem! disse Harriman. Meus senhores, o Sr. Jones fixou um preo de mercado para o interesse de um ser humano pelo nosso satlite. Com cerca de trs bilies de pessoas neste mundo, isso confere Lua um preo de trinta bilies de dlares. Puxou de um mao de notas. H mais algum papalvo? Estou comprador de todas as aces que sejam oferecidas, a dez paus cada. Eu pago vinte! gritou Entenza. Harriman olhou para ele com ar de aflio. Jack... No faas isso. Estamos na mesma equipa. Vamos tomar as aces juntos, a dez dlares. Dixon bateu na mesa, exigindo ordem. Cavalheiros, por favor queiram tratar dessas transaces depois de a reunio ter acabado. Algum a favor da moo do Sr. Harriman? Gaston Jones disse: Devo ao Sr. Harriman apoiar a moo dele, sem

quaisquer preconceitos. Vamos prosseguir com uma votao. Ningum se ops; votaram. Acabou com onze a trs, contra Harriman. Harriman, Entenza e Strong a favor; todos os restantes, contra. Harriman levantou-se antes que algum pudesse propor o fim dos trabalhos e disse: J esperava isto. O meu verdadeiro intento este: dado que a Empresa j no est interessada nas viagens espaciais, far o favor de me vender aquilo de que preciso em matria de patentes, processos, instalaes, e por a fora, presentemente detidos pela Empresa, mas relativo a viagens espaciais, e no relacionado com a produo de energia neste planeta? A nossa breve lua-de-mel com o satlite de energia gerou alguma experincia registada; quero us-la. Nada de formal; apenas um voto no sentido de que poltica da empresa assistir-me de todas as formas que no sejam incompatveis com os interesses primrios da Empresa. Que tal, cavalheiros? Assim, deixo-vos em paz. Jones voltou a estudar o seu charuto.

No vejo nenhuma razo para no satisfazermos o pedido dele meus senhores... E falo enquanto parte perfeitamente desinteressada. Penso que podemos fazer isso concordou Dixon , mas no te venderemos nada; arrendaremos. Depois, se por acaso conseguires o jackpot, a Empresa manter um interesse no assunto. Algum tem objeces? disse para a sala. Ningum se ops. O assunto foi registado nas actas como poltica da Empresa e a reunio foi terminada. Harriman parou para sussurrar com Entenza e, por fim, para marcar um encontro. Gaston Jones ficou junto porta, a falar em privado com o presidente Dixon. Chamou Strong, scio de Harriman. George, posso fazer-lhe uma pergunta pessoal? No garanto que responda. Avance. Sempre me pareceu uma pessoa com a cabea no lugar. Diga-me.,, Porque alinha sempre com o Harriman? Pois se o homem doido como um parafuso! Strong fez um ar inocente.

Deveria negar isso, uma vez que meu amigo... Mas no posso. Mas quero que se lixe! Sempre que Delos tem um palpite maluco, acaba por se revelar que acertou em cheio. Odeio alinhar com ele... Fico nervoso... Mas aprendi a confiar mais nos palpites dele do que nos relatrios financeiros legalmente certificados de qualquer outro homem. Jones franziu o sobrolho. O toque de Midas, hem? Pode chamar-lhe isso. Bom, lembre-se do que aconteceu ao rei Midas... no fim da histria. Muito bom-dia, meus senhores. Harriman j tinha deixado Entenza; Strong juntouse-lhe. Dixon ficou parado a olhar para eles, com ar muito pensativo. II A casa de Harriman tinha sido construda na altura em que toda a gente que podia faz-lo estava a afastar-se dos grandes centros e a ir para debaixo de terra. Acima da superfcie havia uma moradia perfeita em Cape Cod

cujos revestimentos de madeira escondiam uma couraa de ao e terrenos muito agradveis, cuidadosamente ajardinados; abaixo da superfcie havia quatro ou cinco vezes mais espao do que acima, imune a tudo menos um ataque directo, possuindo uma fonte de ar independente, com reservas para mil horas. Durante os Anos Loucos, os muros convencionais que rodeavam a propriedade tinham sido substitudos por um muro que parecia o mesmo, mas que poderia deter tudo o que fosse menos poderoso do que um tanque e os portes tambm no eram pontos fracos; os seus mecanismos eram to pessoalmente leais como um co bem treinado. Apesar do seu carcter de fortaleza, a casa era confortvel. Era tambm muito dispendiosa de manter. Harriman no se importava com a despesa; Charlotte gostava da casa, e dava-lhe alguma coisa com que se entreter. Quando tinham casado, Charlotte tinha vivido, sem se queixar, num apartamento acanhado por cima de uma mercearia; se agora gostava de brincar s casinhas num castelo, Harriman no se importava nada. Mas ia de novo comear um empreendimento de raiz; os alguns milhares por ms de dinheiro vivo que as despesas da casa representavam poderiam, em algum

momento do jogo, fazer a diferena entre o sucesso e os meirinhos do tribunal de falncias. Nessa noite, ao jantar, depois de os empregados terem trazido o caf e o Porto, aflorou o assunto. Minha querida, tenho andado a pensar se no gostarias de passar uns meses na Florida. A mulher de Harriman olhou para ele fixamente. Florida? Delos, ests a delirar? A Florida insuportvel nesta altura do ano. Ento, a Sua. Escolhe tu o local. Faz umas frias a srio, pelo tempo que quiseres. Delos, ests a preparar alguma. Harriman suspirou. Estar a preparar alguma era o inominvel e imperdovel crime pelo qual qualquer homem americano podia ser processado, julgado, sentenciado e condenado de um s flego. Interrogou-se sobre como tinham as coisas andado para que a metade masculina da espcie tivesse de se comportar sempre de forma a estar de acordo com as regras femininas e com a lgica feminina, como um rapazinho ranhoso diante de uma professora rigorosa. De certa forma, talvez. Ambos concordmos que esta casa um pequeno elefante branco.

Estava a pensar fech-la, possivelmente at vender os terrenos... Que valem muito mais agora do que quando comprmos. Mais tarde, quando nos dispusermos a isso, poderemos construir qualquer coisa mais moderna e um pouco menos parecida com um bunker. A senhora Harriman pareceu temporariamente divertida. Bom, j tenho pensado que poderia ser agradvel construir uma casa nova, Delos... Digamos um chal escondido nas montanhas; nada de ostensivo, com no mais de dois empregados, ou trs. Mas no fechamos este stio at o outro estar construdo, Delos. Afinal de contas, uma pessoa tem de viver em algum lado. No estava a pensar constru-la j respondeu Harriman, cautelosamente. Porque no? J no vamos para novos, Delos; se queremos desfrutar das coisas boas da vida, o melhor no nos demorarmos. No precisas de te preocupar com isso; eu trato de tudo. Harriman matutou por momentos sobre a possibilidade de a deixar construir, para a manter ocupada.

Se reservasse o dinheiro para o pequeno chal dela, ela iria viver para um hotel prximo de fosse qual fosse o local onde decidisse constru-lo e ento ele poderia vender aquela monstruosidade onde estavam a viver. Com a cidade de estrada mais prxima agora a menos de quinze quilmetros, o terreno haveria de render mais dinheiro do que a nova casa de Charlotte iria custar, e ver-se-ia livre do sugadouro mensal da sua carteira. Talvez tenhas razo concordou, Mas suponhamos que comeas j a construir; no vais ficar a viver aqui; vais estar a supervisionar todos os pormenores do novo local. Acho que devamos mudar-nos daqui; isto est a consumir imenso em impostos, manuteno e despesas gerais. Charlotte abanou a cabea. Isso est completamente fora de questo, Delos. Isto a minha casa. Harriman esmagou um charuto quase intocado. Lamento, Charlotte, mas no podes ter tudo. Se queres construir uma casa nova, no podes ficar nesta. Se ficas aqui, fechamos as catacumbas subterrneas, despedimos uma dzia de parasitas

em que estou sempre a tropear e passamos a viver na vivenda superfcie. Tenho de cortar despesas. Despedir os empregados? Delos, se pensas que vou empenhar-me em manter um lar para ti sem ter pessoal adequado, podes bem... Pra com isso. Harriman levantou-se e atirou com o guardanapo. No preciso um batalho de empregados para se fazer um lar. Quando nos casmos, no tinhas empregados... E eras tu que lavavas e engomavas as minhas camisas, ainda por cima. Mas, nessa altura, crimos um lar. Este stio como se fosse propriedade desse pessoal de que falas. Pois bem, vamos ver-nos livres deles, excepto a cozinheira e um criado para todo o servio. Charlotte no pareceu ouvi-lo, Delos! Senta-te e comporta-te como deve ser. Que vem a ser isso tudo de cortar despesas? Ests com algum problema? Ests? Responde-me! Harriman voltou a sentar-se, com uma expresso grave, e respondeu: Mas preciso um homem estar com problemas para querer cortar despesas?

No teu caso, sim, . Ora do que se trata? No tentes fugir questo. Olha, Charlotte... Concordmos, h j muito tempo, que eu manteria as questes de negcios no escritrio. Quanto casa, muito simplesmente no precisamos de uma casa deste tamanho. Afinal de contas, nem sequer tivemos filhos para a encher... Ah! A culpar-me por isso outra vez! Vamos l, Charlotte comeou Harriman de novo, cansadamente. Nunca te culpei, nem estou a culpar-te agora. Tudo o que sempre fiz foi sugerir que fssemos a um mdico e descobrssemos a razo porque no tnhamos filhos. E durante vinte anos, tens-me feito pagar por essa simples e nica observao. Mas isso j l vai e assunto encerrado. Eu estava apenas a tentar demonstrar que duas pessoas no enchem vinte quartos. Pagarei um preo razovel por uma casa nova, se a quiseres, e dar-te-ei uma mesada amplamente satisfatria ia comear a dizer de quanto, mas depois decidiu no o fazer. Ou podes fechar este stio e passar a viver na vivenda superfcie. Trata-se apenas de deixarmos de

esbanjar dinheiro... por uns tempos. Charlotte pegou na ltima frase. Por uns tempos... Que se est a passar, Delos? Em que que vais esbanjar dinheiro? Quando ele no respondeu, Charlotte prosseguiu: Muito bem, se no me dizes, telefono ao George. Ele hde dizer-me. No faas isso, Charlotte. Estou a avisar-te. Eu... Tu o qu? Charlotte estudou o rosto dele. Nem preciso de falar com o George; consigo ver muito bem, apenas olhando para ti. Ests com a mesma cara que tinhas quando chegaste a casa e me disseste que tinhas enterrado todo o nosso dinheiro naqueles foguetes malucos. Charlotte, isso no justo. A Skyways foi um bom negcio. Deu-nos uma pipa de dinheiro. Isso irrelevante. Sei porque ests a comportarte de forma to estranha; ests outra vez com aquela maluqueira da viagem Lua. Pois no te ajudo nisso, ests a ouvir-me? Hei-de deter-te; no tenho de aturar isso. Irei logo de manh ver o Sr. Kamens e saber o que posso fazer para te levar a

comportares-te como deve ser. As veias do pescoo de Charlotte pulsavam enquanto falava. Harriman esperou, controlando o mau gnio, antes de prosseguir. Charlotte, no tens nenhum verdadeiro motivo de queixa. Acontea o que acontecer comigo, o teu futuro est assegurado. Pensas que quero ser viva? Harriman olhou-a, pensativo. Por vezes, interrogo-me... Ora... Ora, seu... Seu animal sem corao. Levantou-se. No se fala mais nisto, importaste? E saiu, sem esperar por uma resposta. O criado de quarto estava espera de Harriman quando ele subiu para o quarto. Jenkins levantou-se apressadamente e comeou a pr a correr a gua para o banho. Desaparece rosnou Harriman. Consigo muito bem despir-me sozinho. No precisa de mais nada hoje, senhor? Nada. Mas no te vs embora se no te apetecer. Senta-te e serve-te de uma bebida. Ed, h quanto

tempo s casado? Com muito gosto. O criado serviu-se. Vinte e trs anos, faz em Maio, senhor. E como tem sido? Se no te importas que pergunte... No tem sido mau. Claro que j houve alturas... Sei o que queres dizer, Ed. Se no estivesses a trabalhar para mim, o que estarias a fazer? Bem, eu e a minha mulher falamos muitas vezes de abrir um pequeno restaurante... Nada de pretensioso, mas bom. Um stio onde um cavalheiro possa desfrutar da qualidade de uma boa refeio. Coisa para celibatrios, hem? No, no inteiramente, senhor... Mas haveria uma sala apenas para cavalheiros. Nem sequer com empregadas de mesa. Seria eu a tratar pessoalmente dessa sala. E melhor comeares a ver locais para isso, Ed. Ests praticamente prestes a abrir o teu negcio. III

Strong entrou no escritrio partilhado com Harriman na manh seguinte, precisamente s nove horas, como de costume. Ficou espantado por encontrar l Harriman antes dele. Que Harriman nem sequer aparecesse, nada significava; mas que chegasse antes de toda a gente, isso sim, era significativo. Harriman estava muito atarefado com um globo terrestre e com um livro: a edio actualizada do Almanaque Nutico, observou Strong. Mal levantou os olhos. Bom-dia, George. Olha l, quem temos a que tenha contactos com o Brasil? Porqu? Ora, porque preciso de alguns tipos bem treinados que falem portugus. E mais alguns que falem espanhol. J para no falar de trs ou quatro dzias de tipos espalhados por este pas. Descobri uma coisa muito, muito interessante. Olha aqui... Segundo estas tabelas, a Lua apenas paira cerca de vinte e oito, quase vinte e nove graus, acima e abaixo do equador. Encostou um lpis ao globo e f-lo girar. Assim. Isto no te sugere nada? No. A no ser que ests a fazer marcas num

globo que custou sessenta dlares. E s tu um velho agente imobilirio! Que possui um homem quando compra uma parcela de terreno? Isso depende da escritura. Geralmente, direitos sobre minerais e outros direitos subterrneos so... Deixa isso. Supe que o homem compra uma mina, sem haver separao de direitos: at que ponto, para baixo, posse dele? At que ponto, para cima, dele? Bom, dono de uma fatia que vai at ao centro da Terra. Isso ficou definido nos casos de escavaes em ngulo e de prospeco de petrleo em diagonal. Teoricamente, o dono do terreno possuiria tambm o espao acima dele, indefinidamente; mas isso foi alterado por uma srie de casos depois de aparecerem as companhias areas; o que alis foi bom para ns, pois caso contrrio teramos de pagar direitos de passagem cada vez que os nossos foguetes partem para a Austrlia. No, no, no, George! No. No leste bem esses casos. O direito de passagem foi

estabelecido; mas a propriedade do espao acima dos terrenos permaneceu inalterada. E mesmo o direito de passagem nunca foi absoluto; podes construir uma torre de trezentos metros no teu terreno, mesmo no stio onde costumam passar avies, foguetes, ou o que for; as naves simplesmente tero de passar por cima, sem embaterem no teu edifcio e sem que sejas penalizado. Lembras-te de como tivemos de arrendar o espao areo a sul do Hughes Field, para nos assegurarmos de que a nossa rota de aproximao no tivesse construo a barrar o caminho? Strong pareceu ficar pensativo. Sim, estou a ver a tua ideia. O princpio antigo da posse de terra permanece inalterado. At ao centro da Terra, e para cima at ao infinito. Mas... e depois? um assunto puramente terico. No ests a pensar pagar portagens para poderes operar essas naves espaciais de que ests sempre a falar, pois no? Strong fez um sorriso de esguelha, satisfeito com a sua prpria piada. Nem por sombras. Algo complemente diferente.

George... Quem dono da Lua? O queixo de Strong caiu-lhe, literalmente. Delos, ests a brincar... No, no estou. Pergunto-te de novo: se a lei mais bsica diz que um homem possui uma faixa de cu acima dos seus terrenos, at ao infinito, quem o dono da Lua? D uma olhada ao globo e responde-me. Strong olhou. Mas isso no pode querer dizer nada, Delos. As leis da Terra no se aplicam na Lua. Mas aplicam-se aqui, e aqui que me estou a concentrar nelas. A Lua permanece constantemente por cima de uma faixa da Terra delimitada pela latitude vinte e nove norte e a mesma distncia para sul; se um homem possusse toda essa faixa da Terra, que mais ou menos toda a zona dos trpicos, ento seria tambm dono da Lua, no seria? Segundo todas as teorias de propriedade real a que os nossos tribunais do ouvidos. E, por derivao directa, de acordo com o tipo de lgica de que os advogados gostam, os vrios donos dessa faixa da Terra tm direitos, e

direitos bons e vendveis, sobre a Lua, de certa forma nas suas mos, colectivamente. O facto de a distribuio desse direito ser um pouco vaga no incomodaria nenhum advogado; enriquecem precisamente conta desse tipo de direitos, sempre que se tem de fazer partilhas entre herdeiros. Isso fantstico! George, quando aprenders tu que a noo de fantstico coisa que no incomoda minimamente um advogado? Decerto no ests a pensar tentar comprar toda a regio tropical. .. porque seria isso que terias de fazer. No disse Harriman lentamente. Mas talvez no fosse m ideia comprar direitos, ttulos e interesses na Lua, conforme o caso, a cada um dos pases soberanos dessa regio em volta do globo. Se pensasse que poderia manter isto discreto e no inflacionar o mercado, bem que era capaz de tentar. Pode comprar-se uma coisa baratssima a um homem que pensa que essa coisa no vale nada, e que quer vender antes que o comprador caia em si.

Mas a ideia no essa prosseguiu. George, quero empresas, empresas locais, em cada um desses pases. Quero que os governos de cada um desses pases concedam os direitos nossa empresa local para a explorao lunar, prospeco, etc., e o direito a reclamar solo lunar em nome desse pas; com uma taxa simples, naturalmente, a ser entregue numa bandeja empresa patritica que apareceu com a ideia, E quero tudo isto feito discretamente, para que os subornos no subam a valores demasiado altos. Seremos os donos das empresas, evidentemente, e por essa razo que preciso de um rebanho de testas-de-ferro bem treinados. Vai haver uma luta dos diabos, um dia destes, acerca de quem dono da Lua; quero que o baralho esteja cortado de forma a que ganhemos sempre, sejam quais forem as cartas que nos sarem. Isso vai ser ridiculamente dispendioso, Delos. E nem sequer sabes se alguma vez chegars Lua, e muito menos se ela valer alguma coisa, depois de l chegares. Haveremos de l chegar! Ser mais dispendioso no avanar com estas pretenses. De qualquer forma, no precisa de ser muito caro; o

uso adequado de dinheiro para subornos uma arte homeoptica: usa-se como catalisador. Em meados do sculo passado, quatro homens partiram da Califrnia para Washington com quarenta mil dlares; era tudo o que tinham. Umas semanas depois, estavam falidos... Mas o Congresso recompensou-os com mil milhes de dlares em direitos de passagem dos caminhos-de-ferro. O truque no fazer inflacionar o mercado. Strong abanou a cabea. Os teus direitos no valeriam nada, de qualquer forma. A Lua no fica quieta num stio; passa por cima de terrenos que tm dono, decerto... Mas faz isso da mesma forma que os gansos quando migram. E ningum tem direitos sobre aves migratrias. Percebo o que queres dizer... Mas a Lua mantmse sempre sobre essa cintura. Se empurrares um rochedo para o teu jardim, perdes o direito a ele? As leis de propriedade mantm-se? Isto como aquele conjunto de casos de imobilirio que implicavam ilhas mveis no Mississipi, George... As terras moviam-se medida que o rio abria

novos canais, mas havia sempre algum que era proprietrio delas. Neste caso, o meu plano tratar de que ns sejamos esse algum. Strong passou os dedos pelas sobrancelhas. Parece que me lembro de que alguns desses casos de ilhas foram decididos num sentido, e outros noutro. Trataremos de escolher as decises que nos convenham. por essa razo que os advogados tm esposas que usam casacos de peles. Vamos l, George, vamos deitar mos ao trabalho. Que trabalho? De reunir o capital. Ah. Strong pareceu aliviado. Pensei que estavas a planear usar o nosso dinheiro. E estou. Mas no vai chegar, nem de longe. Usaremos o nosso dinheiro e financiamentos para pr as coisas a andar; entretanto, temos de arranjar maneira de fazer o dinheiro continuar a entrar. Carregou num boto da secretria. O rosto de Saul Kamens, director do departamento jurdico, apareceu diante dele. Eh, Saul, podes dar aqui um salto para uma conversa?

Seja l o que for, diz-lhes que no respondeu o advogado. Eu depois trato disso. Muito bem. Mas agora vem c. Esto a mudar o Inferno de stio e eu tenho a primeira opo sobre os primeiros dez carregamentos. Kamens apareceu, mas apenas quando lhe pareceu conveniente. Uns minutos mais tarde, Harrman explicava-lhe a sua ideia de reclamar direitos sobre a Lua, antes de l pr os ps. Para alm dessas empresas testa-de-ferro prosseguiu , precisamos de uma agncia que possa receber contribuies sem ter de admitir ter qualquer interesse financeiro da parte do contribuidor. Uma coisa assim como a National Geographic Society Kamens abanou a cabea. No se pode comprar a National Geographic Society. Raios partam, mas quem disse que a amos comprar? Montamos uma nossa. Era isso que eu ia dizer. Ainda bem. Da forma como vejo isto, precisamos de pelo menos uma empresa isenta de

impostos, no-lucrativa, dirigida pelas pessoas certas; e ns manteremos o controlo dos votos, evidentemente. Provavelmente, precisaremos de mais do que uma; mont-las-emos medida que formos precisando. E precisaremos de ter pelo menos uma empresa normal, no isenta de impostos,.. Mas que no mostrar lucros at estarmos prontos para isso, A ideia deixar que a empresa no-lucrativa tenha todo o prestgio e toda a publicidade.., enquanto a outra recebe todos os lucros, se e quando houver. Fazemos girar o patrimnio entre empresas, sempre por razes perfeitamente vlidas, de forma a que as empresas no-lucrativas paguem as despesas enquanto avanamos. Agora que penso nisso, ser melhor termos pelo menos duas empresas normais, para que possamos deixar uma delas ir falncia, se isso for necessrio para sacudir a gua do capote. Isto o esboo em geral. Deita mos obra e trata de que seja tudo legal, se no te importas. Kamens respondeu: Sabes, Delos... Seria tudo muito mais honesto se simplesmente o fizesses de caadeira em punho.

Um advogado a falar-me de honestidade! Deixa l, Saul... No vou mesmo ludibriar ningum, na verdade... Hum... .. .E vou apenas fazer uma viagem Lua. Ser isso que toda a gente ir pagar; e ser isso que tero. Agora trata de tudo para que seja tudo legal, v, s um bom rapaz. Faz-me lembrar qualquer coisa que o advogado do Vanderbilt mais velho disse ao velhote em circunstncias semelhantes: Est to bonito tal como est! Porqu estragar tudo tornando-o legal?. Mas tudo bem, irmo pirata, eu trato de armar a tua ratoeira. Mais alguma coisa? Claro. Fica por aqui. Podes ter algumas ideias. George, pede ao Montgomery para vir at aqui, importas-te? Montgomery, o director de publicidade de Harriman, tinha duas virtudes, aos olhos do patro: era-lhe pessoalmente leal e, em segundo lugar, era muito capaz de planear uma campanha para convencer o pblico de que Lady Godiva estava a usar uma sela de marca Caresse durante a sua famosa cavalgada... ou de que Hrcules

atribua a sua fora ao facto de comer Crunchies ao pequeno-almoo. Montgomery chegou com uma grande pasta debaixo do brao. Ainda bem que me chamou, chefe. Veja-me s isto... Abriu a pasta em cima da secretria de Harriman e comeou a mostrar esboos e artes-finais. Trabalhos do Kinsky... Aquele rapaz tem um jeito! Harriman fechou a pasta. Para que operao isso? Hem? Para a New World Homes. No quero ver isso. Vamos desfazer-nos da New World Homes. Espera um minuto... No comeces j a barafustar. Deixa os rapazes prosseguirem com isso. Quero que o preo se mantenha em alta enquanto fazemos as malas. Mas abre-me esses ouvidos para outra matria. Explicou rapidamente o empreendimento. De imediato Montgomery comeou a fazer que sim com a cabea. Quando comeamos e quanto gastamos?

Comecem j e gasta o que precisares. No te acobardes quanto a despesas; isto a maior coisa que alguma vez tivemos. Strong encolheu-se; Harriman prosseguiu: Quero que tenhas insnias a pensar nisto, esta noite mesmo. Vem ter comigo amanh, para debatermos. Espere a um segundo, chefe. Como vai cozinhar todas essas franquias da parte dos... hum... Estados da Lua, desses pases sobre os quais a Lua passa, ao mesmo tempo que fazemos uma grande campanha acerca de uma viagem Lua e de como isso vai ser ptimo para toda a gente? No vai encurralar-se num canto? Mas eu tenho cara de estpido? Conseguiremos essas franquias antes de tu mandares l para fora um simples comunicado de imprensa. Sers tu a consegui-las; tu e o Kamens. Essa a vossa primeira tarefa. Hmm... Montgomery mordiscou a unha do polegar. Bom, est certo... consigo ver uns ngulos de abordagem. Qual o prazo para termos isso tudo cozinhado?

Dou-vos seis semanas. Caso contrrio, mandame a tua demisso pelo correio, escrita na pele das tuas costas. Escrevo-a j aqui, se me ajudar, segurando um espelho. Raios partam, Monty, eu sei que no consegues fazer isso em seis semanas. Mas despacha-te; no poderemos receber um cntimo para manter as coisas a andar at vocs terem cozinhado as franquias. Se comeares a arrastar os ps, morremos fome e nem sequer chegaremos Lua. Strong interveio: D. D., para qu enredarmo-nos com estas reclamaes de direitos to complicadas, em pases tropicais cheios de mosquitos? Se ests realmente a falar a srio quanto a ir Lua, telefonamos ao Ferguson e tratamos do assunto em trs tempos. Gosto da tua abordagem directa, George respondeu Harri- man, franzindo o sobrolho. Hum... Nos velhos tempos, por volta de 1845 ou 1846, um ambicioso oficial do exrcito americano capturou a Califrnia. Sabes o que o Ministrio da Defesa fez?

No. - Obrigaram-no a devolv-la. Parece que no tinha seguido todas as regras, ou coisa assim. Assim, tiveram de se dar ao trabalho de a capturar de novo uns meses mais tarde. Ora, eu no quero que isso nos acontea a ns. No basta apenas pr um p na Lua e reclam-la; temos de validar essa pretenso aqui na Terra, nos tribunais de c... Caso contrrio, estamos metidos numa embrulhada. No assim, Saul? Kamens fez que sim com a cabea. Lembrem-se do que aconteceu ao Colombo. Exactamente. No vamos deixar-nos levar como maaricos, da forma como o Colombo foi levado. Montgomery cuspiu um pedacinho de unha. Mas chefe... Sabe perfeitamente bem que essas pretenses de Estados das bananas no valero dois tostes depois de eu as ter assegurado. Porque no conseguir uma licena das Naes Unidas e arrumar o assunto? Eu mais depressa resolvia isso assim do que a lidar com duas dzias de regimes duvidosos. Na verdade, at j tenho uma abordagem: avanamos atravs do Conselho de

Segurana e... Continua a trabalhar essa abordagem; us-laemos mais tarde. No ests a ver a mecnica toda do esquema, Monty. Evidentemente que essas reclamaes de direitos no valero nada a no ser o valor de serem um incmodo. Mas esse incmodo que importante. Escuta: chegamos Lua, ou parecemos estar prestes a faz-lo. Cada um desses pases abre imediatamente a boca; damos-lhes o engodo atravs das empresas fantoches a que eles concederam os direitos. Onde vo eles queixar-se? s Naes Unidas, evidentemente. Ora, os grandes pases deste globo, os ricos e importantes, ficam todos na zona norte, temperada. Vem em que se baseiam as reclamaes de direitos e olham freneticamente para o globo. A verdade que a Lua no passa por cima de nenhum deles. O maior pas de todos, a Rssia, no possui nem uma pazada de terra suja abaixo da latitude vinte e nove norte. Por isso, rejeitaro todas as reclamaes. Ou no? prosseguiu Harriman. Os Estados Unidos hesitam. A Lua passa por cima da Florida e das regies mais a sul do Texas. Washington fica angustiada. Devero apoiar os pases tropicais e patrocinar a teoria

tradicional do direito territorial, ou devero investir a sua influncia na ideia de que a Lua pertence a toda a gente? Ou devero os Estados Unidos tentar reclamar a coisa toda, tendo em conta que, afinal, foram os americanos os primeiros a chegar l? Nesse momento, samos ns da obscuridade. Parece que a nave lunar era propriedade de uma empresa no-lucrativa que pagou todas as despesas. Uma empresa criada sob a alada das prprias Naes Unidas... Espera l interrompeu Strong. No sabia que a ONU podia criar empresas... Vers que pode respondeu o scio. Que tal, Saul? Kamens acenou com a cabea. De qualquer forma prosseguiu Harriman , j tenho a empresa. Montei-a h vrios anos. Pode fazer praticamente tudo o que tenha natureza educativa ou cientfica... E, meus amigos, isso d pano para mangas! Mas regressando ao cerne da questo: esta empresa, esta criatura da ONU pede sua me para declarar a colnia lunar como territrio autnomo, sob a proteco das Naes Unidas. No pediremos imediatamente o estatuto de membros, porque queremos manter tudo sim-

ples. .. Simples, diz ele... disse Montgomery. Simples. Esta nova colnia ser um estado soberano de facto, com jurisdio sobre toda a Lua e, ouam com ateno, capaz de comprar, vender, de emitir legislao, de emitir ttulos de posse de terrenos, de instituir monoplios, de recolher impostos, etcetera... E seremos ns os seus donos! A razo porque conseguiremos tudo isso porque os principais Estados das Naes Unidas no conseguiro arquitectar uma reclamao de direitos que soe to legal quanto a reclamao feita pelos Estados tropicais, e no sero capazes de se pr de acordo quanto forma de dividir o bolo caso optassem pela fora bruta, e os outros Estados mais influentes no estaro dispostos a ver os Estados Unidos a reclamar o bolo todo para si. Encontraro uma forma airosa de sair deste dilema dando a aparncia de outorgar o direito s prprias Naes Unidas. O direito real, aquele que controlar todos os assuntos legais e econmicos, reverter para ns. Ests agora a ver a minha ideia, Monty? Montgomery sorriu de esguelha. No fao ideia se ser necessrio, Chefe, mas

adoro o plano. magnfico. Pois bem, eu no penso assim resmungou Strong. Delos, j te vi dar a volta a negcios complicados, alguns deles to tortuosos que deram a volta at ao meu estmago, mas este o pior de sempre. Parece-me que te deixaste entusiasmar pelo prazer que retiras de cozinhar negcios complexos em que toda a gente acaba por ser ludibriada. Harriman puxou o fumo do seu charuto com fora antes de responder: Estou-me nas tintas, George. Chama-lhe pirataria, chama-lhe o que quiseres. Eu vou Lua! Nem que tenha de manipular mil milhes de pessoas, hei-de faz-lo. Mas no preciso que seja desta maneira. Bom, ento, como farias? Eu? Eu criaria uma empresa normal. Obteria uma resoluo do Congresso que tornasse a minha empresa o instrumento escolhido pelos Estados Unidos.... Suborno? No necessariamente, A influncia e a presso

deveriam ser o bastante. Depois, dedicar-me-ia a reunir o capital e a fazer a viagem. E os Estados Unidos seriam ento donos da Lua? Naturalmente respondeu Strong, um pouco secamente. Harriman levantou-se e comeou a andar em crculos. No ests a perceber, George. No ests mesmo a perceber. A Lua no est destinada a ser propriedade de um nico pas, nem mesmo tratando-se dos Estados Unidos. Ento? Est destinada a ser tua, suponho? Bom, se for eu a possu-la, por algum tempo, no lhe darei mau uso, e tomarei providncias para que outros no lho dem tambm. Raios! O nacionalismo deveria acabar para l da estratosfera. No consegues imaginar o que aconteceria se os Estados Unidos reclamassem os direitos sobre a Lua? Os outros pases no reconheceriam esse direito. Isso tornar-se-ia um ponto de discrdia permanente no Conselho de Segurana... Precisamente na altura em que

comeamos a endireitar as coisas ao ponto de uma pessoa j poder fazer os seus planos de negcios sem se ver cerceado por uma guerra a cada par de anos. Os outros pases tero, e com toda a razo, receio dos Estados Unidos. Podero olhar para o cu, uma noite destas, e ver a principal base de msseis atmicos americana a olhar c para baixo, para eles. Ficaro quietos perante essa perspectiva? No, senhor; vo tentar garantir um pedao da Lua para seu prprio uso nacional. A Lua demasiado grande para se dominar logo de uma vez s. Haver outras bases l estabelecidas, e acabaremos por ter a maior guerra que este planeta j viu... E a culpa ser nossa. No... Ter de ser um arranjo em que toda a gente possa confiar; e por isso que temos de planear, pensar em todos os ngulos e ser manhosos acerca disto at estarmos numa posio em que possamos fazer com que funcione. E de qualquer forma, George, se a reclamssemos em nome dos Estados Unidos, sabes onde iramos ficar, enquanto homens de negcios? No lugar do passageiro respondeu Strong. O tanas! Seramos logo excludos do jogo. O

Ministrio da Defesa diria logo: Muito obrigado, Sr. Harriman. Obrigado, Sr. Strong. Agora tomamos ns conta disto, por razes de segurana nacional; j podem ir para casa. E teramos de fazer isso mesmo... Ir para casa e esperar pela guerra nuclear seguinte. No vou embarcar nisso, George. No vou deixar os militares entrarem no jogo fora. Vou montar uma colnia lunar e depois tratar dela at que seja suficientemente grande para se aguentar sozinha. Digo-vos... Digovos a todos: isto a maior coisa para a espcie humana desde a descoberta do fogo! Tratada correctamente, pode significar um mundo novo e melhor. Tratada de forma errada, pode ser um bilhete s de ida para o Armagedo. E vem a. Vem a, toquemos-lhe ou no. Mas eu planeio ser eu prprio o primeiro homem na Lua: e cuidar pessoalmente de que isto seja tratado de forma correcta. Fez uma pausa e Strong disse: J acabaste o teu discurso, Delos? No, ainda no recusou Harriman, carrancudo. No ests a ver a coisa da maneira

correcta. Sabes o que poderemos encontrar l em cima? Rodou um brao e apontou para o tecto: Gente! Na Lua? perguntou Kamens. Porque no na Lua? sussurrou Montgomery para Strong. No, na Lua, no... Pelo menos, ficaria muito surpreendido se comessemos a escavar e encontrssemos algum debaixo daquela casca sem atmosfera. A Lua j teve os seus dias; estava a falar de outros planetas: de Marte e de Vnus e dos satlites de Jpiter. Talvez mesmo noutras estrelas. Suponhamos que encontramos mesmo gente... Pensem no que isso significaria para ns. Temos estado sozinhos, completamente sozinhos, sendo a nica espcie inteligente no nico mundo que conhecemos. Nunca conseguimos sequer falar com os ces ou os macacos. Todas as respostas que j tivemos, precismos de procur-las por ns mesmos, como rfos abandonados. Mas suponhamos que encontramos de facto gente, gente inteligente, que teve oportunidade de tambm pensar pela sua cabea, sua prpria

maneira. J no estaramos ss! Poderamos olhar para o cu e j no ter medo. Terminou, parecendo um pouco cansado, e at um pouco envergonhado pela sua tirada, como um homem apanhado de surpresa num acto ntimo. Ficou a olhar para os outros, perscrutando-lhes os rostos. Caramba, Chefe disse Montgomery. Posso usar isso. Que acha? Achas que consegues recordar tudo? Nem preciso. Liguei o seu gravador silencioso. Raios te partam! Pomos isto em vdeo... Numa pea, parece-me. Harriman sorriu quase como um rapazinho. Nunca fui actor, mas se achas que isso servir para alguma coisa, estarei pronto. Ah, no. O Chefe no respondeu Montgomery num tom horrorizado. No faz o gnero. Usarei o Basil Wilkes-Booth, creio. Com aquela voz dele, que parece um rgo, e com aquela cara de anjo, ele h-de fazer passar a mensagem.

Harriman olhou de relance para a sua barriga protuberante e respondeu secamente; Muito bem. Voltemos ao trabalho. Agora, acerca de dinheiro. Em primeiro lugar, podemos ir em busca de doaes simples, a uma das empresas no-lucrativas, como se fossem financiamentos a uma universidade, Devemos ter como alvo as faixas mais altas, para quem as dedues fiscais fazem mesmo diferena. Quanto pensam que poderemos reunir dessa forma? Muito pouco comeou Strong. Essa vaca j foi sugada e j quase no d leite. Nunca ficam secas, enquanto houver homens ricos por a que prefiram fazer doaes em vez de pagar impostos. Quanto pagar um homem para ter uma cratera da Lua com o seu nome? Pensava que j todas tinham nomes... notou o advogado. Muitas delas no tm.,, E temos toda a face oculta, que ainda nunca foi tocada. No vamos tentar chegar a uma estimativa hoje mesmo; vamos apenas fazer uma lista. Monty, quero desenvolver uma abordagem que permita sacar uns cntimos

at aos midos das escolas. Quarenta milhes de midos na escola, nem que seja a dez cntimos por cabea, so quatro milhes de dlares... Podemos bem us-los. Porqu ficar por dez cntimos? perguntou Monty. Quando se consegue entusiasmar mesmo um mido, ele l arranja um dlar. Sim, mas que podemos dar-lhe em troca? Para alm da honra de tomar parte num empreendimento nobre e isso tudo? Hmm... Montgomery usou outra unha do outro polegar. Suponhamos que vamos caa dos cntimos e tambm dos dlares.,. Por dez cntimos, recebe um carto a dizer que membro do Clube Raio de Luar... No... Dos Astronautas Juniores. OK, os Raios de Luar ficam para as midas. E no nos esqueamos de incluir tambm os Escuteiros. Damos a cada mido um carto; quando ele doar mais dez cntimos, registamos isso no carto. Quando atingir um dlar, damos-lhe um certificado, bom para emoldurar, com o nome dele gravado, com uma imagem da Lua no fundo.

Em primeiro plano respondeu Harriman. Faz isso numa nica tiragem; sai mais barato e ficar melhor. E damos-lhe mais alguma coisa: uma garantia slida de que o seu nome estar presente na lista dos Jovens Pioneiros da Lua, que ser afixada num monumento a ser erigido na Lua, no local de aterragem da primeira nave lunar em microfilme, claro; temos de ter em conta o peso. ptimo! concordou Montgomery. No quer trocar de funes comigo, Chefe? E quando o mido atingir os dez dlares, damos-lhe um emblema genuno, dourado, de uma estrela cadente, e ele passa a ser um Pioneiro Jnior, com direito a votar ou outra coisa qualquer. E o nome dele sai do monumento e passa a ficar gravado numa faixa em platina. Strong parecia ter trincado uma rodela de limo. E que acontece quando ele atingir os cem dlares? perguntou. Ora, nessa altura respondeu Montgomery alegremente , damos-lhe outro carto e pode recomear tudo de novo. No se preocupe com isso, Sr. Strong. Se realmente algum mido chegar

to longe, ter a sua recompensa. Possivelmente, lev-lo-emos numa visita nave antes de esta partir e oferecemos-lhe uma fotografia dele diante da nave, com um autgrafo do piloto, cuidadosamente desenhado por uma funcionria qualquer... Sacar dinheiro a midos... Bah! Nada disso respondeu Montgomery com um tom magoado. Os intangveis so a mercadoria mais honesta que se pode vender. Valem sempre aquilo que se est disposto a pagar por elas, e nunca se esgotam. Podem levar-se para o tmulo, e sempre imaculadas! Hum... Harriman ouvia isto, sorrindo e sem dizer nada. Kamens pigarreou. Se vocs dois j acabaram de canibalizar a juventude do pas, tenho outra ideia. Chuta. George, coleccionas selos, no ? Sim. Quanto valeria um selo que tivesse ido Lua e tivesse l sido carimbado?

Hem? Mas isso no se pode, sabes... Penso que poderamos conseguir que a nossa nave lunar fosse declarada como posto oficial dos correios sem grandes dificuldade