Com força, outra vez

100
Ciência e Tecnologia e no Brasil Junho 2003' N° 88 . FAPESP PARCERIA R~DE US$ 85 MILHOES CRIMES SEM CASTIGO GENOMA E PATENTE CONTRA LEPTOSPIROSE COM OUTRA VEZ ' Experiências inovadoras com células-tronco reparam coração sem cirurgia

description

Pesquisa FAPESP - Ed. 88

Transcript of Com força, outra vez

Ciência e Tecnologia e no Brasil

Junho 2003' N° 88 . FAPESP

PARCERIA R~DEUS$ 85 MILHOES

CRIMESSEM CASTIGO

GENOMA E PATENTECONTRALEPTOSPIROSE

COM

OUTRA VEZ '

Experiênciasinovadorascom células-troncoreparam coraçãosem cirurgia

Estes livros e muitosAoutros voce encontra na

livraria cultura

AOVANCEOENGINEERING

[MATHEMATICS

~ ~ ~ ~ ~ON THE SHOULDERS CURRENT MEOICAL ADVANCEOOF GIANTS - GREAT ONA - THE SECRET OIAGNOSIS ANO 50 YEARS OF ONA ENGINEERINGWORKS OF PHYSICS OF LlFE TREATMENT 2003 MATHEMATICSANO ASTRONOMY

World-renowned Fifty years ago, J. D. Here is one of the Crick and Watson's 'Advanced Engineeringphysicist and Watson helped launch most comprehensive discovery of the Mathematics'bestselling author the greatest ongoing references available to structure of DNA introduces engineers,Stephen Hawking scientific quest of our answer common marked one of the computer scientists,presents a look at the time. Now he gives questions in everyday great turning points in and physicists tomomentous readers one of the clinical practice. the history of science. advanced math topicsdiscoveries that first full accounts of Written in a concise Biology, immunology, as they relate tochanged the the genetic revolution style, the text is said rnedicine and genetics practical problems.perception of the - from Mendel's to cover ali aspects of have ali been radically The material isworld with this first- garden to the double outpatient and transformed in the arranged into sevenever compilation of helix to the inpatient care as well succeeding half- independent parts:seven classic works on sequencing of the as the latest century, and the OOE; Linear Algebra,physics and human genome and developments in double helix has Vector calculus;astronomy. His choice beyond. Watson's medicine. This book become an icon of our Fourier Analysis andof landmark writings narrative begins with includes information times. This exploration Partial Oifferential

[by some of the world's the speculations of on over 1,000 diseases of a scientific Equations; Complexgreat thinkers traces the ancients, before and disorders with an phenomenon provides Analysis; Numericalthe evolution of skipping ahead to emphasis on an account of the methods;modern science and 1866, when a man prevention and cost- background and Optimization, graphs;shows how each named G. Mendel first effective treatment. context for the Probabilityandfigure built upon the deduced the basic discovery, its Statistics.genius of his laws of inheritance. significance andpredecessors. afterlife.significance

and afterlife.

•Pesql!!!ia Ciência e Tecnologia no Brasil

CARTAS ..........•............•... 5

CARTA DO EDITOR ..•............••.. 7

MEMÓRIA ......••..•.....•..•..... 8Há 50 anos, Johanna Dõbereiner começava aspesquisascom fixação biológica de nitrogênio

SEÇÕES

ESTRATÉGIASTartarugas ameaçadas de extinção 10Índia cria entraves para colaboração 10Novas regras para fármacos 10Usina a carvão sem gás carbônico 11

Chile investe em genômica 11Royal Society defende OGMs 11Setor de TI avança na Rússia 12Erro britânico em Bangladesh 12País perde notáveis 13Estudos dos sambaquis 14Duas revistas sobre ciência 14Bioinformática em debate 14A indústria e a inovação 15Prêmio Jabuti 2003 15MEC investe na educação a distância 15A vida de dois físicos em filme 15FAPESP cria a RedeBio 15

1;W"~ .~

<, \'\'\,...,'o

~

LABORATÓRIOÍndia sob o risco de falta de água 30As proteínas e a origem da malária 30Câncer mata mais entre os obesos 31Parasitas do fundo do mar sob supeita 31

www.revistapesquisa.tapesp.br

REPORTAGENS

CAPAOs primeiros resultados no Brasildo transplante de células-troncoem pacientes cardíacos ..... 34

POLÍTICA CIENTÍFICAE TECNOLÓGICA

PECUÁRIA

Genoma do boiampliará competitividadeinternacional 16

POLÍTICAS PÚBLICASPercentagem de crimesviolentos convertidos empena é muito baixa 20

PARCEIRAUnicamp lança Agênciade Inovação 26

REVISTA CIENTÍFICANature dedica editoriale reportagensà C&T brasileira 27

~ouz

PROPOSTACientistas querem centro deneurociências em Natal 28

CIÊNCIA

INTERNETTidia lança editalpara projetos em redede alta velocidade 40

BIOLOGIAEquipe de Minas Gerais descobrerede de tubos que armazenamcálcio no núcleo das células ... 41

GENÔMICABrasileiros seqüenciamgenoma da bactériacausadora da leptospirose .... 42

DERMATOLOGIA

Cremes de belezaestimulam mais regiõescerebrais em mulheres comepiderme sensível 46

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 3

__________________~__~~~It~~=:.,~~êl~~Cie~·n~Cia~e~Th~Cn~OI~Og~ia~nO~B~raS~il-------------------- _

SEÇÕES

A partícula atômica que foge às regras 31O bismuto é instável 31A eterna insatisfação com o corpo 32Alerta contra praga no Sul 32

Um tecodonte de peso 33O resgate de um medicamento 33Osprofundos tremores do Acre 33

SCIELO NOTÍCIAS 56

LINHA DE PRODUÇÃOBaterias para o campo de batal ha 58Rolhas de vinho descontaminadas 58Novos sensores monitoram vulcões 58Vôos mais seguros com rota virtual 59Mudança garantiu papel inovador 59Culinária ganha reforço 59Ceará monta seis incubadoras 59Túnel de vento do !TA 60Estação de imagens tem parceria alemã 60

Laboratório para materiais e processos 61Patentes 61

RESENHA 94Água no Século XXI - Enfrentando a Escassez,de José Galizia Tundisi

LANÇAMENTOS 95

CLASSIFICADOS 96ARTE FINAL 98Claudius

4 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

REPORTAGENS

AMBIENTERestam apenas 2,4%da vegetação naturaldo Triângulo Mineiro 48

ECOLOGIASucessivas ocorrências de EI Nifíonos anos 90 aumenta a emissãode gás carbônico 50

FÍSICAEquipe da USP descobreos limites de uso de uma dasequações mais empregadasno estudo do átomo 52

FÍSICO-QUÍMICAGrupo de Campinas e do MITelabora método que simplificacálculo da entropia 55

,

TECNOLOGIA

ENGENHARIA ELÉTRICAInstituto privado de tecnologiaem Manaus gera produtos, quermais independência e planejafilial em Campinas 62

MEDICINAMaterial feito com látexda seringueira fechaúlceras e reconstitui esôfagose tímpanos -66

ENGENHARIA MECÂNICA

Tecnologia nacional diminuicustos de produção de lentesespeciais fabricadascom plásticos injetáveis 70

INFORMÁTICASoftware gerado na UFPE ganha20% do mercado e evita perdasna indústria de papelão 74

SIDERURGIA

Parceria de 14 anos entreuniversidades e a CSN resultaem ganhos de US$ 85 milhõespara a empresa 76

HUMANIDADES

ARTES DO CORPO

Estudo mostra como a dançae o corpo evoluíram emconjunto, ambos emsintonia com a tecnologia .... 80

HISTÓRIA

Tese sobre o artista francêsOebret revela que ele quis,com sua obra, traçaruma biografia do Brail 84

ENTREVISTACarmen Martin, diretorado Centro de Medicina Legalde Ribeirão Preto, falade sua luta pela valorizaçãoda especialidade 88

Capa e ilustração: Hélio de Almeida

Parabéns

Agradeço muito o envio do pri-meiro número da versão em inglês darevista Pesquisa FAPESP (2002). Gos-taria aqui de saudar particularmenteos esforços feitos pela Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado de SãoPaulo no campo da pesquisa cientí-fica e tecnológica. O avanço do pro-gresso científico no Brasil e suasapostas refletem o engajamento dafundação, levado a cabo por um im-perativo maior, no futuro da pesqui-sa.Assim, é com prazer e interesse quetomo conhecimento desta revista.

Luc FERRY

Ministro da Juventude, EducaçãoNacional e da Pesquisa da França

Paris, França

Parabenizo a equipe responsávelpela revista Pesquisa FAPESP, pelonotável trabalho desenvolvido desdeas primeiras edições. Não é díficil no-tar a constante evolução em relaçãoao conteúdo das reportagens, dis-posição das informações e o materialutilizado, o que demonstra preocu-pação com a qualidade. Esta revistame faz lembrar uma frase que apreciomuito: "A comunicação pode cons-truir pontes ou muros, depende denós': Que esta obra de ligação entreos trabalhos acadêmicos, científicos ea sociedade continue a trilhar este ca-minho de sucesso.

CRISTIANO ANDRADE PEREIRA

São Paulo, SP

Economia da cultura

Como jornalista, gostaria de pa-rabenizar toda a redação da Pesqui-sa FAPESP pela excelente qualidadegráfica e editorial da revista. Um veí-culo à altura da abrangência e da ex-celência do nosso Crescente desenvol-vimento científico. Na edição de abril(no 86), fiquei muito feliz ao ler a ma-téria de Renata Saraiva: "ABeleza quePõe a Mesa". Atuando como agente

[email protected]

cultural voluntário na periferia da ci-dade de São Paulo, sempre acrediteino potencial econômico representadopela capacidade artística do brasileiro.Tomara que investidores, empresáriose autoridades reflitam sobre os dadoscontidos na matéria e reforcem seuapoio a esse setor. Com uma boa dosede incentivos, poderemos criar milha-res de empregos usando a criativida-de e a riqueza cultural do nosso povo.

JOÃoROBERTO LAQUE

São Paulo

Biodiversidade

Na reportagem "ConhecimentoProibido" (edição nv 87), na página émostrada a foto de uma rã-touro(Rana catesbeiana Shaw 1802). Estarã não é nativa nossa. Foi introduzidana década de 30 por criador do Esta-do do Rio de Janeiro visando ao iníciode sua criação, proveniente da regiãode divisa Estados Unidos-Canadá.Escapando (ou sendo até solto) deseus criatórios, está disseminada portodo o território brasileiro ocupandoo espaço dos anfíbios nativos. Por seruma espécie de grande capacidadede predação, competição e voracida-de, é considerada uma das cem pioresespécies invasoras do mundo (umaespécie invasora é aquela "não na-tiva/exótica/alienígena" que causadanos ao ambiente, à flora ou à faunanativa). Praticamente, hoje está "ado-tada" como nativa, pelo tempo que já

vive aqui. Sendo um pouco ácido: afoto no lugar das "nossas nativas" re-força bem o descaso das autoridadescom a nossa biodiversidade, ou seja,o desaparecimento dos nossos ativos,sendo necessário um substituto es-trangeiro, bem como o total desco-nhecimento do que é nosso e do quenão é nosso. Mas, nem tudo é notíciaruim. Com a introdução da rã-touro,houve o desenvolvimento de uma in-dústria zootécnica - ranicultura -que pode ser considerada a melhordo mundo em criação de grande es-cala, além de progressos formidáveisquanto aos aspectos de instalações,sistemas de criação, reprodução, pro-dução, nutrição e controle sanitário.Em tempo: vale lembrar o problematodo que está sendo causado pelo ca-ramujo africano Achantina fulica,outra espécie não nativa que esca-pou, ou foi solta, de seus criatórios. Eisso em tempos recentes. Como sem-pre, parabenizo a revista Pesquisa FA-PESP pela sua qualidade e conteúdo.

MARCIO HIPOLITO

Instituto Biológicode São Paulo.Diretoria da Abetra - Academia Bras.

Est. Técnicos em RaniculturaSão Paulo, SP

Vírus bovino

Em relação à nota publica da naseção Laboratório de Pesquisa FA-PESP (edição nv 86) sobre o vírussincicial bovino (BRSV), identificadocomo do gênero pneumovírus da fa-mília Paramixoviridae, gostaríamosde fazer algumas considerações a res-peito da micrografia eletrônica do ví-rus. Pela nossa experiência em diag-nóstico de vírus por microscopiaeletrônica, os paramixovírus apre-sentam espículas de menor compri-mento e mais concentradas ao longodo envoltório. Por outro lado, no in-terior da partícula viral é possível ob-servar com nitidez os nucleocapsí-deos na forma de herring-bone, ouseja, na nossa linguagem de micros-

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 5

copistas eletrônicos, espinha de pei-xe. Apesar da micrografia não apre-sentar uma boa definição, não foipossível distinguir os nucleocapsídeose, ainda, a disposição e a forma dasespículas sugerem ser mais um coro-navírus do que paramixovírus.

MARLI UEDA, JONAS JOSt KISIELIUS

Seção de Microscopia Eletrônica doInstituto Adolfo Lutz

São Paulo, SP

Resposta da pesquisadora ClariceWeis Arns, do Laboratório de Virolo-gia Animal do Departamento de Mi-crobiologia e Imunologia, Instituto deBiologia/Unicamp:

Achei bastante pertinentes as colo-cações e sei da experiência dos pes-quisadores Marli Ueda e lonas JoséKisielius em relação à microscopia ele-trônica (ME) de vírus. Apesar de pos-suirmos um ótimo ME aqui na Uni-camp, não temos muita experiência namanipulação de material com vírus.Porém, já conseguimos obter imagensde vírus (principalmente coronavíruse metapneumovírus de aves e por últi-mo pneumovírus de bovinos). A nossaprincipal linha de pesquisa está relacio-nada a vírus respiratórios de aves, bo-vinos e eqüinos. Concordo com as ob-servações levantadas que essa imagemlembra coronavírus, mas ela é oriundade material com BRSV (sobrenadantecelular), que foi caracterizado (virus-neutralização, PCR, infecção experi-mental em camundongos e imunohis-toquímica), não deixando qualquerdúvida ser um vírus respiratório sinci-cial bovino (tenho outras imagens,mas são ainda menos nítidas). Apesarde também termos realizado imuno-microscopia eletrônica com soro poli-clonal, nós NÃO utilizamos a MEcomo diagnóstico viral e sim ele com-plementa a pesquisa relacionada àcaracterização viral. O isolamento doBRSV brasileiro deu-se do exsudatonaso-traqueal de bezerros com sinaisrespiratórios. Verificando ME do BRSVde outros pesquisadores, pude consta-tar o mesmo, apesar de eles terem con-seguido uma massa vira I mais concen-trada (muitos vírus juntos e bastantepleomorfo e com espículas mais próxi-mas e às vezes espaçadas). A literatura

6 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

indica que o BRSV pode ser pleomorfomedindo 80 a 500 nanômetros, de diâ-metro e as projeções do nucleocapsídeoser de 7 a 19 nanômetro de diâmetro.Existem duas glicoproteínas maiores(G e F), fosfoproteínas (P), proteínasdo nucleocápsideo (N), proteínas ma-trizes (Me M2), proteínas maiores (L)e proteínas menores (Baker & Ve/icer,1991). Recentemente foi seqüenciada aúltima das proteínas desse vírus, aproteína L (Yunus,Collins, Samal,1998; Buchholz et al., 1999) comple-tando assim a seqüência do BRSV. Embovinos, é sabida a participação docoronavírus em infecções gastrointesti-nais, mas quanto a participação notrato respiratório, não temos conheci-mento se este vírus pode causar qual-quer enfermidade. Espero poder terdado alguma contribuição sobre a es-trutura do BRSV e ficaria feliz em po-der contar no futuro com a colabora-ção da equipe do Adolfo Lutz para nosauxiliar na interpretação de imagensgeradas pela ME, ou melhor, nos auxi-liar na busca de uma melhor imagemde vírus.

Dupla hélice

Foi com satisfação que li o artigodo professor Rogério Meneghini pu-blicado na revista Pesquisa FAPESPEspecial, comemorativa dos 50 anosda dupla hélice (edição nO85). puasforam as principais razões que me le-varam a enviar esta mensagem. Emprimeiro lugar, o artigo é excelente.Imagino que muitos, compartilhan-do minha opinião, já terão dito omesmo. Em segundo lugar, o nomedo professor Francisco J. S. Laramencionado como um dos poucosque faziam biologia molecular na dé-cada de 60. Certamente o professorMeneghini falará com mais proprie-dade sobre os introdutores da pes-quisa em DNA neste país. Imaginoque o professor Lara tenha sido o pri-meiro a fazer biologia do DNA nestepaís, mas posso estar enganado. Aimportância da descoberta justificaplenamente o número especial da re-vista a ela dedicada. E é inegável quea FAPESP,como nunca, tem colhidoos frutos da pesquisa em biologia do

DNA. O que chama a atenção, contu-do, é que o mérito aos que iniciaramesses estudos no Brasil não parece termerecido a atenção da FAPESP, ex-ceto pela menção feita no artigo. Ecreio que este reconhecimento porparte da Fundação seria muito bemacolhido pela comunidade científicabrasileira, particularmente neste cin-qüentenário da dupla hélice. Nessesentido, quem sabe, sua honrosa lem-brança pudesse desencadear algumprocesso que terminasse no reconhe-cimento da FAPESP aos pioneirosbrasileiros da biologia do DNA. Mui-to mais do que uma homenagem, se-ria (mais) um gesto de grandeza daFAPESP. E, novamente, parabénspelo excelente artigo.

EDUARDO GORAB

São Paulo, SP

Fome

Sou aluna do curso de MedicinaVeterinária da Faculdade de CiênciasAgrárias e Veterinárias da Universi-dade Estadual Paulista (Unesp) e leioregularmente esta revista. Inicial-mente, quero parabenizá-Ia pela ex-celente qualidade e acessibilidade delinguagem. Porém, uma nota na se-ção Política Científica me inquie-tou. Sob o título "Tecnologia contraa Fome", Pesquisa FAPESP relata alouvável disposição de quatro empre-sas de biotecnologia agrícola em coo-perar com a produção de alimentosna África. Em minha opinião, esseórgão de divulgação científica deve-ria ser mais crítico quando afirmaque a seca e as pragas são as princi-pais dificuldades encontradas naprodução agrícola africana. Ao se exi-mir de citar causas políticas, culturaise interesses econômicos, Pesquisa FA-PESP deixou uma lacuna, impensá-vel em um veículo de comunicaçãodirigido a formadores de opinião.

MARIANA CASTRO

Iaboticabal, SP

Cartas para esta revista devem ser enviadas parao e-mail [email protected], pelo fax (Ll) 3838-4181ou para a Rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP,CEP 05468-901. As cartas poderão serresumidas por motivo de espaço e clareza.

•PesquisaFAPESP

CARLOS VOGTPRESIOENTE

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADOVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIORADILSON AVANSI DE ABREU, ALAIN FLORENT STEMPFER,

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT,FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO,

HERMANN WEVER, JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA,MARCOS MACA RI, NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR,

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO,RICARDO RENZO BRENTANI, VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO·ADMINISTRATIVOFRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGD ENGLEROlRETOR ADMINISTRATIVO

JOSÉ FERNANDO PEREZDlRETORC1ENTiF1CO

PESQUISA FAPESPCONSELHO EDITORIAL

LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COOiOENAOORClEiTíflCO),ANTONIO CECHELLI DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRAZANOTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO,FRANCISCO ROM EU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO

ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, Luis NUNESDE OLIVEIRA, PAULA MONTERO, ROGÉRIO MENEGHINI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITORCHEFENELDSON MARCOLlN

EDITORA S~H10RMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTEHÉLIO DE ALMEIDA

EDITORESCARLOS FIORAVANTI ICiINC~), CLAUDIA IZIQUE (POlíTICAun

MARCOS DE OllVEIRACTECNOllJGIA.), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-lIIfE)

REPÓRTER ESPECIALMARCOS PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTESDINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFE DE ARTETÂNIA MARIA DOS SANTOS

OIAGRAMAÇÃOJOSÉ ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORESALDO C. REBOUÇAS, ANA MARIA TAVARES, BRAZ,CARLOS HAAG, CLAUDIUS, DÉBORA CRIVELLARO,

GIL PINHEIRO, JORGE COTRIN, LAURABEATRIZ,MARCELO FERRONI, MARILI RIBEIRO,

PAULO GUILHERME (OIHIND, $AMUEl ANTENOR,SIRIO J. B. CANÇADO, VERONICA FALCÃO, TÃNIA MARQUES,

TERESA NAVARRO, THIAGO ROMERO (IlIHINEI,TIAGO MARCONI, YURI VASCONCELOS

ASSINATURASTELETARGET

TEL 0113038-1434 - FAX: 111) 3038·14IBe-mail: fapespêteletarqet.com.br

APQIQOE MARKETINGSINGULAR ARQUITETURA DE MIDIA

[email protected]

PUBLICIDADETEL/FAX: 111) 5573·3095e-mall: redacaoêfapesp.br

PRÉ-1MPRESSÃOGRAPHBOX·CARAN

IMPRESSÃOPLURAL EDITORA E GRÁFICA

TIRAGEM: 4B.000 EXEMPLARES

DISTRIBUiÇÃODINAP

CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AOJORHALEIROLMX (ALESSANORA MACHAOO)

TEL: (lJ) [email protected]

FAPESPRUA PIO XI, N" 1.500, CEP 0546B·901

ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SPTEL. (11) 3838·4000 - FAX: n1l3838-4181

http://[email protected]

NÚMEROS ATRASADOSTEL. (11) 3038·1438

Osartigos assinados não refletemnecessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIALDE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA ClrNCIA TECNOLOGIAE DESENVOLVIMENTO ECDNOMICO

âGOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

gina 42) por pesquisadores paulis-tas, com a colaboração de colegas daBahia. Nesse texto o repórter especialMarcos Pivetta, depois de lembrar queuma equipe do Centro de Genoma Hu-mano Chinês concluiu pouco antes oseqüenciamento de uma outra varie-dade da bactéria, a Lai, relata que ogrupo brasileiro, além de desvendar aestrutura molecular da variedade Co-penhageni, a responsável pela maioriados casos de leptospirose humana noBrasil, solicitou nos Estados Unidos apatente de 24 genes e de suas respec~tivas proteínas, que podem ser úteispara o desenvolvimento tanto de umavacina como de testes mais eficientesde diagnóstico.

Em Tecnologia, destacamos a re-portagem do editor Marcos de Olivei-ra (página 62) sobre o Genius Institutode Tecnologia, em Manaus, que perse-gue inovações nas áreas de equipa-mentos eletrônicos, telecomunicaçõese multimídias. Criado pela Gradiente,reunindo 90 pesquisadores de 14 es-tados brasileiros, em pouco tempo oinstituto acumulou conquistas e se pre-para para ampliar suas bases, come-çando por Campinas.

Para finalizar,uma amostra das con-tradições brasileiras nas páginas da re-vista, iluminadas pela atividade de pes-quisa: de um lado, a partir da página 20,a editora Claudia Izique relata resulta-dos de trabalhos do Centro de Estudosda Violência, entre os quais este: dosmais de 600 mil crimes registrados em16 delegacias de polícia na cidade deSão Paulo, nos últimos cinco anos, so-mente algo em torno de 5% redundaráem pena. No extremo oposto, na pági-na 27, temos a notícia do editorial e re-portagens da edição de 22 de maio daNature, em que, entre palavras de re-conhecimento explícito ao dinamis-mo exibido por setores da ciência bra-sileira,a revista sugereao presidente Lulaque agarre a oportunidade de transfor-mar a força da pesquisa brasileira nasciências físicas e biológicas em vanta-gem econômica.

CARTA DO EDITOR

"Bate outra vez ..."

Naanimada discussão para en-contrar o título principal dacapa desta edição, brotavam

aos borbotões, de nossa memória, asfrases incontáveis do cancioneiro po-pular brasileiro que falam em coração.Ao fim, optamos por uma saída ao lar-go da música, mas uma dessas belasfrases ficou insistentemente conosconos dias que se seguiram. São os versosde abertura de um tocante samba-can-ção de Cartola, As Rosas Não Falam.Diz ele:"Bate outra vez de esperanças omeu coração..:: E pouco importa quedaí surja um pequeno retalho das doresde um amor sem esperanças de reali-zar-se numa relação real, porque o quepermanece da atmosfera emocional damúsica são suas palpitações positivas.

Creio que foi a palavra esperança,ou sua combinação com coração, quemais pesou para essa boa e prolongadaintromissão da música de Cartola nasagruras do fechamento desta edição.Porque, se é antes de tudo de compe-tência científica que dá testemunho areportagem sobre experiências quegrupos no Rio de Janeiro, em São Pau-lo e na Bahia vêm realizando com célu-las-tronco para a recuperação do mús-culo cardíaco afetado por insuficiênciadecorrente de diferentes cardiopatias -com resultados promissores -, é tam-bém de esperança que o texto fala.A es-perança, por exemplo, do prolonga-mento da vida, com qualidade, parapacientes que até aqui tinham no trans-plante de coração a única alternativa desobrevivência. Ainda em fase de expe-riência, o pouco invasivo transplante decélulas-tronco, relata Ricardo Zorzetto,editor-assistente de Ciência (página 34),é uma bela promessa contra a insufici-ência cardíaca crônica provocada porhipertensão, obstrução das artérias co-ronárias e mal de Chagas. É no campovasto e nem sempre bem entendido dapesquisa genômica que os pesquisado-res brasileiros estão travando essa boabatalha em favor do coração.

E, por falar em pesquisa genômica,também merece destaque a reportagemsobre a conclusão do projeto genomada bactéria Leptospira interrogans (pá- MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAÇÃO

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 7

Mudancana producão

Uma jovem pesquisadoratcheca, de 27 anos,aportou no Rio

de Janeiro em 1951 e pouco maisde dez anos depois já era umadas principais responsáveis poruma sensível mudança no modode produção de algumasculturas agrícolas brasileiras.Recém-formada em agronomiapela Universidade de Munique,Alemanha, Iohanna Dõbereiner(1924- 2000) foi contratada peloServiço Nacional de PesquisaAgropecuária, do Ministérioda Agricultura, em Seropédica(RJ), e começou a trabalhar emmicrobiologia do solo orientadapor Álvaro Barcelos Fagundes,então diretor daquela unidade.A partir de 1953, a pesquisadoravoltou sua atenção para a área defixação biológica de nitrogênio(FBN). O ponto de partida deIohanna foi suas observaçõessobre a grama batatais, que cresceem todo lugar e permanece verdee viçosa sem adubosnitrogenados. Em 1958-59,publicou com alguns colegas umtrabalho sobre a FBN em

Há 50 anos, Johanna Dõbereinercomeçava suas pesquisas comfixação biológica de nitrogênio

NELDSON MARcOLIN

8 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

cana-de-açúcar na RevistaBrasileira de Biologia. Quandoexpôs seus dados sobre aocorrência dessesmicrorganismos na cana, houvedescrença da maioria dospesquisadores. "Ninguém melevava a sério porque não existiana literatura nenhuma descriçãoda associação dessas bactériascom plantas superiores", relatouIohanna em entrevista aopesquisador Carlos Chagas Filho(1910-2000), publica da no livroCientistas do Brasil - Depoimentos(Edição Comemorativa dos 50Anos da SBPC). Em 1963,ela foi chamada a participar darecém-criada Comissão Nacionalda Soja. Logo de cara, meteu-senuma briga: a tendência era usaradubação nitrogenada, de custoelevado. Iohanna insistiu que oBrasil deveria apostar no uso debactérias fixadoras de nitrogênioe ganhou a discussão. O resultadoé o que se conhece: a partir de1964, o programa brasileiro demelhoramento de soja foi todobaseado no processo de FBN e opaís tornou-se o segundo maior

produtor mundial desse grão - aeconomia anual com fertilizantesnitrogenados chega a maisde US$ 1,5 bilhão. Iohannatrabalhou sempre na EmpresaBrasileira de PesquisaAgropecuária (EmbrapaAgrobiologia, sediada emSeropédica) e, depois, também naUniversidade Federal Rural doRio de Janeiro. Seus estudosganharam reconhecimentointernacional- chegou a serindicada para o Prêmio Nobelem 1997 - e ainda influenciamas principais linhas depesquisa sobre o temano Brasil e no exterior. Emmaio, por exemplo, especialistasde sete instituições do Rioanunciaram a conclusão doseqüenciamento daGluconacetobacter diazotrophicus,uma das bactérias responsáveispela FBN na cana-de-açúcar.Com as informações obtidas,os pesquisadores tentarãoaprimorar o rendimentometabólico da bactériapara ampliar sua capacidadede fixar nitrogênio.

Johanna em 2000(na página ao lado,acima), nos anos 50(abaixo, à esq.) eo Cerrado brasileirotomado pelaplantação de soja:melhoramentosem adubação

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 9

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Tartarugas ameaçadas de extinção

o Fundo para aConservação de Tartarugas(TCF) divulgou a relaçãode 25 espécies desse quelô-nio que estão sob risco deextinção. A lista inclui doisquelônios da América do Sul,um da América do Norte,um da América Central, 12da Ásia, três da ilha de Ma-dagascar, dois da África doSul, dois dos Estados Uni-dos, dois da Austrália e umdo Mediterrâneo. O Brasilconseguiu ficar de fora da

• Índia cria entravespara colaboração

Colaborar com as principaisuniversidades indianas fi-cou mais difícil. Para trazerum estudante ou assinar ummemorando de entendi-mento com uma instituiçãoestrangeira, as 16 maioresuniversidades do país preci-sarão de autorização prévia,de acordo com as novas di-retrizes do Ministério parao Desenvolvimento de Re-cursos Humanos. As novasregras, adotadas recente-mente, abarcam tudo, desdeo custo estimado da colabo-ração até a filiação do alunovisitante. O ministério in-diano cita "segurança políti-ca" e "sensibilidade" elevadacomo motivos para o escru-tínio mais rigoroso, en-quanto ressalva que tais co-laborações continuam "alta-mente desejáveis" para uni-versidades que esperammanter-se competitivas glo-

10 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

lista de espécies criticamen-te ameaçadas graças a polí-ticas de conservação bem-sucedidas, envolvendo váriossetores da sociedade. "A me-nos que se trabalhe com umalarme de emergência, mui-tas outras espécies vão ter amesma sorte que o SolitárioGeorge, único sobreviventedas tartarugas Abingdondas Ilhas Galápagos", dizRick Hudson, co-diretor daAliança para a Conservaçãodas Tartarugas da União

balmente (Science, 28 demarço). O físico Yash PaI,ex-presidente da Comissãode Bolsas Universitárias in-diana, no entanto, alertaque as diretrizes "levarão aatrasos fantásticos". E pode-rão, também, tornar impra-ticáveis algumas colabora-ções com pesquisadores einstituições estrangeiras. •

• Novas regraspara fármacos

Ano passado, quando umavariedade de milho especial-mente cultivada para produ-zir uma proteína famacêuticafoi encontrada crescendo naslavouras comuns de alimen-tos dos estados de Iowa e Ne-braska, nos Estados Unidos,as autoridades norte-ameri-canas resolveram abrir asdiscussões sobre uma novalegislação para a produçãode alimentos geneticamentetransformados com fins far-macêuticos no país (NewSci-

Mundial para a Natureza.Em todas as partes do plan-eta as tartarugas estão cadavez mais ameaçadas pelaexploração humana e pe-las pressões relacionadas aodesenvolvimento. As cau-

entist, 23 de março). Imedia-tamente, uma onda de boavontade aflorou entre as em-presas do setor, que prome-tem adotar medidas sanea-doras mais austeras que asprescritas pela atual legisla-ção. A própria ProdiGene -condenada e multada peloacidente com o milho trans-formado - fala em reconquis-tar a confiança do público epropõe que as plantações comfins famacêuticos sejam rigo-rosamente inspecionadas porórgãos independentes. "Pre-cisamos tratar essas plantascomo fármacos, e não comovalor agregado à agricultura",diz Iohn Howard, consultorda ProdiGene. E esbraveja:"Há muita lassidão no sis-tema". Já a Monsanto, gigan-te do ramo de agribusiness,quer ir além das medidas

sas incluem a destruição efragmentação de hábitats,o comércio clandestino deanimais, espécies invasorase aquecimento global, entreoutras. O TCF precisa deUS$ 5,6 milhões para imple-mentar um Plano de AçãoGlobal que prevê a criaçãode tartarugas em cativeiro,pesquisas nas áreas maisafetadas, programas sus-tentáveis de captura e pro-gramas educativos para po-pulações locais. •

propostas pelo Departamen-to da Agricultura norte-ame-ricano, que recomenda, porexemplo, que o milho trans-formado seja plantado a umadistância de, no mínimo, 400metros das plantações co-muns. "Se for necessário", dizIon McIntyre, da Monsan-to, "estamos preparados paraaumentar esta distância para8 quilômetros." •

• Usina a carvãosem gás carbônico

Os Estados Unidos queremconstruir uma usina ali-mentada a carvão capaz deisolar suas emissões de gáscarbônico no fundo do sub-solo (Nature, 6 de março). Aum custo aproximado deUS$ 1 bilhão, o projeto, cha-mado de FutureGen, seriacompletado em dez anos eproduziria eletricidade e hi-drogênio. A idéia é usar re-cursos públicos, privados einternacionais no financia-

,-

• Chile investeem genômica

mento. o projeto servmacomo um protótipo de tec-nologia não-poluente à basede carvão para a produçãode energia, de acordo comas autoridades do Departa-mento de Energia dos Esta-dos Unidos. Segundo os es-tudos, inicialmente, a usinaconseguiria isolar cerca de90% do gás carbônico quelibera, chegando a 100% maistarde. O projeto, que vemsendo anunciado com alarde,teria por objetivo responder

às críticas contra a adminis-tração do presidente GeogeW. Bush, acusada de omis-sa em relação às questõesclimáticas e ambientais. Al-guns cientistas aplaudem ainiciativa do governo, afir-mando que ela seria eficaz alongo prazo. Mas os críticosdo projeto argumentam queele só iria desviar a atençãoe o dinheiro de medidas vol-tadas para resolver o proble-ma do efeito estufa a curtoe médio prazos. •

co e Tecnológico. Os proje-tos contam com o apoio doBanco Interamericano deDesenvolvimento, de quatrouniversidades, da Funda-ción Ciencia para Ia Vida e-daempresa Nippon Minning, doJapão. "O desenvolvimentoda genômica exige grandesinvestimentos", justificou aojornal EI Mercúrio, de Santia-go do Chile, a bioquímicaIenny Blarnmey, coordena-dora do projeto. Nos diver-sos laboratórios montadosno âmbito do projeto estãosendo seqüenciados os genesda nectarina com o objetivode identificar a causa da are-nosidade de algumas frutas.Também se investiga a uva,para identificar genes que seexpressam quando a frutaé atacada por um vírus oubactéria e que baixam aqualidade do produto. Ospesquisadores querem, ainda,saber qual o gene responsá-vel pela ausência de semen-tes na sultanita, uma uva demesa muito apreciada, coma intenção de criar outrasfrutas com características se-melhantes. Na área da mine-ração, o Consórcio BioSig-ma, formado pela CodelcoChile e Nippon Minning, es-tuda as bactérias com po-tencial para tornar solúveisalguns minerais, como o co-bre, por exemplo, de forma aevitar o uso de produtos quí-micos no processo de separa-ção do minério da rocha. •

O Chile está investindo pesa-do no desenvolvimento do seuPograma de Genômica, inicia-do em 2001. Quatro proje-tos considerados chave (trêsde fruticultura e um de mine-ração) contam com um totalde US$ 11,3 milhões, mais doque a soma dos recursosdestinados aos 360 projetosapoiados pelo Fondo Nacio-nal de Desarrollo Científi-

Royal Society defende OGMsA Royal Society, academiade ciências do Reino Unido,defendeu os organismosgeneticamente modifica-dos (OGMs), em manifes-to oficial, no dia 8 de maio.O documento acrescentadois pontos à Revisão so-bre Ciências do OGMs -como é denominado o de-bate oficial do governo bri-tânico sobre engenhariagenética. O primeiro é que"o potencial de ingredien-tes geneticamente modifi-cados reduzirem a qualida-de nutricional dos alimen-tos ou causarem reaçõesalérgicas não é diferente deingredientes não-transgê-nicos", e o segundo, é que"não há evidências críveisde que a saúde humana

possa ser prejudicada pelaingestão de seqüências deDNA criadas pelo melho-ramento genético de ingre-dientes alimentares". Deacordo com o vice-presi-dente e secretário de Biolo-gia da Royal Society, Pa-trick Bateson, o exame de

resultados de pesquisas pú-blicas não indicaram queos alimentos genetica-mente modificados sejam"inerentemente" inseguros."Se alguém tem evidênciasconvincentes, que as divul-guem para que possam seravaliadas", completou. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 11

• Setor de TIavança na Rússia

As companhias de tecnologiada informação (TI), na Rússia,só fazem crescer. Pelo menos,essa é a avaliação da Inter-national Finance Corpora-tion (IFC), uma organizaçãoligada ao Banco Mundial quefinancia projetos do setorprivado nos países em desen-volvimento (DevelopmentOutreach - World Bank Insti-tute, março de 2003). No anopassado, a IFC fez diversosinvestimentos no setor de TIna Rússia. Explica-se. A anti-ga União Soviética - que in-vestiu alto na formação de ta-lentos para sustentar-se comopotência tecnológica e militar-legou ao país uma das maio-res comunidades científicasdo mundo. Além disso, comosempre enfatizou o ensino dematemática e ciência, a quali-dade técnica desses cientistasé inquestionável. Se souberemaproveitar o potencial intelec-tual desses profissionais de pri-meiro time, as companhias deTI, na Rússia, têm tudo paracontinuar crescendo. •

• Erro britânicoem 8angladesh

sobre os altos níveis de arsê-nico quando realizaram umainspeção hidroquímica nasregiões central e nordeste deBangladesh, em 1992, pôssuas vidas em risco. Sintomasiniciais de arsenicose, doen-ça potencialmente mortal,foram diagnosticados em am-bos. A presença natural dearsênico nos reservatóriossubterrâneos de Bangladeshé agora um problema reco-nhecido, que a OrganizaçãoMundial de Saúde descrevecomo "o maior envenena-mento em massa de uma po-pulação na História". O Con-selho Nacional de Pesquisa

Após decisão da Alta Corte deLondres, deverá ser movidauma ação de perdas e danosacusando cientistas financia-dos pelo governo britânico denegligência ao avaliar reservasdo lençol freático em Bangla-desh, na Ásia. A decisão podeter implicações para centenasde cidadãos que dizem ter so-frido envenenamento por ar-sênico. Binod Sutradhar eLucky Begum alegam que afalha que os cientistas da Bri-tish Geological Survey (BGS)cometeram ao não alertar

Ciência na webEnvie sua sugestão de site científico para [email protected]

~.:;::.r::s.:,:==:::,~====-"::.:..=--=:::fno""'Ga ••~ ••e::.::::- __ -.-m."'-t:'!'L't',.,._

___ r--~

=:~:.7.:;;.-=-_.-'-:::--------''',;:;-~ ...~--~_::.r;::::::.--

=::.::::::..-: -- - - - .

www.zoonews.com.brPortal com notícias deagronegócios e agrociências no Brasil,artigos e trabalhos científicos.

eol.jsc.nasa.gov/sseopReunião de sensacionaisfotografias da Terra vista do espaçotiradas pela Nasa desde 1961.

philsci-archive.pitt.eduArquivo aberto de textossobre filosofia da ciênciada Universidade de Pittsburgh.

12 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Ambiental (CNPA) nega ve-ementemente qualquer ne-gligência. Argumentou que ainspeção foi financiada pelaAgência de DesenvolvimentoExterior e que não havia re-lação contratual entre a BGSe o governo de Bangladesh,suas agências ou os acusado-res. Estes disseram que o re-latório incluía averiguaçãoda toxicidade da água parahumanos. Em seu julgamen-to, o juiz Simons recusou-sea rejeitar as acusações. Enfa-tizou, no entanto, não ter to-cado os méritos subjacentesde nenhuma das partes (Fi-nancial Times, 9/05/03). •

.•..----9

• ESTRATÉGIAS BRASIL

A "primeira-dama da botâ-nica" brasileira. GrazielaMaciel Barroso. morreudia 5 de maio aos 92 anos.em conseqüência de proble-mas pulmonares. Nascidaem Corumbá, Mato Grossodo Sul. casou-se aos 16 anoscom o agrônomo LiberatoJoaquim Barroso e. aos 30.já com os filhos criados. foiconvidada pelo marido aretomar os estudos. Ajuda-da por ele, que lhe ensinoubotânica, Graziela esta-giou no Jardim Botânicodo Rio de Janeiro. Aos 47anos prestou vestibular epassou a cursar biologiapela então Universidadedo Estado da Guanabara.Quando dava aulas na Uni-versidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp), decidiufazer doutorado na mesmainstituição. E em 1973, aos60 anos, defendeu sua tese.Publicou vários artigos elivros. Trabalhou nas uni-versidades federais do Riode Janeiro (UFRJ) e de Per-nambuco (UFPE) e naUniversidade de Brasília(UnB), além da Unicamp.A árvores caiapiá-da-cana(Dorstenia grazielae), maria-preta (Diatenopteryx grazie-lae)e pata-de-vaca (Bauhiniagrazielae) foram batizadasem sua homenagem. •

Graziela: cientista temporã Freire-Maia: pioneiro

Faoro: Os Donos do Poder

• Pioneiro emgenética humana

Newton Freire-Maia, umdos pioneiros em genéticahumana no Brasil, morreudia 11 de maio, aos 84 anos,em conseqüência de cân-cer. Mineiro de Boa Espe-rança e radicado em Curi-tiba, Freire-Maia fundouo Departamento de Genéti-ca da então Universidadedo Paraná (atual UFPR).Ficou conhecido pelo estu-do sobre casamentos con-sangüíneos. Nos últimos30 anos, dedicou-se àspesquisas de displasias ec-todérmicas, doença here-ditária que afeta vários te-

Dreifuss: best-seller

cidos. Escreveu 18 livros efoi co-autor de várias obraseditadas no exterior. Mem-bro titular da AcademiaBrasileira de Ciências, pre-sidente de honra da Socie-dade Brasileira para o Pro-gresso da Ciência (SBPC),trabalhava como professoremérito do Departamentode Genética da UFPR. •

• O pensadorlibertário

o jurista e escritor Ray-mundo Faoro morreu dia15 de maio no Rio de Janei-ro, aos 78 anos, vítima defalência múltipla dos órgãosem decorrência de enfisema

DOttO$; j 8'Mrlâ CQm

a saúde debilitada havia al-guns anos. Natural de Vaca-ria, Rio Grande do Sul, filhode agricultores, Faoro eraum pensador da históriado Brasil e foi um grandedefensor da volta das liber-dades democráticas. Foi pre-sidente da Ordem dos Ad-vogados do Brasil (OAB) de1977 a 1979. •

• Mestre daciência política

O pesquisador René Ar-mand Dreifuss, morto dia 4de maio aos 58 anos, erauma referência na ciênciapolítica brasileira. Nascidoem Montevidéu, Uruguai, enaturalizado brasileiro, pu-blicou alguns livros fun-damentais para entender ahistória recente do país.Professor do Departamentode Ciência Política da Uni-versidade Federal Flumi-nense, membro-fundadordo Núcleo de Estudos Es-tratégicos da UniversidadeEstadual de Campinas epesquisador do InstitutoVirtual Internacional dasMudanças Globais, deixouuma legião de admiradorese pesquisadores formadospor ele. Dreifuss escreveu,entre outros livros, 1964:a Conquista do Estado, querapidamente transformou-se em um clássico - e best-seller, algo raro na área. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 13

Nos próximos sete anos,pesquisadores do Labora-tório de Estudos EvolutivosHumanos da Universida-de de São Paulo (USP) vãocomparar as medidas e for-mas de mais de mil crânioscom idade estimada entre500 e 6.500 anos que foramresgatados em sambaquisde toda a costa brasileira,desde o Rio Grande do Sulaté o Pará, e se encontramdepositados em museus na-cionais. Formações caracte-rizadas por grandes montesconstituídos de conchas demoluscos e sedimento, ge-

• Duas revistassobre ciência

o Departamento de Filosofiada Faculdade de Filosofia, Le-tras e Ciências Humanas daUniversidade de São Paulo(USP) lançou uma revista de-dicada à ciência, a Scientiaestudia. A publicação trata deestudos de filosofia e históriada ciência e sobre o impactoda aplicação técnica e tecno-lógica no conjunto da culturae da sociedade. O primeironúmero começa com o artigo"A Ciência e as Idas e Voltasdo Senso Comum", do profes-sor Michel Paty, ex-diretorcientífico da Equipe REH-SEIS (Recherches Epistémo-logiques et Historiques surles Sciences Exactes et sur lesInstitutions Scientifiques) doCentro Nacional de PesquisaCientífica (CNRS, na sigla emfrancês). Os outros textos darevista são de professores epesquisadores que realizaram

tigo debate acadêmico: es-sas antigas populações cos-teiras pertenceram a apenasum grupo biológico, comoacreditam alguns estudio-sos, ou a dois ou mais po-vos distintos, como defen-dem outros especialistas.Na prática, a iniciativa pro-duzirá uma síntese sobre aocupação pré-histórica do .litoral de cada Estado ondehá sambaquis. As primeirasanálises do projeto come-çaram em abril, com o es-tudo de 40 crânios encon-trados no Paraná e emSanta Catarina. •

Estudo dos sambaquis

Crânio resgatadono litoralde Santa Catarina:pré-hist6riada costa

ralmente com 2 ou 3 me-tros de altura, os sambaquissão sítios arqueológicos as-sociados às primeiras po-

pulações humanas que ha-bitaram o litoral do país.Um dos objetivos do proje-to é jogar luz sobre um an-

estágios de doutorado-sanduí-che, de pós-graduação ou depesquisa na Equipe Rehseis."Scientiae studia presta, assim,uma homenagem a Paty, ines-timável mestre e colaboradorentusiasta", explica Pablo Ru-bén Mariconda, professor doDepartamento de Filosofia eeditor da publicação. Numaoutra área afim, a de divulga-ção científica, foi lançado oterceiro número de Univer-ciência, revista com reporta-

gens e artigos de ciência etecnologia da UniversidadeFederal de São Carlos (UFS-Car), A publicação, quadri-mestral, traz na capa repor-tagem sobre o "garimpo" decientistas que têm como ma-téria-prima de sua pesquisauma série de documentoshistóricos. Mais informaçõessobre as duas revistas pelose-mails: [email protected] e [email protected]. •

14 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

• Bioinformáticaem debate

A primeira Conferência In-ternacional de Bioinformáti-ca e Biologia Computacional(Icobicobi), que aconteceude 14 a 16 de maio, em Ribei-rão Preto (SP), reuniu 320participantes. Eles discutiramo uso combinado de concei-tos e técnicas para solucionarproblemas relevantes em bio-logia. "A repercussão da con-ferência superou as nossasexpectativas", destaca IúniorBarrera, do Departamentode Ciência da Computaçãodo Instituto de Matemática eEstatística da USP, da co-missão organizadora da Ico-bicobi. Engenharia mole-cular, inteligência artificial eneuroinformática foram al-guns dos temas debatidos nasduas mesas-redondas: "Pers-pectivas em bioinformática"e "Bioinformática: modismoou área estratégica?", da qual

participaram da cnaçao doCentro Brasileiro de PesquisasFísicas, no Rio, e do ConselhoNacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico(CNPq), como relata Marianino documentário CientistasBrasileiros: César Lattes e JoséLeite Lopes, que será lançadoem São Paulo, em 11 de ju-nho, às 16 horas, no Institutode Física da USP; e no Rio, às20 horas, dia 16 de junho, noMuseu do Universo. •

participou o diretor-cientí-fico da FAPESP, José Fernan-do Perez. Em 2004, a orga-nização da segunda edição daIcobicobi estará a cargo doprofessor Sandro de Souza,do Instituto Ludwig (Lud-wig Institute for Cancer Re-search), de São Paulo •

• A indústriae a inovação

Pesquisa realizada pela Fe-deração das Indústrias doEstado de São Paulo (Fiesp)com 849 empresas com até 99funcionários constatou que

77% delas desenvolvem no-vos produtos e que 62% en-frentam dificuldades paradar andamento à inovação.Revelou, ainda, que 60% dasempresas nunca recorreramà instituição de pesquisa ouuniversidade para se informarsobre novas tecnologias. Aquase totalidade das empre-sas consultadas (97%) utilizaa Internet e a maioria (75%)realizou modificações nossistemas de informática nosúltimos dois anos. •

• PrêmioJabuti 2003

A ciência ficou com cincoPrêmios Iabuti em 2003. O li-vro Princípios de Oceanogra-fia Física de Estuários, de LuizBruner de Miranda, BelmiroMendes de Castro e Bjôrn Kjer-fve, que, no período de pes-quisa, contou com o apoio daFAPESP, foi vencedor na ca-tegoria Ciências Exatas, Tec-nologia e Informática. Biodi-versidade na Amazônia Bra-sileira, coordenado por JoãoPaulo Capobianco, na áreade Ciências Naturais e daSaúde, foi o vencedor doPrêmio Iabuti 2003 na cate-goria Livro do Ano Não-fic-ção. Na área de Ciências Hu-manas, venceu A Manilha e oLibambo, de Alberto da Costae Silva; na Educação e Psico-logia, O Direito à Verdade, deLeonardo Posternak; e emTeoria Literária e Lingüística,o livro Walter Benjamin -Tradução & Melancolia, deSusana Kampff Lages. Na ca-tegoria Livro do Ano - Fic-ção, o vencedor foi Bichos queExistem e Bichos que NãoExistem, de Arthur Nestrovsky.O Prêmio Iabuti 2003, dis-tribuído pela Câmara Bra-sileira do Livro, teve um nú-mero de inscrição recorde, de2.016 obras. •

• MEC investe naeducação a distância

O Ministério da Educação(MEC) vai investir R$ 600milhões para criar, nos pró-ximos quatro anos, 250 milvagas em cursos de educaçãoa distância promovido poruniversidades públicas. Atéjulho serão criados nove con-sórcios regionais de univer-sidades para a oferta de até10 mil vagas, aproveitando atecnologia e a capacidade jáadquirida nesta área. •

PRINcfl>IOS DE OCE.-\:><OGRAFlA

Ftsrcx DE ESTl'ÁRIOS

I,.o,oi~8ru"~ d., Mi•.••nda

ReI",õ •.•.•M.,,,dco do: Curru1!jôr-IIKjo:-rm.

I~

• A vida de doisfísicos em filme

O cineasta José Mariani con-seguiu resumir em um doeu-mentário de uma hora adensa vida acadêmica - en-tremeada pela luta pela ciên-cia nacional - de dois dosmaiores físicos brasileiros:José Leite Lopes e César Lat-teso Lopes ganhou reconhe-cimento internacional em1958 ao propor a existênciade duas partículas ligadas àluz e a unificação de duas for-ças (eletromagnética e fraca)que atuam sobre as partícu-las do núcleo atômico. CésarLattes estudou na década de40 na Universidade de SãoPaulo (USP). e tornou-se co-nhecido por identificar em1948 uma partícula atômicachamada méson-pi. Ambos

• FAPESP criaa RedeBio

No Dia Internacional do MeioAmbiente, 5 de junho, a FA-PESP lança normas e prazospara apresentação de Pré- Pro-postas de Projetos para a RedeBiota de Bioprospecção e Bio-ensaios/RedeBio (www. rede-bio.org.br). A diretoria cientí-fica da FAPESP está avaliandoa oportunidade de criar aRede Paulista de Bioprospec-ção e Bioensaios, associadaao Programa Biota, para inte-grar todos os grupos de pes-quisa que atuam, direta ouindiretamente, nas várias eta-pas da prospecção de novoscompostos-guia em micror-ganismos, fungos macroscó-picos, plantas, invertebradose vertebrados. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 15

PECUÁRIA

Genoma funcionalbovino deverá

ampliar vantagemcompetitiva

do Brasilno mercado

internacionalde carnes

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

avan Oda boiada

Em 2002, o Brasil contabilizou183 milhões de cabeças de gadoe passou a ter o maior rebanhocomercial do mundo. Neste ano,vai assumir o primeiro lugar en-

tre os países exportadores' de carne bovina.Com vendas previstas de 1,2 milhão de to-neladas, passará à frente da Austrália - cujasvendas externas não devem ultrapassar 950milhões de toneladas por conta de uma for-te seca - e dos Estados Unidos - que têmmantido a marca histórica de 1,05 a 1,1 mi-lhão de toneladas.

Essa performance, nada desprezível paraum país que há 25 anos registrava déficit nabalança comercial do produto, deve ser cre-ditada, em larga medida, à pesquisa científicadesenvolvida por universidades e institutosespecializados em parceria com associaçõesde criadores, que garantiram o melhora-mento genético, o aumento da produtivida-de e da sanidade do rebanho, agregando va-

lor às exportações brasileiras. Só no ano pas-sado, o comércio externo da carne bovinacorrespondeu a US$ 1,1 bilhão. Se a essacifra forem somados os resultados das ex-portações de toda a cadeia produtiva - cou-ro e calçados de couro -, chega-se à receita deUS$ 3,2 bilhões, num total de US$ 60,3 bi-lhões de exportações brasileiras no período.

Essa vantagem competitiva obtida pelopaís deverá se ampliar com os resultados daspesquisas do Genoma Funcional do Boi,lançado no dia 7 maio. O projeto vai identi-ficar genes bovinos dos animais da raça ne-lore, variedade zebuína (Bos indicus) - querepresenta 80% do rebanho brasileiro - paradesenvolver produtos e tecnologias que per-mitam superar limitações relacionadas aocrescimento, qualidade da carne, sanidade eeficiência reprodutiva que impedem umaainda maior competitividade da pecuárianacional. "É um salto histórico para o país",afirmou o governador paulista Geraldo

Alckmin, presente ao lançamento doprojeto. Os estudos serão desenvolvi-dos por pesquisadores do ProgramaGenomas Agronômicos e Ambientais(AEG), em 20 laboratórios de pesqui-sas. O projeto está orçado em US$ 1milhão, financiado pela FAPESP emparceria com a Central Bela Vista deGenética Bovina (veja revista PesquisaFAPESP, edição na87). "O objetivo finalé melhorar a qualidade da carne paraconseguir bons preços e novos merca-dos': diz Jovelino Mineiro, da CentralBela Vista. ''A biotecnologia abre umajanela de novas oportunidades para opaís", acrescenta José Fernando Perez,diretor científico da FAPESP.

Além de ampliar a produtividadedo rebanho e sustentar a posição dedestaque do Brasil no comércio inter-nacional de carnes, os estudos do geno-ma do boi vão permitir que o país se

adiante às exigências da OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC), respon-sável pelo estabelecimento de regras sa-nitárias, genéticas ou zootécnicas. Essasnormas se baseiam em pesquisas de-senvolvidas por países com conheci-mento científico mais adiantado. "Como genoma funcional, poderemos nosantecipar e até estabelecer novas regrasque garantirão ainda mais vantagensno mercado mundial de carnes", prevêo secretário estadual de Ciência, Tecno-logia, Desenvolvimento Econômico eTurismo, João Carlos de Souza Meire-ileso Pecuarista, o secretário é um ob-servador qualificado: foi presidente doConselho Nacional de Pecuária de Cor-te, do Comitê Nacional de Saúde Ani-mal, vice-presidente do SecretariadoMundial de Carnes e coordenador doFórum da Cadeia Produtiva da Pecuá-ria Bovina do Mercosul, entre outros.

Dos catálogos à pesquisa - O estudo dogenoma funcional representa um ex-traordinário avanço nas pesquisas combovinos, iniciadas no século passado,quando foram criados os primeiros li-vros de registro genealógico do reba-nho brasileiro. ''A primeira informaçãonecessária para fazer melhoramentogenético é saber quem são o pai e a mãedo animal': comenta Antônio do Nas-cimento Rosa, pesquisador da EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuária(Embrapa) Gado de Corte, com sedeem Campo Grande, Mato Grosso doSul. O primeiro desses livros, datado de1904, foi lançado em Bagé, no RioGrande do Sul, e catalogava bois e vacasde origem européia (Bos taurus). Em1918 foi publicado o livro de registroda marca zebuína (Bos indicus), pelaSociedade Rural do Triângulo Mineiro,atual Associação Brasileira dos Criado-

res de Zebu (ABCZ), raça original daÍndia introduzida no país no começodo século por um grupo de criadores.A partir dos anos 50, começaram a serrealizadas no Brasil as chamadas Provasde Ganho de Peso (PGP). ''Animais dediferentes rebanhos eram reunidos emregime de confinamento ou no pasto eexpostos às mesmas condições para sa-ber quem ganhava peso mais rapida-mente", diz Rosa. A partir daí, era feitaa seleção dos melhores animais, usadospara reprodução.

Genética clássica - Na década de 60,registra-se o primeiro grande impulsooficial à produção brasileira com a cria-ção do Programa Nacional de Desen-volvimento da Pecuária, quando o paísdesenvolveu um ciclo frigorífico e pas-sou a investir em tecnologias de produ-ção para melhorar as condições sanitá-rias do abate. Dez anos depois tiveraminício as pesquisas clássicasde genéticaquantitativa aplicada, implementadaspor universidades, instituições de pes-quisa e associações de criadores para omelhoramento do rebanho. Esses pro-gramas tinham por objetivo produziranimais com características comerciaissuperiores, ou seja, com crescimentomais rápido, reprodução precoce ecarne de melhor qualidade. "Hoje, de-pois de mais de três décadas de pes-quisa, podemos dizer que o Brasil éum centro mundial de referência empesquisa de melhoramento genético",afirma Irineu Umberto Packer, da Es-cola Superior de Agricultura Luiz deQueiroz (Esalq), da Universidade deSão Paulo (USP).

O Centro Avançado de PesquisaTecnológica do Agronegócio de Bovi-nos de Corte (antiga Estação Experi-mental de Zootecnia de Sertãozinho),pertencente ao Instituto de Zootecniada Secretaria da Agricultura do Estadode São Paulo, um dos pioneiros naspesquisas para a redução da idade deabate, tem registrado resultados cientí-ficos e práticos excelentes. "Constata-mos um ganho de peso da ordem de1% ao ano, ou 3 quilogramas, nos ani-mais selecionados. Com isso,a garrota-da, com 1 ano de idade, pesa cerca de60 quilogramas a mais do que há 20anos", diz Alexander George Razook,que lidera o programa de seleção debovinos zebuínos (nelore, guzerá e gir)com base no peso pós-desmama e seus

18 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

1

efeitos sobre a conversão alimentar, re-produção e carcaça, iniciado em 1976."Essa diferença se traduz no peso deabate e de carcaça': diz ele.

Pesquisadores da Universidade Es-tadual Paulista (Unesp), em Botucatu,também vêm realizando, desde 1991,pesquisas para acelerar a precocidadedos animais. "No Brasil, os bovinos le-vam, em média, de três a quatro anospara serem abatidos. Com as nossaspesquisas sobre novilho superprecoce,reduzimos esse tempo para 13 meses.Quanto mais novo o animal vai para oabate, maior a maciez de sua carne",explica Antônio Carlos Silveira, quecoordena o projeto temático Cresci-mento de Bovinos de Corte no ModeloBiológico Superprecoce, financiado pelaFAPESP.Iniciado em 1999, o projetoconta com a participação da Faculda-de de Ciências Agrárias e Veterinária(FCAV) da Unesp de Jaboticabal, daFaculdade de Medicina da USP de Ri-beirão Preto, da Esalq e do Instituto deBiociências da Unesp de Botucatu."Agora, queremos fazer o novilho su-perprecoce usando apenas animais daraça nelore, que, reconhecidamente, sãoconsiderados tardios. Temos que des-cobrir como acelerar a velocidade decrescimento dos tecidos ósseos e mus-culares do animal e, para isso, o Geno-ma Funcional do Boi vai nos ajudarmuito", diz o pesquisador.

p(mbrapaSudeste Pecuáriatambém tem trabalhado pa-ra elevar a produtividadeda pecuária nacional apartir de cruzamentos

entre diversas raças, mantendo a basedo nelore, explica Maurício Mello deAlencar.Estão sendo avaliadoscinco sis-temas de cruzamento, envolvendo ma-chos das raças nelore, canchim, angus esemental e fêmeas da raça nelore ou dealta mestiçagem de nelore. A pesquisafaz parte do projeto temático Estraté-gias de Cruzamentos, Práticas de Ma-nejo e Biotécnicas para Intensifica-ção Sustentada de Produção de CarneBovina, igualmente financiado pelaFAPESP."Trata-sede um projeto de pro-dução animal que envolvemelhoramen-to genético baseado em cruzamentoscomerciais", afirma Alencar. "Nossoobjetivo é produzir bezerros biologi-camente diferentes para estudar suaeficiência:' Depois do nascimento, os

animais são avaliados em vários aspec-tos (genéticos, nutricionais, reproduti-vos, sanitários e econômicos) ao longode sua vida. O pesquisador explica queos bezerros são produzidos em épocasdiferentes do ano para que seja possí-vel estudar técnicas de alimentação emanejo distintas. É um trabalho lon-go, cujos primeiros resultados deverãosair no próximo ano.

Melhoria das pastagens - Além dos es-forços para aumentar a produtividadedos rebanhos, também se busca a me-lhoria das pastagens. "A média da pro-dutividade animal no país é de 5 arrobaspor hectare anuais e 1.000 litros de lei-te por hectare ao ano. Esses númerospoderiam chegar, respectivamente, a 58arrobas e 45 mil litros de leite, depen-dendo do grau de intensificação do usodessa pastagem", revela Moacyr Corsi,da Esalq, que há 35 anos investiga for-mas de incrementar as pastagens brasi-leiras e que coordena o projeto temáticoCaracterização e Avaliação de PastagensIrrigadas e seu Manejo (Capim), finan-ciado pela FAPESP. A qualidade dopasto depende do aumento da produti-vidade da planta forrageira e de seumanejo. "No Brasil, a média de eficiên-cia no pastejo está ao redor de 30% a50%, o que significa que de 70% a 50%da forragem produzida é perdida. Épossível elevar o nível de eficiência para70% ou 80%",prevê Corsi. O aumentoda produção do pasto pode ser feitocom a melhora das condições do solo,com o uso de calagem e a aplicação defertilizantes, como nitrogênio, potás-sio e micronutrientes. No Paraná, emGoiás e em São Paulo, tem-se alcança-do produtividade ao redor de 60 arro-bas por hectare ao ano em pastagensnão irrigadas e acima de 70 arrobas empastagens irrigadas", afirma Corsi.

Os resultados econômicos e comer-ciais das pesquisas científicas são in-contestáveis. Em 20 anos, o índice denatalidade medido na desmama - ge-ralmente aos 9 meses de vida do be-zerro - caiu de 72% para 50%; a idademédia do abate foi reduzida de cincopara três anos e meio; e o rendimento dacarcaça - medido pela quantidade decarne e ossosdepois de o animal ter sidoevisceradoe seu couro retirado - aumen-tou de 190 quilogramas para 220 qui-logramas. Esse ganho de produtivida-de permitiu ao país produzir, no ano

Pesquisas científicas garantiram melhoramentogenético e maior produtividade do rebanho

passado, 8,2 milhões de toneladas decarne, registrar um consumo internode 37 quilogramas de carne per capita,"um dos mais altos do mundo", deacordo com Meirelles, e exportar quase1 milhão de toneladas.

Foi esse aumento constante da pro-dutividade do rebanho que permitiu aoBrasil, em 1978, mudar a inflexão dacurva de importação e exportação. Atéentão, o país exportava carne bovinapara a Europa, principalmente para aInglaterra, mas importava um volumeainda maior da Argentina e do Uru-guai. "Em 1979 nos tornamos exporta-dores líquidos e começamos a pensarde maneira estratégica a pecuária brasi-leira", lembra o secretário. A partir doinício da década de 80, organizou-se aCadeia Produtiva da Pecuária de Corte,no âmbito do Conselho Nacional daPecuária de Corte. O conselho organi-zou os setores produtivos - "do bezerroao bife, passando pelo calçado", resumeo secretário -, alavancou a pesquisa cien-tífica, a produção de insumos, os fri-goríficos abatedouros, os curtumes e o

setor de artefato e calçados de couro."Hoje, esse conjunto de atividades cons-titui a cadeia produtiva com o maiornúmero de empregos diretos do país:8,5 milhões de trabalhadores", ,afirmaMeirelles. A pecuária bovina repre-senta, atualmente, 2 de cada 3 hecta-res ocupados com atividades rurais,ou seja, dos 3,8 milhões de quilôme-tros quadrados em que se desenvol-vem atividades agrícolas no país, 2,6milhões se destinam à pecuária.

Epopéia zoossanitária - Mas, paraconquistar o mercado externo de carnebovina, o Brasil teve que declarar guer-ra à tuberculose, à brucelose e, sobre-tudo, à doença que aterroriza os pecua-ristas: a febre aftosa. Vários países nãoimportam carne in natura de regiõesonde há febre aftosa, entre eles a UniãoEuropéia, que é atualmente o principalimportador da carne brasileira. As pes-quisas científicas e campanhas oficiais devacinação contra a febre aftosa garan-tem, hoje, que 140 milhões de cabeças,de um rebanho de 183 milhões, cresçam

em zonas livres da doença, num circuitoprodutor que vai do Rio Grande do Sulà Bahia, passando por Tocantins, MatoGrosso, Rondônia. A expectativa é quea doença esteja completamente erradi-cada em 2005.

Pesquisas recentes também prome-tem avançar o combate à brucelose bo-vina, que provoca aborto em vacas apartir do quinto mês de gestação. A va-cina mais usada no Brasil é produzidaa partir de microrganismos vivos, masSérgio Costa Oliveira, do Instituto deCiências Biológicas da Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG), desen-volveu uma vacina de DNA, já aplicadacom sucesso em camundongos, que co-meça a ser testada em bovinos. "Na pes-quisa genética, evoluímos de forma es-petacular. Do ponto de vista sanitário, aevolução do rebanho bovino brasileirotalvez tenha sido a maior epopéia zoos-sanitária da história, considerando a es-cala de rebanho e as dimensões do ter-ritório nacional': comemora Meirelles."Deixamos, definitivamente, de servendedores de balcão." •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 19

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

POLÍTICAS PÚBLICAS

IMPUNIDADE E

Percentagem de crimes violentosconvertidos em pena comreclusão do acusado é muitobaixa, constatam pesquisadores

CLAUDIA IZIQUE

Omodelo de Justiça que deveriaproteger os brasileiros está en-fraquecido. Nos últimos cincoanos, dos mais de 600 mil cri-mes registrados em 16 delega-

cias de polícia na cidade de São Paulo, háindicações de que só urna pequena percenta-gem poderá resultar em pena com reclusãodo acusado. Isso porque, de um total de338,6 mil crimes, violentos e não violentos,analisados no período, apenas 21,8 mil fo-ram objeto de inquérito policial. Estima-secom base em outros estudos que, desses in-quéritos, 40% venham a ser arquivados. Seessas estatísticas se confirmarem, apenas 13,1mil crimes se traduzirão em denúncia enca-minhada ao Ministério Público e acolhidapela autoridade judiciária. "Alguns serão des-qualificados por falta de provas, por exem-plo, e possivelmente algo em torno de 5%dos crimes analisados redundarão em pena':diz Sérgio Adorno, coordenador do Centrode Estudos da Violência, um dos dez Centrosde Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) fi-nanciados pela FAPESP. "Na França, em 20

20 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

crimes violentos, 19 tendem a merecer pena",compara.

Os números que estão sendo reveladospela pesquisa Identificação e Medida da Taxade Impunidade Penal não chegam a surpreen-der. Outro levantamento, sobre o assassinatode crianças e adolescentes, realizado em SãoPaulo entre 1991 e 1994 e já concluído, reve-lou taxa de conversão do crime em pena deapenas 1,72%. Esse quadro certamente é agra-vado pelo despreparo e falta de recursos dapolícia para conduzir as investigações. "Amaioria dos crimes é de autoria desconheci-da': observa Adorno. Mas pode também estarrelacionado ao perfil da vítima ou do agres-sor, ou à natureza do crime, suspeita. "E podeter a ver com obstáculos enfrentados pelos réusno acesso à Justiça penal, inclusive à plenagarantia dos direitos de defesa. Paradoxal-mente, pode ainda estar relacionado a sub-terfúgios processuais, corno o excesso derecursos protelatórios que retardam a aplica-ção das sanções': acrescenta Adorno. O resul-tado é que a impunidade ajuda a sustentar ocrime e também alimenta o medo.

A pesquisa está em curso. É partede um projeto ainda mais amplo de-senvolvido pelo centro, em que se ava-lia a crise na Justiça brasileira, inclusivepor meio de estudo histórico das polí-ticas de segurança pública implemen-tadas em São Paulo, desde 1822 até ho-je, a partir de documentos normativose oficiais. No caso da impunidade, ospesquisadores igualmente partiram deestatísticas oficiais, mas tiveram deoptar por outros procedimentos meto-dológicos. "Nos países com estatísticasconfiáveis, o fluxo do sistema de Justiçacriminal produz estatísticas em todosos segmentos - policial, judicial e naexecução da sentença -, o que permiteobservar o movimento dos crimes re-gistrados, dos denunciados e processa-dos e dos condenados': diz. No Brasil,no entanto, continua Adorno, as esta-tísticas disponíveis, além de incomple-tas, não permitem a realização de umfollow-up. Em função da extensão e ovolume de informações, foi necessáriorestringir o levantamento a uma únicaseccional de polícia que coordena odesempenho e as atividades de postospoliciais entre as zonas Oeste, Noroestee Sul da cidade, num total de 14 delega-cias de polícia e duas delegacias espe-cializadas. Em vez de acompanhar omovimento geral dos crimes, recorreu-se à observação individualizada de re-gistros de forma a perseguir o seu des-tino no interior do sistema de Justiçacriminal. "Fizemos um estudo detalha-do e crítico dos registros primários, deforma a cercar com maior precisão oscrimes que efetivamente interessam àobservação, ou seja, o homicídio, roubo,roubo seguido de morte, estupro, tráfi-co de drogas, considerados crimes vio-lentos", ele relata. A primeira parte dapesquisa está praticamente concluída.Na etapa seguinte será feito o estudodetalhado dos inquéritos e processospenais.

Situação de risco - O Centro de Estu-dos da Violência analisa, desde 1987,a violência e transgressões aos direitoshumanos no país, desenvolvendo es-tudos sobre temas como políticas desegurança pública e participação dacomunidade na solução da violência.Atualmente, desenvolve cinco linhas depesquisa, entre elas o projeto Identifi-cação e Medida da Taxa de ImpunidadePenal, coordenado por Adorno.

22 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Carências sociaise econômicasenfraquecemrelação comautoridades

A exemplo do estudo sobre a impu-nidade, a grande dificuldade dos pes-quisadores dos demais projetos está nacoleta dos dados. Sabe-se, que em SãoPaulo o homicídio corresponde a 186,7mortes em 100 mil jovens com idadeentre 15 e 19 anos e 262,2 dos óbitosem 100 mil pessoas com 24 anos, deacordo com estatísticas de 1995 e 1998,respectivamente. Mas pouco se sabe so-bre os agressores e tampouco sobre avítima, além do seu endereço residen-cial e causa mortis. Os registros da Jus-tiça, da polícia ou da saúde não lançamluz sobre a natureza dessa violência,não informam sobre ogrupo responsável pelohomicídio nem dãosubsídio para que seconheça a relação entreos envolvidos. E, nessazona cinzenta, é im-possível conhecer as ví-timas potenciais ou ascircunstâncias que fa-vorecem o homicídioe, menos ainda, imple-mentar políticas efica-zes para combatê-lo.

As estatísticas, no entanto, revelamalguns padrões e mostram que algunsbairros de São Paulo têm taxa de homi-cídio mais elevadas que a média da ci-dade, que crescem num ritmo superiorao do conjunto de 96 distritos quecompõem a capital. Entre 1996 e 2000,por exemplo, enquanto as taxas médiasde homicídio da capital cresciam. de55,6 por 100 mil habitantes para 66,9, odistrito de Jardim Ângela já registrava amarca de 116,23 homicídios por 100mil habitantes. Essa disparidade foi ob-servada em vários distritos da cidade.Os números e a distribuição geográfi-ca das ocorrências sugeriam que asregiões com altas taxas de homicídioeram, igualmente, as de maior concen-tração de pobreza.

A partir desses dados, os pesquisa-dores do centro iniciaram uma pesqui-sa de georreferenciamento da violência.Constataram não ser a concentraçãoelevada de população pobre a respon-sável pelas altas taxas de homicídios. Ocenário da violência registrava alta con-centração de jovens entre 11 e 14 anose 15 e 19 anos, grande número de che-fes de família com menos de quatroanos de escolaridade e/ou sem renda,baixa oferta de emprego local, mortali-

dade infantil acima da média, ausênciade hospitais na região, menor acesso aesgoto e com alto congestionamentodomiciliar, isto é, menor privacidade,maior tensão e competição por espaço."Diversos estudos já provaram que, di-vidindo áreas exíguas, as pessoas ficammais insensíveis, até por defesa, masessa situação afeta as estatísticas decriminalidade", explica Nancy Cardia,vice-coordenadora e responsável peloprograma de difusão do Cepid.

A violência letal, portanto, sobre-põe-se à violação de direitos sociais eeconômicos e esse conjunto de fatores

se entrelaça para for-mar uma espécie decírculo vicioso de ca-rências e violência. Oemprego é escasso nasáreas de elevadas ta-xas de homicídio, e aalternativa para oschefes de família estáno mercado informalde trabalho, com ocu-pação irregular, malremunerada e sujeitaa período de desem-

prego prolongado. A ociosidade força-da pode aumentar a tensão dentro dafamília, o consumo de álcool e tende afavorecer a violência. De fato, nos 24distritos da cidade onde existiam mui-tos chefes de família sem renda, os es-tudos mostraram que a violência seagravava. "Esses distritos tinham 49%de todos os chefes de família sem ren-da. É uma super-representação", cons-tata Nancy.

Os pesquisadores também identifi-caram um enfraquecimento dos grupossociais entre si e com as instituições deproteção social. "Os vínculos institucio-nais entre a população e as autoridadessão caracterizados por tensões, mútuadesconfiança e até mesmo quase ine-xistência', diz Nancy. Essa ausência devínculos se manifesta, por exemplo, emsituações de linchamento. "O lincha-mento parece algo que acontece no ca-lor do momento, mas, quando se inves-tiga o caso, é possível dar conta de quea população já tinha se mobilizado an-teriormente em situações semelhantes,sem ter obtido apoio ou proteção dasautoridades. Os meios para solucionaro problema foram exauridos, eles sesentiram impotentes e foram levados àviolência", completa Adorno.

Prestígio dos grafiteiros ajudou naconsolidação do fórum de adolescentes

Nesse cenano, a presença de muitascrianças e jovens em situação de con-centração de pobreza e de carência so-cial torna-os extremamente vulneráveisà possibilidade de serem vítimas ouagressores. "A faixa de idade entre 11 e14 anos está muito exposta à situaçãode violência mais severa: os pais, assimcomo a escola, já consideram que ele sevira sozinho e eles acabam por ficar semnenhuma supervisão': afirma Nancy. Nasvésperas de se tornarem adultos, essesjovens acabam por adotar condutas derisco, envolvendo-se freqüentementeem situações de delinqüência, alcoolis-mo, uso de drogas, entre outros. Ou setornam alvos fáceis em conflitos por mo-tivos fúteis, como, por exemplo, brigasna vizinhança em razão de uma janelaquebrada, música alta, etc. "O problemareside em identificar quais situações so-ciais estão mais associadas ao risco, demodo a que governos e organizações dasociedade civil possam promover pro-gramas de prevenção", diz Nancy.

Vítimas indefesas - Identificadas as VÍ-timas mais indefesas, os pesquisadoresdo Cepid começaram a trabalhar den-tro de uma escola no bairro do JardimÂngela, com crianças entre 11 e 14 anos,

na tentativa de desenvolver modelos degestão de conflitos. Esses encontros fo-ram batizados de fórum de convivência"vem quem quer': conta Nancy. "Dis-cutimos qualidade de vida, violência,criminalidade, conflito entre homens emulheres, relação com amigos no re-creio, entre outras situações, e a vanta-gem de fazer as coisas juntos': ela diz. Aintenção dos pesquisadores é iniciar es-ses jovens na resolução de pequenosconflitos, seguindo o modelo desenvol-v.ido pelo pesquisador canadense Clif-ford Shearing para lidar com a violênciaem conjuntos habitacionais em Toron-to, no Canadá, e que foi adaptado paramediar tensões nos guetos da Âfrica doSul e em comunidades carentes de Ro-sário, na Argentina. "Quando a comu-nidade começa a resolver conflitos in-ternos, ganha mais poder para negociarcom as autoridades a sua situação", ex-plica Nancy. Antes de iniciar os grupos,a proposta de trabalho foi apresentadaaos professores, aos pais e aos própriosalunos, que visitaram a sede do Centrode Estudos da Violência, instalado naUniversidade de São Paulo (USP).

Além desses adolescentes, os pes-quisadores também trabalham com fó-runs de convivência com adultos e jo-

vens grafiteiros da região. "As pessoasnão se vêem como uma comunidade,em parte por conta da violência do co-tidiano e das carências econômicas",conta Nancy. Os grafiteiros, aliás, aju-daram na consolidação do grupo deadolescentes que era rejeitado pelos de-mais alunos da escola. "Os grafiteirossão respeitados e isso lhes deu prestí-gio': explica a pesquisadora. A expecta-tiva é que, se eles aprenderem a lidarcom incidentes de violência pessoal, es-tarão mais fortalecidos para negociarcom as autoridades.

O centro também implementouobservatórios da violência em quatrocomunidades, para debater o problemapela perspectiva das VÍtimas. E desenvol-ve, ainda, cinco projetos educacionais,tendo como tema central a violência,voltados para orientadores pedagó-gicos da rede municipal e estadual deensino, entre outros, além de um proje-to de ensino a distância, em parceriacom a Escola do Futuro. "Estamos, ago-ra, treinando uma equipe de Moçambi-que, em colaboração com a Organiza-ção Mundial da Saúde, num projetointerministerial que reúne programasde vigilância epidemiológica, preven-ção e avaliação da violência." •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 23

\(lO~ ~O~Projeto de política pública medesituações de violênciada população paulistana

x.randemaioria dos atos deviolência que resultam emferimentos causados porarma de fogo na cidadede São Paulo ocorre nos

finais de semana, principalmente aossábados. As agressões sexuais às mulhe-res são mais freqüentes nos dias úteis,com pico nas quintas-feiras, quandoelas estão longe da família, deslocando-se para o trabalho, a escola ou compras.As auto-agressões ou suicídio se con-centram nas terças e quartas-feiras, su-gerindo forte relação com situação deemprego, e também aos sábados, possi-velmente motivados pela angústia e so-lidão. Poucos atentam contra a própriavida nas sextas-feiras. A idade médiadas vítimas é de 30 anos. Esses dados,que constam de 7.073 atendimentosrealizados entre janeiro e dezembro de2002 no Hospital Municipal Dr. ArthurRibeiro de Saboya, também conhecidocomo Hospital Iabaquara - um centrode referência de trauma e com serviçoespecializado às vítimas de agressões -,deixam claro que é possível estabelecercálculos de riscos nos casos de violênciaque demandam o sistema hospitalar - eque, portanto, implicam risco de morte- e implementar políticas de prevençãoem microescala na cidade de São Paulo."Com pouco investimento é possíveldesenvolver e implantar um sistema demonitoramento capaz de captar as in-formações relativas às ocorrências vio-lentas e acidentes mais comuns", dizPaulo Saldiva, professor da Faculdadede Medicina da Universidade de SãoPaulo (USP) e coordenador do projetoEpidemiologia da Violência Criminal naCidade de São Paulo: Uma Abordagemem Macro e Microescalas, desenvolvidoem parceria com a Secretaria Munici-pal de Saúde, Secretaria da Administra-ção Penitenciária e Instituto de Mate-

24 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

mática e Estatística da USP, no âmbitodo Programa de Políticas Públicas, fi-nanciado pela FAPESP.

Saldiva, especialista nos estudos dosefeitos da poluição atmosférica sobre asaúde humana, decidiu utilizar os crité-rios de pesquisas epidemiológicas paraestudar a violência, utilizando estatísti-cas para cálculos de risco. ''A violência,diferentemente da poluição, não estáhomogeneamente distribuída. É neces-sário levar em conta variáveis de tempoe espaço e criar novas técnicas teóricasde avaliação de risco", reconhece. Osestudos, a exemplo do que ocorreu comos pesquisadores do Centro de Estudosda Violência (veja matéria na página 20),esbarraram nas dificuldades de coletade dados confiáveis nos órgãos oficiaisde segurança pública. A opção foi cole-tar informações sobre o tema no siste-ma de saúde.

No caso dos dados do Hospital Sa-boya, "apesar do esforço e dedicação doNúcleo de Atenção às Vítimas de Vio-lência", ele ressalva, a análise dos dadosfoi dificultada pela falta de padroniza-ção de algumas variáveis importantes.Os pesquisadores tiveram, por exemplo,de gerar algumas variáveis, como a clas-sificação da ocorrência, tomando comobase informações registradas em moti-vo da procura e descrição da ocorrên-cia. ''A qualidade da informação é umitem essencial em qualquer pesquisa",observa. Para definir a classificação daocorrência, os pesquisadores recorre-ram à. Classificação Internacional deDoenças, freqüência de determinadasocorrências e interesses específicos deoutras, para chegar às seguintes catego-rias principais: acidentes, agressões, in-tervenções legais, complicações médi-cas e cirúrgicas e eventos de intençãoignorada. As agressões foram classifi-cadas em auto-agressões, agressões se-

xuais, demais agressões com uso de ar-ma de fogo, com uso de outros objetoscontundentes e demais agressões comuso de força física ou não especificadas.

Padronizados e classificados, os re-gistros revelaram informações preciosas.Indicaram, por exemplo, que homens emulheres apresentam distribuição pa-recidas em relação à idade da vítima nomomento do registro da ocorrência,tendência de queda da violência nosmeses de janeiro a julho, seguida de umaumento constante de agosto a dezem-bro, e prevalência de vítimas do sexo fe-minino nesse período. Na distribuiçãode ocorrência por faixa etária e localdo fato, os pesquisadores observarammaior freqüência da faixa entre 16 e 65anos (9,2%) nas violências registradasno local de trabalho e maior incidên-cia de vítimas na ffaixa de O a 5 anos(18,6%) quando a agressão ocorre naprópria moradia. Nos demais locais deocorrência - área de comércio e servi-ço, via pública e estrada, em outra mo-radia, não informado e outros -, as dis-tribuições dos casos foram semelhantesem todas as faixas etárias.

Promiscuidade e violência - A equipede Saldiva também coleta dados sobreviolência na Coordenadoria de Saúdedo Sistema Penitenciário (Cosaspe),que concentra todos os prontuários re-lativos aos atendimentos hospitalaresdos detentos na cidade de São Paulo. "ACosaspe não possui nenhuma informa-ção em arquivo magnético. Assim, a pri-meira etapa do trabalho foi desenvolver,em parceria com a Secretaria de Admi-nistração Penitenciária, a estrutura deum banco de dados para, então, iniciara digitação e análise dos mesmos", con-ta Liliam Pereira de Lima, estatística queparticipa do projeto. Também ali os da-dos foram reveladores. A violência nos

presídios se manifesta na forma de do-enças: o HIV e a tuberculose, com inci-dência de 67,5% e 35,1 % dos pacientesdetentos atendidos no Centro Hospita-lar do Carandiru, onde converge boaparte dos casos de doença e violênciaocorridos no sistema penitenciáriopaulista. Os ferimentos por arma defogo não ultrapassaram os 5,2%, e oscom arma branca, 1,3%. Nos dois casos,as vítimas foram encaminhadas ao hos-pital pela Secretaria de Segurança Pú-blica, responsável pelo atendimento deferidos nos distritos policiais. Essasagressões, portanto, podem ter ocorridono momento da prisão. A violência, nocaso do sistema penitenciário, está nafalta de controle das doenças infecto-contagiosas. "Os presídios são insalu-bres e os presos vivem em promiscuida-de", sublinha Saldiva. "A solução está naredução da possibilidade de contágio ena dispensa de medicamentos de con-trole dessas doenças': diz.

Algoritmo de riscos -Concluído o diag-nóstico, o projetode pesquisa entra,agora, na sua se-gunda fase. "Vamospropor ao sistema pe-nitenciário uma codifi-cação de dados e umgerenciamento de in-formações baseado emcritérios lógicos': afirmaSaldiva. Na área de saú-de, a proposta será im-plementar um sistemaunificado para o preenchi-mento de informações críti-cas que deverão alimentar umbanco de dados da violência nacapital. "Informações qualifica-das permitirão, por exemplo, le-vantamentos de custos da violência,relacionados a procedimentos médicos,horas de trabalho perdidas, entre ou-tras informações relevantes para a im-plementação de políticas públicas': dizSaldiva. Esses dados permitirão elabo-rar um mapa georreferenciado de es-tudo da morbidade. Mas o projeto deSaldiva quer ir mais longe e chegar aum algoritmo de cálculo de risco quese traduziria num alerta à sociedade:uma mulher, andando sozinha, por re-gião entre tais e tais ruas, no períodode x horas e y horas, tem um grandepercentual de risco de se tornar vítimade violência sexual. •

Agressões sexuais14,-------------~

Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sáb

"'

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Unicamp investe na inovação

Aniversidade Estadual deCampinas (Unicamp) lan-çou no dia 15 de maio aAgência de Inovação daUnicamp (Inovacamp),

coordenada por Carlos Américo Pache-co, professor do Instituto de Economiae ex-secretário executivo do Minis-tério da Ciência e Tecnologia (MCT).A agência tem o objetivo de organizaro trabalho de pesquisa realizado pelauniversidade e estreitar o relacionamen-to com as empresas e os governos.

Um dos primeiros desafios da Ino-vacamp será a implantação de um par-que tecnológico em Campinas, que reu-nirá empresas voltadas para a inovaçãotecnológica. O primeiro passo é a rea-lização de um estudo para definir comoserá esse parque e que tipo de segmentose pretende atrair. "As empresas de tec-nologia da informação certamente es-tarão presentes, porque Campinas já pos-sui várias companhias nessa área, maspodemos também trazer o setor nas-cente de biotecnologia'; diz Pacheco. AUnicamp recebeu R$ 2,8 milhões da Fi-nanciadora de Estudos e Projetos (Finep)para fazer a pesquisa, que estará con-cluída em um ano.

Um papel importante da Inovacampserá o de melhorar o relacionamento

26 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

com parceiros estratégicos, como Pe-trobras e Embraer, que já desenvolvemcom a Unicamp vários projetos de pes-quisa, mas todos isolados, sem que exis-ta uma coordenação central para traçarum plano de trabalho de longo prazo."Hoje podemos ter duas ou três pesqui-sas acontecendo paralelamente para doisou três departamentos da Petrobras, porexemplo, sem que haja integração entreelas", afirma Pacheco.

Para atender aos parceiros estratégi-cos, a Inovacamp terá um corpo técnicoespecializado que fará a intermediaçãoentre a empresa e os pesquisadores, cen-tralizando todas as informações sobreos projetos de pesquisa em andamento.Com isso, pretende-se conhecer a es-tratégia de atuação da empresa e fazercom que esta saiba melhor o que a Uni-camp tem a lhe oferecer. Segundo Pa-checo, o importante é que, com essasinformações, o grupo de técnicos possadefinir o que será feito no longo prazo.

A agência vai trabalhar também parafacilitar o acesso dos pesquisadores àsfontes de financiamento. Esse trabalhojá vem sendo feito, mas deverá tornar-se mais ativo. "Vamos ver quais as de-mandas reais do setor privado e, ao mes-mo tempo, divulgar para as empresasas pesquisas que estão em andamento.

Muitas idéias boas ficam apenas dentroda universidade por não encontraremcanais para chegar ao mercado': afirma.

Registro de produto - Uma das formasde identificar que tipo de pesquisa me-lhor atende às necessidades do setor pri-vado é a realização de análises de algumasáreas, identificando rumos, tendênciase desafios. A idéia não é necessariamenteaumentar o número de parcerias, quejá é grande, mas principalmente anteci-par-se às necessidade. No ano passado,a Unicamp fechou 280 acordos com em-presas e institutos do setor privado.

A propriedade intelectual tambémreceberá a atenção. A Unicamp foi res-ponsável por 88 das 234 patentes re-gistradas por instituições públicas depesquisa, entre 1997 e 2000. O desafioagora é fazer com que esses registros setornem produtos. "Hoje, a patente é sóum custo. Queremos transformá-Ia emlicenciamento de tecnologia", afirma.

Para Pacheco, este é um momentopropício para iniciativas que tentam fa-cilitar o relacionamento das univer-sidades com os setores público e pri-vado, porque existe uma consciêncianacional sobre a importância da inova-ção tecnológica para o desenvolvimen-to do BrasiL •

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

REVISTA CIENTÍFICA

Otimismo cautelosoPara Nature, é hora do Brasiltransformar força da pesquisaem vantagem econômica

Se seis meses no coman-do do país ainda não fo-ram suficientes para opresidente Luiz InácioLula da Silva promover

mudanças de fundo na políticacientífica nacional, os primeirosmovimentos do novo governo fe-deral na área de ciência e tecno-logia, ainda que longe de teremagradado a todos, conseguiraminspirar um alentado editorial ereportagens na edição de 22 demaio da revista britânica Nature,uma das mais respeitadas publi-cações científicas. No editorial, apublicação diz que Lula, oriundode um partido de esquerda (PT),impressionou ao lidar com as instabili-dades da economia brasileira, alvo degrande parte da atenção inicial da novaadministração. Agora, sugere a Nature,o presidente deve agarrar uma oportu-nidade única: "Transformar sua signifi-cativa força (da pesquisa brasileira) nasciências físicas e biológicas em vanta-gem econômica de longo prazo':

A revista não economiza exemplosdo dinamismo exibido por setores daciência brasileira. Assegura que, apesardos problemas sociais e educacionais, opaís conta com muito "talento jovem"disposto a fazer ciência e forma mais de6 mil doutores por ano. "A ciência bra-sileira já provou que pode competir naarena internacional, com a publicação,em 2000 da seqüência completa do ge-noma do patógeno de citrus Xylellafastidiosa", escreveu David Adams, sereferindo ao projeto financiado pelaFAPESP. O Sistema de Vigilância daAmazônia (Sivam) também foi descri-to como o "como o mais ambicioso doseu tipo no mundo".

Seqüênciamento da Xy/ella fastidiosa:destaque mais uma vez na Nature

Depois de entrevistar e dar voz a al-guns cientistas brasileiros em seus tex-tos jornalísticos, a revista afirma que"há um clima disseminado çle otimis-mo cauteloso" sobre as ações do novogoverno federal na área de ciência detecnologia. E exemplifica: em 2003,num ano difícil para a economia brasi-leira, o orçamento federal para C&Tparece, até agora, ter escapado de cor-tes; o governo Lula prometeu dobrar averba para pesquisa e desenvolvimentoaté o final de seus mandado; e foramrecrutados bons quadros no ministérioe nas agências federais de fomento àpesquisa. Pelo que se depreende do tex-to de Adams, o adjetivo cauteloso de-corre das reações não muito favoráveisexpressas, no início deste ano, pela co-munidade científica nacional diante doanúncio do nome de Roberto Amaralpara o cargo de ministro da Ciência. E,paradoxalmente, da intenção do gover-no Lula de descentralizar a pesquisa na-cional, estimulando centros de excelên-cia fora de São Paulo e Rio de Janeiro.

Na verdade, o desejo de fo-mentar ciência de ponta em to-das as regiões nacionais e facilitaro acesso à educação das camadasmais pobres da população é, aomesmo tempo, alvo de elogios efonte de preocupação aos olhosda Nature. "Os objetivos são elo-giáveis, mas é necessário mode-ração: Lula limitará o potencialde seu país se ele disseminar ini-ciativas de forma muito amplapelo território (nacional)."

Peso maior" Para a revista, a si-tuação de São Paulo, de longe omaior peso na produção científi-ca brasileira, não pode ser repro-

duzida a nível nacional nem mesmo amédio prazo, visto que, nas palavras dapublicação, alguns estados têm somen-te uma base científica rudimentar. "SãoPaulo se destaca não somente pelo seucompromisso com a universidade pú-blica e financiamento da ciência, mastambém por sua abordagem estratégi-ca para ciência e tecnologia. Isso incluicriar condições que favorecem o lança-mento de empresa de alta tecnologia,atrair investimento industrial do exte-rior e dar apoio a centros de pesquisaque irão entregar não apenas ciência dealta qualidade, mas também estimularnovas empresas comerciais", diz o edi-torial da Nature. Segundo o diretor cien-tífico da FAPESP, José Fernando Perez,a revista britânica reconhece os esforçosfeitos pelo Brasil e por São Paulo para odesenvolvimento da ciência e tecnolo-gia e aponta a necessidade de democra-tizar o sistema nacional de pesquisa. ''Aexpansão do sistema, no entanto, nãopode ser feita com o sacrifício dos cen-tros de excelência': pondera Perez. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 27

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Umaidéia.audaciosa

PROPOSTA

Pesquisadores buscamapoio para criar instituto deneurociência em Natal

OBrasil tem que perder a.sinibições e o complexode inferioridade e setornar um agente pro-dutor de ciência de pri-

meira grandeza, capaz de almejar umNobel. Esse é o sonho que mobiliza oneurocientista Miguel Nicolelis, umpaulista de 42 anos que há 15 desenvol-ve pesquisas nos Estados Unidos. Juntocom outros dois neurocientistas bra-sileiros - Sidarta Ribeiro, 32 anos, eCláudio Mello, 39 anos -, ele acalentaum projeto ambicioso: transformarNatal, no Rio Grande do Norte, na ca-pital da neurociência nacional, a par-tir da criação de um instituto inter-nacional capaz de atrair pesquisadoresde dentro e fora do país.

"Existe um êxodo muito grande decientistas e achamos que o momentopolítico, com a eleição do presidente LuísInácio Lula da Silva, é favorável", ar-gumenta Nicolelis, professor titular deneurobiologia e engenharia biomédi-ca da Universidade de Duke, na Caro-lina do Norte. O projeto prevê, ainda,a construção de um centro de ensinogratuito capaz de dar formação de altonível para 300 a 500 crianças. "A idéiaé dar ênfase às ciências, línguas, criati-vidade", diz Nicolelis.

As duas iniciativas - sobretudo a daimplantação da escola - já contam comapoio da Universidade Federal do RioGrande do Norte (UFRN). "Essas crian-ças vão trabalhar e estudar com pessoasque estão no topo da ciência, o que a mé-

28 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

dio prazo dará um retorno incal-culável à sociedade", comemora opró-reitor de Pesquisa de Pós-Graduação da UFRN, NilsonSena de Almeida. "Haveráatenção a crianças superdo-tadas e com dificuldadede aprendizado. É umaidéia brilhante, um no-vo modelo", estusias-ma-se o pró-reitor.

Trabalho coletivo - Asformas de viabilizar o projeto -cujas instalações devem estar con-cluídas em três anos e em plenofuncionamento no máximo em cin-co, conforme projeta Nicolelis - es-tão sendo estudadas. A possibilidadede que possa contribuir para a descen-tralização da produção científica podeatrair recursos do Ministério da Ciên-cia e Tecnologia (MCT). "E democrati-zar é uma forma de atrair o cientista es-trangeiro'; acrescenta Nicolelis. O MCT,aliás, já tomou as primeiras providên-cias. "O Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológi-co (CNPq) vai participar com bolsas eo ministério abrirá concurso para fi-xação de pesquisadores. É um trabalhocoletivo", diz o secretário de Políticas eProgramas em Ciência e Tecnologia doministério, Gilberto Sá.

Mas a idéia não é contar com o apoiosó do governo, mas também da inicia-tiva privada e de fundações internacio-nais. "O Instituto Max Planck (Alema-

L ~ _nha) já sinalizou a intenção de colocarrecursos no projeto': adianta Almeida.Nicolelis disse a Hannah Hoag, da revis-ta Nature (veja matéria na página 27),que o grupo precisará de US$ 20 milhõespara construir e equipar o instituto.Contou também que o time planeja

conseguir esses recursos por meio deuma organização sem fins lucrati-

vos que, quando criada, se cha-mará Alberto Santos-Dumont.Até agora, o projeto conta comUS$ 50 mil obtidos com doadores

privados. Esses recursos, no entanto,serão consumidos no financiamen-to de um congresso internacionalde neurociência, promovido pelaDuke University em parceria com aUFRN, que ocorrerá em Natal,em março de 2004. O eventotem presença confirmada, en-tre outros, de Torsten Wiesel,

presidente emérito da Universi-dade Rockfeller em Nova York,

laureado com Prêmio Nobel demedicina e fisiologia em 1981. Ni-

colis garantiu à Nature que Wieselconcordou em ser membro do conse-

lho do Instituto, assim como o neuro-cientista Ion Kaas, da Universidade deVanderbilt, em Nashville.

"O secretário de Turismo do RioGrande do Norte, Haroldo Azevedo, ga-rante que o governo estadual dará todoo apoio ao projeto e está negociando adoação de um terreno perto da Barrei-ra do Inferno, pertencente à Aeronáuti-ca. "Ali seria o ideal porque está pertodo campus da UFRN, é de acesso fácil,fica numa área de preservação e pertoda praia."

Os planos de Nicolelis e sua turmavieram a público em 6 de maio, emnotícia publica da na Folha de S.Paulo.Isaac Roitman, diretor de avaliação daCoordenação de Aperfeiçoamento dePessoal de Nível Superior (Capes), já

abraçou a causa. "É gente jovem queescolheu Natal por uma série derazões, entre as quais por acharque deve haver uma distribuiçãoregional mais homogênea da ci-

ência." Roitman ressalta que aUFRN é uma boa opção

porque conta com umimportante centro de

primatologia euma área forte

em psicofar-macologia.

I'

Cláudio Mello, outro parceiro deNicolelis, trabalha há 15 nos EstadosUnidos, onde é pesquisador do Insti-tuto de Neurologia da Oregon Healthand Science University. Pós-doutor emneurologia e especialista em apren-dizagem e memória, Mello considerasedutora a proposta de um centro deexcelência desvinculado de uma estru-tura acadêmica, longe do eixo Rio-SãoPaulo, onde se possa fazer pesquisa dealta qualidade. O terceiro parceiro é oneurocientista Sidarta Ribeiro, que vivehá oito anos nos Estados Unidos e tra-balha ao lado de Nicolelis, na DukeUniversity, estudando a formação damemória durante o sono. De talentoreconhecido fora do Brasil, Ribeiro nãohesita em largar tudo. "O Brasil passapor uma mudança muito positiva e éhora de voltar e contribuir."

Exército de 8rancaleone - Roitmanconta que a Capes está ajudando ogrupo de pesquisadores na negocia-ção com UFRN, agências de fomento,CNPq e Finep. O primeiro contato coma cúpula administrativa da universida-de, pesquisadores locais e com a go-vernadora, Wilma de Faria, demons-trou a boa receptividade ao projeto."Sentimos apoio, a idéia foi crescen-do. E o importante, além do ponto devista científico, é que serão buscadasmaneiras adicionais de fomento à pes-quisa." Segundo Roitman, uma ini-ciativa desse porte precisa de recursoscontínuos, instrumentos que garantamsua perenidade. "Precisamos da co-munidade acadêmica do país todo, deuma cultura de doações. E aí vai en-trar uma linha de convencimento daaristocracia brasileira e a proposta decriar uma lei semelhante à Rouanet,de incentivo a projetos."

A governadora ainda não confir-ma a possível doação do terreno, masdiz ter conversado com o ministro daCiência e Tecnologia, Roberto Ama-ral, para demonstrar a intenção doestado em receber o centro de neuro-ciências. "Solicitei que todas as insti-tuições do Rio Grande do Norte este-jam empenhadas para que esse desejose torne realidade." A governadoragarantiu que seu governo participarádo investimento nas instalações e naconcessão de bolsas de pesquisa. "Acriação do instituto será uma revolu-ção para o Estado", avaliou. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 29

CIÊNCIA

LABORATÓRIO MUNDO

,India sob o risco de falta de água

Pesquisadores do Depar-tamento Meteorológico daÍndia (DMI) desenvolve-ram um programa de com-putador que - esperam -deve se tornar um instru-mento de alta precisão naprevisão das secas, um pro-blema tradional na agricul-tura do país (SciDev.Net).O novo modelo lança mão

• As defesas e aorigem da malária

Em busca de um tratamentodefinitivo contra a malária -que mata uma criança a cada30 segundos na África -, pes-quisadores tailandeses e britâ-nicos conseguiram distinguiras diferenças estruturais entreas versões normais e rnutan-tes do DHTR, a proteína res-

30 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

de oito parâmetros de solo,oceano e ventos para proje-tar a duração das estaçõeschuvosas e substitui umaversão de 16 parâmetros,desenvolvida em 1988, quecaiu em desgraça por nãoconseguir prever a seca doano passado. Com uma pre-cisão estimada em 95%, oprograma do DMI consegue

ponsável pela capacidade deo Plasmodium falciparum, oparasita que transmite a do-ença ao ser humano, resistiràs drogas. As novas informa-ções, detalhadas em um arti-go publicado na edição deabril da Nature Structural Bio-logy,poderão servir para tor-nar mais eficazes os princi-pais medicamentos usadoscontra a malária, que procu-

antecipar em até 40 dias amargem de prognóstico domodelo anterior e atualizaras projeções feitas para operíodo que vai de junho asetembro - estação crucialpara as safras de verão. Es-te ano, com base no mo-delo estreante, há 21% dechance de seca e 39% dechuvas abaixo da média em

ram bloquear justamente essaproteína. Outro estudo inter-nacional se debruçou sobreuma antiga polêmica a res-peito da origem da doença,que pode ter surgido naÁfrica há 6 mil anos, segundoum grupo de pesquisadores,ou no minímo 100 mil anosatrás, segundo outros (New-Scientist, 19 de abril). Depoisde analisar diferentes popula-

algumas partes da Índia. Aregião de Khasi, a nordeste,antes vista como um doslugares mais chuvosos domundo, já está secando.Seus moradores têm debuscar água em lugaresmais distantes. Atribui-seas mudanças climáticas aoaumento da poluição e aodesmatamento. •

ções do P. falciparum em di-ferentes partes do planeta,um grupo de pesquisadoreschegou a uma solução pacifi-cadora ao concluir que umaprimeira leva do parasitapode ter aparecido dentro deum período de 40 mil a 180mil anos atrás, tendo reapa-recido, em número muitomaior, há aproximadamente10 mil anos. •

• Câncer mata maisentre os obesos

Quanto mais gorda é umapessoa, maiores são as chan-ces de morrer de câncer, deacordo com um estudo daSociedade Norte-Americanado Câncer publicado no NewEngland [ournal of Medicine.Com base nesse trabalho, fei-to por meio do acompanha-mento de 900 mil norte-ame-ricanos entre 1982 e 1998,estima-se que 90 mil mortesde câncer por ano nos Esta-dos Unidos estejam associadasà obesidade. Segundo essa pes-quisa, a probabilidade de mor-te por qualquer tipo de cân-cer no país é 52% mais altaentre os homens e 62% entreas mulheres com excesso depeso do que entre os indiví-duos dos dois sexos com pesoconsiderado normal. Certos ti-pos de câncer são mais mor-tais para os obesos: o de úteropara as mulheres e o de fíga-do para os homens. •

• Parasitas do fundodo mar sob suspeita

Ao menos parte do embran-quecimento dos corais, queameaça de extinção metadedos recifes do mundo, podeser provocada por uma bac-téria, a Vibrio shiloi, causado-ra de uma espécie de maláriaoceânica, que se alimenta decorais (NewsScientist, 12 deabril). A descoberta, feita porYossi Loya e Eugene Rosen-berg, da Universidade de Tel-Aviv, Israel, por enquanto sóvale para o Oculina patagoni-ca,do Mar Mediterrâneo. Masse abranger outras espéciespode mudar o enfoque daprevenção. Pensa-se que oembranquecimento dos co-rais se deva ao aumento datemperatura marítima, quepoderia ser evitado redu-zindo-se as emissões de gás

carbônico que aumentam oaquecimento global. Se o em-branquecimento tiver origemparasitária, poderia ser evita-do combatendo-se o vetor dadoença, como se faz com omosquito da malária. •

• A partículaimprevisível

"Ficamos realmente surpre-sos", reconheceu MarcelloGiorgi, da Universidade dePisa, líder do grupo de físicosresponsável pela descobertade uma nova partícula su-batômica - denominada Ds(2317) - realizada por meio dodetector BaBar, um equipa-mento gigantesco que lembraremotamente a Capela Sistina,construído na Universidade

de Stanford, Estados Unidos(Nature, 3 de maio). O quemais surpreendeu os cientistasnão foi a nova partícula em si,mas sua massa, bem menor emais definida do que previsto- e diferente de outras partí-culas de alta energia cuja mas-sa se torna incerta nas meno-res escalas. Do ponto de vistado que representa, pode nãopassar de uma combinaçãoinusitada de quarks, os blocosformadores da matéria: seriaalgo como um quark orbitan-do outro ou, talvez, uma es-pécie de molécula formada porquatro quarks. Essa misterio-sa partícula está fazendo osfísicos repensarem suas idéiassobre a interação forte, a for-ma que mantém as partículassubatômicas unidas. •

o detecto r BaBar: combinações inusitadas de quarks

Recifes:perda de corpode sercausadapor toxinasde parasitas

• O bismutoé instável

Durante 50 anos, os cientistasprocuraram, em vão, o índicede instabilidade do bismuto-209. Mas no ano passado - epor puro acaso - uma equipede físicos da Universidade deOrsay, na França, descobriuque esse elemento químico éinstável (Nature, 23 de abril).A idéia parecia perfeita: cons-truir com germanato de bis-muto um detector de matériaescura capaz de resistir a umresfriamento próximo do zeroabsoluto (-273° C). "Escolhe-mos o bismuto justamenteporque era considerado está-vel': diz Pierre Marcillac, co-ordenador da equipe. Certanoite, Marcillac testava seudetector em Orsay quandoregistrou sete desintegraçõesradioativas, seguidas de umaemissão de hélio e de 3,2 mi-lhões de elétron-volts. Os pes-quisadores tentaram descobrira origem dessa energia. Nãoviram nada conhecido, mashavia uma explicação: o bis-muto, quando se transformaem tálio, emite um núcleo dehélio e uma energia de 3,137milhões de elétron-volts - eisa taxa de desintegração nu-clear do bismuto, procuradapor meio século. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 31

A eterna insatisfaçãoAs mulheres sempre achamdefeitos no próprio corpo,começando pelo peso, es-teja ou não adequado. Oque parece uma simples im-pressão ganha agora res-paldo científico. Na Univer-sidade de São Paulo (USP)em Ribeirão Preto, a psicó-loga Graziela Almeida fezuma pesquisa com 60 mu-lheres e constatou: a antigasuspeita tem fundamento.Participaram do estudo 30mulheres realmente obesase 30 com peso normal paraa idade e altura. Grazielapediu a cada uma que de-senhasse uma figura hu-mana - era uma forma dedescobrir como se viam,se a obesidade acentuada(mórbida) prejudica a au-

• Alerta contrapraga no Sul

Se nada for feito, pode chegara qualquer momento umapraga nova às vinícolas do suldo Brasil e do norte da Ar-gentina. É a Homalodisca coa-gulata, um inseto que carregaa bactéria Xylella fastidiosa ehá 150 anos infesta as plan-tações de uva da Califórnia,Estados Unidos. No Brasil, aXylella causa a Clorose Va-riegada de Citrus ou amareli-nho, mas é remota a chance dea Homalodisca ser mais umvetar dessa bactéria na re-gião Sudeste, conforme estu-do feito por Andrew Town-send Peterson e Daniel Kluza,da Universidade do Kansas,Estados Unidos, e RicardoScachetti- Pereira, do Centrode Referência em InformaçãoAmbiental (Cria). Entretan-

32 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

to-imagem e que tipo deassociação pode haver entrea variação de peso e a auto-imagem. Analisados combase na técnica do Desenhoda Figura Humana e des-critos num artigo da Psico-logia: Reflexão e Crítica, osdesenhos indicam que ainsatisfação com o corpo émais comum entre as mu-lheres obesas: a figu-ra é desproporcionale disforme em rela-ção ao tórax, pernas,braços, cabeça e detalhesda face. Nas entrevistas, asmulheres magras tambémse julgavam gordas. Gra-ziela trabalha agora com umgrupo de 150 mulheres eo reforço da técnica Escalade Desenhos de Silhuetas.

Os resultados iniciais su-gerem que o descontenta-mento com o físico é geral.E de quem é a culpa? Se-

gundo a pesquisadora, po-de ser da cultura atual, queimpõe o magro como mo-delo de beleza •

Bem acima dopeso: tórax e mãosgrandes demais

Ausência detórax: insatisfaçãocom o corpo

to, com base em um progra-ma de modelagem ambientalque leva em conta as con-dições climáticas e ecológicasde uma região, os pesquisa-dores consideram alto o riscode esse inseto deixar a Califór-nia e estabelecer-se no sul dopaís - espalhando bactériasindesejadas como a Xylella.

• Um tecodontequase completo

Para evitar esse problema, osautores desse estudo - publi-cado na revista eletrônica Bio-ta Neotropica - recomendamcuidados • redobrados notransporte de material bioló-gico - sobretudo plantas -dos Estados Unidos para asáreas produtoras de vinhosno Brasil. •

Foi literalmente uma desco-berta de peso. Em abril, numbloco de rocha de cerca de 2toneladas encontrado numsítio pré-histórico do muni-cípio gaúcho de Dona Fran-cisca, paleontólogos da Uni-

Videiras gaúchas: sob ameaça do mesmo inseto que infesta as plantações da Califórnia

capa ao ataque das célulasdo sistema imune e perma-nece mais tempo na circula-ção. Desse modo, é maior achance de o lipossomo como antimonial ser consumidopelo S. mansoni, que se ali-menta de nutrientes do san-gue. Mesmo em doses altas,que eliminaram 80% dosvermes, o medicamento en-capsulado não se mostroutóxico, como revela Frézardem um artigo recém-publi-cado no International [ournalof Pharmaceutics. •

II

/

0;

" !r \

J .__/Braços curtos epernas longas: outraimagem distorcida

Em paz com o corpo:proporção correta entretronco, braços e pernas

versidade Federal do Rio Gran-de do Sul (UFRGS) acharamum esqueleto quase completode um tecodonte, grupo ex-tinto de répteis do qual pro-vavelmente descenderam osprimeiros dinossauros e osatuais crocodilos. Da ossadado bicho, um carnívoro quemedia 6 metros de compri-mento e deve ter vivido há230 milhões de anos, só falta-va metade da cauda. A con-servação exemplar da porçãopós-cranial do esqueleto, es-pecialmente da estrutura desuas patas, alegrou os pesqui-sadores. Isso porque uma dasgrandes diferenças entre ostecodontes e os dinossaurosdizia respeito à sua forma delocomoção. Enquanto os pri-meiros eram quadrúpedes,os segundos eram bípedes."Ainda não sabemos dizer seo fóssil pertence a uma es-

pécie nova ou já conhecidade tecodonte', afirma CesarSchultz, da UFRGS. "Mas eleestá muito bem preservado epode ser muito útil para es-tudar a anatomia das patastraseiras nessa fase de transi-ção de quadrúpedes para bí-pedes." Para ser retirada dosítio pré-histórico e trans-portada até Porto Alegre, amegaossada petrificada con-tou com os serviços de umaretroescavadeira e de umguindaste. •

• Nova embalagempara velho remédio

Durante décadas desapareceudas farmácias o antimonialtrivalente, um dos primei-ros medicamentos usadosno combate ao Schistosomamansoni, o verme causador daesquistossomose. Abandona-

do por não ser eficaz e porafetar o coração, o antimonialpode ressurgir - e com efi-ciência maior e efeitos colate-rais menores. Seria oportuno.Transmitido pelos caramujosBiomphalaria glabrata, o S.mansoni vem desenvolvendoresistência ao praziquantel e àoxamniquina, as drogas maisusadas no seu combate. Aesquistossomose hoje atinge200 milhões de pessoas - dosquais 20 milhões apresentamquadro clínico grave, com da-nos irreversíveis no fígado eno baço. Uma equipe da Uni-versidade Federal de MinasGerais (UFMG), coordenadapor Frédéric Frézard, verifi-cou que o segredo desse apri-moramento está na forma deembalar o remédio. Em vezde aplicá-lo diretamente nosangue de camundongos, ospesquisadores armazenaramo antimônio em nanocápsu-Ias de gordura - os liposso-mos - antes de injetar nosanimais. Constataram que osresultados eram surpreenden-tes somente quando usavamum tipo especial de Iiposso-mo, chamado furtivo. Reco-berto por moléculas de umpolímero, esse lipossomo es-

Caramujos: vetares do verme

• Os profundostremores do Acre

Sob os cuidados de geólogosda Universidade de Brasília,co-meçou a funcionar em mea-dos de maio um sismógrafode alta sensibilidade, com sen-sores instalados a 100 metrosde profundidade, numa re-serva de floresta fechada, emSamuel, a 80 quilômetros dePorto Velho, capital do Acre.O equipamento vai registrara atividade sísmica desse Es-tado, peculiar por apresentartremores intensos, com mag-nitude ao redor de 7, mas ra-ramente sentidos pela popu-lação por serem profundos,originados a até 600 quilô-metros abaixo da superfície.Se fossem mais rasos, causa-riam sérios danos às casas,alerta Lucas Vieira de Barros,coordenador do Observató-rio Sismológico da UnB, queacompanha o tectonismo daregião. Os abalos profundosno Acre resultam do mergu-lho (subducção) da placa deNazca sob a placa Sul-Ame-ricana, sobre a qual está loca-lizada a América do Sul. Pou-cos dias depois de entrar emoperação, o sismógrafo re-gistrou um tremor de mag-nitude 6,6 no Caribe, norteda Amazônia, cerca de milquilômetros do Acre. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 33

• CIÊNCIA

bombear o sangue, a insuficiência cardíacaatinge de 3% a 6% da população mundial e,no Brasil, entre 5 milhões e 10 milhões depessoas. A equipe da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ) e do Hospital Pró-Cardíaco, que exibe os dados mais avança-dos, obteve recentemente um trunfo inter-nacional pelos resultados a que chegou apósdois anos de trabalho, um tempo curto em setratando de uma área nova em todo o mun-do. Em 13 de maio, a Circulation, a mais im-portante revista científica em cardiologia clí-nica, publicou um artigo científico no qualos pesquisadores do Rio descrevem os pri-meiros transplantes de células-tronco emportadores de insuficiência cardíaca crô-nica. Dos 14 tratados, 12passam bem e doismorreram, aparentemente por causas nãoligadas às aplicações de células-tronco, se-gundo os médicos.

"O projeto só andou rápido porque jáexistia na UFRJ um modelo de transplanteem ratos quando iniciamos o trabalho", re-conhece o cardiologista Hans Dohmann, doPró-Cardíaco. "Aimpressão é que as células-tronco substituem o tecido fibroso por célu-las musculares", comenta Antonio Carlos

Coração

Resultados dos primeiros transplantesde células-tronco no Brasil acenam coma perspectiva de uso dessa técnica contraa insuficiência cardíaca, uma dasprincipais causas de morte no mundo

RrCARDO ZORZETTO

Avode severas críticas e discussõesacaloradas recentes, um tipo es-pecial de célula volta à cena.Desta vez, com boas notícias.São as células-tronco, intensa-

mente estudadas nos últimos cinco anos porcausa de sua fascinante peculiaridade: ao semultiplicarem, originam células de diferen-tes tecidos do corpo, tão distintas como as dapele, dos músculos ou do sistema nervoso.No Brasil, surgem os resultados do trabalhode pelo menos três grupos de pesquisa que,em paralelo com equipes européias e norte-americanas, consolidam as células-troncocomo uma opção para - se não curar - aomenos melhorar a qualidade de vida de pes-soas com graves problemas no coração, con-tra os quais os medicamentos não produzemmais os efeitos desejados.

Com técnicas distintas, pesquisadores doRio de Janeiro, da Bahia e de São Paulo con-cluíram: o transplante de células-tronco éuma alternativa promissora contra a insufi-ciência cardíaca crônica provocada por hi-pertensão, obstrução das artérias coronáriase mal de Chagas. Problema em que o cora-ção perde progressivamente a capacidade de

34 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

~ouz

'"ou;;;

---------=---------------i~

Campos de Carvalho, da UFRJ, que in- Tamanha é a confiança hoje deposi- suficiente para que, aí sim, se possategra o Instituto do Milênio de Bioen- tada no uso de células-tronco que a Co- combater o parasita, causador de umagenharia Tecidual, apoiado pelo gover- missão Nacional de Ética em Pesquisa doença que infecta 16 milhões de pes-no federal. Esse tratamento aumenta a (Conep), órgão do Ministério da Saúde soas na América Latina, dos quais 6 mi-irrigação da parte lesada do coração, que autoriza as pesquisas médicas com lhões no Brasil.permitindo que as células que entra- seres humanos, aprovou em março aram numa espécie de hibernação vol- proposta apresentada um ano antes pe-tem a se contrair. 10 médico Ricardo Ribeiro dos Santos,

coordenador do Instituto do Milênio deBioengenharia Tecidual e pesquisadorda Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)em Salvador,Bahia.Santos pretende co-meçar, ainda este mês, em parceria comcardiologistas do Hospital Santa Izabel,também na capital baiana, um estudocom cinco portadores de insuficiênciacardíaca causada pelo mal de Chagas,doença provocada pelo protozoário Try-panosoma cruzi, parasita que se alojanas células do coração. Numa pesquisarecente, Santos demonstrou que o em-prego desse tipo de célula reduziu demodo duradouro as áreas inflamadas edanificadas do coração de camundon-gos com Chagas. Pode ser essa uma for-ma de manter o coração saudável o

Kmesmotempo, um grupodo Instituto do Coração (In-cor) e da Faculdade de Me-dicina da Universidade deSão Paulo (USP) aplicou

essas células em nove portadores de in-suficiência cardíaca causada por hiper-tensão, doença de Chagas ou de origemdesconhecida. Foram duas técnicas dis-tintas: aplicações ou de células-troncofiltradas do sangue do próprio pacienteou apenas de um hormônio que esti-mula a liberação de células-tronco damedula dos ossos para o sangue. Qua-tro meses depois, três saíram da fila detransplante cardíaco, cinco melhorarambastante e um morreu, algo atribuídoà gravidade do estado de saúde em quese encontravam antes de entrar no ex-perimento. "Em vista do número aindarestrito de pacientes, é cedo para asse-gurar a eficiência dessas técnicas", co-menta o cardiologista Edimar Bocchi,da USP,um dos coordenadores da pes-quisa. "Mas os resultados apontam umaperspectiva de melhora para essas pes-soas, que têm uma doença extrema-mente grave."

Em termos práticos, as equipes doRio e de São Paulo mantiveram baten-do - com boa parte do antigo vigor - ocoração de homens e mulheres que nãoconseguiam mais caminhar pela ma-nhã até a padaria nem se alimentavammais sozinhos, tamanho o cansaço de-corrente da insuficiência cardíaca. An-tes do tratamento com células-tronco,a única saída para eles era esperar du-rante meses por um transplante cardía-co. Se resistissem, enfrentariam umacirurgia que começa com um corte de30 centímetros no tórax, termina novehoras mais tarde, exige um mês de re-cuperação e, no total, sai por cerca deR$ 200 mil. O implante de células-tron-co é bem mais simples. Realizado pormeio da introdução de um cateter nu-ma artéria que vai da coxa ao coração,dura pouco mais de uma hora, exigeapenas dois dias de permanência nohospital e custa dez vezes menos.

36 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Apenas no começo - Mesmo com essesresultados, ainda serão necessários al-guns anos até que esse tipo de trata-mento se torne disponível para a popu-lação tanto no sistema público de saúdecomo no privado. Os experimentos es-tão no início da longa trajetória até aaprovação de novos medicamentos ouprocedimentos médicos em humanos.É a chamada fase 1dos estudos clínicos,cujo objetivo é averiguar se o tratamen-to é seguro e não causa efeitos colate-rais graves. Seguem-se outras duas eta-pas, em que se analisam a eficácia dotratamento em dezenas e depois emmilhares de pessoas.

Os pesquisadores brasileiros contor-naram as questões éticas associadas aouso dessas células porque trabalharamcom somente um dos dois tipos exis-

tentes. Usaram as células-tronco adul-tas, produzidas pela medula dos ossosdo próprio indivíduo que as recebemais tarde no transplante. Desse modo,evitaram a polêmica acerca do empre-go de outro tipo dessas células, as célu-las-tronco embrionárias, assim chama-das porque são retiradas de embriõescom poucos dias de vida. É essa justa-mente a razão da polêmica: o embriãomorre quando essas células são extraí-das. Mais versáteis que as adultas, as cé-lulas-tronco embrionárias são capazesde originar todos os tipos de célula docorpo. Por esse motivo, países com le-gislação considerada mais liberal, comoa Grã-Bretanha, limitaram as pesquisasàs células retiradas de embriões descar-tados em tratamentos de fertilizaçãoassistida. Ninguém esquece também apostura conservadora adotada pelo pre-sidente dos Estados Unidos, George W.Bush, que restringiu o financiamentofederal apenas aos estudos com 62 li-nhagens de células-tronco embrioná-rias já caracterizadas em laboratório.

Emuma situação em que oresultado científico recebeuma ajuda do acaso, o pro-jeto do implante de células-tronco no coração nasceu

de uma solução em busca de um pro-blema. Em 2000, Hans Dohmann, doHospital Pró-Cardíaco, no Rio, tra-balhava com o cardiologista brasileiroEmerson Perin, do Texas Heart Insti-tute, construindo um cateter especial,com uma fina agulha e sensores capa-zes de identificar as porções mortas docoração. Nesse mesmo ano, souberamem uma reunião em Hamburgo, naAlemanha, que outra equipe havia ter-minado o cateter antes deles. Foi tam-bém quando os especialistas reconhe-ceram que o dispositivo poderia serusado na pesquisa com células-tronco."No avião de volta ao Rio, eu imagina-va que dependeria de cooperação comequipes estrangeiras caso quisesse en-trar nessa área",lembra Dohmann.

Por sorte ele se enganou. No Rio,Radovan Borojevic e Antonio Carlos

Campos de Carvalho, ambos da UFRJ,iniciavam a aplicação de células-tron-co em ratos com insuficiência cardía-ca crônica provocada artificialmente.É algo semelhante ao que se observaquando o acúmulo de gordura nas ar-térias coronárias diminui o fluxo desangue para o coração. Essa reduçãomata algumas áreas do coração, quedeixa de bombear sangue de modo efi-ciente para o corpo. Na tentativa decompensar a falta de força, o coraçãoaumenta de tamanho, chegando aodobro do normal nos casos mais gra-ves, como pode ser visto na página 35.O sinal verde para o trabalho veio emoutubro de 2001, cinco meses apósCarvalho e Borojevic constatarem emroedores que as células-tronco se in-corporavam ao músculo cardíaco e,mais importante ainda, restauravam aomenos em parte sua capacidade de secontrair. "Ainda não há estudos deta-lhados que expliquem o que se passa",comenta Carvalho.

Pouco a pouco, os pesquisadores doRio demonstram, de modo pioneiro,que esse tipo de terapia celular restabe-lece o bombeamento de sangue pelocoração nos casos mais complicados deinsuficiência cardíaca, em que o pro-blema se torna crônico e a pessoa sen-te-se bem apenas quando está sentada.Nessas condições, os medicamentosque impedem o aumento de tamanhodo coração - como os betabloqueado-res e os inibidores da enzima converso-ra de angiotensina - deixam de produ-zir o efeito desejado. Em alguns casos,também se torna impossível tratar odoente com as terapias tradicionais,como a angioplastia, a introdução deum cateter com um balão na ponta,que esmaga as placas de gordura, ou oimplante de uma ponte, uma espécie dedesvio à área entupida feito com veiasretiradas da perna ou da região peito-ral. Nos graus mais avançados, a insufi-ciência cardíaca mata metade dos doen-tes em seis meses.

Antes desse trabalho brasileiro,Bodo Strauer, da Universidade de Dus-seldorf, na Alemanha, publicou em se-tembro de 2002 na Circulation um ar-tigo em que descreve o aumento dairrigação do coração em pacientes quereceberam aplicações de células-tron-co. O estudo, porém, levava em consi-deração apenas pessoas que haviam so-frido infarto agudo e parte do coração

PESQUISA FAPESP 88 • J UNHO DE 2003 • 37

II

permaneceu cerca de uma sema-na sem o suprimento adequadode sangue. Além disso, a capaci-dade de bombear sangue dessespacientes era superior à apresen-tada pelos brasileiros - o que tor-na a recuperação mais simplesdo que quando o problema setorna crônico.

Com a aprovação da Conep,Dohmann e Perin selecionaramos 21voluntários que integrariama etapa inicial do estudo clínico.Cada pessoa que se submeteu àterapia com células-tronco pas-sou pelo mesmo procedimento:por meio de um pequeno cortena porção mais alta do quadril,os médicos introduziram umaagulha no osso ílio, que forma assaliências laterais da bacia, e ex-traíram 50 mililitros de materialaspirado da medula óssea. Esselíquido viscoso e vermelho-escu-ro consiste numa mistura de cé-lulas, bastante rica em células-tronco adultas, depois separadasem laboratório.

Devolta à sala de cirurgiaquatro horas mais tarde,Dohmann e Perin tinhamem mãos o concentradovermelho vivo de células-

tronco. Com o cateter, injetaram 30 mi-lhões delas na parede interna do ventrí-culo esquerdo - a mais importante dasquatro cavidades do coração, que bom-beia sangue rico em oxigênio para ocorpo. Aplicaram as células-tronco nasáreas em que o músculo cardíaco esta-va numa espécie de hibernação - inati-vo, porém vivo. Quatro meses depois,notou-se que o transplante estimulou osurgimento de pequenas artérias na re-gião do coração que havia perdido a ca-pacidade de contrair-se.

Com a melhora da irrigação, a áreacarente de sangue diminuiu 73% e acapacidade de bombeamento do cora-ção subiu de 20% para 29%, o suficien-te para permitir que os transplantadoselevassem de cinco para quase sete mi-nutos o tempo de caminhada em estei-ra a passos lentos. "Parece pouco, masisso permite a essas pessoas realizar ati-vidades que haviam se tornado impos-síveis com a insuficiência cardíaca, co-mo trocar de roupa sozinhas", comentaDohmann.

38 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP BB

o mais animador é que até o mo-mento a técnica do grupo carioca pare-ce não ter causado nenhuma complica-ção grave, como a alteração do ritmodo coração (arritmia), que pode levar auma parada cardíaca. Os médicos com-pararam a qualidade de vida das pes-soasque receberam as células-tronco an-tes do tratamento e seis meses depoisdas aplicações. Em média, elas se en-contram em condições iguais ou sllpe-riores às de norte-americanos de mes-ma idade. Os sete integrantes do grupode controle, que tomaram somentemedicamentos contra a insuficiênciacardíaca, não apresentaram melhorarelevante na condição de saúde nessemesmo período. Segundo Dohmann,eles também devem receber o implantede células-tronco, possivelmente a par-tir de agosto. Numa segunda fase desseestudo, prevista para começar no finaldo ano, os pesquisadores cariocas pre-tendem analisar o desempenho dessatécnica em um grupo maior, compostopor 120 portadores de insuficiênciacardíaca crônica.

Reforço celular - Em São Paulo, os car-diologistas Edimar Bocchi e DaltonChamone também constatam o au-mento da força de batimento do cora-ção, restaurado por técnicas distintas

de tratamento com células-tronco. Emvez de extrair essas células diretamentedo osso e injetá-Ias no músculo cardía-co, Bocchi e Chamone contaram coma colaboração do próprio organismo.Durante cinco dias, em média, aplica-ram nos pacientes injeções de 600 mi-crogramas de uma proteína especial, ofator estimulador de colônias de granu-lócitos e macrófagos (GM-CSF), que fazas células-tronco migrarem da medulaóssea para o sangue. Quando atingiama concentração adequada, os médicosencaminhavam candidatos a transplan-te para urna espéciede filtragem do san-gue para separar as células-tronco que,em seguida, eram congeladas e arma-zenadas antes de serem injetadas nova-mente no sangue.

Dos nove pacientes, com idade en-tre 33 e 65 anos, dois receberam injeçãode células-tronco nas artérias coroná-rias, por meio de um cateter. Os outrossete, apenas injeções de GM-CSF - etodo o trabalho ficou por conta do or-ganismo. Acredita-se que o tecido da-nificado, como o do coração doente,exerça uma espécie de atração químicasobre as células-tronco pela liberaçãode proteínas que promovem a comuni-cação entre células, como a interleuci-na 6 e o fator de necrose tumoral alfa.Não foram só os métodos que variaram.

infância e, por volta dos 40 anosde idade, desenvolveminsuficiên-cia cardíaca progressiva, que levaà morte em dez anos.

Quando a insuficiência seagrava,a saída é o transplante car-díaco, pouco eficaz porque osprotozoários remanescentes nosangue infectam o órgão recém-implantado. Um agravante doproblema é que a infecção pelotripanossoma é mais freqüenteentre a população da zona rural,em especial nas regiões Norte eNordeste, em que não há progra-mas de transplante de coração.As células-tronco podem ameni-zar o problema. Em camundon-gos, como Santos verificou, bastauma injeção intravenosa de 20milhões de células-tronco asso-ciada ao uso do fator estimula-dor de colônias de granulócitos emacrófagos, o GM-CSF,para re-duzir a inflamação e o tecido fi-broso do coração. Depois de doismeses, os roedores tratados com

esse método apresentavam 80% menoscélulas inflamadas e tecido fibroso doque os camundongos que não receberamessa terapia. O mais importante é queessebenefício mostrou-se duradouro: amelhora persistia seis meses depois deos roedores receberem as células-tron-co, um período equivalente a quase 20anos para os seres humanos.

No experimento recém-aprovadopela Conep, Santos vai injetar 30 mi-lhões dessas células no interior das co-ronárias, além do GM-CSF,inicialmen-te em cinco portadores de insuficiênciacardíaca provocada por Chagas. Se atécnica mostrar-se segura, o pesquisa-dor da Fiocruz deverá ampliar e deta-lhar o estudo com outros 25 pacientes -cinco devem receber células-tronco eGM-CSF,dez serão tratados apenas comcélulas-tronco e dez com o medicamen-to. "Com essa terapia, esperamos redu-zir as lesões no coração a um nível mí-nimo, semelhante ao que ocorre com70% dos portadores de Chagas, que nãodesenvolvem insuficiência cardíaca",diz Santos. Se bem-sucedido, o trata-mento permitirá que os médicos dêemaos doentes um medicamento paracombater o protozoário, o benzonida-zol, que, por ser tóxico, atualmente nãopode ser usado por pessoas com insu-ficiência cardíaca. •

As pessoas tratadas no Incor tinhaminsuficiência cardíaca provocada nãopelo entupimento dos vasos, mas porcausas tão variadas quanto doença deChagas, aumento da pressão sangüínea(hipertensão) ou ainda aumento de ta-manho do coração sem razão conheci-da - enfermidade conhecida no jargãomédico como cardiomiopatia idiopáti-ca dilatada. De um modo geral, a capa-cidade de bombear sangue e o consumode oxigênio aumentaram e três doen-tes deixaram a lista de espera por umtransplante de coração. Hoje tomamapenas os medicamentos para contro-lar a insuficiência cardíaca. Dois deles

o PROJETO

Terapias Celulares paraDoenças Crônico-Degenerativas

COORDENADORRICARDO RIBEIRO DOS SANTOS -Instituto do Milêniode Bioengenharia Tecidual

INVESTIMENTOR$ 5.200.000,00 (Ministérioda Ciência e Tecnoloçia),R$ 500.000,00 (HospitalPró-Cardíaco),R$ 500.000,00 (Fiocruz-BA),R$ 200.000,00 (Faperj)

apresentaram ainda um problema quenormalmente atinge 20% dos portado-res de insuficiência cardíaca: o entupi-mento por um coágulo sangüíneo daartéria que leva sangue pobre em oxi-gênio para os pulmões. "Um aumentoaparentemente pequeno na capacidadede bombear o sangue, muitas vezes, re-presenta uma melhora significativapara os doentes", explica Bocchi.

Contra Chagas - Em Salvador/Santos,da Fiocruz, e Fabio Vilas-BoasPinto, doHospital Santa Izabel, pretendem usaras células-tronco para reverter especifi-camente os danos que o mal de Chagasproduz no coração. Depois de penetrarno sangue, o parasita causador da do-ença, o protozoário Trypanosoma cruzi,aloja-se no interior das células cardía-cas, que disparam o alerta para o siste-ma imune. Mas o parasita não é o úni-co que perde. As células do coração têmem sua superfície proteínas semelhan-tes às do tripanossoma e, por essa ra-zão, também sofrem o ataque das célu-las de defesa.Em conseqüência, surgemmilhares de cicatrizes dispersas pelo ór-gão. Tanto na doença de Chagas comono infarto, que leva à morte de umagrande área do coração, o resultado ésemelhante: 30% dos portadores domal de Chagas adquirem a doença na

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 39

• CIÊNCIA

INTERNET AVANÇADA

AAPESPestá lançando editalpara a inscrição de gruposde pesquisadores no Pro-grama Tecnologia da In-formação no Desenvolvi-

mento da Internet Avançada (Tidia).Criado em 2001, o programa quer esti-mular a pesquisa de novas tecnologiaspara a Internet, oferecendo a infra-es-trutura de rede de fibra óptica neces-sária para a realização de testes deequipamentos (hardware), desenvolvi-mento de software e criação de conteú-dos acadêmicos digitais, com ênfase noensino a distância.

"Vamos tornar disponível uma redede fibra óptica de alta velocidade parapossibilitar experimentos que, realiza-dos em laboratório, podem não refletiro comportamento das tecnologias nomundo real", comenta Luis FernandezLopes, presidente da comissão de coor-denação do Tidia. O programa, que seapóia na cooperação entre centros depesquisa e prevê parcerias com a inicia-tiva privada e o governo, tem três gran-des áreas: infra-estrutura de rede, co-nhecida como test bed, incubadora de

40 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

e os especialistas na confecção de mate-rial didático, para viabilizar, em meioeletrônico, um nível de eficácia similarao da educação tradicional. ''Aproduçãode materiais didáticos que possam seracessados em qualquer lugar e a qual-quer momento demanda um enormeesforço de padronização e grande cui-dado para assegurar uma boa interati-vidade, flexibilidadee facilidadede uso';comenta Wilson Vicente Ruggiero, co-ordenador da área de ensino a distân-cia do Tidia. Todas as ferramentas utili-zadas nos projetos terão código aberto,ou seja, permitem correção e controleda aplicação.

A FAPESP começa a assinar acor-dos com prestadores de serviços de tele-comunicações para oferecer aos pesqui-sadores uma rede de fibra apagada,ligando, em um primeiro momento,São Paulo, Campinas e São Carlos, à ve-locidade de 400 gigabits por segundo.Para se ter uma idéia do que isso sig-nifica, basta lembrar que as conexõesde banda larga domésticas operam avelocidades variáveis entre 256 kilo-bits e 2 megabits por segundo. •

Oportunidade virtualPrograma Tidia selecionaráprojetos de infra-estruturade rede e ensino a distância

conteúdos digitais e ensino a distância(e-learning). Na primeira, os pesquisa-dores poderão usar fibras ópticas apaga-das, isto é, inativas, para testes. ''A redeserá um campo de testes para avaliar,por exemplo, um equipamento para aampliação de bandas de transmissão ouum protocolo de comunicação", obser-va Hugo Fragnito, coordenador da áreade infra-estrutura do Tidia.

Democratização do acesso - A segun-da área de pesquisa incluída no pro-grama prevê apoio para pesquisas dedesenvolvimento de software e conteú-dos acadêmicos, beneficiando proje-tos de digitalização de bibliotecas, en-tre outros. "Embora já seja possívelconsultar dicionários de língua portu-guesa na web, não há nenhuma obraintegral disponível para download(transferência para o computador)",observa Imre Simon, coordenador daincubadora de conteúdos digitais doTidia.

Por fim, na área de e-learning, o Ti-dia promoverá a interação entre os pes-quisadores de ferramentas de software

• CIÊNCIA

BIOLOGIA

Reserva especialEquipe de Minas descobrerede de tubos que armazenamcálcio no núcleo das células

Umasó pesquisa derru-bou dois mitos ao mes-mo tempo. O primeiro:no núcleo das célulasnão ficam só os cromos-

somos, formados por proteínas e peloDNA,como sepensou durante pelo me-nos 50 anos. Ali há também, como des-cobriram pesquisadores brasileiros enorte-americanos, uma rede de tubosque armazenam cálcio - elemento quí-mico essencialpara o funcionamento ce-lular."É a primeira vezque se demonstraque o núcleo contém organelas pró-prias", comenta Maria de Fátima Leite,pesquisadora da Universidade Federalde Minas Gerais (UFMG) e co-autoradesse trabalho, publicado em 22 abrilna edição on line na Nature Cell Biology.Maria de Fátima e Michael Nathanson,da Universidade de Yale,Estados Uni-dos, verificaram que as tais organelas -ou compartimentos, chamados retícu-los nucleoplasmáticos - ocorrem pelomenos nas células do fígado. "É prová-vel que as células do coração, dos mús-culos e do sistema nervoso também te-nham essa estrutura", diz ela.

A segunda idéia desfeita é que onúcleo receberia cálcio apenas do cito-plasma, a porção gelatinosa que ocupao espaço entre o núcleo e a membranaexterna da célula. É no citoplasma quese encontram compartimentos de fun-ções variadas, a exemplo do retículoendoplasmático liso, espécie de bolsaque guarda cálcio. Os achados dessaequipe sugerem que é possível que ocálcio atravesse a membrana do nú-cleo, mas não há mais como negar aaparente auto-suficiência do núcleonesse elemento químico essencial na

do núcleo. Depois, condu-zido por moléculas trans-portadoras, o cálcio faz opercurso de volta: atravessanovamente os poros damembrana da rede de tu-bos e ali fica alojado atéser requisitado outra vez."Se ficar livre no núcleo ouno citoplasma", diz Mariade Fátima, "o cálcio acionauma série de reações quí-micas que podem levar àmorte celular."

Para descobrir os depó-sitos de cálcio, os pesquisa-dores usaram proteínas quefuncionam como sondasfluorescentes que, por afi-nidade química, aderem aoretículo endoplasmático. Sóchegaram a essasconclusões

e visualizaram os depósitos de cálcio donúcleo por terem usado um microscó-pio de dois fótons, que, além de umaresolução altíssima, causa menos danosàs células que outras técnicas. Há pou-cos equipamentos desse tipo no mun-do - um deles está no laboratório deNathanson, com quem a pesquisadorabrasileira começou a colaborar há doisanos. O trabalho que fizeram juntosnão sugere apenas ajustes nos livros-texto, nos quais o núcleo aparece comoespaço único dos cromossomos. Afetatambém a pesquisa de medicamentos -como os usados contra hipertensão ouna regeneração do fígado - cujos efeitoscolaterais poderiam ser amenizados àmedida que atuem de modo mais pre-ciso no cálcio do núcleo ou do citoplas-ma das células. •

Retículo do núcleo (setas vermelhas)de células de figado: autonçrnia

regulação da contração muscular, dosbatimentos cardíacos, da secreção de

. hormônios, da multiplicação e diferen-ciação celular e da chamada plasticida-de neuronal - a capacidade de o cére-bro criar rotas alternativas para mantero corpo funcionando ou resgatar a me-mória. No núcleo, o cálcio pode mudartambém a estrutura da molécula deDNA, ativar ou desativar genes.

Citado na seção Editors' Choice daScience de 9 de maio, o trabalho dospesquisadores da UFMG e de Yaleajudaa entender como um só elemento quí-mico - ainda que abundante no interiordas células - consegue regular tantasfunções celulares.O cálcio é liberado demodo seletivo - apenas quando o retí-culo nucleoplasmático é ativado - e as-sim determina uma ou outra resposta

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 41

• CIÊNCIA

uem leu a edição de 24de abril da revista ingle-sa Nature, uma das maisinfluentes publicaçõescientíficas, verificou queuma equipe do Centro

de Genoma Humano Chinês, de Xan-gai, havia seqüenciado o genoma com-pleto da variedade Lai da Leptospira in-terrrogans, a mais comum da bactériacausadora da leptospirose naquele país.Transmitida ao homem pela urina deroedores e outros animais infectadoscom o patógeno, a leptospirose é consi-derada a mais disseminada das zoono-ses, as doenças que os bichos transmi-tem aos seres humanos, especialmenteem áreas rurais de clima quente. Toca-do por cientistas de uma nação em de-

42 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

senvolvimento de fora do eixo Euro-pa-Estados Unidos, o trabalho dogrupo asiático era, sem dúvida, de re-levância internacional. Mas, para osbrasileiros, a notícia mais importantesobre a leptospirose não vem do Extre-mo Oriente, tampouco chegou às pági-nas de alguma publicação - e era, atéagora, mantida em sigilo. Trabalhandocom discrição, num projeto concor-rente à empreitada chinesa, um timede pesquisadores do Instituto Butan-tan, de São Paulo, com a colaboraçãode colegas da filial baiana da FundaçãoOsvaldo Cruz (Fiocruz) e de universi-dades paulistas, também terminou oseqüenciamento integral do genoma deoutra linhagem da L. interrogans, deno-minada sorovar Copenhageni, respon-

sável pela maioria dos casos humanosda doença no Brasil.

Pesquisa integrada - Na verdade, ogrupo brasileiro fez mais do que sim-plesmente desvendar a estrutura mole-cular de um patógeno similar ao ma-peado pelos cientistas de Xangai. Deutambém um passo certeiro para firmaruma promissora linha de pesquisa como intuito de desenvolver melhores for-mas de profilaxia e diagnóstico da lep-tospirose humana, principal objetivo doprojeto. Isso porque, em fevereiro de2002, um ano e dois meses antes de oschineses terem publicado seu artigo naNature, os cientistas do Butatan pedi-ram nos Estados Unidos a patente de24 genes - e suas respectivas proteínas

- identificados no trabalho de seqüen-ciamento e análise do genoma do soro-var Copenhageni, executado pelo AEG,a rede pública de laboratórios paulistasespecializada em genomas da áreaagronômica e ambiental. "Essas proteí-nas podem ser úteis para o desenvolvi-mento de uma vacina contra a leptos-pirose humana (hoje não há nenhuma)ou de testes mais eficientes para o diag-nóstico das diferentes formas sorológi-cas da doença': afirma Ana Lucia TabetOl1erdo Nascimento, do Butantan, co-ordenadora do projeto com a L. inter-rogans, financiado pela FAPESP.Tal hi-pótese se baseia em testes preliminaresem laboratório que mostraram queesse grupo de 24 proteínas reage aocontato com o soro sangüíneo de pes-

soas ou ratos infectados com leptospi-rose. A resposta ao pedido de patente,cujos direitos são extensivos ao Brasil,deve sair no próximo ano.

Estudo comparativo - Os pesquisado-res do Butantan acabam de concluirum artigo científico comparando osgenomas das duas variedades de L. in-terrogans. Muitas das informações dotrabalho, que foi submetido a umagrande revista internacional e aguarda

um sinal verde para sua publicação,ainda são confidenciais. Mas alguns da-dos gerais, resultantes dessa confronta-ção, já podem ser divulgados. As duasseqüências genéticas apresentam quaseo mesmo tamanho. O sorovar Lai temquase 4,7 milhões de pares de bases (asunidades químicas que constituem ocódigo genético), divididos em doiscromossomos circulares, um grande eoutro pequeno. O Copenhageni apresen-ta uma estrutura quase análoga, tam-bém com dois cromossomos, só queapresenta cerca de 60 mil pares de basesa menos do que a cepa estudada pelosasiáticos.

A maior distinção entre as duas va-riedades diz respeito ao seu provávelnúmero de genes e respectivas proteí-

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 43

nas. Em seu estudo, os chinesescontaram 4.727 genes e um nú-mero semelhante de proteínasno sorovar Lai. Trabalhando como sorovar Copenhageni, os brasi-leiros contabilizaram cerca de3.700 genes ou proteínas. É umadiferença considerável para doisgenomas aparentemente tão pró-ximos. "Não acreditamos que hajatantas proteínas a mais no Laiem relação ao Copenhageni', afir-ma a bioquímica Elizabeth An-gélica Leme Martins, do Butantan,colaboradora do projeto. "Pelasnossas análises, esse número deveser bem menor, em torno de 200proteínas." Outra contribuiçãoda equipe do Butatan, que tam-bém conta com a participação dePaulo Lee Ho e Luciana Leite, foia descoberta de 250 novas pro-teínas de superfície no sorovarCopenhageni. Essas proteínas fi-cam na membrana das células dopatógeno e está em contato dire-to com o hospedeiro, homem ouanimal infectado pela L. interro-ganso Entre esse grupo de proteí-nas, destacou-se um conjunto menor,de 174 lipoproteínas, que podem terum maior envolvimento no processode infecção causado pela bactéria. "An-tes de nosso trabalho, apenas dez lipo-proteínas haviam sido identificadas naL. interrogans", diz Ana Lucia. "Os chi-neses descreveram poucas proteínasdesse tipo."

Nas cidades - Diferentemente do soro-var Lai, típico das alagadiças plantaçõesde arroz da Ásia, palco de grande partedas ocorrências da doença na China, acepa Copenhageni é a principal respon-sável pela incidência da leptospirosehumana no Brasil, onde houve poucomais de 46 mil casos confirmados entre1987 e 2001, com uma taxa anual demortalidade de 6,5% a 20% dos infec-tados. Aqui, em vez de ser um proble-ma associado ao campo, a moléstia temum caráter mais metropolitano. Nas ci-dades, as pessoas costumam pegar adoença em áreas sem saneamento bási-co, com lixo acumulado (que atrai ra-tos) e esgoto a céu aberto, ou na épocadas enchentes de verão, quando as viaspúblicas se transformam em córregosimundos e aumenta o risco de contatocom água ou terra contaminada pela

44 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Leptospira interrogans: transmitidaprincipalmente pela urina de roedores

urina de roedores infectados pela bac-téria. O rato de esgoto (Rattus norvegi-cus) , um habitante quase tão urbanoquanto o homem moderno, é o princi-pal hospedeiro do sorovar Copenhage-ni da L. interrogans.

Uma vez infectado, o homem podedemorar de dois a 30 dias para desen-volver os sintomas mais comuns decor-rentes da presença da bactéria em seuorganismo: febre, dor de cabeça, cala-frios, vômitos, náuseas e mal-estar geral.Se não tratada com antibióticos, nor-malmente penicilina ou doxiciclina, aL. interrogans pode afetar rins e fíga-do e, em casos extremos, levar à morte.

o PROJETO

Seqüenciamento do Genomada Leptospira interrogans

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORAANA LUCIA TABET OLLERDO NASCIMENTO- Instituto Butantan

INVESTIMENTOR$ 776,526,85

Como sua manifestação clínicanão difere muito dos sintomasdesencadeados por outras doen-ças conhecidas, como dengue efebre amarela, a leptospirose é,não raro, confundida com outrasenfermidades. Para chegar a umdiagnóstico com um grau míni-mo de confiabilidade, é necessá-rio fazer testes laboratoriais comsangue ou urina do caso suspei-to. "Às vezes, mesmo com essesexames, não se consegue precisarqual é o sorovar responsável pelainfecção': comenta a Ana Lucia.

Pode parecer um detalhe de-terminar o sorovar de L. interro-gans responsável por uma infec-ção. Mas essa impressão é falsa.Conhecer a variedade da bactériaque desencadeia a doença numapessoa ajuda a prever a evoluçãoda infecção, visto que há cepasmais e menos agressivas, e é defundamental importância para acriação de uma vacina contradoença. Isso é ainda mais verda-deiro no caso desse patógeno. Hácerca de 250 sorovares conheci-

dos de L. interrogans, com graus variá-veis de características comuns. Diferen-ciar um tipo do outro nem sempre éfácil. Do ponto de vista de sua morfolo-gia, de sua aparência externa vista como auxílio de um microscópio eletrô-nico, as variedades podem ser conside-radas idênticas. Todas são finas e alon-gadas, com formato em espiral, semparede celular rígida. "Não dá para dis-tinguir as variedades apenas pela mor-fologia", explica Elizabeth.

O problema é que, se sua constitui-ção física não muda de acordo com osorovar, outros parâmetros estão longede ser sempre iguais ou semelhantesnas diversas formas da bactéria. O graude patogenicidade, local de ocorrênciageográfica, hospedeiros mais comuns evítimas preferenciais (homem ou outroanimal, como cão, boi ou roedores) po-dem variar muito em função da cepada L. interrogans. Certas formas da bac-téria, por exemplo, causam leptospiro-se apenas no homem, outras infectamsomente os animais e ainda existem asque atacam ambos. A Copenhageni e aLai estão entre as variedades mais viru-lentas da L. interrogans que atacam oser humano. No trabalho de compara-ção do genoma dessas duas cepas, os

II

quisam mais a fundo a leptospirose,que são poucos, tendem a focar seustrabalhos nas variedades mais impor-tantes localmente.

Além de China e Brasil, que se-qüenciaram sorovares distintos de L.interrogans, os australianos estudam omaterial genético de outra cepa dessabactéria. "Temos de fazer as nossas pró-prias pesquisas com o sorovar Cope-nhageni, que é a grande causa da lep-tospirose humana no Brasil, pois nadagarante que uma vacina desenvolvidano exterior, contra outra variedade dabactéria, também possa ser útil paranós",diz Ana Lucia. Seas pistas dos pes-quisadores brasileiros se mostraremacertadas e tudo correr dentro do pre-visto, uma forma de imunização con-tra a moléstia pode se tornar realidadedaqui a cinco ou dez anos. Para acele-rar o processo, parcerias com a indús-tria farmacêutica e pesquisadores daárea veterinária, que também têm in-teresse em novas terapias contra lep-tospirose, são uma das prioridades dogrupo do Instituto Butantan. •

pesquisadores do Bu-tantan acreditam teridentificado duas pro-teínas presentes ape-nas na variedade se-qüenciada no Brasil -e envolvidas na síntesede polissacarídeos, umtipo de açúcar - quepodem facilitar o pro-cesso de diferenciaçãodos sorovares. "Secon-firmado, esse dado também pode serimportante para a compreensão dagrande variação antigênica das Leptos-piras", prevê Ana Lucia.

tencial agente agressor,normalmente uma oumais proteínas, o siste-ma imunológico pro-duz defesas específicas(anticorpos) contra oantígeno que lhe ame-aça. No caso da lep-tospirose, devido aonúmero elevado desorovares da bactériacausadora da doença,

ter anticorpos contra uma variedade deL. interrogans não confere, necessaria-mente, proteção contra as demais for-mas do patógeno.

Num cenário ideal, a vacina perfei-ta contra leptospirose deveria conferirproteção imunológica contra todas asformas da bactéria, ou pelo menos asmais disseminadas. No entanto, o má-ximo que se obtém, em muitos casos, éum produto mais focado e específico,capaz de impedir a infecção provocadapor um ou alguns tipos de sorovares eque se mostra inócuo para outras for-mas do patógeno. Os países que pes-

Brasil eChina estudamvariedadesdiferentes damesma bactéria

Variedade brasileira - A principal im-plicação clínica da grande diversidadede patógenos causadores da leptospiro-se é a existência de múltiplos antígenosassociados à doença, cada um deles li-geiramente diferente dos outros. Qual-quer substância reconhecida pelo orga-nismo como de origem externa oucapaz de lhe oferecer perigo é chamadade antígeno. Para se defender desse po-

ANpROTEC ENDEAVORConstruindo Empresas para Durar e Crescer

Campinas 2003

~ ~l.~q!?~~~ -PJFINEP IMIM'. VOCeSla,.f:NQJ;:Ayq~ SE~AE ~

BN~~DlmlõX.lSIPI!UIOI PeiéiúiSa Intel Capital RMANpROTEC ~,*,sbr~ -s:ao 1\1.atlGtl llC/OCliOGl,o, GINESE~~

• CIÊNCIA

Para ver como o cérebro reagia dian-te de um produto mais agressivo àepiderme, os pesquisadores francesesrealizaram um experimento com 18mulheres, das quais metade dizia terpele sensível. Pingaram na face esquer-da das participantes do estudo uma so-lução inerte e aplicaram na direita ácidolático, substância normalmente usadacomo irritante em testes de reatividadecutânea. Durante dez minutos, um apa-relho de ressonância magnética regis-trou o funcionamento do cérebro dasmulheres. Esse tipo de equipamentomede mudanças no fluxo de sangue eoxigênio em regiões onde há grandeatividade neuronal e gera imagens emque se destacam as áreas cerebrais acio-nadas por um estímulo. Ao fim do ex-perimento, ainda antes de analisarem asimagens da ressonância magnética, oscientistas já conseguiam facilmente se-parar as mulheres em dois grupos. Asque manifestaram maior desconforto naface direita, onde fora aplicado o ácidolático, faziam parte do grupo previa-mente rotulado de pele sensível.As querelataram menor irritação nesse lado dorosto eram do time das não sensíveis.

Até esse ponto, o estudo parece sera confirmação do óbvio: quem se de-clarou com pele sensível sofreu maisos efeitos da substância irritante. Otrabalho se torna mais original quan-do Querleux e seus colegas passaram aavaliar o perfil de ativação cerebral dosdois grupos de mulheres. Havia al-guns pontos em comum e diferençasevidentes. Entre os pontos em comum,destacava-se a constatação de que to-das as pacientes, com ou seu pele sen-sível, haviam mostrado um aumento

DERMATOLOGIA

"A flor da peleCremes de beleza estimulammais regiões cerebrais emmulheres com epiderme sensível

Ninguémdúvida de quea pele de dois indivíduospode reagir - e efetiva-mente reage - de ma-neira diferente à apli-

cação de um creme ou produto debeleza.Algumas pessoas usam enormesquantidades de um cosmético sem apre-sentar nenhuma forma de irritação.Outras, mal encostam o mesmo pro-duto na epiderme, sentem coceira ouqueimação no ponto onde houve aaplicação. Ver o que se passa no cére-bro de indivíduos com pele sensível enão sensível pode ajudar a entendermelhor o problema? Talvez, a julgarpelos resultados de um recente traba-lho. Em colaboração com o InstitutoNacional da Saúde e da Pesquisa Mé-dica (Inserm) e o Hospital Bicêtre, deParis, pesquisadores da L'Oréal, multi-nacional francesa da área de cosmé-ticos, mostraram que, ao entrar emcontato com substâncias sabidamenteirritantes, mulheres com pele classifica-da como sensível apresentam um pa-drão de ativação cerebral bastante dife-rente das que têm pele não sensível.

Com o auxílio de imagens obtidaspela técnica de ressonância magnéticafuncional, capazde mostrar quais setoresdo cérebro são acionados por um estí-mulo, os autores do estudo perceberamque as áreas ativadas entre as mulherescom pele sensível eram em maior nú-mero e se distribuíam de forma mais oumenos uniforme entre os dois hemis-férios cerebrais. Nas participantes compele não sensível, a resposta era maisdiscreta e se concentrava em grandeparte no hemisfério oposto à região docorpo onde houve o estímulo. "Temos

46 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

a impressão de que a informação (refe-rente ao desconforto cutâneo) chega aocérebro de todas as mulheres da mes-ma maneira, mas é tratada de formadiferente de acordo com o contexto,com a sensibilidade da pele': explica ofísico francês Bernard Querleux, prin-cipal autor do trabalho e diretor de pes-quisas da L'Oréal, que esteve no Brasilno mês passado.Parte do estudo foiapre-sentado no 20° Congresso Mundial deDermatologia, ocorrido em Paris noano passado.

As respostas do cérebro - Em seus tra-balhos, Querleux e seus colaboradoresbuscam determinar, de forma objetiva,as bases neurais da pele sensível.Trata-se de uma linha de pesquisa importan-te para a indústria de cosméticos, cujosprodutos se assentam sobre a epidermee devem embelezar seus consumidores- e não lhes causar dor ou desconforto..Na Europa e Estados Unidos, metadedas mulheres, o principal público con-sumidor de cremes para o rosto, tempele mais suscetívela apresentar reaçõesindesejáveis após a aplicação de umcosmético. Na China, um terço sofrecom o problema. Em outras partes domundo, pelo menos 10% da populaçãofeminina tem essa característica, segun-do dados da L'Oréal, que investe 3% deseu faturamento anual (algo como meiobilhão de euros) na divisão de pesqui-sas. Ter pele sensível não é uma condi-ção rara, mas diagnosticar o problemanem sempre é fácil a partir de sinais clí-nicos ou de medições biofísicas. "É umtema que ainda carrega grande dose desubjetividade': comenta Querleux. "Daío nosso interesse em estudá-lo,"

de atividade neuronal no córtex sensó-rio primário do hemisfério esquerdocerebral. O córtex é a massa cinzentaque forma a camada mais externa docérebro. É responsável pelo controle eintegração dos movimentos voluntáriose dos sentidos e tem centros nervosos li-gados à memória, linguagem, pensa-mento e intelecto. Portanto, nas pacien-tes cuja face direita havia sido expostaa uma substância que causava descon-forto, o registro de atividade neuronalno lado esquerdo do córtex era mais doque esperado. Afinal, o hemisfério es-querdo dirige e sente o lado direito docorpo e vice-versa.

No capítulo das diferenças entreos dois grupos de participantes do es-tudo, apareceram os dados mais inte-ressantes. Apesar de a irritação facialter levado todas as mulheres a acionar,

em ambos os hemisférios cerebrais,duas subdivisões do córtex (as regiõespré-frontal e do cíngulo), a atividadeneuronal registrada nessas subdivisõesfoi muito maior nas de pele sensível,em especial no lado direito de seu cé-rebro. Esse dado levou Querleux e seuscolegas a pensar que os córtices pré-frontal e cingulado podem estar dire-tamente ligados à maior sensibili-dade da pele. "Não podemos esquecerque ter pele sensível é sentir uma dorínfima, numa escala nanométrica, emrazão da aplicação de um cosmético",diz o diretor de pesquisas da L'Oréal,"Por isso, os circuitos neuronais dapele sensível podem ser vistos tam-bém como circuitos da dor", afirmaQuerleux.

Além de estudar as bases neurais dapele sensível, os pesquisadores da mul-

Irritação na pele: ativando diferentesáreas do córtex em mulheres com pelesensível (acima) e não sensível (no alto)

tinacional dos cosméticos desenvol-vem estudos destinados a aumentar acompreensão sobre o tato. Num outrotrabalho feito com auxílio da técnica deressonância magnética funcional, eleslevantaram evidências de que o estí-mulo neuronal provocado pela aplica-ção de um creme na mão de uma mu-lher parece variar em função de umtraço básico de sua personalidade. De-pois de usarem o produto, as mais ima-ginativas acionam com intensidadesemelhante ambos os hemisférios cere-brais. No caso das mulheres mais obje-tivas e lógicas, a ativação cerebral tendea se concentrar no hemisfério oposto àmão que recebeu o cosmético. Para aLOréal, o estudo fornece pistas de queum creme pode atuar sobre a porçãomais emotiva do cérebro das pessoas,sobretudo das mais sensíveis. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 47

• CIÊNCIA

AMBIENTE

Riqueza

tragédia

Umadas regiões agrícolas mais pro-dutivas do país, o Triângulo Mi-neiro começa a pagar caro pelo seudesenvolvimento econômico ace-lerado das últimas décadas. A der-

rubada desmedida da vegetação natural, intensi-ficada nos anos 60 pelos programas federais deexpansão das fronteiras agrícolas, provoca umefeito já sentido pela população: começa a faltarágua nas lavouras e nas áreas urbanas de Ubera-ba, Araguari e Ituiutaba, algumas das principaiscidades dessa região de 64 municípios e 1,7 mi-lhão de habitantes.

Dá para entender. Quem passa pelo Triângu-lo Mineiro, no extremo oeste de Minas, só en-contra resquícios da paisagem predominante 40anos atrás. Dessa vegetação natural, o Cerrado,que cobria metade de Minas Gerais, restam ape-nas 2,4%, dez vezes menos que o exigido por lei,de acordo com um levantamento coordenadopelo geógrafo Samuel do Carmo Lima, da Uni-versidade Federal de Uberlândia (UFU). Nos 54mil quilômetros quadrados de uma das mais ri-cas regiões de Minas, predominam pastagens emonótonas plantações de soja, milho e cana-de-açúcar no lugar dos hoje raros pequis, sucupiras,paus-terra e outras árvores de até 10 metros dealtura, de troncos tortuosos, casca grossa e folhasespessas, notáveis pela resistência ao fogo, mistu-radas à vegetação rasteira e ao capim.

"Existe vegetação natural apenas nas áreas derelevo mais inclinado e nos grotões (depressõesprofundas entre as montanhas)", conta Lima. Fi-nanciado pela Fundação de Amparo à Pesquisade Minas Gerais (Fapemig), seu estudo mostrouque não é só no Triângulo que a área de Cerradoestá abaixo do limite imposto por lei: a atuallegislação brasileira prevê a conservação de 20%da vegetação natural nas propriedades rurais eproíbe a derrubada da cobertura vegetal queacompanha os rios e córregos, as chamadas ma-tas ciliares.

48 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Restam apenas 2,4 %

da vegetaçãonatural do Triângulo Mineiro,dez vezes menosque o mínimo recomendável

Em algumas das outras dez regiões analisadas,o Cerrado praticamente desapareceu - no Valedorio Jequitinhonha, a região mais pobre de Minas,resta 0,09% dessa vegetação, e na região metro-politana de Belo Horizonte, 0,77%. Em todo o Es-tado, os remanescentes de Cerrado não passamde um décimo do que já existiu. "Em conseqüên-cia do manejo inadequado e descuidado da terra,estamos perdendo, por ano, cerca de 1 centímetroda camada superficial mais fértil do solo," diz ele."Aerosão, além de diminuir a produtividade, au-menta os custos da produção agrícola."

Não é só nas torneiras que a população sofre.Por não cumprirem as exigências legais de pre-servação da cobertura vegetal do solo, os donos daspropriedades rurais vêm recebendo multas quevariam de R$ 1.000 a R$ 200 mil, nos casos maisgraves, com devastação em grandes propriedadesou loteamentos ilegais na margem de rios. Cris-tina Garvil,. diretora da Superintendência deÁgua e Esgotos de Ituiutaba, aponta outro pro-blema: "Os produtores rurais não têm dinheiropara cercar e reflorestar as áreas perdidas."

Os planos • Para enfrentar esses problemas, aAssociação dos Municípios do Vale do Parnaíba(Anvap) criou uma organização da sociedade ci-vil de interesse público, a Caiapônia Instituto deSaneamento Ambienta!. Por sorte, mesmo comtão pouca vegetação natural, o Triângulo é umadas regiões de Minas com a maior área de Cerra-do preservada - algo que deve ajudar bastante arecuperação de áreas devastadas. Lima calcula que15 mil quilômetros quadrados - quase um terçode todo o Triângulo - precisa ser replantado paraas propriedades rurais exibirem a cobertura na-tural mínima determinada por lei. "Vamos gastaruns dez anos até surgirem resultados mais con-sistentes, mas estou confiante", diz ele.

A um custo estimado em R$ 400 mil, o reflo-restamento deve começar ainda este ano, priorizan-do as microbacias que servem ao abastecimento

II

Uma sobrevivente: existe hoje um décimo do Cerradoque há 40 anos cobria metade de Minas .Gerais

público de água de Uberlândia, Uberaba, Aragua-ri, Ituiutaba e Tupaciguara, as principais cidades daregião. Nessas áreas devem ser instaladas cercaspara impedir a invasão do gado e permitir que avegetação natural se regenere, ainda que lentamente.Os pontos de devastação avançada exigirão umtrabalho prolongado, com a criação de viveiros deespécies nativas antes do reflorestamento.

Caixa d'água - Iniciado nos tempos coloniais, odesmatamento do Triângulo sempre esteve ligadoà conquista de espaço para o gado e a agricultura.A derrubada das árvores intensifiou-se, porém, nofinal dos anos 50, com a construção de Brasília, ese expandiu nas décadas seguintes com os projetosfederais de expansão da fronteira agrícola para asregiões Norte e Centro-Oeste. "Os programas fe-derais de instalação de infra-estrutura e os proje-tos estaduais de apoio à agropecuária nessa regiãotransformaram as áreas do Cerrado, antes vistas

como estéreis, em terras produtivas", afirma Edu-ardo Nunes Guimarães, do Instituto de Econo-mia da Universidade Federal de Uberlândia.

A agricultura, de fato, avançou - talvez de-mais. Hoje falta água porque desapareceram atémesmo as matas ciliares, que protegem as mar-gens dos rios. Sem elas, os rios recebem a terraproveniente da erosão dos solos e ficam mais ra-sos. O problema se agrava porque o solo nu retéma água da chuva em menor intensidade. Assim,não tem como manter as reservas subterrâneasde água - o lençol freático, que mantém as ma-tas, as lavouras e as cidades. "O Triângulo ainda éuma caixa d' água para o país", ressalta Lima. Ficaali um dos pontos de abastecimento do AqüíferoGuarani, reservatório que se espraia por baixo doSudeste e Sul do Brasil e por parte do Paraguai,Argentina e Uruguai. "Mas essa reserva está seesvaziando sem a cobertura vegetal que asseguraa reposição de água." •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 49

• CIÊNCIA

ECOLOGIA

FluxoinvertidoApós sucessivas ocorrências do EI N ifíonos anos 90, a Floresta Nacional do Tapajóslibera mais gás carbônico do que absorve

Dados colhidos por umadas 12 torres do Experi-mento de Larga Escalada Biosfera-Atmosferana Amazônia (LBA) que

medem quanto entra e sai de dióxidode carbono (C02) - principal gás res-ponsável pelo aumento do efeito es-tufa, que eleva progressivamente atemperatura média da Terra - em dife-rentes pontos do ecossistema espanta-ram os pesquisadores. De acordo comos registros dessa torre, situada a 55metros de altura num ponto da Flores-ta Nacional do Tapajós, perto de Santa-rém, no Pará, esse trecho da Amazônialança mais CO2 na atmosfera do queabsorve. É a primeira vez que uma tor-re do experimento, capaz de registrardez vezes por segundo as concentra-ções emitidas e assimiladas desse com-posto, aponta uma perda líquida decarbono em alguma parte da floresta. Alongo prazo, se esse comportamentopersistir, isso equivale a dizer que esse

50 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Efeito da alteraçãoclimática: mais

árvores apodrecendo

ponto da floresta (e apenas esse, ao quese sabe) contribui para aumentar o efei-to estufa - e não para reduzi-lo, cpmoparece ser o caso da Amazônia comoum todo.

A constatação de que esse trechoda Floresta Nacional do Tapajós libe-ra mais dióxido de carbono do queabsorve foi feita pelo norte-americanoSteven Wofsy, da Universidade de Har-vard, um dos participantes do LBA,megaprojeto internacional de US$ 80milhões que, desde 1999, reúne mais de300 pesquisadores da América Latina,Europa e Estados Unidos, sob a lide-rança do Brasil. °cientista, no entanto,evita fazer qualquer comentário maisgeral sobre o papel da Amazônia a lon-go prazo no balanço global do dióxidode carbono. "Em toda a floresta, espe-ramos ver diversos padrões, com áreasperdendo e ganhando carbono", disseWofsy em entrevista à edição de feve-reiro da revista Environmental Science& Technology. "No caso específico da

torre de Santarém, o déficit anual é decerca de meia tonelada de carbono porhectare", afirma Paulo Artaxo, do Insti-tuto de Física da Universidade de SãoPaulo, um dos coordenadores do LBA.

o mar e a floresta - Para Wofsy, a cau-sa do inédito saldo negativo no fluxo dedióxido de carbono medido na torreem Santarém tem relação com efeitossobre o clima da região provocados nadécada passada por sucessivos El Ni-õos, o aquecimento anormal das águassuperficiais do Pacífico Sul que alteraos índices de chuva e as temperaturasem várias partes do globo. Em razão dequatro EI Niõos registra dos nos anos90, houve menos chuvas na região doTapajós e mais árvores sucumbiram àseca prolongada. Com o fim dos efeitosdessa anomalia climática, os níveis deumidade na Amazônia, normalmentealtos, voltaram ao patamar usual e ace-leraram o apodrecimento da grandequantidade de troncos e vegetais que

não resistiram à estiagem. Resultado: ataxa de decomposição da abundantemadeira morta tornou-se tão elevadaque os níveis de liberação de dióxido decarbono ultrapassaram os seus índicesde absorção pela fotossíntese da flo-resta. Apesar de a parte viva da matatambém ter respondido positivamenteao restabelecimento da umidade na re-gião, o crescimento das árvores sadias -leia-se, a assimilação de CO2 - não foitão expressivo a ponto de superar aquantidade de gás exalada pelo decai-mento dos restos de vegetação.

A maioria dos cientistas acreditaque a floresta tropical é capaz de ab-sorver mais CO2 do que emitir. Emtermos práticos, essa visão confere àAmazônia, implicitamente, o papel deretirar uma parte do excesso desse gáspresente na atmosfera e, assim, mino-rar o aumento do efeito estufa. Dadosrecentes de quase todas as torres doLBA são compatíveis com essa teoria.No entanto, a quantidade de dióxido de

carbono assimilada naturalmente poresse ecossistema é, segundo as medi-ções mais atuais, igualou apenas ligei-ramente maior do que a expelida, comum saldo anual positivo entre 1 e 2 to-neladas de carbono por hectare de flo-resta - e não de 6 ou 8 toneladas, comoestudos mais antigos chegaram a indi-car. Ou seja, o efeito limpante da Ama-zônia sobre a atmosfera parece existir,mas pode ser bem mais modesto doque se pensava.

Impacto do calor· A perda de carbo-no detectada pela torre de Santarém,obviamente, não bate com a premissaacima e poderia ser considerada apenasum evento isolado. Uma exceção à re-gra. Isso até pode ser verdade, mas asinusitadas medições na Floresta Na-cional do Tapajós se tornam ainda maisinteressantes quando comparadas comos resultados de outro trabalho re-cente, feito num ambiente semelhanteà Amazônia. Num artigo publicado na

edição de 13 de maio da revista cien-tífica Proceedings of the National Aca-demy of Sctences, dos Estados Unidos,pesquisadores da Universidade de Mis-souri sugerem que as árvores da flores-ta tropical de La Selva, na Costa Rica,crescem menos e tornam negativo seubalanço de carbono em períodos maisquentes, sobretudo em anos com EINino pronunciado como na tempora-da 87 -88. Depois de analisar o fluxo decarbono de 1984 a 2000 em La Selva,os autores do estudo perceberam que,quando as temperaturas se elevavamdemais, a vegetação arbórea da regiãopassava a emitir mais CO2 do que ab-sorver. Como se vê, se o assunto é per-da de carbono em ano de EI Nino, asflorestas de Santarém e La Selva pare-cem exibir comportamento semelhan-tes. "Para elucidar a influência do ecos-sistema tropical sobre o efeito estufa,precisam ser feitas medições em outroslocais e por prazos ainda mais longos",comenta Artaxo. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 51

• CIÊNCIA

FÍSICA

A força do vácuoEquipe da US P descobre os limites de usoda equação de onda de Schrôdinqer; umadas mais empregadas no estudo do átomo

CIIRLOS FIO]{;\VIINTI

Filho de médico, Aristótelesaprendeu desde pequeno aexibir segurança em tudoque dizia. Mais tarde, o sábiogrego formulou a tese de que

a natureza e o vácuo não combinam.Quase 3 mil anos depois, porém, () vá-cuo deixou de ser sinônimo de vazio etornou-se um reservatório inesgotávelde energia que não pode mais ser des-considerado. I~ o vácuo que forneceenergia para os elétrons - partículasatômicas com carga elétrica negativa -e os mantém em movimento ao redordo núcleo atômico. Aristótclcs se sur-preenderia se soubesse que, sem essaenergia, os objetos não teriam se for-mado. Não haveria nada além de umasopa de elétrons e prótons - partículascom carga positiva - que não conse-guiriam se organizar em átomos.

Foi levando em conta o vácuo quepesquisadores do Instituto de Física daUniversidade de São Paulo (USP) com-pararam as duas equações que forne-cem a energia mínima do átomo -arnbas foram criadas no início do sé-culo passado, quando o vácuo aindaera visto como espaço vazio, por doisexpoentes da ciência moderna, o ale-mão Wcrncr Hciscnbcrg e o austríacoErwin Schriidinger. Os físicos da USPconstataram que apenas a formulaçãode Heiscnbcrg funciona de modo sa-tisfatório quando as forças do vácuoS,lO consideradas. Desse modo, estabe-leceram os Iim ites de uso de uma dasfórmulas mais usadas no estudo docomportamento dos átomos, a cha-

52 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

mada equação de onda de Schrõdin-ger - incluindo o vácuo, a equação deSchrõdingcr resulta em um valor in-correto para a energia mínima doátomo. Ao mesmo tempo, os físicospaulistas desfizeram a antiga idéia deque as duas abordagens seriam sem-pre equivalentes e levariam ao mes-mo resultado a respeito da energiamínima do átomo - uma informaçãoessencial para entender, por exemplo,a que temperatura um metal derrete.

Estudantes, engenheiros e físicos cer-tamente hão de gostar da notícia por-que a equação que indica corretamentea energia do átomo é a de Hcisenberg,mais simples e mais fácil de ser traba-lhada que a outra. A equação de ondade Schrõdingcr continua útil, mas lidarcom ela exiginí um pouco mais deatenção a partir de agora. "De maneiraainda não compreendida, os efeitosdas forças do vácuo já estão incluídosem algum elemento da formulação deSchrõdingcr", observa Coraci PereiraMalta, uma das autoras do estudo, pu-blicado em dezembro na Physics LettcrsA. "Só não sabemos como Schrõdin-ger conseguiu, já que não conhecia asforças do vácuo." O trabalho - em co-autoria com Humberto França e doisde seus alunos, Alcncar Faria e Rodri-go Sponchiado. todos da USP - de-monstra que o resultado da equaçãode Heisenberg com o vácuo é equiva-lente à de Schrüdinger sem o vácuo.

"Provamos que Schrüdinger estavamesmo errado ao dizer que sua for-mulação e a de Heisenberg eram equi-

valentes", comenta Coraci, Para nãoparecerem pretensiosos a ponto dedestronarem um dos fundadores da me-cânica quântica, ela elabora uma ver-são mais modesta para explicar o quefizeram: "Confirmamos o que Dirac ha-via suspeitado".

Partículas solitárias - O britânico PaulDirac redescobriu o vácuo em 1927. Jáhaviam se passado quase 20 anos des-de que esse tipo de energia tinha sidoproposto pelo alemão Max Planck, odescobridor das primeiras leis do es-tranho mundo da mecânica quàntica,no qual as partículas atômicas adqui-rem comportamentos aparentementeabsurdos - podendo estar em dois lu-gares ao mesmo tempo ou ir de umponto a outro sem passar pelo meio.Em 1963, Dirac levantou a possibili-dade de que os dois caminhos paracalcular a energia mínima do átomo, ode Hcisenbcrg e o de Schrüdinger, nàolevariam ao mesmo resultado. Diracchegou a essa conclusão valendo-se decálculos sofisticados, que descrevem aintcração do elétron com as forças ele-tromagnéticas do vácuo. Suas conclu-soes permaneceram desconhecidas atéserem resgatadas pelo grupo da USPno ano passado.

Os físicos paulistas chegaram aomesmo resultado de Dirac com um mo-delo conceitual bastante simples, equi-valente a um elétron imcrso no vácuovibrando na ponta de uma mola. É ochamado oscilador harmônico simplescom carga elétrica, o mesmo que pode

As reportagens de PesquisaFAPESP retratam a construçãodo conhecimento que seráfundamental parao desenvolvimento do país.Acompanhe essa evolução semperder nenhum movimento.

• Números atrasadosPreço atual de capa da revistaacrescido do valor de postagem.Tel. (11) 3038-1438

• Assinaturas, renovaçãoe mudança de endereçoLigue: (11) 3038-1434Mande um fax: (11) 3038-1418Ou envie um e-mail:[email protected]

• Opiniões ou sugestõesEnvie cartas para a redaçãode Pesquisa FAPESPRua Pio XI, 1.500São Paulo, SP 05468-901pelo fax (11) 3838-4181ou pelo e-mail:[email protected]

• Site da revistaNo endereço eletrônicowww.revistapesquisa.fapesp.brvocê encontra todos os textos dePesquisa FAPESP na íntegrae um arquivo com todas asedições da revista, incluindoos suplementos especiais.No site também estãodisponíveis as reportagensem inglês e espanhol.

• Para anunciarLigue para:Nominal Propaganda

e Representação: tel. 5573-3095

movimento independen-tes do tempo - o elétronnão é mais visto comopartícula, mas como on-da. Seu enfoque resul-tou em uma equação umtanto mais complicadaque a de Heisenberg. MasSchrôdinger garantia:ambas levavam aos mes-mos resultados.

Não foi, porém, o quese verificou no final doano passado. Os físicos daUSP acrescentaram asforças do vácuo à fórmu-la de Heisenberg e, semproblema algum, chegaram ao valorcorreto para a energia mínima do elé-tron oscilando na ponta de uma mola.Ao fazer o mesmo com o enfoque deSchrõdinger, notaram que a energia doelétron simplesmente dobrava e con-duzia a situações estranhas - seria co-mo dizer que uma pessoa comum dequase 2 metros pode ter até 4 metros dealtura. A equação de Schrõdinger sófuncionava com perfeição sem as forçasdo vácuo - a altura máxima das pes-soas voltou a ser 2 metros. Vem daí a re-comendação prática: não adicionar asforças do vácuo à equação de onda deSchrõdinger,

Exceto nessa situação, o vácuonão pode mais ser despreza-do. O próprio elétron pare-ce perceber esse tipo deenergia dispersa no espaço,

como uma mosca encharcando-se deumidade momentos antes de uma chu-va começar. "O elétron emite e absorveradiação do vácuo a todo momento':diz França. "E só mantém a órbita está-vel porque emite o mesmo tanto deenergia que absorve." Embora quaseimperceptível à temperatura ambiente,o vácuo atua de modo semelhante a umcampo magnético, resultado da ação deum ímã comum, e consegue aproximarduas placas metálicas neutras, paralelase mantidas a uma temperatura próxi-ma do zero absoluto (-273° Celsius),como já demonstrado experimental-mente - é a força de Casimir, identifica-da em 1954.

Mesmo que não seja tão conhecidoquanto a eletricidade, o vácuo é maisintenso que a gravidade, a mais tênuee abrangente das forças que regem o

Campo magnético sobre umcilindro: semelhante ao vácuo

Universo. A força de Casimir torna-se16 vezes maior se a distância entre asduas placas cai à metade, enquanto agravidade apenas quadruplica.

Ainda falta provar, mas se imaginaque o vácuo possa ser a misteriosa ener-gia escura, correspondente a 730/0 douniverso. De imediato, além de expli-car a composição do cosmo, o vácuotornou-se importante por representaruma forma de energia aproveitável, atémesmo para substituir a eletricidade.Essa possibilidade surgiu apenas al-guns anos depois de a teoria quânticater se tornado consistente, como resul-tado do trabalho conjunto de um gru-po de físicos notáveis que incluía Dirac,Schrõdinger e Heisenberg. Em 1928,quando começavam a ser esclarecidosos fenômenos que permitiriam a cons-trução dos aparelhos de som e da te-levisão, o norte-americano HaroldNyquist previu que o vácuo poderia in-terferir em circuitos elétricos.

Com base nessa idéia, França, daUSP, e uma equipe de duas empresasnorte-americanas, a Mission Research ea ManyOne Networks, projetaram umequipamento que, se der certo, conse-guirá extrair energia útil do vácuo. Oaparelho consiste de uma bobina de 2centímetros de diâmetro resfriada a-270° Celsius que deve funcionar co-mo antena para captar a energia dovácuo. "Dependendo da forma como éenrolada, a bobina, a princípio, podecancelar ou aumentar o poder de cap-tação da energia do vácuo", diz França.O plano é montar e testar o experi-mento ainda este ano, desde quesuperados os problemas com o orça-mento. O protótipo não sairia pormenos de R$ 150 mil. •

• CIÊNCIA

FÍSICO-QUÍMICA

DesordemsimplificadaEquipe de Campinas e doM IT elabora método quefacilita o cálculo da entropia

ais do que um con-ceito obscuro, a de-sordem é uma quan-tidade física quepode ser medida, da

mesma forma que o comprimento deum lápis. A aparente confusão que a-companha um prosaico café se espa-lhando na xícara de leite é a chamadaentropia, hoje calculada em computa-dor por pelo menos 20 abordagens di-ferentes. Como essas técnicas são com-plicadas e trabalhosas, uma equipe daUniversidade Estadual de Campinas(Unicamp) e do Massachusetts Institu-te of Technology (MIT), nos EstadosUnidos, criou um método mais sim-ples que leva aos mesmos resultados: éo Reversible Scaling (RS), que, segun-do seus autores, chega a ser 40 vezesmais rápido para calcular a entropia e aenergia livre para grandes intervalos detemperatura. Energia livre é a parcelada energia contida em um sistema físi-co que pode ser convertida em trabalhoútil - por exemplo, apenas uma parteda energia química contida em 1 litro degasolina é transformada em movimen-to de um automóvel.

"O interesse em calcular a entropiae a energia livre é que elas sempre apon-tam o caminho pelo qual a natureza sedesenvolve espontaneamente", diz AlexAntonelli, do Instituto de Física da Uni-camp, um dos autores do programa,feito em conjunto com seu ex-alunoMaurice de Koning, hoje no MIT, e Sid-ney Yip, um dos pioneiros na simula-ção computacional de sistemas físicos,também do MIT. No caso da água vi-rando gelo, a energia livre da água é me-nor para o estado líquido do que para

o sólido em temperaturas superiores a0° Celsius. Mas a situação se inverte emtemperaturas abaixo desse patamar -essa é a razão pela qual a água congelaquando resfriada a zero grau. "O estadode menor energia livre sempre predo-mina', diz o pesquisador. É também umdelicado balanço da energia interna eda entropia - vale dizer, da energia livre- que determina a estrutura espacialdas proteínas de qualquer ser vivo.

Das células ao calor da Terra - O mé-todo tradicional mais usado, o Inte-gração Termodinâmica, ou TI, exige decinco a dez simulações em uma dadatemperatura para se obter a entropia oua energia livre nessa dada temperatura.Apoiado pela FAPESP, o recém-criadoRS parte de uma temperatura específi-ca, da qual se conhece a energia livre, ea muda de modo dinâmico e lento, comuma só simulação - vem daí o ganho.de tempo. "Ninguém pensou antes emadotar essa abordagem porque se acha-va que não daria certo", conta Antonel-li. Imaginado por Koning, o RS veio

o PROJETO

Grupo de PropriedadesEletrônicas e Estruturais de Metaise Semicondutores

MOOALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORALEX ANTONELLI - Institutode Física da Unicamp

INVESTIMENTOR$ 25.599,18 e US$ 37.482.32

o espalhamentode um líquido:

movimentoespontâneo

a público em 1999num artigo na Phy-sical Review Letters.Adotado por pes-quisadores renoma-dos, como o químicoWilliam Reinhardt, daUniversidade de Washing-ton, ganhou uma descriçãodetalhada em dezembro de 2001no [ournal of Chemical Physics. Em ja-neiro, a Nature Materiais publicou umartigo de três páginas sobre essa novaabordagem, assinado por Yip.

O RS não é um programa de com-putador, mas um método de domíniopúblico. Por essa razão, lembra Anto-nelli, cada pesquisador deve adaptá-lo aseus problemas específicos. Por exem-plo, um grupo gaúcho está interessadoem usar essa abordagem para calcular aenergia livre dos íons (partículas atômi-cas eletricamente carregadas) que atra-vessam as membranas celulares. O RSpode ser útil também no estudo daspropriedades de materiais, quando a si-mulação é o único caminho. Recente-mente, com uma abordagem que, se-gundo Antonelli, poderia ser feita emum tempo dez vezes menor com o RS,uma equipe inglesa estimou em cercade 6.500° Celsius a temperatura do fer-ro líquido no centro da Terra. •

PESQUISA FAPESP BB • JUNHO DE 2003 • 55

I/

oSeIBiblioteca deRevistas Científicasdisponível na Internetwww.scielo.org

lações entre a família e jovens que fazem uso abusivo dedrogas, Maria Cecília de Souza Minayo e Miriam Schen-ker, no artigo A Implicação da Família no UsoAbusivo deDrogas: Uma Revisão Crítica, destacam a importância deengajar a família no tratamento do adicto e alguns estu-dos ampliam o foco para engajar contextos sociais múl-tiplos (família, amigos, escola, comunidade e sistema le-gal) no tratamento do adolescente. "Os pais, ou figurassubstitutas, têm dificuldade em passar normas e limitespara seus filhos. Há pouca habilidade para criá-los eeducá-los, advindo daí uma má qualidade de vínculosfamiliares", observam. "As crianças e os adolescentesaceitam a autoridade dos pais, o estabelecimento de re-gras claras e coerentes e a imposição de limites, quandohá uma relação de confiança e afeto entre eles. Famíliasdisfuncionais geralmente têm pais ainda imaturos naforma de relacionar-se com os filhos. Inúmeras vezes, ospais são mais adolescentes que os filhos, pois se apresen-tam como e não se posicionam como educadores, figu-ras de autoridade, de confiança e de respeito para osadolescentes."

CIENCIA E SAÚDE COLETIVA - VOL. 8 - N° 1 - 2003

www.scielo.brlscielo.php7script=sci_arttext&pid=S1413-81232003000100022&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• HISTÓRIA

A evolução da anestesiaPor que se levou tanto tempo para o homem contro-

lar a dor? Como era o mundo quando se deu a descober-ta da anestesia? O artigo O Alvorecer da Anestesia lna-latória: uma Perspectiva Histórica, de Cláudia ReginaFernandes e Ricardo Iakson de Freitas Maia, da Univer-sidade Federal do Ceará, aborda o ato cirúrgico, a dor ea anestesia desde a cultura helênica até a primeira anes-tesia oficialmente reconhecida, feita por William T. G.Morton em 1846. Resgata as experiências cirúrgicas naIdade Média (500-1400), na qual o controle da dor pormeio de ervas ou outros compostos químicos podia serinterpretado como magia ou bruxaria pela Santa Inqui-sição, A doença, a dor e o sofrimento eram vistos comocastigos divinos para purificação da alma. Os autorestambém enfocam os valores, a cultura e o desenvolvi-mento científico no século 19, correlacionando-os comos eventos que marcaram o advento da anestesia. "Nãoseria justo atribuir o mérito da descoberta da anestesia auma única pessoa. As peculiaridades históricas que be-

Notícias• BOTÂNICA

Flora nativaComo era a vegetação

nativa do Brasil quandoas caravelas de PedroÁlvares Cabral desem-barcaram em 1500? Nes-ta viagem pela botânicado descobrimento, Tar-ciso S. Filgueiras e Aria-ne Luna Peixoto debru-çaram-se sobre a cartade Pero Vaz de Caminhaao rei D. Manoel, consi-derada a "certidão denascimento do Brasil':para uma leitura da percepção do mundo vegetal pelafrota cabralina. O resultado está no artigo Flora e Vege-tação do Brasil na Carta de Caminha. Os pesquisadoresprocuraram nas palavras de Caminha referências a mor-fologia e taxonomia vegetal para buscar, em seguida, ospossíveis nomes botânicos aos termos empregados peloescrivão português. A carta de Caminha apresenta 118menções a plantas ou associações de plantas. Desconta-das as repetições, são mencionadas 45 termos botânicos,31 diretos (ex.: ervas, lenha, inhame) e 14 indiretos (ex.:arco, rede, cruz). Das referências diretas, cinco (arroz,castanheiro, figos, legumes, trigo) descrevem plantas co-nhecidas dos europeus e as demais dizem respeito à floranativa. Segundo a carta histórica, os primeiros recursosvegetais explorados pelos portugueses foram "lenha" e"palmitos". O texto de Caminha não confirma a presen-ça de uma cruz durante a celebração da primeira missano Brasil, como retratado na célebre pintura de VictorMeirelles. O texto afirma que a cruz foi colocada por oca-sião da segunda missa.

ACTA BOTÂNICA BRAS/UCA - VOL. 16 - N° 3 - JUL./SET. 2002

www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S01 02-33062002000300003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• SAÚDE

Drogas em famíliaNotícias de pais que matam os filhos viciados em dro-

gas, ou jovens que atacam avós em busca de dinheiro, re-chearam os jornais nos últimos meses. Na análise das re-

56 . JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

neficiaram ou prejudicaram um ou outro pesquisadornão podem ser esquecidas", destacam.

REVISTA BRASILEIRA DE ANESTESIOLOGIA - VOL. 52 - N° 6 -Nov./DEZ. 2002

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-70942002000600015&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• PSICOLOGIA

o valor do dinheiroo dinheiro tem significa-

dos diferentes nas diversasregiões do Brasil. Umtrabalho feito por Aliceda Silva Moreira, daUniversidade Federal doPará, denominado Dinheirono Brasil: um Estudo Comparativo doSignificado do Dinheiro entre as RegiõesGeográficas Brasileiras, detectou in-fluências socioeconômicas e cultu-rais sobre esse significado. O estudo foifeito com 760 pessoas, sendo 60% mulhe-res, com idades, ocupações e rendas variadas emais de cinco anos de residência no local. Elas atribuí-ram uma escala de 1 a 5 para a relação do dinheiro com oscomponentes Desigualdade, Progresso, Cultura, Poder,Desapego, Conflito, Estabilidade, Sofrimento e Prazer. Osresultados indicaram diferenças significativas em todosos componentes, exceto Prazer e Sofrimento, e padrõesdiferenciados: maior Estabilidade no Norte, maior Con-flito e Desapego no Nordeste, menor Estabilidade e Po-der no Distrito Federal, menor Conflito e Poder no Sul, eno Sudeste, maior Poder, Desigualdade, Cultura, Prazer eSofrimento e menor Desapego. Exame separado da re-gião Sudeste indicou maior diversidade interna do queentre as regiões do país. "Esses resultados permitem con-cluir que o dinheiro assume dimensão de preocupaçãoeminentemente social em nosso país, contrastando coma tônica das pesquisas conduzidas em outros contex-tos, que têm focalizado as dimensões de' significado dodinheiro relacionadas ao nível individual", conclui a pes-quisadora.

ESTUDOS DE PSICOLOGIA (NATAL) - VOL. 7 - N° 2 -JUL./DEZ.2002

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2002000200019&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• FRUTICULTURA

Maçãs protegidasAs chuvas de granizo são uma constante ameaça para

as macieiras. Estima-se que as perdas anuais por granizopodem chegar a 20% da produção de maçã no Sul do

Brasil. Se as frutas forem atingidas logo após a floração,ficam deformadas. Em frutos maiores, os danos por gra-nizo resultam em lesões que favorecem a entrada de pa-tógenos, impossibilitando, muitas vezes, sua cornerciali-zação. Uma das alternativas para evitar os danos com ogranizo é o uso de uma tela de náilon que protege as ma-cieiras. Gabriel Berenhauser Leite, José Luiz Petril e Már-cia Mondardo analisaram os efeitos do sombreamentoprovocado pela tela de proteção antigranizo na qualida-de das maçãs. Os resultados estão no artigo Efeito da TelaAntigranizo em Algumas Características dos Frutos de Ma-cieira.Os pesquisadores concluíram que a temperatura doar no ambiente sobre proteção da tela fica 0,50 C a 1,50 Cinferior ao ambiente sem proteção, enquanto a umidadedo ar aumenta no ambiente protegido. As telas apresen-taram 100% de eficiência na proteção dos frutos aos da-nos por granizo. A cor vermelha é a variável que sofremaior influência (redução) do sombreamento provocadopela tela. Os efeitos do sombreamento sobre a produçãovariaram de ano para ano, conforme as condições climá-ticas. Eles concluíram que telas antigranizo, com níveisde sombreamento inferiores a 12%, são aconselháveis parareduzir os efeitos negativos na coloração dos frutos.

REVISTA BRASILEIRA DE FIWTICULTURA - VOL. 24 - N° 3 -DEZ. 2002

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01 00-29452002000300037&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• RADIOLOGIA

Detectando a apendiciteAproximadamente 35% das apendicites agudas têm

diagnóstico clínico pré-operatório duvidoso ou incorre-to, principalmente quando ocorre em grávidas e crianças.A ultra-sonografia, em virtude do seu baixo custo e faci-lidade de acesso, tem-se mostrado um método diagnós-tico importante. No artigo O Uso da Ultra-Sonografia noDiagnóstico e Evolução da Apendicite Aguda, ArquimedesArtur Zorzetto, Linei Augusta Brolini Dellê Urban,Christian Bark Liu, alivia Russo Cruz, Maria Luiza Mal-fi Vitola, Yumi Awamura e Alessandra Bettega Nascimen-to, da Universidade Federal do Paraná, fazem um relatode 14 casos de ultra-sonografias abdominais realizadasno período de janeiro a julho de 2001, em pacientes quese apresentavam com quadro de abdome agudo. Comimagens colhidas nos exames, os pesquisadores tentamorientar o ultra-sonografista no diagnóstico precoce daapendicite. "Esse diagnóstico precoce é essencial para mi-nimizar a morbidade, que se mantém elevada se ocorrerperfuração': destacam. Uma análise correta do exame deultra-sorn é fundamental para um diagnóstico correto.Apresentações atípicas resultam em diagnósticos confu-sos e atraso no tratamento.

RADIOLOGIA BRASILEIRA - VOL. 36 - NO 2 - MAR./ABR.2003

www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S01 00-39842003000200004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 57

ITECNOLOGIA

I. LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

Baterias para o campo de batalhaOnde conseguir uma bate-ria leve, poderosa e versátilpara garantir o funciona-mento do sofisticado apa-rato eletrônico que um sol-dado carrega para o campode batalha? Pesquisadoresdo PNNL (sigla em inglêspara Laboratório Nacionaldo Nordeste do Pacífico),órgão do departamento deEnergia dos Estados Uni-dos, conseguiram desenvol-ver o menor sistema conver-sor de combustível capaz dealimentar aparelhos portá-teis e sem fio, além de sen-sores e outros equipamen-tos. Pouco maior que umisqueiro descartável, o novosistema converte combus-tívellíquido em eletricida-de por meio de um proces-

• Rolhas de vinhodescontaminadas

A culpa é de dom Pérignon -monge francês que resolveuinovar, trocando as antigas ro-lhas de madeira pelas de cor-tiça, para conservar as bolhasdo champanhe produzido emseu mosteiro. Não fosse o su-cesso e a proliferação de suainvenção, ninguém talvez ti-vesse ouvido falar em TCA- ou 2,4,6-tricloroanisole,composto químico que, esti-ma-se, ataca cinco em cada 25rolhas de garrafas de vinho,deixando a bebida com umgosto geralmente descrito co-mo de jornal molhado. Tãopotente é o efeito que, segundoo enólogo norte-americanoChristian Butzke, uma só co-

58 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Miniprocessador de combustível: tamanho de uma moeda

sador equipado com umacélula a combustível em mi-croescala desenvolvida pe-la Universidade de WesternReserve, de Ohio. Integrao sistema o revolucionárioreformador de combustíveldesenvolvido pela PNNL,que possibilita a conversãode uma mistura de com-

lher da substância bastariapara contaminar a produçãovinícola de um ano inteiro nosEstados Unidos. Desde enca-par a cortiça até submetê-Ia atratamentos com radiação emicroondas, já se tentou detudo para eliminar ou, pelomenos, amenizar o problema.A última sugestão vem de Sa-baté Diosos, fabricante de ro-lhas de Paris, em colaboraçãocom pesquisadores da Comis-são de Energia Atômica daFrança (CEA). A idéia é pro-duzir um sistema que utilizedióxido de carbono para eli-minar as moléculas agressoras,em um processo semelhanteao empregado para descafei-nar o café. Embora mante-nham os detalhes em segredo,técnicos da CEA dizem que se

bustívellíquido e água emgás rico em hidrogênio. Acélula a combustível, então,converte hidrogênio e oxi-gênio em eletricidade. "Nos-so miniprocessador incor-pora várias operações emum único aparelho", dizEvan Iones, chefe dos pes-quisadores da PNNL. •

trata de submeter a cortiça aum processo de "lavagem" queeliminaria o TCA sem com-prometer a elasticidade e apermeabilidade da rolha. Oconservadores - que não que-rem nem ouvir falar na subs-

Cortiça: tradição vinícola

tituição da cortiça por outromaterial - e os fabricantes -como os de Portugal, maiorprodutor de cortiças do mun-do - cruzam os dedos para quefuncione. Mas é difícil evitar aquestão: por que não trocar asrolhas de cortiça por roscas demetal ou plástico, inovando,como fez dom Pérignon? •

• Novos sensoresmonitoram vulcões

Ninguém tem dúvidas doquanto seria benéfica a pos-sibilidade de manter vulcõessob monitoração contínua.Afinal, como se diz em Ná-poles, a pergunta não é se oVesúvio vai entrar em erup-ção, mas quando. Infelizmen-te, nunca houve equipamentocapaz de, digamos, monitorarpermanentemente a ativida-de dos vulcões. Uma nova ge-ração de sensores ópticos,porém, parece querer tornaressa realidade possível. Foi as-sim que, em maio, a cidade deBacoli - situada dentro da cra-tera de um vulcão extinto nasproximidades de Napóles -tornou-se um local perfeitopara receber o primeiro Con-gresso Internacional sobreMétodos Ópticos nas Ciên-cias da Terra. O objetivo doencontro era informar os vul-canologistas do potencialdos novos sensores ópticos eapresentar-Ihes técnicas queincluem espectroscopia naregião do infravermelho (FT-IR) e outros métodos pas-sivos que utilizam o sol comofonte de luz. É verdade que,em matéria de vulcões e ter-remotos, permanece impos-sível fazer previsões precisas,mas nunca se dispôs de tan-tos recursos para tentar. •

Tela mostra visão em perspectiva do caminho para o piloto

• VÔOS mais seguroscom rota virtual

A empresa de aviação Boeinge a agência espacial norte-ame-ricana Nasa estão testandoum novo sistema de repre-sentação visual para navega-ção aérea que tornará o vôomais seguro e, ao mesmo tem-po, aumentará a capacidadedos atuais aeroportos. A tela,que será colocada nas cabinesde comando dos aviões, mos-trará ao piloto uma rota vir-tual até o seu destino. O siste-ma está sendo testado em umsimulador instalado a bor-do de um helicóptero UH-60Blackhawk. As provas, reali-zadas entre 12 e 16 de maio,tiveram como objetivo certi-ficar a capacidade do sistema,batizado de Guia de Vôo emPerspectiva, ou PFG, do inglêsPerspective Flight Guidance.O PFG será especialmente útilpara aeroportos próximos aáreas densamente povoadasou afetados por condições me-teorológicas adversas. O co-ordenador do projeto, WilliamHindson, do Centro de Pes-quisa Ames, explicou que osistema apresenta uma visãoem perspectiva dos próximos60 segundos da rota ideal daaeronave. Baseado na informa-ção do plano de vôo, traça qua-

tro linhas segmentadas, quecriam um caminho virtual tri-dimensional apropriado parao piloto. Além disso, incluiinformes sobre a navegação eas mudanças de altitude ne-cessárias para seguir a rota.O programa também podeantecipar onde estará a navedentro de 4,5 segundos, ba-seando-se no comportamen-to do piloto. •

• Mudança garantiupapel inovador

A DuPont começou suas ati-vidades em 1802 como umafábrica de explosivos. Um sé-culo depois, em 1903, perce-beu que era preciso diversificar.Para isso, criou um dos pri-meiros laboratórios de pes-quisa e desenvolvimento dosEstados Unidos, batizado deEstação Experimental, na ci-dade de Wilmington, com oobjetivo de estudar a químicavoltada para o setor de celulo-se. Hoje, contabiliza 75 dessescentros espalhados pelo mun-do, dos quais 35 em territórionorte-americano, que empre-gam 2 mil pesquisadores res-ponsáveis pelo desenvolvi-mento de pesquisas nas áreasde nanotecnologia, tecnologiade displays, células a combus-tível e biomateriais. •

Culinária ganha reforçoUma nova variedade dearroz especialmente desen-volvida para ser utilizadaem pratos da culináriaoriental, como o sushi, foiapresentada pelo InstitutoAgronômico de Campinas(IAC). A pesquisa teve iní-cio em 1992, quando o IACcomeçou a trabalhar comtipos especiais de arroz,destinados a atender à de-manda de nichos especí-ficos de mercado. A nova

Variedade dearroz nacionaldo IAC: ideal

para o sushi

• Ceará montaseis incubadoras

Seis cidades do interior doCeará vão abrigar incubado-ras a partir de agosto. O pro-cesso de seleção das empresasque ficarão incubadas nasunidades do Centro de Ensi-no Tecnológico (Centec), emLimoeiro do Norte, Sobral eIuazeiro do Norte, e dos Cen-tros Vocacionais Tecnológicos(CVT), em Crateús, Aracati eQuixeramobim, começou emmaio. As incubadoras das três

variedade, batizada de IAC400, apresentou produtivi-dade média de 5.200 quilospor hectare, semelhante àdos tipos tradicionais de ar-roz irrigado. Para o tipoespecial, essa produtivida-de é considerada excelen-te, segundo o pesquisadordo IAC Luiz Ernesto Azzi-ni. "O sistema de plantio éidêntico ao dos tipos tradi-cionais, irrigados por inun-dação", relata Azzini. •

unidades do Centec vão abri-gar tanto projetos de áreastradicionais, de serviço ouagronegócios, como de basetecnológica. Já as três incuba-das dos CVT vão receber ape-nas empresas de agronegócios.Em Crateús, por exemplo, ofoco será dado a companhias,associações ou cooperativas daárea de ovinocaprinocultura.Serão incubados cinco projetosque deverão agregar valor aosprodutos que serão colocadosno mercado, como o corte di-ferenciado de carnes. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 59

Túnel de vento do ITA complementa ensaiosUm novo túnel de vento,projetado para facilitar aimplementação de monta-gens experimentais destina-das ao ensino de graduação epós-graduação, assim comoà pesquisa e ao desenvolvi-mento de novos produtos emetodologias, foi inaugu-rado em maio no InstitutoTecnológico de Aeronáutica(lTA), em São José dos Cam-pos. A instalação, que fazparte de um programa deinovação tecnológica volta-do para o setor aeroespacial,apoiado pela Fundação deAmparo à Pesquisa do Esta-do de São Paulo (FAPESP) epela Empresa Brasileira deAeronáutica (Embraer), novalor total de US$ 3,2 mi-lhões, complementa o túnelde vento, de maiores pro-porções, do Instituto de Ae-ronáutica e Espaço (IAE) ,que também pertence aoCentro Técnico Aeroes-pacial (CTA). "O nosso temuma seção de testes um pou-co menor, mas a velocida-de do ar é maior", explica ocoordenador do projeto noITA, professor Roberto da

Mota Girardi. Ele ressalta quetanto o túnel do IAE comoo do lIA e o da Escola deEngenharia de São Carlos, daUniversidade de São Paulo(USP), foram construídoscom a mesma finalidade: fa-zer pesquisas. Em São José,o túnel possui 40 metros decomprimento, 4 de largura

e 4,60 de altura. Nele serãorealizados ensaios aeronáu-ticos, de veículos rodoviá-rios, de edificações, navais ede calibração de anemôme-tros de vento. A~calibraçõesiniciais do túnel começarama ser feitas pelos pesquisa-dores em fevereiro. Mas aprimeira pesquisa está pro-

Representação gráficado túnel de vento e oventilador usado nos testes

gramada para começar emum mês, quando serão fei-tos testes aerodinâmicos doEmbraer 170, novo modeloque está em fase de homo-logação. A USP de São Car-los também vai testar omesmo perfil. "Cada um vaitentar uma metodologia deensaio para medir as carac-terísticas aerodinâmicas. De-pois vamos juntar os resul-tados e discuti-Ios com opessoal da Embraer para sa-ber qual a melhor metodo-logia para implementar ostestes finais, que vão acon-tecer no túnel do IAE", dizMota Girardi. •

• Estação de imagenstem parceria alemã

A primeira estação de recep-ção de imagens de satéliteem tempo real de Pernam-buco, a Recife Receiver Sta-tion (RSS), será inauguradaoficialmente no dia 23 de ju-lho. Instalada no laboratóriode Geoprocessamento e Sen-soriamento Remoto (Geoce-re), da Universidade FederalRural de Pernambuco (UFR-PE), em Recife, a estação é

60 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

fruto de parceria com o Cen-tro Espacial Alemão. Desde ofinal de 2001, a estação co-meçou a receber imagens diá-rias do clima, relevo e vege-tação de diversas áreas dopaís, transmitidas por satéli-tes norte-americanos da Na-tional Oceanic and Atmos-pheric Administration (Noaa).Segundo o coordenador doGeocere, Hernande Pereira daSilva, os alemães já investi-ram de R$ 200 mil a R$ 300mil na estação. Em contrapar-

tida, os brasileiros remetemas informações provenientesda análise das imagens envia-das pelos satélites ao centroalemão. •

• laboratório paramateriais e processos

A Escola Politécnica da Uni-versidade de São Paulo (USP)inaugurou um novo labora-tório, que permitirá o desen-volvimento de novos materiaise de processos de laminaçãode metais. O Laboratório deConformação Mecânica deMetais (LCM), instalado noDepartamento de Engenha-ria Metalúrgica e de Mate-riais, conta com um lami-nador semi-industrial e doisfornos para tratamentos tér-micos. Os equipamentos,doados pelas empresas Bras-metal e Brasimet, foram re-visados, com a instalaçãode dispositivos de seguran-ça. O professor Ronald LesleyPlaut, coordenador do pro-jeto, diz que o objetivo doLCM é atender à comunida-de acadêmica e prestar servi-ços às indústrias. O lamina-dor servirá para as operaçõesa quente e a frio de materiaisferrosos e não-ferrosos. Osfornos destinam-se a trata-mentos térmicos desses ma-teriais. Segundo Plaut, a Polivai estudar o tratamento e alaminação de chapas de metalprovenientes da Brasmetal.Os experimentos sobre a es-tampagem das chapas serãofeitos em prensas da indús-tria de rolamentos INA, ce-didas para ensaios técnicos.O ferramental de estampa-gem será submetido a dife-rentes tratamentos térmicosna Brasimet. A análise das in-formações será feita no De-partamento de EngenhariaMetalúrgica e no Instituto dePesquisas Energéticas e Nu-cleares (Ipen). •

PatentesInovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento

de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: [email protected]

Amostras de própolis: eficaz atividade anticárie

• Anti-séptico bucalà base de própolis

Produto preparado à basede própolis, destinado àprevenção da cárie, obtidoem meio aquoso. Enquantoa maior parte dos enxagua-tórios bucais é produzidaà base de álcool ou apre-senta como princípio ativoum produto sintético, estetem como vantagem o fatode não apresentar contra-indicações e não conter ál-cool. Nesse trabalho foramestudadas duas própoliscom três agentes solubili-zantes diferentes. Os tes-tes de eficácia consistiramda avaliação da atividadeanticárie frente à Strepto-coccus mutans e Lactoba-cillus, microrganismos cau-sadores de cárie.

Título: Formulaçõesà BasedePrópolis para UsoOdontológicoInventores: Maria CristinaMarcucci Ribeiro, AngelaRamalho Custódio, WalterAntonio Bretz, Niraldo Paulinoe I1denize Barbosa da SilvaCunha.Titularidade:FAPESP/Uniban

• Filmes de carbonopara aplicações ópticas

Nesse trabalho foram de-senvolvidos processos deobtenção de filmes de car-bono tipo diamante (DLC- Diamond Like Carbon)por sputtering reativo, téc-nica que utiliza um gás quepromove a retirada dosátomos do alvo e outro quereage quimicamente comesses átomos. O alvo, nocaso, é o carbono, e os ga-ses reativos utilizados sãoo metano, o fréon, o hidro-gênio e o argônio. Nessesistema, é possível variar acomposição gasosa, a pres-são de trabalho e a potên-cia. Utilizando esse sistema,podem ser depositados fil-mes de carbono a baixastemperaturas (menores que4000 C) e a um baixo custo,mesmo em grandes super-fícies. Esse filme pode serutilizado para aplicaçõesópticas e em aplicações ae-ronáuticas e mecânicas.

Título: Filmes de CarbonoTipo Diamante (Dl: C -Diamond Like Carbon) para

Aplicações Ópticas,Aeronáuticas e MecânicasInventores: Ronaldo DomiguesMansano, Luiz GonçalvesNeto, Pstrick Verdonck,GiuseppeA. Cirino e Luiz S.Zambom.Titularidade: FAPESP/USP

• Composto eficaz contraa doença de Chagas

Compostos obtidos a par-tir da cubebina, substânciaextraída da pimenta asiá-tica Pipper cubeba, mostra-ram eficácia na destrui-ção de uma das formasdo causador da doençade Chagas, o protozoárioTrypanosoma crusi, cha-mado tripomastigota, quecircula pela corrente san-güínea antes de chegar aostecidos do coração ou doestômago. Essa descobertapoderá levar a um medi-camento, capaz de des-truir não só as formas cir-culantes de Trypanosoma,mas também as que se alo-jam nos tecidos.

Título: Atividade Antichagásica(Quimioprofilática eTerapêutica) de Cubebina eOutras Lignanas Isoladas deZanthoxylumnaranjillo,Pipper cubeba, Bem ComoseusDerivados Semi-Sintéticos e SintéticosInventores: Márcia LuísAndrade e Silva, Sérgio deAlbuquerque, GustavoHenrique Bianco de Souza,SérgiO de Albuquerque eJairo f(enupp BastosTitularidade:FAPESP/Unifran

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 61

outros insumos, com os forne-cedores internacionais. "Parachegar a esse ponto, pesquisa-dores do Genius desenvolve-ram o software do aparelho,sendo que parte da tecnologiafoi absorvida da Coréia do Sul,onde o grupo passou três me-ses. Dominamos a tecnologiae, hoje, estam os em conversa-ções com empresas norte-ame-ricanas que nos procuram paraoutros desenvolvimentos': ex-plica Alexandre Lisboa, geren-te da unidade de negócio.

A primeira inovação doGenius foi o avaliador auto-mático para aparelhos de karaokê quedá notas de acordo com a afinação da pes-soa, volume e ritmo, de forma avançadaem relação aos existentes no mercado."Colocamos parâmetros de algo ritmosdessas características no software do apa-relho", conta Vianna. Licenciado para aGradiente, que o chama de DVD Okê,o novo sistema chamou a atenção decinco empresas do Japão e de Cingapu-ra, que já iniciaram negociações com oinstituto. Para fazer um protótipo com-pleto, o Genius possui um maquináriode prototipagem para produzir as cai-xas externas dos aparelhos eletrônicos.

Com o DVD player e o karaokê nomercado, retoma-se a um caminho noBrasil, ainda que seja prematuro afir-

Primeiro produto: karaokê avalia odesempenho do usuário e dá notas

mar que haja uma retomada industrial,interrompido com a abertura às impor-tações de equipamentos eletrônicos noinício da década de 1990. Nesse período,as empresas brasileiras que desenvolviamaparelhos eletrônicos (TV, som, etc.),como a Gradiente e a Sharp, por exem-plo, tiveram de reduzir ou eliminar suasequipes de pesquisa e desenvolvimentoe passar a importar produtos sob licen-ça, porque não tinham condições eco-nômicas e técnicas de concorrer com osprodutos importados.

Certamente os tempos são outros, ehoje de 80% a 85% do projeto de umequipamento eletrônico muitas vezesestá no desenvolvimento do chip. Porisso, o Genius tem oito pessoas com

formação em desenho de chips.Assim, o instituto ganha com-petitividade e se posiciona detal forma no mercado globalque já atrai multinacionais.Uma grande área de autaçãodo Genius é a de celulares. "Es-tamos desenvolvendo para aSiemens uma família de esqui-pamentos que está três gera-ções à frente daquela que estásendo comercializada no Bra-sil, envolvendo um sistemaoperacional com interfaces eaplicativos inéditos com tecno-logia GSM (sigla para sistemaglobal de comunicação móveD

que a empresa vai lançar no final de2004", explica Vianna, que foi negociaro contrato na sede da empresa, na Ale-manha. "É um contrato mundial, e a Si-emens já solicitou a sua ampliação."

Além da Gradiente e da Siemens, ou-tras grandes empresas já se valeram dosconhecimentos gerados pelo Genius. Aárea de reconhecimento de voz em por-tuguês do Brasil é uma das que maischamam a atenção. O desenvolvimentodesse sistema reúne 30 pessoas no insti-tuto, o grupo com o maior número depesquisadores. Ele é formado por enge-nheiros e lingüistas, que gravaram afala de brasileiros de 250 cidades, cap-tando os modos de falar num total demais de mil amostras de voz. Todo esse

--- --- - -

Novas luzes para a TV digitalA questão da TV digital no Brasil

também está presente nas salas do Ge-nius. O instituto foi convidado peloministro Miro Teixeira, das Comuni-cações, junto com a Fundação Cen-tro de Pesquisa e Desenvolvimentoem Telecomunicações (CPqD) paradesenvolver pesquisas tecnológicassobre um novo sistema de TV digital(TVD) e fazer a ponte entre as solu-ções acadêmicas e a indústria. "Apoi-amos e temos tecnologia para umsistema com características brasilei-ras': diz Bruno Vianna, diretor supe-rintendente do Genius. "No entanto,é preciso saber que parte do sistemavale a pena desenvolver aqui:' A TVdigital é na verdade um conjunto depadrões que cada grupo internacio-

nal - o primeiro, entre Estados Uni-dos, Canadá e Coréia, o segundo daEuropa e o terceiro do Japão - confi-gurou de acordo com suas necessi-dades. "Mais da metade dos royaltiesenvolvidos nesses sistemas vem domiddleware, espécie de sistema ope-racional que comanda a TVD", co-menta Marcel Bergerman, líder deprojeto do Genius. "Temos umaequipe com experiência trabalhan-do em várias tecnologias presentesna TVD': diz. O sistema digital via TVaberta, que está presente em 90% dosdomicílios brasileiros, ao contrário damaioria dos outros países onde pre-domina a TV a cabo, vai permitir umaampla interatividade com acesso à In-ternet e a uma infinidade de bancos

de dados. Para aqueles que não pode-rão arcar com os custos de um apare-lho de TVD, os pesquisadores dizemser possível desenvolver um converso rmuito barato que custará um quartodo adotado em outros países.

Além do Genius e do CPqD, par-ticiparão do projeto de TVD do go-verno várias entidades, incluindo umconsórcio formado pelas seguintesuniversidades: Mackenzie, USP, Uni-camp, de São Paulo, PUC do Rio deJaneiro, Universidade Federal do Riode Janeiro, Universidade Federal daParaíba e Instituto Nacional de Tele-comunicações. Os recursos, de R$ 78,1milhões, sairão do Fundo para o De-senvolvimento Tecnológico das Tele-comunicações (Funttel).

64 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

material está sendo processa-do e colocado em softwares. Oreconhecimento de voz pode-rá ser utilizado em controlesremotos, celulares, portal devoz na Internet, centrais deatendimento e aparelhos de ar-condicionado.

Uma das empresas a usar oreconhecimento de voz experi-mentalmente foi a Deca, fabri-cante de metais e louças sani-tárias. Ela utilizou esse sistemapara mostrar de forma experi-mental na Feira Internacio-nal da Indústria da Constru-ção (Feicon), realizada em SãoPaulo no mês de abril, um ba-nheiro inteligente que atende acomandos de apagar e acendera luz, além de ligar o chuveiro eabrir as torneiras. A GeneralMotors, no Salão do Automó-vel de 2002, mostrou um veí-culo Vectra adaptado parareceber instruções por voz.Funções como travar portas,acender faróis, ligar o rádio,seta à direita ou à esquerdaeram executadas com coman-dos verbais. Nesse experi-mento, a instalação do sistema no carrofoi feita por professores e alunos da Fa-culdade de Engenharia Industrial (FEl)de São Bernardo do Campo (SP).

Parcerias com universidades e de-mais institutos de pesquisa são priori-dades no Genius. "É uma das nossasmetas facilitar a aproximação do conhe-cimento gerado nas universidades como setor privado. Com isso, injetamos noambiente acadêmico problemas reaisdo mercado que podem suscitar novaspesquisas", explica Marcel Bergmann,um dos líderes do projeto, responsávelpelas relações institucionais do Genius.

A instalação da filial em Campinasestá ligada à colaboração com universi-dades e institutos de pesquisa, além deestar mais perto também de muitasempresas. "Queremos aumentar nossainteração com a universidade': contaVianna. Essa aproximação se deu ini-cialmente com a Universidade Federaldo Amazonas (Ufam). Muitos profis-sionais oriundos daquela universidadeforam contratados, porém faltavam cur-sos para que os pesquisadores do Ge-nius de outras cidades pudessem con-tinuar seus estudos, caso de dezenas de

Pesquisa e desenvolvimento: trabalhoinédito para 90 pesquisadores

pessoas vindas de São Paulo, da Bahia,de Minas Gerais, do Paraná, do RioGrande Sul e da Paraíba. "Não haviacurso de mestra do em informática emtoda a região Norte", diz Vianna. "Aípropusemos a criação desse curso naUfam, onde alguns doutores qu~ tra-balham no Genius dão aulas e orien-tam teses", conta Bergerman.

formação da equipe - Os recursos hu-manos do Genius são um capítulo àparte. Levar para a úmida, calorenta elongínqua Manaus doutores, mestres egraduados de outras partes do país,concentrados nas regiões Sul e Sudeste,poderia ser uma tarefa difícil, mas nãofoi. Pesou muito na decisão dos convi-dados o desafio de fazer pesquisa e de-senvolvimento de forma inovadora.

Apenas 30% dos funcionários do Ge-nius são de Manaus e, mesmo assim,grande parte estabelecida na área admi-nistrativa. Entre os manauaras estão ofísico Fábio Santos, formado na Ufam;Agemilson Pimentel, que fez engenha-ria elétrica na Universidade do Estado doAmazonas (UEA); e Jacqueline Aguiar,recém-saída do curso de Direito da

Ufam. Santos, outro recém-for-mado, que trabalha na área deaplicativos de celulares, dizque atuar no Genius é umaoportunidade única de fazerpesquisa tecnológica em Ma-naus. Para Pimentel, foi umamudança de rumo dentro damesma área. Ele trabalhava nafábrica da Sony em Manaus eaceitou o desafio da nova pro-posta. Jacqueline diz que, co-mo advogada, o pólo industrial,onde está instalado o Genius,não traz atrativos maiores. A fa-mília e amigos até estranharamela ter aceito o trabalho no Ge-nius em troca de um empregona Procuradoria do Estado."Gostei de trabalhar numa or-ganização sem fins lucrativos."

Entre aqueles que conside-ram o calor como o maior obs-táculo estão os egressos da en-genharia elétrica da EscolaPolitécnica da Universidadede São Paulo (USP). DanielGustavo é um deles. Paulista-no, 29 anos, ele trabalhou emduas empresas de telecomu-nicações em São Paulo. "Mas

sempre pensava em trabalhar com de-senvolvimento de produtos." Quandosurgiu a oportunidade, não teve dúvi-das: trouxe a mulher, que trabalha naárea administrativa do instituto.

No comando do Genius encontra-se um mineiro com formação paulista.Vianna é engenheiro eletrônico formadoe mestre pela Poli-USP, além de ter dou-torado pela Universidade Estadual deCampinas (Unicamp) e Master BussinessAdministration (MBA) pela FundaçãoGetúlio Vargas (FGV). Foi pesquisa-dor e gerente no Centro de Pesquisa eDesenvolvimento em Telecomunicações(CPqD), em Campinas, antigo centrode pesquisa da estatal Telebras que se tor-nou independente. Ele participa comoinventor em três patentes do CPqD nodesenvolvimento do sistema trópico, aCentral Telefônica Digital que está pre-sente em todo o país. Com a privatiza-ção das telecomunicações, Vianna foidiretor de operações da Vésper e da Te-lemar. "Sempre busquei a inovação tec-nológica e agora tenho a oportunidadede comandar essa equipe, que a cadadia me surpreende, trabalhando comalto conteúdo tecnológico," •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 65

ITECNOLOGIA

MEDICINA

Curativode borrachaMaterial feito comlátex da seringueirafecha úlceras e reconstituiesôfagos e tímpanos

DINORAH ERENO

Olátex extraído da seringueira, matéria-pri-ma que no século 19 colocou o Brasilcomo o maior exportador mundial deborracha, é a base de um biomaterial ino-vador com excelentes resultados na cica-

trização de úlceras crônicas e na reconstituição de esôfa-gos e tímpanos perfurados. Desenvolvido na Faculdadede Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidadede São Paulo (USP), o biopolímero deverá ser produzidoinicialmente pela Pele Nova Biotecnologia, em uma fá-brica piloto instalada em Campo Grande (MS).

A empresa foi constituída pela Academia Brasileirade Estudos Avançados, uma organização não-governa-mental (ONG) mantida pela empresa Avamax Biotecno-logia, que tem entre seus membros o ex-presidente daEmbraer e da Varig Ozires Silva. "Fazemos a ponte entreos cientistas e os investidores, para mostrar produtoscom potencial em disputar o mercado", explica Ozires,que já promoveu várias reuniões entre o coordenador doprojeto, o médico Joaquim Coutinho Netto, do Departa-mento de Bioquímica e Imunologia da FMRP, e interes-sados em conhecer em detalhes o novo produto.

O objetivo desses encontros, dos quais já participa-ram inclusive investidores da Alemanha e da Itália, é cap-tar os recursos necessários para montar a unidade pilotoe a industrial. A planta piloto, prevista para começar afuncionar no próximo mês de julho em uma antiga fá-brica de industrialização de palmito pertencente à Ava-max, foi projetada de acordo com os critérios exigidospela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

66 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Curativos à basede látex vegetal mostramresultados em12 dias, em média

Mas, ao ser misturado ao silicone,não houve jeito de fazer com que osdois materiais se unissem. "Não conse-guimos reproduzir a prótese japonesa",relembra Coutinho. "Takimoto nãocontou em sua patente como fazia parafixar o colágeno na prótese," Fátimaainda entrou em contato com o médi-co japonês para pedir ajuda, mas elenão revelou o bem guardado segredo.

cesso de neoformação tecidual', contaCoutinho.

"Os resultados foram surpreenden-tes e resolvemos investigar a fundo ofenômeno", relata. Como o corte histo-lógico do material mostrava a presençade grande quantidade de vasos sangüí-neos no local onde foi colocada a pró-tese, isso poderia explicar o processode reparo (cicatrização) acelerado. Masessa propriedade do látex de estimulara angiogênese (formação de novos va-sos sangüíneos) só foi descoberta por-que o polímero não foi obtido pelométodo tradicional, conhecido comovulcanização, com temperaturas de110° C a 125° C. Zabrowski utilizouuma técnica de polimerização sob con-dições especiais, desenvolvida e paten-teada por ele e, posteriormente, com-prada pela Avamax.

A comprovação de que o método deobtenção do biopolímero era funda-mental no processo de angiogênese foifeita quando os pesquisadores resolve-ram fazer testes usando luvas e preser-vativos, que têm como matéria-primao látex, para ver como se comportavamno processo de cicatrização. "Mas essesmateriais não mostram atividade an-giogênica", relata Coutinho. Os testesforam feitos ainda com ovos de galinhaembrionados, para avaliar a formaçãodos vasos, e em orelhas de coelhos, paraverificar a rapidez com que ocorre oprocesso de cicatrização. "A aplicação dobiomaterial acelerava um processo neo-formador tecidual, altamente organiza-do, sem cicatriz", sintetiza o médico.

A industrial será instalada no distritoindustrial de Ribeirão Preto, idealizadopelo ministro da Fazenda, Antônio Pa-locci, na época em que era prefeito dacidade.

Concorrência multinacional . O bio-polímero, que inicialmente será lança-do para tratar úlceras crônicas de pés epernas, vai concorrer com outros degrandes multinacionais, como Iohnsone Novartis. Segundo Coutinho, as fór-mulas são diferentes, mas os resultados,idênticos. "Sem contar que o tratamen-to com o nosso produto custará, pelomenos, dez vezes menos': afirma. "Umabisnaga de 15 gramas de um cicatri-zante à base de gel comhormônio humano custaUS$ 350 e dá para apenaspoucos dias", comparaCoutinho.

A trajetória que levoua essa biomembrana teveinício em 1994, quando aentão estudante de mes-trado da Área Cirúrgicada FMRP Fátima Mrué,uma goiana que passoudois anos em Tóquio, noJapão, acompanhando ci-rurgias de pacientes com câncer, resol-veu trabalhar em sua tese com a próte-se de Takimoto, que leva o nome domédico inventor, composta de siliconee colágeno e utilizada para reconstituiresôfagos. Fátima procurou Coutinhopara saber como obter colágeno da pelede porco, técnica descrita em um artigopublicado na década de 60 e que seriautilizada na confecção da prótese.

Hoje, Coutinho diz que não imagi-nava que aquela simples pergunta so-bre o colágeno o conduziria a reuniõessemanais com interessados em investirno biopolímero. Afinal, para se ver livreda estudante na ocasião - hoje FátimaMrué é cirurgiã do Centro de Oncolo-gia do Hospital das Clínicas de Goiânia-, Coutinho disse a ela que, se encon-trasse o artigo, poderia ajudá-Ia na em-preitada de fazer uma pró tese seme-lhante à de Takimoto. "Tarefa muitodifícil e demorada para a época, já quenão havia a Internet", como ele mesmorelembra. Dois dias depois, a surpresa.Fátima voltou com o artigo nas mãos.Coutinho, resignado, resolveu ajudar apersistente aluna na preparação do co-lágeno da pele de porco.

Inspiração no passado· "Foi quandotive a idéia de fazer a prótese com o lá-tex de seringueira", relata o médico, ins-pirado, provavelmente, na lembrançadas grandes plantações de seringueirada pequena cidade do interior paulista

em que nasceu, Guapiaçu.Ele achou que seria maisfácil misturar o colágenoao leite da seringueira. Fá-tima não botou muita féna solução proposta, masresolveu acatá-Ia. Comoeles precisavam de al-guém que fabricasse aprótese experimental, en-contraram na região deSão José do Rio Preto oquímico Antônio CésarZabrowski, da empresa

Globbor, que vende borracha para aGoodyear. Zabrowski se prontificou afabricar as próteses e construiu-as comum molde de vidro sanfonado, com-posto de látex vegetal e 0,1% de coláge-no ou polilisina.

A prótese experimental, um tubo de8 centímetros de comprimento por 2centímetros de diâmetro, foi implan-tada no esôfago de oito cães. Mas umaocorrência incomum chamou a aten-ção dos pesquisadores. Dez dias apóso implante, as próteses foram expeli-das junto com as fezes do animal. Elesacharam estranho e resolveram fazerendoscopias para saber o que tinhaacontecido, já que nenhum dos cãesaparentava estar doente. Ao fim do exa-me, Fátima e Coutinho ficaram surpre-sos com a revelação de que, em tão cur-to período de tempo, um novo esôfagohavia se formado no trecho seccionado.Na análise histológica (avaliação do te-cido ao microscópio), ele se mostravapraticamente igual a um esôfago nor-mal, com todas as camadas. "Não ficoupraticamente nenhuma cicatriz e tam-bém não houve a formação de fibroseno local reparado, mostrando um pro-

o polímerofoi obtidosob condiçõesespeciais egerou patente

Cicatrização rápida· Depois de com-pletar o ciclo de testes com animais,chegou o momento de começar a ava-liação do biomaterial à base de látex ve-getal em pacientes humanos. Em 1997,Coutinho e Fátima submeteram à Co-missão de Ética Médica do Hospital dasClínicas da FMRP pedido para come-çar os experimentos em humanos. Essaautorização só saiu um ano depois,permitindo ao aluno Paulo César Gri-sotto, que fazia doutorado na época emRibeirão Preto, estender e adiantar osestudos, tratando pacientes com úlce-ras crônicas de difícil cicatrização nohospital de Itajobi (SP), cidade da re-gião de São José do Rio Preto", relataCoutinho. "Em média, 12 dias depoisde os curativos com o biopolímero co-meçarem a ser aplicados nos pacientes,

68 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

as feridas crônicas, principalmente deportadores de diabetes, começavam amostrar sinais de evidente granulação eepitelização, contra os seis meses neces-sários pelos métodos tradicionais, queincluem internação hospitalar", conta omédico. Segundo levantamento epide-mio lógico realizado na cidade mineirade Juiz de Fora pelo médico Marco An-drey Cipriani Frade, cerca de 2,7% dapopulação tem úlceras crônicas nos pése pernas, percentagem que chega a 10%em diabéticos. Essas feridas represen-tam a segunda causa de faltas ao traba-lho no Brasil.

Tímpano reconstruído - Seis anos de-pois de Grisotto ter começado a fazeros experimentos em humanos, o nú-mero de pacientes estudados em hos-pitais de Ribeirão, Itajobi, Juiz de Fora

e outros chega a 3 mil, dos quais 2.500com úlceras e o restante com tímpanoperfurado por infecção ou trauma. To-dos os testes foram realizados após apro-vação pelas comissões de Ética Médicadas respectivas instituições.

As cirurgias para refazer a membra-na timpânica com a biomembrana delátex foram realizadas pelo Setor deOtorrinolaringologia do Departamen-to de Oftalmologia e Otorrinolaringo-logia da FMRP. Essa cirurgia, chamadade miringoplastia, tem como finalida-de reconstruir o mecanismo de trans-missão sonora. Diversos materiais sãousados com esse objetivo, destacando-se a fáscia (camada de tecido fibrosoque cobre o corpo sob a pele) do mús-culo temporal, cartilagem, tecido pla-centário, entre outros, mas os resulta-dos mostram até 30% de insucessos do

Corte no tronco da seringueirapor onde escorre o látex,matéria-prima do biopolímero

ponto de vista anatômico e 19% de re-perfuração, causados, principalmente,pela falta de vascularização do enxerto.

Já o uso da biomembrana de látexem miringoplastias mostrou intensavascularização, como indica o trabalhodos otorrinos José Antonio Apparecidode Oliveira e Miguel Angelo Hyppolito,da USP de Ribeirão Preto, "Miringoplas-tia com a Utilização de um Novo Mate-rial Biossintético" apresentado em 1998durante o 34° Congresso Brasileiro deOtorrinolaringologia em Porto Alegre.A dupla ganhou o primeiro prêmio aodescrever o sucesso dos enxertos com obiopolímero. "Verificamos intensa vas-cularização em 100% dos enxertos, oque não é habitual quando não se usa amembrana de látex natural", diz umdos trechos do premiado trabalho. Orelato refere-se a apenas 19 tímpanosperfurados que receberam o biomate-rial como implante transitório em mi-ringoplastias. Hoje os casos de sucessochegam a cinco centenas.

Duas teses de doutorado, desenvol-vidas no Departamento de Cirurgia eAnatomia da FMRP, sob a orientaçãodos professores Jesualdo Cherri e Car-los Eli Piccinato, defendidas pelos ci-rurgiões vasculares Mário Augusto daSilva Freitas e Paulo Cesar Grisotto, res-pectivamente em agosto de 2001 e feve-reiro de 2003, apontaram, depois detestes feitos em animais, que é possívela recuperação de artérias cardiovascu-lares por meio da utilização de pró tesesde látex. Mas ainda são necessários ex-perimentos, antes dos testes em pacien-tes humanos, para avaliar a eficácia des-se material, que poderia vir a substituiras atuais próteses sintéticas ou de mate-riais biológicos de origem animal, comoo pericárdio bovino ou suíno.

Essas pesquisas mostram que o bio-polímero à base de látex vegetal aindapode dar origem a muitos outros pro-dutos, com aplicações diversas. Os cu-rativos são apenas o primeiro passopara a Pele Nova Biotecnologia entrarna disputa por um mercado nacionalestimado em cerca de 4,5 milhões depessoas, que, provavelmente, não po-dem pagar os altos valores dos medica-mentos importados. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 69

Conjunto de três lentesasféricas e uma

esférica, ao lado,e microlentes, abaixo

nanceiro da FAPESP, por meio do Pro-grama de Inovação Tecnológica em Pe-quenas Empresas (PIPE). Iniciado hádois anos, o projeto resultou em mol-des para a produção das lentes de plás-tico, processo que deverá começar emoutubro deste ano. Para Sérgio Antôniode Almeida Nobre, diretor da empresae coordenador do projeto, "a parceriacom a FAPESP foi extremamente deci-siva, porque nos permitiu desenvolveruma tecnologia inédita no país e únicano Hemisfério Sul':

Nichos de mercado - Do ponto de vis-ta econômico, o domínio dessa tecno-logia ganha mais importância à medi-da que as lentes asféricas em plásticostransparentes e moldáveis, de alta qua-lidade, interessam a um amplo lequede usos industriais. Na área médica,nas lupas usadas em cirurgias variadas;na militar, em lentes de óculos de visãonoturna; e na laboratorial, em micros-cópios ópticos. Mas também o consu-midor comum poderá se beneficiar damesma qualidade óptica das asféri-cas instaladas em óculos, deixando-osmais leves e com a espessura das lentesreduzida. Outro uso já comum é nas câ-meras fotográficas. Os países produtoresdesses equipamentos, como Japão e Ale-manha, por exemplo, utilizam as asfé-ricas de plástico nas objetivas em con-junto com lentes de vidro comum, poisaliam qualidade focal à durabilidadedesse material. O problema é que, paramáquinas fotográficas, as lentes asféri-cas só ganham competitividade se fa-bricadas em larga escala. Outras áreasonde essas lentes são cada vez mais so-licitadas e envoltas em alta competiti-vidade estão na eletrônica e nas teleco-municações. São produtos que tiverama demanda aumentada com aplicaçãode componentes ópticos em plástico,sofisticados e de baixo custo, como câ-meras de vídeo, sensores de luz e aco-pladores ópticos (conectores para jun-ção de fibras ópticas). Outro uso cadavez mais comum é nos leitores de com-pact disk, quando o feixe de laser atra-vessa a lente asférica antes de tocar asuperfície do CD. "Essas são áreas mui-

72 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

to competitivas. Só vejo possibilidadesde atuarmos nessas áreas a médio pra-zo", calcula Nobre. "Nossa meta é atuarem nichos menores e mais restritos,nos quais os grandes fabricantes nãotêm interesse."

Astronomia e medicina - A Optovacquer ganhar espaço nas áreas educa-cional, técnica e de consumo geral, comkits ópticos para aulas de física, este-reomicroscópios (aparelhos binocularespara ensino, pesquisa e uso industrialem micromontagens na área elétrica),produtos para astronomia amadora,lentes para faróis de automóveis comiluminação de alto desempenho e com-ponentes para outras empresas nasáreas de instrumentação médica, aná-lise clínica, artigos domésticos e paraequipamentos elétricos, que, em algunscasos, podem chegar ao mercado pelametade do preço dos importados.

Para Sérgio Nobre, o desafio é terpreços compatíveis com os produtosasiáticos e qualidade superior. "Nossocusto de mão-de-obra e os encargos deprodução são superiores aos dos chine-ses, por exemplo, mas vamos enfrentá-los com tecnologia'; afirma o diretor,que pretende capacitar a empresa paraa exportação, principalmente com osprodutos destinados à área educacio-nal. O faturamento da Optovac proje-tado para este ano é de R$ 1 milhão aR$ 1,5 milhão, no qual as lentes asfé-ricas deverão participar com cerca deR$ 100 mil mensais, a partir de outu-bro. Segundo ele, ainda não existe con-corrência na produção desses equipa-mentos no Brasil, porque o retornofinanceiro é lento.

Outra limitação é o difícil processode fabricação das lentes asféricas, emvidro ou plástico. O segredo, em que épreciso investir tempo e dinheiro, está

Molde da lente asférica:qualidade, eficiênciaem vidro ou em plásticoe a baixo custo

no molde da lente que a Optovac estádesenvolvendo. Com uma moldagemeficiente, é possível aliar as vantagensdessas lentes com o baixo custo do plás-tico injetável. Essa técnica também per-mite produzi-Ia em vidros com baixoponto de fusão porque são moldáveis atemperaturas menores que as normal-mente utilizadas e, portanto, mais ba-ratos que os vidros comuns.

A produção dessas lentes começa apartir do uso de um software. Os dadospara a confecção dos moldes para len-tes asféricas são criados e organizadosem computador e inseridos em umaGeradora Asférica de Controle Numé-rico Computadorizado (CNC), equi-pamento usado para repetir a fabrica-ção de um produto. Ele faz a leitura dasinformações programadas pelo softwa-re e confecciona um molde para as len-tes, com base em uma peça de vidro oucerâmica pré-usinados. Para forjar omolde, um rebolo circula a peça, tocan-do sua parte lateral, refrigerada por águae óleo solúvel que, além de manter suatemperatura, evita o desgaste demasia-do das peças.

Após essa etapa, um outro apare-lho, o perfilômetro, mede o perfil domolde semi-acabado. Se houver dife-

renças entre os dados inicialmenteprogramados pelo computador e o re-sultado final, o software gera um ar-quivo de correção e a Geradora Asfé-rica efetua o retoque do molde. Para afabricação dessas peças são necessá-rios equipamentos com requisitos ex-tremamente críticos de controle, avançoe estabilidade mecânicos, o que permi-te que as lentes saiam prontas para re-ceber um polimento óptico final, quan-do suas superfícies opacas obtêm totaltransparência.

Desenvolver do zero - Criada em 1986,com o objetivo de fabricar equipamen-tos com tecnologias que envolvem me-cânica fina, a Optovac passou a atuarno segmento óptico com produtos depesquisa para a área educacional e de

o PROJETO

Componentes Ópticosem Plástico Injetado comSuperfícies Não Esféricas

MOOALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADORSÉRGIO ANTÔNIO DE ALMEIDA NOBRE -Optovac

INVESTIMENTOR$ 33.000,00 e US$ 156.236,00

consumo geral, como kits parao ensino de ciência, lunetas emicroscópios, inclusive desen-volvendo esses equipamentospara institutos de pesquisa liga-dos à Universidade de São Pau-lo (USP) e à Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp).Contudo, com o restrito campocomercial e a abertura do mer-cado promovida na última dé-cada - e que trouxe ao Brasilprodutos com preços maiscompetitivos -, a empresa seviu obrigada a investir em pes-quisas e desenvolver do zerouma tecnologia já existente noexterior.

E por que não importar atecnologia, simplesmenter Deacordo com Sérgio Nobre, omotivo é simples: os custos des-sa importação atingem os US$

2 milhões - para uma produção queatenda os pequenos nichos existentesno Brasil - são muito superiores aoscustos de desenvolvimento local, e in-justificáveis frente à pequena deman-da do mercado interno. A fim de elevara qualidade dos produtos com um cus-to menor, o projeto do PIPE permitiua virada tecnológica da empresa, queem dois anos desenvolveu seus pri-meiros protótipos. O trabalho foi si-multâneo, tanto no desenvolvimentotecnológico quanto de possíveis apli-cações em produtos.

Hoje, a Optovac tem capacidade desuprir o mercado interno de modopersonalizado, pois o consumo dessesitens ainda é pequeno no Brasil. "Esta-mos produzindo 20 mil lentes esféricaspara um cliente (ele não pode dizer onome da empresa nem a aplicação desseproduto) e, para o Instituto de Pesqui-sas Energéticas e Nucleares (Ipen), aca-bamos de produzir uma única lente(asférica), especialmente desenvolvidapara uso em pesquisas daquele institu-to, ou seja, temos uma estrutura dife-renciada que nos permite produzir demodo flexível", conta o diretor da em-presa. A Optovac está, inclusive, ho-mologada pela aviação do Exércitobrasileiro para o desenvolvimento (delentes asféricas) e manutenção de equi-pamentos ópticos, como os óculos uti-lizados para visão noturna, atualmenteimportados e que dependem de manu-tenção fora do país. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 73

ITECNOLOGIA

SOFTWARE

Tesoura digitalSoftware gerado na UF P Eganha mercado e evitaperdas na indústria de papel

VERONICA FALCÃO, DE RECIFE

p(.nda não se encontrou nadamelhor e mais barato doque as embalagens indus-triais de papelão tantopara acondicionar tele-

visões, geladeiras, latas de massa de to-mate ou frascos de detergente. Emborahá muitos anos presente na ponta fmaldo processo industrial, essas caixas pre-cisam de constantes melhoramentos nasua fabricação, principalmente para re-duzir a quantidade de aparas sem per-da da qualidade. Foi pensando em re-solver esse problema relacionado aocorte de chapas de papelão que o ma-temático Sóstenes Lins, professor daUniversidade Federal de PernambucoCUFPE), criou o software Conjug, já emuso em indústrias de todo o Brasil. Osucesso desse produto é um dos maisemblemáticos exemplos de estudo ge-rado num ambiente acadêmico que ga-nha mercado e traz contribuições im-portantes para o sistema produtivo.

Os cálculos para o corte de papelãoeram feitos antes de forma manual. "Uti-lizava-se apenas uma calculadora ebom senso", revela Lins. A dificuldade éque existem, literalmente, bilhões depossibilidades de se cortar o grande re-tângulo a que se resume o rolo de pape-lão usado para fabricar caixas. "E o serhumano só chega a duas, três ou, nomáximo, dez." O Conjug se baseia numalgoritmo - processo de cálculo - con-cebido em 1986 em parceria com alu-nos de mestrado. Lins, membro da Aca-demia Brasileira de Ciências CABC),conta que criou o algoritmo pensandoem diminuir as perdas de papel. "Só nãoimaginava que era algo inovador. Pen-sava que as empresas brasileiras usassem

74 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

algo parecido': lembra. Em dezembrodo ano seguinte, ele vendeu a primeiraversão do software para a unidade dafábrica de papel Klabin em Pernambu-co. Hoje, o Conjug é usado em dez uni-dades da empresa, que produz celulose,papel e caixas de papelão ondulado.

Empresa família - Lins estima que oConjug é empregado em mais de 10%das onduladeiras, tipo de máquina defazer papelão, no Brasil. Para comercia-lizar o software, o professor formou aempresa LinSoft, administrada pela es-posa. O fllho, Lauro Didier Lins, que fazdoutorado em Matemática Computa-cional na UFPE, é responsável pela par-te técnica, junto com uma irmã do pro-fessor, Nadja Lins, engenheira elétrica eadministradora de rede do Centro deInformática da UFPE. Além das fábri-cas da Klabin, o software é empregadoem indústrias de papel nos estados doAmazonas, de São Paulo e do Ceará.

Um outro sistema criado pela equi-pe do matemático e que transcendeu oslimites da universidade é o S-Plex, usadono corte de bobinas de aço. Diferentedo corte de papelão, em que são separa-das chapas para a confecção de caixas,a bobina de aço é fatiada em tiras. Oprocesso é semelhante à divisão de umrocambole. Algumas fatias são mais fi-nas, como as fornecidas para fábricasde grampos de cabelo, e outras maisgrossas, destinadas a fazer cutelo Cumtipo de faca).

O corte do aço também faz parte deum setor industrial em que os cálculoscostumavam ser feitos a mão. O softwareé empregado desde novembro de 2002na Armco, indústria que produz lâminas

de aço em São Paulo e Manaus. O res-ponsável pelo setor de Planejamento In-tegrado da empresa, Edson José Lopes,estima que o uso do sistema proporcio-nou uma redução de 20% no descarte."Estou eliminando um ponto críticocom a adoção do S-Plex", resume.

A LinSoft foi criada em 1992. Semconcorrência, o software chegou a pla-nejar o corte de caixas de papelão em20% das fábricas do país. "Não tínha-mos concorrentes no começo, mas hojeeles existem", constata Lins. Isso exi-ge uma constante evolução do ConjugoHoje, ele abrange o trabalho em rede enão está apenas voltado para a reduçãode perdas de papel. Leva em conta tam-bém o lucro, pois é capaz de planejartoda a produção. "É possível ordenar ocorte em função dos pedidos e da ur-gência deles", esclarece Lins. Outra va-riável incluída no Conjug é o estoquede papel. "O planejamento bem-feito daprodução evita perdas e melhora a pro-dutividade", esclarece.

A empresa da família Lins tambémdesenvolve um software voltado para oempacotamento de caixas. É o Exped-Plex, que planeja a disposição das cai-xas em paletes, contêineres e cami-nhões. Os paletes são as plataformas demadeira em que se empilha a cargapara o transporte e estocagem. O siste-ma se baseia em quatro algo ritmos. Umdeles gerou publicação no ano passadono European [ournal of Operations Re-search. O objetivo, nesse caso, é econo-mizar espaço. Sóstenes calcula que umacréscimo de 5% a 8% no volume em-pacotado nos caminhões gera uma eco-nomia de um caminhão a menos emcada 15 ou 20 viagens.

Onduladeira na I<labin: softwareconquistou 20% do mercado de papelão ondulado

Outro software relacionado à arru-mação de caixas é o PalletZoom, queteve cópias adquiridas pela rede desupermercados Bompreço. O sistema écapaz de definir como arrumar melhornos paletes os produtos encaixota-dos. Para isso, basta o usuário fornecerdados sobre as dimensões das caixas edo palete. A máquina calcula a arruma-ção da carga e fornece um desenho decomo se deve empilhar as caixas. Linsexplica que criou o PalletZoom paraproporcionar não só uma melhor esto-cagem, mas também maior velocidade

.no transporte de produtos, porque a ar-rumação permite um maior número decaixas no palete.

Se hoje os produtos da LinSoft sãoempregados em todo o país, no come-ço as dificuldades do professor Lins fo-ram grandes, principalmente em con-vencer o pessoal das indústrias a aceitaro produto. "Comecei a procurar empre-sas interessadas em usar novos méto-dos para tentar diminuir as perdas docorte. E foi uma luta convencer as pes-soas", lembra. A primeira empresa que

procurou foi a Ponsa, do Grupo Kla-bin, em Pernambuco, ainda em 1986."Eles me colocaram em contato com afilial do Rio de Janeiro. Depois, em de-zembro de 1987, acertamos que eu aper-feiçoaria o software e eles comprariamuma versão. Foram mais ou menos seisa sete meses de desenvolvimento. AKlabin comprou a primeira versão doConjug, mas só usou o software duran-te dois meses. Na época, Lins não foiprocurado pela empresa e só ficou sa-bendo depois que ela havia desistido.

Descompasso inicial - O professor atri-bui o insucesso inicial à limitação téc-nica. "Os computadores eram muitoruins, tinham pouca memória, eramlentos. A tecnologia de desenvolvimen-to de software também deixava muito adesejar. As interfaces eram ruins", re-corda. Mesmo assim o programa funcio-nava. "Ele otimizava, diminuía as apa-ras", garante. Depois da tentativa com aKlabin, Lins "esqueceu" o Conjug portrês anos. "Fui cuidar da minha vida,fazendo matemática teórica e publican-

do meus papers", conta ele, autor de 30artigos publicados em revistas científi-cas de circulação internacional. Em ju-lho de 1991, os técnicos da Ponsa volta-ram a procurá-lo, "Havia uma intençãofirme de realmente usar o programa edessa vez deu certo." Em 1993, a Klabinresolveu adotar o software nas unida-des de Piracicaba e de Jundiaí. "Depoisfoi a vez da fábrica na cidade do Rio deJaneiro, em fevereiro de 1994. Então vie-ram todas as filiais da empresa", relata.Com o sucesso na Klabin, várias outrasempresas se interessaram. Em 2001, aLinSoft estava presente em mais de 20%do mercado de papelão ondulado.

O matemático Paulo Seixas Avino,analista de negócio da Klabin, diz que oConjug garante agilidade no processo,confiabilidade nos resultados e, princi-palmente, diminuição nas perdas de ma-téria-prima que pode chegar a 2% daprodução. Para Lins, o sucesso do soft-ware não está relacionado apenas aoaspecto teórico do produto mas, tam-bém a uma interface agradável de utili-zar que gera confiança nos usuários •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 75

Provas de materialcerâmico desenvolvidasnos laboratóriosda Ufscar e da Unesp

76 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 77

quisadores da CSN, que esparramaramseus conhecimentos por toda a cadeiaprodutiva, que abrange desde as indús-trias de matéria-prima para os fabri-cantes de refratários até as companhiassiderúrgicas. Atualmente, muitas em-presas nacionais, caso da mineira Mag-nesita, tornaram-se exportadoras detecnologia de refratários em magnésio-carbono e magnésio-carbono-alumínio.

A história da parceria CSN-Liec co-meça bem ao gosto nacional. Plagiandoa publicidade de uma indústria de ele-troeletrônicos que fez muito sucesso evirou mote popular, ocorreu algo na li-nha: "Os nossos japoneses são melho-res do que os deles': Tudo começou comas dificuldades operacionais no alto-for-no, a alma do negócio de uma siderúr-gica, onde é produzido o ferro-gusa, faseanterior ao aço. A CSN contratou a con-sultoria de uma empresa japonesa, quediagnosticou um problema de choquetérmico no queimador cerâmico dosregeneradores. Responsável pelo forne-cimento de ar quente para o alto-forno,a paralisação da operação desse equipa-mento para reforma, por no mínimo seismeses, como sugerido pelos técnicos ja-poneses, seria um drama para a produ-ção da usina. Assustados diante de talprognóstico e provável prejuízo - afinal,a estimativa da reforma do queimado rgirava em torno de US$ 15 milhões -,os dirigentes da CSN resolveram pro-curar o Liec antes da decisão final.

Dois dias de incessantesdiscussões selariam oano de 1989 como o doprincípio de um casa-mento capaz de reservar

bons frutos. Na época, pela avaliaçãodos pesquisadores da UFSCar, os con-sultores japoneses tinham se precipita-do. Não havia problema de choque tér-mico nos refratários doqueimadorcerâmico, e sim uma forte corrosão, quepoderia ser combatida com a instalaçãode filtros para reter partículas de óxidode ferro provenientes do gás do alto-forno. A solução apresentada pelo Liec eengenheiros da CSN acabou por pror-rogar a vida do queimador cerâmicopor três anos, tempo suficiente paraplanejar a sua reforma e executá-Ia semprejuízos à produção. Um equipamentoque, em tratamento posterior, ganhouainda mais quatro anos de sobrevida.Tudo sem jamais parar de funcionar.

78 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Como gosta de re-lembrar, pontuando ca-da palavra pela cadênciatípica dos mestres emsala de aula, o professorElson Longo, diretor doCMDMC de São Carlos,acentua: "Quando chega-mos à CSN, eles produzi-am 4 milhões de tonela-das de aço por ano. Hojeproduzem 5,5 milhõespraticamente com os mes-mos equipamentos. E issolevando em conta que acapacidade nominal dasiderúrgica era de apenas4,6 milhões': O ganho de1,5 milhão de toneladasse deu por mudança detoda a concepção dos re-fratários ao longo dos 14anos de vida em comum.

A excelência no do-mínio desses materiais ce-râmicos foi possibilitadopor uma união de investi-dores no Liec de São Car-los. Ele foi fundado comrecursos da ordem deUS$ 400 mil, patrocinados pela FA-PESP, Financiadora de Estudos e Pro-jetos (Finep), Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecno-lógico (CNPq), Banco do Brasil eCompanhia Brasileira de Metalurgia eMetais (CBMM). E, mesmo atendendodemandas de vários grandes gruposindustriais presentes em seu portfóliode clientes, recebe anualmente apenasR$ 180 mil da iniciativa privada para a

. sua manutenção, que custa em torno deR$ 1,3 milhão ao ano. O grosso vem mes-mo de órgãos financiadores. Além daFAPESP e do CNPq, há a colaboraçãoda Coordenação de Aperfeiçoamentode Pessoal de Nível Superior (Capes).

Acúmulo de saber - No caso específicoda siderurgia, os aços ganharam enor-me competitividade no exterior após aincorporação das conquistas tecnoló-gicas. "O aço nacional chega aos Esta-dos Unidos mais barato do que o pro-duzido por eles", informa Longo. Osganhos calculados pela CSN de US$ 85milhões na parceria são consideradoscomo uma referência conservadora. "Éum número muito aquém da realida-de, porque contabiliza o resultado obti-

do apenas no primeiro ano em que ainovação foi implementada, sem consi-derar os ganhos posteriores", explica oprofessor. "O mais importante, no en-tanto, não é o número em si, apesar deele demonstrar que investir em pesqui-sa dá ótimos resultados econômicos,mas é preciso salientar o acúmulo desaber que essas experiências in locotrouxeram para a universidade e paraa formação de novos profissionais:'

Embora nos dois primeiros anos aparceria com a CSN tenha sido estabe-lecida na base da emergência paraapagar incêndios, depois houve umagradativa definição de prioridade emontagem de uma carteira de proje-tos, juntamente com os engenheirosSidiney Nascimento Silva e Oscar Ro-sa Marques, da CSN, que permitiu oaprofundamento das pesquisas embusca de soluções pela melhoria daqualidade do aço e redução dos custosde produção, como explica o professorCarlosAlberto Paskocimas, coordena-dor de inovação tecnológica do Liec.Hoje, num claro sinal de consciência daparceria, a CSN mantém um aparta-mento para abrigar os pesquisadoresda universidade, que passam tempora-

das trabalhando em Volta Redonda.Eles se revezam em pesquisas dentro daprópria usina. Atualmente há seis pro-fessores doutores, três alunos de douto-rado, dois de mestra do e mais três deiniciação científica envolvidos com osprojetos destinados à siderúrgica.

"A contribuição do conhecimento edas idéias da universidade é um pontonobre na nossa área de pesquisa e de-senvolvimento", conta Sidiney Silva, daCSN. "Na siderúrgica, os pesquisadoresencontram instrumentos e condiçõesde, por exemplo, fazer ensaios com ogusa e o aço líquidos. Possuímos umasérie de plantas de simulação onde elespodem finalizar os estudos iniciadosem laboratório:'

Depois da estréia com o salvamentodo queimador cerâmico, os pesquisa-dores do Liec, em conjunto com os daCSN, introduziram várias alterações quegarantiram o desempenho e a vida útildos altos-fornos, desde a mudança dos.refratários até a forma de fabricaçãodos próprios. "Somente na melhoriadas condições do alto-forno foram 12projetos ligados a questões operacio-nais, sendo que, apenas com as técnicasde adição de titânio no cadinho, região

inferior do forno onde é acumuladocontinuamente o gusa líquido produzi-do, conseguiu-se uma economia emtorno de US$ 13 milhões para a empre-sa': conta Longo. "O cadinho é o cora-ção do alto-forno. Ele é revestido comblocos refratários de carbono e o seudesempenho é vital para a produção detoda a usina", explica Silva, da CSN.

As inovações aplicadas ao cadinhoapós as pesquisas laboratoriais resulta-ram, entre outras vantagens, na redu-ção das perdas térmicas do processo,com conseqüente economia de redu-

o PROJETO

Centro Multidisciplinar para oDesenvolvimento de MateriaisCerêmicos (CMDMC)

MODALIDADECentros de Pesquisa, Inovação eDifusão (Cepid)

COORDENADORELSON LONGO - UniversidadeFederal de São Carlos

INVESTIMENTOR$ 1.032.071,98 - durante 2002

Com a aplicação de materialrefratário inovador, a vida útildo alto-forno aumentou em 100%

tores (carvão que será transformadoem coque), matéria-prima importada,usada no prolongamento da vida útildo equipamento. ''A vida do alto-forno,que era em média de dez anos, está ago-ra programada para 20': destaca o pro-fessor Longo. Um dos aspectos estuda-dos em profundidade foi à corrosãopresente no revestimento do cadinho."Buscamos avaliar os efeitos do titânio,que, em contato com o carbono e nitro-gênio do gusa e com o óxido de cálcioda escória do alto-forno, provoca a for-mação de uma camada de proteção dorevestimento do refratário': conta Silva.

Carro torpedo - O próximo passo emmatéria de introdução de inovações tec-nológicas na rotina da CSN envolveu ocarro torpedo, encarregado do trans-porte do gusa líquido dos altos-fornospara os conversores, onde ele será trans-formado em aço. Um dos problemas nomanuseio desse equipamento residiaem perda de energia durante o enchi-mento do carro nos altos-fornos e pos-terior transporte para a aciaria. A suges-tão dos pesquisadores foi a instalação deuma camada de sílica microporosa norevestimento refratário do carro torpe-do. De imediato, houve uma diminui-ção de 25° C na temperatura, em média,durante o transporte do gusa líquidopara a aciaria. Com os novos revesti-mentos do carro torpedo, a quantidadede gusa transportada subiu de 250 milpara 450 mil toneladas.

O sucesso de cada inovação podeser quantificado pela economia deenergia em cada fase do processo, naredução do consumo de insumos, au-mento de produtividade e melhoria nascondições de segurança. A infinidadede detalhes dessa espécie de maratonatecnológica pela obtenção de melhoresaços prospera para além da CSN. Oprofessor José Arana Varela, da Unesp,coordenador de inovação do Cepid-Cerâmica informa que o Liec mantémconvênios tão antigos quanto o daCSN, como a CBMM. Há ainda outrosparceiros de longa data, como a WhiteMartins, há oito anos no Liec, e a In-dústria Brasileira de Artigos Refratários(Ibar), há quase dez anos. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 79

dos no Brasil sobre o tema. Essa foi aproposta da coreógrafa e bailarina Iva-ni Santana, recém-doutora do Depar-tamento de Comunicação e Semióticada Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP), com o livro CorpoAberto: Cunningham, Dança eNovas Tec-no/agias, editado pela Educ, com apoioda FAPESP.

A proposta é entender dança e cor-po como pertencentes ao mesmo pro-cesso evolutivo em uma cadeia semiósi-ca. Sendo assim, nota-se que essa novaforma de dança não emergiu como umfato isolado, agregada apenas ao uni-verso artístico, nem se trata de uma es-tética inaugural, uma forma de artecriada pela extensão de novos artefatos.A dança-tecnologia surgiu a partir damudança do macrossistema. A chavepara assimilar o trabalho desses artistasestá no próprio corpo, um dos instru-mentos utilizados para sinalizar as mu-danças no universo, pois nele próprioestão contidas muitas dessas transfor-mações. Para entender como funcionaa dança-tecnologia, tem de se ter emmente que a era digital não entra emcena como um mero recurso cênico."Não se trata de produções que justa-põem várias mídias, não é colagem", dizIvani. Para a autora, as criações que

usam essa tecnologia apenas cenogra-ficamente não fazem parte de suas re-flexões. Os recursos tecnológicos sãoagentes do espetáculo, tão importan-tes quanto o bailarino, o músico e oprogramador, e interage com cada umdeles. Arte, ciência e tecnologia ficamentrelaçadas.

Softwares - O livro traça um panora-ma do uso da tecnologia na era digital.A primeira pesquisa conhecida no usodo computador como assistente ce-no gráfico foi realizada por Paul LeVasseur, em 1964, na França, e IeanneBeaman, em 1969, nos Estados Unidos.Desde então, softwares foram desenvol-vidos para várias funções, tais como:notação e composição coreográfica(espécie de partitura da coreografia),pesquisa, análise, criação e captura demovimentos, programas para auxílioeducacional e ambientes de computa-ção para interferência em tempo real.Os sensores podem ser colocados emqualquer lugar do palco - no chão, nasparedes, nos cenários, nos corpos.

Com tudo isso à disposição, surgemperformances como a apresentada emL'Aprés-midi d'un Faune, de Marie Cho-uinard, no Canadá. Vestida com apara-tos tecnológicos, a bailarina Pamela Ne-

Corpo Aberto: "A dança-tecnologia carecede verdadeiros projetos colaborativos, pois asartes funcionam enoveladas", conclui Ivani

well dança entre cinco colunas de luz,tendo a chance de controlá-Ias. Há tam-bém obras mais radicais. Em Esculturado Estômago, Stelarc, na Austrália, dis-cute literalmente a questão do corpo naarte. Um minúsculo aparelho, utilizadoem implantes, é engolido pelo artista ecapta a imagem do interior do corpo,exibindo uma luz que acende e apagaem sincronia com o som de uma cam-panhia. O célebre bailarino MikhailBaryshnikov usou o peso da tradiçãode 400 anos do balé clássico para contri-buir com a divulgação da dança-tecno-logia. Em Heartbeat: MB, de ChristopherIanney e Sara Rudner, comemorou 50anos de palco deixando audíveis as ba-tidas de seu coração.

O grupo Palindrome (Alemanha)utiliza a captura de imagem para con-trolar o meio. Arquivadas na memó-ria do computador, elas são inputs quese transformam em uma nova infor-mação, como música, projeção, ou ilu-minação. Uma câmera é colocada emcima e duas são dispostas nos cantos dopalco para registrar a altura, a largura ea profundidade da imagem e estabele-cer uma visão tridimensional (esse sis-tema é chamado de Frame-Grabbing).Elas se tornam um poderoso sensor,pois percebem qual a trajetória realiza-

82 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

da pelo movimento do corpo no espa-ço e no tempo.

Outro exemplo da sofisticação queessesprogramas podem chegar é o VeryNervous System, do artista canadenseDavid Rokeby, que detecta, via câmerade vídeo, a presença, a imobilidade e avelocidade da ação do performer. Asimagens captadas por um ou dois apa-relhos são mapeadas por uma gradepré-definida. Cada pequeno quadrado,ou outra forma permitida, dessa grade,informa as mudanças ocorridas - e oalerta é feito por meio das alterações deluz em cada região. O programa maisconhecido no meio é o Life Forms, uti-lizado para auxiliar na criação coreo-gráfica. Por meio de avatares é possívelcriar e simular a movimentação no es-paço e no tempo. Nessa seara, tudo épossível. "O meio ambiente da obra écontrolado por tecnologias emergen-tes e experimentais", diz Ivani.

Equipe - Com tantos protagonistasno palco, o trabalho em equipe torna-se fundamental. Nesse tipo de espe-táculo, a criação é dividida tanto pelocoreógrafo quando pelos especialistasem tecnologia e o bailarino, um co-cria-dor em tempo real, que muitas vezescontrola as várias mídias do palco,

o PROJETO

Corpo Aberto: Cunninçhsm,Dança e Novas Tecnologias

MOOALIOADEAuxílio publicação

COORDENADORAHELENA KATZ - Programa EstudosPós-Graduados, ComunicaçãoSemiótica/Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SPl

INVESTIMENTOR$ 3.500,00

durante a apresentação. Para conce-ber a obra, cada um deve conhecer umpouco o trabalho do outro. O artistamultimídia precisa entender de dança eo performer também não pode ser anal-fabeto em novas tecnologias. ''A criaçãoda dança-tecnologia não necessita daprestação de serviços de outras áreas,ela carece de verdadeiros projetos co-laborativos,pois as artes funcionam eno-veladas': diz. Desde 1996, Ivani traba-lha com o músico Fernando Iazzetta,pesquisador da relação música-novastecnologias.

O coreógrafo norte-americano Mer-ce Cunningham faz parte do título do

Outra cena do espetáculo: "Os bailarinostrabalham com seus corpos e cada corpo é único",diz Cunningham, na ativa até hoje, aos 83 anos

livro porque é um dos grandes respon-sáveispor toda essa abertura na dança,pela inserção dessa arte no mundo con-temporâneo. Inovador desde os anos50, autor de frases como "os bailarinostrabalham com seus corpos e cada cor-po é único", Cunningham está na ativaaté hoje, aos 83 anos. Criou o processodo acaso,mudou a forma de o corpo sertrabalhado, decretou que os bailarinospoderiam dançar em qualquer pontodo espaço. E desde 1989 anda às voltascom o mundo digital.

Quando se interessoupeladança-tec-nologia, em 1994, Ivani não tinha nemcomputador. Naquele período, já haviatrabalhos na Austrália, no Japão, nosEstados Unidos, segundo pesquisa fei-ta por ela. No país, não havia nenhumabibliografia disponível, nem estudo di-vulgado. Esse foi um dos motivos pelosquais a autora buscou o Departamentode Comunicação e Semiótica da Ponti-fíciaUniversidade Católica de São Paulo(PUC-SP). O resultado prático do tra-balho de Ivani é o espetáculo Gedanken,Dança Imagem Tecnologia.

Uns acreditam que a tecnologiapode acabar com a dança. Outros, queela é a salvadora da pátria. Ivani tentaentender esses opostos, nessa forma dedança que acende paixões. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 83

J

• HUMANIDADES

84 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

HISTÓRIA

Tese revela como Jean-Baptiste Oebret quis,com sua obra, traçar uma biografia do Brasil,país que ele admirava com ímpeto iluminista

CARLOS HAAG

Feche os olhos e crie, na ima-ginação, sua imagem do Riodos tempos coloniais: aposto

. como serão as gravuras de[ean- Baptiste Debret (1768-

1848), com seus negros, chafarizes, no-bres de casaca e senhorinhas em liteirasque virão à sua cabeça. Apesar de povo-ar o nosso imaginário, o que, em verda-de, conhecemos sobre ele e sobre a obraonde estão todas aquelas figuras, a Via-gem Pitoresca e Histórica ao Brasil, pu-blicada pelo artista entre 1834 e 1839?A tentação é classificá-lo como maisum dos inúmeros viajantes estrangei-ros que vieram ao país para descreveraos europeus seus exotismo e atraso.

"Ele, ao contrário dos outros, ama-va de verdade o Brasil e o conheceuprofundamente durante os 15 anosque passou por aqui. Ao mostrar oscostumes brasileiros, quer associá-Iosa um projeto de correção de um terri-tório que, segundo ele, merecia estar

entre os grandes da Europa", afirmaValéria Alves Esteves Lima em sua re-cém-defendida tese de doutorado, pe-la Universidade Estadual de Campi-nas (Unicamp), A Viagem Pitoresca eHistórica de Debret: Por uma Nova Lei-tura, que contou com o apoio da FA-PESP. Nela, a pesquisadora revela queo trabalho magistral de Debret, deimagens e texto, era fruto de um pro-jeto pessoal do artista, que pretendia,bem mais do que documentar o país,escrever a "biografia do Brasil", basea-do em suas crenças iluministas (her-dadas do contato com o pintor Iac-ques-Louis David, seu mestre) e numaexperiência pessoal longa de conví-vio com a corte e o povo do Rio anti-go. Surge, então, o Debret historia-dor. "Ao invés de tomar as imagensque viu como dados que ilustram umaexperiência de viagem, Debret ela-bora um pensamento sobre o Brasil eautoriza suas imagens a falar para o

público, a partir de suas reflexões",observa Valéria.

"Assim, não é simplesmente umtrajeto ou uma estada que está a descre-ver, mas um projeto intelectual sobre amarcha da civilização do Brasil", ana-:lisa a professora. Ou, nas palavras dopróprio Debret: a marche progressivede Ia civilisation, como escreve o pintor-escritor no volume 2 da Viagem Pito-resca e Histórica. Filho do Iluminismo,para Debret a idéia de progresso era ir-reversível, mesmo que a realidade dian-te de seus olhos (e ainda mais diantedos nossos, por meio de suas litografias)não mostrasse o país do futuro, mas doarcaico. "Para ele, o ideal do avançopodia abrigar períodos de estagnação,mas eles seriam superados, a regene-ração, que é como ele se refere ao pro-cesso pelo qual o Brasil passava após achegada da família real ao Rio", afirmaa pesquisadora. "Era preciso ilustrar oshábitos e costumes antigos brasileiros

para que não houvesse dúvidas sobre oavanço da civilização, promovido pelaCasa de Bragança no Brasil."

Até mesmo porque há um gap entrea sua chegada ao país, em 1816 (aos 48anos, um artista maduro e preparado),com a missão francesa, e seu retorno àFrança, em 1831 (aos 63 anos) e osquase oito anos a que se dedica a prepa-rar, cuidadosamente, sua obra. A pro-fessora alerta para um aspecto de De-bret, em geral, esquecido: o texto queacompanha as imagens de Viagem Pito-resca. "Ele mesmo dizia que 'o que umdesvela, o outro complementa'. Se asimagens tinham vida autônoma, seusescritos falavam de como o Brasil haviamudado desde que desenhara aquelasimagens, de como houvera transforma-ção e progresso", nota Valéria. "Sem otexto, a imagem do Brasil que ele tãocarinhosamente registrou seria a con-trária do que ele pretendia." Detalhefundamental: Debret praticamente não

alterou, na Europa, as aquarelas que fi-zera no país em sua estada. Mais umavez transparece o historiador ao ladodo artista. Mas um historiador algo par-cial e envolvido em demasia no tema.Preocupado com seu projeto brasileiro,faz uma triagem do material, selecionao que interessa para provar sua visão dofuturo do país e, para divulgar aindamais suas idéias, transforma as aquare-las em litografias, meio de difusão maisbarata e ampla. O mundo precisa co-nhecer o Brasil que ele amava.

Modernidade iluminista - Mas esseamor nacional tinha raízes profunda-mente européias. Nascido em Paris em1768, Debret freqüentou o ateliê de Iac-ques- Louis David, onde aprende que,na modernidade iluminista, o ideal ar-tístico estava na tríade arte, política ehistória. "Ele aprendeu com David quea arte precisa atender às necessidadesdo momento e que o artista é, neste

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 85

sentido, responsável pela ade-quação entre arte e história', ob-serva Valéria. "O Debret historia-dor aparece, então, no momentoda elaboração dos textos e na or-ganização do material para pu-blicação", avalia. "Nesta etapa,que é a da explicitação de suaimagem do Brasil, Debret se es-força por dar aos seus registrosum atualidade histórica que elesjá não mais possuíam e que po-deria comprometer o conteúdodesejável para sua tese."

David também era um dosepígonos da arte-testemunhal daestética neoclássica: o artista ti-nha que presenciar, sempre quepossível, o que retratava. Paramostrar Marat morto em sua ba-nheira, era preciso vê-lo no ba-nho de sangue. A história pinta-da no seu momento.

no que ele irá se apropriar dos fa-tos e acontecimentos importantespara suas obras históricas': diz."Assim, em sua interpretação dapopulação brasileira, ele pratica-mente abandona a idéia de umapopulação selvagem e exótica.Sua avaliação do brasileiro não éa de um indivíduo marcado poruma relação constante e diretacom a natureza."

~

iáS' a natureza, sóaparece enquantopassível do domí-nio da ação dohomem, modifi-

cada, domada pelo progresso.Suas imagens dos nativos é frutode seu projeto: de início, apare-cem em sua aparência exótica eprimitiva, mas, ao longo dasimagens (e, logo, do tempo),prefere retratar os índios modi-ficados - e, em seu ver, "melho-rados" - pelo contato com a ci-vilização. Quando mostra tabase artefatos, é apenas para que oleitor sinta como aquele estágiojá foi superado pelo progresso.

"Segundo a sua leitura, a ci-vilização era a superação de umestágio natural que impedia o

avanço das qualidades inatas do brasi-leiro. Daí a urgência de organizar seupassado histórico, arranjado, nos volu-mes de sua Viagem, de forma a tornarevidente ao europeu essa trajetória ine-vitável rumo ao progresso do Brasil",nota a pesquisadora. "O primeiro volu-me de Viagem foi dedicado aos indíge-nas, estágio de não-civilização, mas, aomesmo tempo, ponto de origem da po-pulação civilizada: é a partir do selva-gem que o pensamento iluminista deDebret vai interpretar o avanço da civi-lização no Brasil", diz. Nada mais ade-quado, afinal, para comprovar, por meiodo poder do tempo, o ideal do progres-so irreversível, mesmo nas piores con-dições iniciais.

Da mesma forma, a paisagem desa-parece sempre que pode prejudicar aleitura que deseja que suas imagens te-nham pelo público europeu. ''A nature-za, espaço a partir do qual a idéia dohomem brasileiro se constituiu entre amaioria dos viajantes e intérpretes dopaís, era para ele o domínio do homemcivilizado. Sua riqueza e seu caráter sel-

Realidade brasileira - Nas pega-das do mestre, Debret transfor-ma-se em um pintor de cenashistóricas e essa será sua sorte aochegar ao Brasil com outros cole-gas franceses: entre todos, seráele, por causa dessa escolha, queterá o acesso garantido aos pode-rosos que desejavam se ver retra-tados na posteridade. Ganhou comisso muitos desafetos entre os pares daFrança que se sentiam fragilizados di-ante da eminência adquirida pelo pin-tor. Isso ajudou a alavancar ainda maisa carreira de um artista que chegava aoBrasil para ensinar o métier que domi-nava em terras européias. Em 1826,transformou-se na alma da Academiade Belas Artes. "Foi, então, adquirindoum conhecimento crescente sobre osproblemas e reformas do país, que vãolhe dando uma visão bastante boa darealidade do Brasil. Debret conversavacom monarcas, ministros, políticos e,ao mesmo tempo, recebia alunos de di-ferentes partes do país que lhe conta-vam detalhes de regiões que não co-nheceu, mas pôde descrever em seulivro': relata Valéria. "Também contoucom o auxílio de viajantes europeus,mas, ao contrário deles, teve uma expe-riência pessoal muito mais longa e nãose restringiu à mera descrição de cenasdo cotidiano, mas refletiu sobre elas."

Mais uma vez, a presença de David:o que vemos nas suas imagens não é a

Negro Vendedor de Flores: umavisão "confortável" da escravidão

cópia do real, mas a verossimilhançaque atesta a presença do pintor naque-le momento. Há uma sutil complexida-de nesse retrato quase fiel das ruas e dacorte, que parece se movimentar diantede nossos olhos, mesmo após séculos,mas, ao mesmo tempo, é fruto de umaopção consciente do pintor, ligada in-trinsecamente ao seu projeto de visãodo futuro da nação. Diderot, outro ilu-minista, já alertava para as "libertina-gens da razão': o pensamento que sequer racional e preciso, mas cede aoideal. "O vínculo com o real é apenasum dos aspectos da composição, cujoresultado incorpora um longo trabalhode reflexão e uma bem traçada rede deintenções': afirma Valéria.

Pequena traição - Daí, então, a peque-na traição do ideal em suas imagensdos índios brasileiros, que ele poucoviu e cujas pinturas não se enquadramno papel "testemunhal" de David. "Eleos conheceu por relatos de outros e porvisitas a museus, onde pôde ver artefa-tos e roupas. É a partir do espaço urba-

86 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

~~-------------------------------------------------------------------------------------------------------

Interior de Casa de Ciganos: retratos queatestam a presença testemunhal do pintor

vagem e indomado deveriam, também,servir às suas necessidades, seja comoespaços para cultivar, seja como mode-los para pintura de paisagem e de histó-ria': observa a pesquisadora. Mesmo nafloresta mais exótica e pitoresca, o ho-mem civilizado é mais forte.

Senhores e escravos - Há, no entanto,nesse ideal de progresso algo retrógradoaos nossos olhos modernos, um senti-mento inaudito de respeito pelos ne-gros. "Tudo assenta, pois, neste país, noescravo negro",escreve Debret. Mais doque nunca, funciona em Viagem o re-gistro do desejo de retratar fielmente"o caráter e os hábitos dos brasileirosem geral" e, dessa forma, seria impos-sível enxergar o negro em outra pers-pectiva que não a da sua suprema im-portância na maioria dos costumes edas atividades da colônia. "Há na re-presentação iconográfica dos negrosuma força física e moral que sobreviveaos comentários denegridores de De-bret. O modelo clássico que usa pararetratá-los eleva-os aos olhos de quem

vê suas gravuras", observa a autora.Para o artista francês, preocupado como futuro brasileiro, a miscigenação dasraças tinha uma função fundamental,pela reunião da força física dos négrose o "intelecto superior" dos brancos.Graças também a ele percebemos a in-timidade entre senhores e escravosdentro da casa senhorial, cujas conse-

o PROJETO

A Viagem Pitorescae Histórica de Debret: Poruma Nova Leitura

MOOALIOAOEBolsa de doutorado

ORIENTAOORROBERT WAYNE ANDREW SLENES -Instituto de Filosofia e CiênciaHumanas/Unicamp

BOLSISTAVALÉRIA ALVES ESTEVES LIMA -

Instituto de Filosofia e CiênciaHumanas/Unicamp

qüências foram tão bem descritas porGilberto Freyre.

Entretanto, na questão da escra-vidão, o historiador bem-intencionadocai numa rede de contradições entreseu discurso e crenças e a realidade ter-rível. "Nosso imaginário desse mundoganha um aspecto confortável pelasgravuras de Debret", diz Valéria.Assim,mesmo ao retratar um escravo castiga-do de forma realista, texto e imagem seharmonizam em função do projetomaior do iluminista: a cena é hediondae choca, mas o texto afirma que a penaa que o escravo é submetido no troncoestava dentro dos limites da lei. O libe-ralismo de Debret elevado ao extremoentra em choque com sua visão do real.

"Ele acaba por criar, como histo-riador, uma realidade ideológica con-fortável, nos querendo fazer acreditarque estávamos diante de um país emformação e que se preparava para o fu-turo", conclui a pesquisadora. Dois sé-culos mais tarde, Stefan Zweig, em OPaís do Futuro, tentaria mostrar o mes-mo. Sem grande sucesso. •

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 87

J

• HUMANIDADES

11 ENTREVISTA: CARM EN MARTIN

De volta à vidaCentro ti ra atividadede medicina legal do limbo aoprivilegiar ensino e pesquisa

NELDSON MARCOLIN

Odia 30 de junho de 1999marcou uma mudança deparadigma na medicinalegal brasileira. Nessa da-ta começou a funcionar

em Ribeirão Preto, São Paulo, o Centrode Medicina Legal (Cemel). A diferençaprincipal com outros centros é o fato deesse estar instalado dentro do campusde uma universidade - no caso, a deSão Paulo (USP) -, junto com o Servi-ço de Verificação de Óbitos do Interior(SVOI) e o Núcleo de Perícias Médico-Legais (NPML) da cidade, transferidospara lá. A pesquisa realizada na univer-sidade é, assim, estendida ao 1ML, fatoraro na história da medicina brasileira.A idealizadora do centro, Carmen Cini-ra Santos Martin, professora do Depar-tamento de Patologia da Faculdade deMedicina, lutava havia quase 18 anos pa-

88 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

ra tirar a especialidade do limbo. Seuinteresse ia além de ter um prédio me-

·lhor do que o decrépito e apertado necro-tério da cidade. "Eu queria aprimorar oensino da disciplina de medicina legal etorná-lo tão bom quanto os melhoresque existem no mundo", conta Carmen.

Isso ela ainda não conseguiu. Mashoje, quatro anos depois da inaugura-ção, Carmen começa a receber de voltaa atenção que dedica ao centro e à me-dicina legal. A edição de 10 de maio daNature trouxe duas páginas sobre o tra-balho realizado no Cemel. A revista seinteressou pelo distante centro de umpaís subdesenvolvido quando soubede um trabalho de Marco Aurélio Gui-marães, jovem pesquisador brasileirodo Cemel que fazia pós-doutorado naUniversidade de Sheffield, na Inglater-ra. Guimarães extraiu DNA (ácido de-

soxirribonucléico) de ossos e dentes develhas ossadas, algo difícil de se conse-guir mesmo nos melhores laboratóriosdo mundo.

Carmen colhe outros frutos de suaperseverança. O Cemel é referênciapara cidades brasileiras e ela é constan-temente convidada a dar assessoria emtodos os cantos do país para explicarcomo chegou a esse sistema de traba-lho com a medicina legal. O modelo docentro, um prédio com l.200 metrosquadrados, que hoje funciona com 30funcionários (incluindo o IML e o Ser-viço de Verificação de Óbitos do Inte-rior), serve de inspiração também parao Sistema Único de Saúde (SUS), quejá tem pronta uma minuta de lei sobrequestões de verificação da causa deóbito. Na entrevista a seguir, Carmenexplica a razão desse sucesso.

~~--------------------------------------------------------------------------------------------------------

Material enviado ao Cemel:tecnologia e um pouco de sorteajudam na identificação

• Como a revista Nature descobriu otrabalho de vocês?-- O pesquisador Marco Aurélio Gui-marães foi fazer o estágio de pós-dou-toramento na Universidade de Sheffield,na Inglaterra, realizando exame de DNAde ossadas de sítios arqueológicos eu-ropeus. Os resultados foram excelen-tes. Posteriormente aplicou a mesmatécnica em material enviado do Brasil.Os resultados também foram muitointeressantes e divulgados na impren-sa local, no Reino Unido. A Nature to-mou conhecimento e fez contato como Marco Aurélio para conhecer melhoros casos identificados. Da troca de in-formações entre o repórter da Nature,David Adam, e o pesquisador, resultouo interesse da revista em conhecer deperto a medicina legal da Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto, o mate-

rial do Brasil que estava sendo pes-quisado e o pesquisador responsávelpor ele. Trata-se do professor DanielMufioz, da Faculdade de Medicina daUSP de São Paulo, que foi o primei-ro entrevistado pela revista inglesa efalou do seu trabalho relacionado à iden-tificação de pessoas desaparecidas du-rante o regime militar.

• A reportagem foi feita aqui?-- O Marco Aurélio voltou em dezem-bro para Ribeirão Preto e ficou trocan-do e-mails com o repórter da Nature.Contou que trabalhava num centroemergente de medicina legal, mas quenosso país tinha dificuldades imen-sas nessa área. Aí o repórter veio paracá em fevereiro e ficou dois dias com agente, conhecendo o local e pergun-tando tudo.

• A senhora é carioca. Como veio pararem Ribeirão Preto?-- Vim para fazer pós-graduação. Cur-sei medicina na Universidade de Bra-sília iniciando no começo dos anos70. Terminei a faculdade e fiz residên-cia médica em patologia. Lá pelo ter-ceiro ano quis largar a medicina, por-que não gostava de lidar com pessoasdoentes. Então um dos meus profes-sores disse: "Ah, vá trabalhar com mor-tos': Achei ótima idéia e no quarto anojá estava fazendo estágio em medicinalegal. Nunca mais saí da área. Quandoterminei a residência, queria dar aulas,seguindo a tendência da minha famí-lia. E queria dar aula sobre violência,um assunto que me fascinava. EscolhiRibeirão Preto porque era a melhorpós-graduação em patologia no Brasil.Aliás, não era a melhor, era a segunda

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 89

Quando auniversidadeestá junto, amedicinalegal funcionamelhor

melhor. Só que a primeira, a de Salva-dor, eu não consegui cursar. Fui até lá,fiza inscrição,só que eu era a única can-didata naquele ano e não fui aceita.

• A senhora queria fazer carreira do-cente em que, exatamente?- No que eu podia fazer, que era pa-tologia. Eu era patologista, mas tinhainteresse em medicina legal. Escolhipatologia porque trabalha com cadá-ver.Era a única forma de aprender a li-dar bem com o assunto, para depoisaplicar nas questões sobre violência.Como não existia mestrado, doutora-do e residênciamédica em medicina le-gal, nem mesmo umcursinho de especiali-zação dentro das uni-versidades, optei pelapós em patologia. Naverdade, eu poderia atéfazer o concurso paraa polícia, que é ondeos legistas aprendemno Brasil, mas nãoqueria me envolverem Academia de Polí-cia. Em Ribeirão Pre-to, os professores to-dos me entrevistarampara ver se me aceita-vam na pós. Eu fui cla-ra: disse que não gostava de patologia,mas de medicina legal. Aí me pergun-taram: "O que você esta fazendo aqui,então?". Mas um deles, que acabousendo meu orientador para o mestradoe para o doutorado, professor José Al-berto Melo de Oliveira, folheou meucurrículo e disse: "Espera aí, você gos-ta mesmo de medicina legal?".Eu con-firmei e ele me ajudou. Acabei fazendomestrado e doutorado com assuntosde medicina legal, dentro do Departa-mento de Patologia.

• Agora, tantos anos depois, a senhorapretende montar o primeiro curso depatologia forense. Como vai ser?- No Brasil não existe ainda residên-cia médica em medicina legal funcio-nando. Pretendemos fazer uma ponteentre a patologia e a medicina legal, naFaculdade de Medicina aqui de Ri-beirão Preto, criando o quarto ano deresidência em patologia forense, que éparte da medicina legal. Estamos emnegociação dentro do Departamentode Patologia.

90 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

• Então, o mestrado e o doutorado emmedicina legal vai ser de patologia fo-rense, que nada mais é do que parte damedicina legal, certo?- É isso. Eu não quero sair do Depar-tamento de Patologia, que é excelente.É só uma questão de nomenclatura,quem quer trabalhar, trabalha, inde-pendentemente do nome da especia-lidade.

• Por que sempre houve dificuldade emensinar medicina legal no Brasil?- Em primeiro lugar, não existe for-mação de médico legista. Qualquermédico, com qualquer formação, pode

fazer hoje o concur-so para médico legis-ta. Ele faz o concursosó lendo teoria. NaAcademia de Polícia- estou falando doEstado de São Paulo-, esses candidatossão treinados duran-te aproximadamen-te um mês. Eles têmque largar tudo, fa-mília,outros afazeres,etc. Muitos desis-tem. Após esse trei-namento iniciam aatividade profissional

realizando exame necroscópico e de le-são corporal em pessoas vivas.

• O que eles aprendem a fazer é um tra-balho meramente impressionista? -Ape-nas descrevem o que vêem, como qual-quer pessoa faria?- É mais ou menos isso. Não é à toa'que a qualidade da medicina legal noBrasil é péssima. Ela só é boa na medi-da em que o indivíduo que a faz é umprofissional muito bom, por méritopessoal.

• O Instituto Nina Rodrigues, de Salva-dor, para onde a senhora gostaria de terido, também é assim?- Lá é mais ou menos igual, assimcomo no Brasil todo. A diferença é queem Salvador há um ambiente maisaberto. Até me inspirei no prédio doInstituto Nina Rodrigues para pensarnas coisas aqui. O instituto lá já foi,em tempos passados, melhor. Ainda é amelhor estrutura do Brasil. Porque apessoa que construiu o prédio, a profes-sora Maria Teresa Pacheco, é uma vi-

sionária. Construiu um belo edifício de5 mil metros quadrados. Na época daconstrução, a universidade estava jun-to com o IML. O que faz a medicinalegal avançar é a universidade. Quan-do ela está junto, funciona melhor.Quando está separada, a qualidade caipela falta de pesquisa.

• A senhora inspirou-se em quais cen-tros para criar o Centro Médico-Legal(Cemel)?- Portugal tem o modelo que eu con-sidero ideal. Mas, no Brasil, Salvador eBrasília têm também uma impor-tância grande, porque são mais aber-tas. Como aluna, ia ao Instituto Médi-co-Legal e podia andar pelo prédio àvontade. Isso em pleno regime militar.Essas coisas só aconteciam porque auniversidade abriu o espaço. MariaTeresa Pacheco, hoje professora titularaposentada, permitia que o aluno deSalvadorvisse a medicina legalpor den-tro e não apenas em teoria. Em Brasí-lia era igual.

• Por que o modelo do Cemel é diferente?- Porque nós convidamos o IMLpara vir para a universidade e traba-lharmos juntos, principalmente napesquisa. Hoje já temos quatro médi-cos legistas de Ribeirão Preto com pós-graduação concluída ou em andamen-to e suas pesquisas foram motivadaspelo trabalho que realizamos em con-junto. Essa é a grande diferença. Issofoi possibilitado por pesquisadoresda Faculdade de Medicina de RibeirãoPreto. Quem teve a coragem de assi-nar um cheque de R$ 600 mil para acriação deste centro foi o professorJosé Antunes Rodrigues, que é um dosmaiores pesquisadores que nós temos,e ex-diretor da faculdade.

• Como foi esse processo?- Um dia, por volta de 1996, eu che-guei para o professor Antunes e disseque já estava nesta escola há quase 15anos e nunca havia levado aluno à salade necrópsia do IML de Ribeirão. E quejamais levaria. O IML tinha uma salaterrível, pequena, extremamente feia,mal preparada. A medicina legal já lidacom tudo muito triste, tudo muito feio- feio para os outros, para mim é bo-nito - e não podia levar um aluno queestava pensando em fazer outra espe-cialidade para um lugar desse. Eu que-

ria trazer os alunos para a me-dicina legal, seduzi-Ios para aminha especialidade e não es-pantá-Ios. Se os levasse paraaquele necrotério, nunca maisiriam querer saber de medici-na legal. Passei 18 anos dandoaula com figurinha. Até diziapara eles: "Se vocês quiserem irao IML de Ribeirão, podem ir,mas eu não levo vocês". Eudisse para o professor Antunesque não continuaria traba-lhando daquela maneira, queiria fazer outras coisas, e eleacabou por encampar o proje-to do Cemel.

• Por que Portugal serviu deinspiração?- Lá, o professor universitá-rio, obrigatoriamente por leifederal, tem de ser o diretor doIML. É um sistema muito maisavançado que o nosso. O dire-tor não pode ser da carreira dapolícia. Nem tem polícia nomeio, porque o legista é filiadonão à Secretaria de Seguran-ça Pública, mas à Secretariade Justiça. Lida com a magis-tratura, é outro nível. Não temdelegado no meio. O pesqui-sador português Nuno Ro-drigues, da Universidade deCoimbra, especialista em medicinalegal, de renome mundial, sempre quevem ao Brasil, diz nas suas conferên-cias que não dá para concordar como sistema brasileiro, em que a máqui-na que pune é a mesma que investi-ga. Ele também é membro da AnistiaInternacional.

• Esse modelo de Portugal é parecidocom o inglês e com o norte-americano?- Eu copiei o modelo norte-ameri-cano num sentido e o português emoutro. No administrativo eu copiei oportuguês. Nos Estados Unidos, nãonecessariamente a universidade está demão dada com o IML. Por exemplo: euconheço muito bem o pessoal do Co-lorado, nos Estados Unidos. O chefedo serviço do IML não é professoruniversitário, mas cursou patologia. Aíestá a base de tudo: ele é patologista,em primeiro lugar. Depois ele vai fazerpatologia forense. Essa é a parte boa domodelo norte-americano, inglês e ca-

nadense. Mas a administração delesnão é tão boa quanto a de Portugalporque o IML não trabalha juntq coma universidade.

• Por que o sistema é melhor quando. chefiado por um professor?- Por causa da universidade. O pro-fessor preza a pesquisa.

• Mas não é um problema quando osmelhores quadros de pesquisa da uni-versidade se tornam também quadrosburocráticos?- O professor de medicina legal nãofaz pesquisa na área se não estiver acom-panhando o que ocorre dentro do IML.Essa é a grande questão que as pessoasnão entendem. Nos IMLs há profissio-nais competentes, mas se não têm for-mação em pesquisa, vão trabalhar demodo limitado. Estou junto com o IML,mas não administro o IML. Embora acarga administrativa seja realmentemuito grande, é preciso que alguém se

disponha a criar núcleos depesquisa em locais onde háensino e assistência e a inves-tigação científica não ocorrecomo deveria. Hoje tenho duasadministrações. Administro oCemel porque ele é da USP. Aoutra administração, tempo-rária, é a do Serviço de Verifi-cação de Óbitos do Interior(SVOI), que é uma unidadeda USP.

• É uma vantagem ter os cole-gas do IML aqui dentro?- É, porque agiliza todo otrabalho. É semelhante ao mo-delo usado pelos americanos.O americano faz isso, só quecom uma base melhor, porqueo médico que faz a verificaçãode óbito é o mesmo que exa-mina morte violenta.

• A formação de legistas emPortugal também é assim?- Não, em Portugal não é tãoboa. Nos outros países, a for-mação do médico legista é empatologia forense. Em Portugaleu encontrei essa grande falha,ou seja, o médico legista tam-bém faz a verificação de óbitosem ser patologista.

• Por que a lei de 9 de fevereiro de1998, editada pelo ex-governador Má-rio Covas, foi importante para vocês?- A lei anterior a essa dizia que o le-gista estava subordinado a um delega-do. Quem chefiava o legista era o poli-cial. O Mário Covas colocou no lugardo delegado um perito criminal ou ummédico legista. Esse cargo, na lei doCovas, é o do diretor da polícia técnica .Em cada gestão estaria um perito mé-dico ou um não-médico.

• Como é projeto de Políticas Públicas,financiado pela FAPESP?- Esse foi o segundo projeto do Ce-mel. A idéia é passar tecnologia e trei-nar o pessoal do IML de Ribeirão Pre-to e do SVOI. Quando começamos atrabalhar aqui, os advogados contesta-vam diariamente os laudos de dosa-gem alcoólica porque a metodologiaera inadequada. Aí pensei que o BrunoMartinis, um pesquisador muito bemformado já desenvolvendo projeto no

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 91

.J

pagamento de todo mundo que traba-lha aqui paga pela USP e uma partepela Secretaria de Segurança Pública.Agora, a verba da manutenção é mui-to pequena, que vem do SVOI. Tenhopor mês o total de R$ 4.489,00 paracomprar material de limpeza e fazertoda a manutenção do centro. Quandopreciso de móveis, ou de um pedreiro,a faculdade me dá. O IML não me dádinheiro nunca. Mas arrumamos ou-tras soluções para conseguir as coisas.O Hospital das Clínicas me emprestauma máquina caríssima, que é a reve-ladora de raios X. Ela não presta parao HC para tirar radiografia em pacien-te vivo, mas presta para tirar de osso,dá uma ótima qualidade. Então 'para'que eu vou comprar um aparelho deponta? Eu pego emprestado aqueleaparelho que é do HC. O material demanutenção desse equipamento é da-do pelo IML. Ele não pode me dar odinheiro, mas ele me dá o líquido, aschapas de raios X, etc. Somando tudo,tenho ajuda do Hospital da Clínicas,funcionários emprestados pela Secreta-ria Municipal, pela Secretaria Estadu-al, material do IML, e com isso monta-mos e mantemos o centro.

Aparelhos bonse técnicos bemtreinados sãouma garantiapara asociedade

Cemel (modalidade Jovem Pesquisa-dor, da FAPESP), poderia assumir olaboratório de toxicologia. O projetode Políticas Públicas, que está entrandona segunda fase,tem como objetivo trei-nar o pessoal técnico das instituiçõesparticipantes para fazer coleta deamostras para dosagem alcoólica, queé o exame mais pedido. São alguns pro-cedimentos muito básicos como, porexemplo, ensinar que há recipientespróprios para colher sangue. Uma vezcertificado que o treinamento ocorreude forma adequada, a instituição propo-nente, que é a Faculdade de Medicina,tem o compromisso de fazer a transfe-rência da tecnologiasofisticada para o ma-nuseio do cromatógra-fo, equipamento queprocessa as amostrasde sangue. O resultadofinal esperado é a efi-ciência dos procedi-mentos e a certeza deresultados fidedignos.

• Ou seja, vocês tinhamum problema de faltade tecnologia e de trei-namento.- O melhor aparelhona mão de técnicos nãotreinados não produz resultados. Quan-do eu digo que o trabalho é elementar,é porque tinha que ensinar a coletar, aguardar, a pôr na geladeira, etc. Hoje ocenário mudou completamente e ascoisas estão mais fáceis. O projeto fi-nanciado pela FAPESP é importanteporque não é possível imaginar, naépoca em que estamos vivendo, aindanão termos sanado esses problemastão primários. Ter equipamentos bonse técnicosbem treinados é uma garantiapara a comunidade.

• Como é o projeto do laboratório deDNA que vai funcionar no Cemel?- O laboratório será importante quan-do não conseguirmos fazer a identifi-cação odonto-legal, ou por uma pró-tese, ou pela ausência de um membro.Na região de Ribeirão Preto é muito co-mum encontrarmos ossadas durantea colheita de cana. O canavial é um lu-gar muito usado para esconder corposporque a cana, mesmo pequena, cobreo cadáver facilmente, que só é desco-berto quando a planta é colhida. O la-

92 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

boratório vai ajudar quando famíliasreclamarem os corpos e os métodos co-muns de identificação não forem sufi-cientes para resolver a questão. Aí entrao exame de DNA de osso.O projeto estápronto, mas falta equipar o laboratório.O problema não é montar o laborató-rio, o mais difícil é saber fazer. E isso oMarco Aurélio Guimarães sabe. Alémdisso, ele já tem a cultura médico-le-gal. Isso é importante.

• E como vocês poderão ajudar a identi-ficar as ossadas suspeitas de serem dedesaparecidos políticos durante o regi-me militar encontradas no Cemitério

Dom Bosco, em SãoPaulo?- Não existe só ummétodo de identifi-cação. Hoje só sefala em DNA, pare-ce que só existe isso.Mas não é assim. Ométodo mais fácil,mais elementar, omelhor deles, é aidentificação odon-to-legal. Sevocê temuma arcada dentáriatrabalhada, porquecolocaram amálga-ma, resma e ISSO es-

tá registrado, fica fácil identificaruma ossada. O mesmo ocorre compróteses. Eu tenho aqui umas duasdúzias de identificações feitas assim.Não tem como ter dúvida. Não é pos-sível um médico cirurgião colocaruma prótese na sua perna e na minhae elas serem iguais, tantas são as variá-

. veis. Nós vamos ajudar nessa identi-ficação por meio de exame de DNAquando formos solicitados.

• Quem banca o Cemel? É a USP?- A USP paga grande parte. Este pré-dio custou R$ 600 mil, pagos pela Fa-culdade de Medicina para termos umadisciplina de medicina legal. O dinhei-ro é da USP,mas saiu do orçamento daFaculdade de Medicina de RibeirãoPreto, não pedimos verba especial àuniversidade. Para pagar as despesascom material de limpeza, por exem-plo, há uma outra fonte, também daUSP, que é o SVOI, uma unidade dauniversidade, que está alojada aqui por-que é atrelada ao Departamento dePatologia. Esse serviço tem a folha de

• Onde a FAPESP entra?- O excelente laboratório de toxi-cologia, de responsabilidade do BrunoMartinis, foi montado graças a umprojeto de Jovem Pesquisador. Não temum tostão da universidade. No labora-tório há quase R$ 1 milhão em equi-pamentos financiados integralmentepela FAPESP,se somarmos tudo o queo Bruno ganhou com o projeto, alémda bolsa de Jovem Pesquisador. O Bru-no e o Marco Aurélio Guimarães tam-bém fizeram mestrado e doutoradocom bolsa da Fundação .

• Sem esse gerenciamento, então, seriamais difícil o Cemel funcionar?- É preciso sempre achar soluções ori-ginais. Pode parecer curioso, mas eunão me considero uma pesquisadora.Acho que sou uma estrategista, vamosdizer assim. Claro que publico trabalhosno exterior, oriento alunos em mestra-do e doutorado, sugiro boa parte daspesquisas que são feitas aqui. Mas aci-ma de tudo sou uma educadora. Respi-rei o mesmo ar da minha mãe - e atémorrer minha mãe foi uma das maio-res educadoras que eu conheci. •

o passo "a f r 'e n t e

As reportagensde Pesquisa FAPESPretratam a construçãodo conhecimentoque será fundamentalpara o desenvolvimentodo país.Acompanhe essaevolução sem perdernenhum movimento.

conhecimento

PesqeT~üisãFAPESP

www.revistapesquisa.fapesp.br

Complete sua coleção da revista: Tel: (11) 3038-1438

Você tem sede de quê?Estudo ressalta necessidade de gerenciamento dos rios brasileiros

ALDO DA C. REBOUÇAS

O a,utor do livroAgua no SéculoXXI, José Galizia

Tundisi, figura na gale-ria dos maiores limno-logistas do mundo, res-saltando-se tanto o rigorcientífico quanto profis-sional e o ineditismo dasua abordagem em meiotropical e subtropical,principalmente. Como limnólogo, desenvolvepesquisas sobre os mecanismos de funciona-mento de lagos, rios, açudes - as-sudd -, palavrade origem moura que significa represa d'água -especialmente.

Ao apresentar os problemas críticos resultan-tes da ação humana sobre o ciclo hidrológico ter-restre, o professor insiste nos alcances ambiental,social e econômico da gestão integrada e dinâ-mica de bacias hidrográficas, no Brasil, em parti-cular. A riqueza de informações disponibilizadaspelo autor possibilita avaliar a degradação da qua-lidade da água dos nossos rios, lagos, pantanaisou açudes, decorrente do vexatório quadro sani-tário das nossas cidades, principalmente.

Discute, também, os aspectos ambientais, eco-nômicos e sociais do uso múltiplo da água no mun-do, em geral, e no Brasil, em particular. Apresentao arcabouço institucional/legal vigente no Brasila partir da Constituição de 1988, principalmentea lei nv 9.433/97 (conhecida como Lei das Águas),a qual organizou o setor de planejamento e gestãodos recursos hídricos em âmbito nacional, introdu-zindo vários instrumentos de política para o setor.Como fato relevante e novo teve-se a promulga-ção da lei federal nO 9.984/00, que criou a Agên-cia Nacional de Águas (ANA), entidade regulado-ra da utilização das águas de domínio da União.

Professor titular do Departamento de Hidráu-lica e Saneamento da Escola de Engenharia de SãoCarlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP)e presidente do Instituto Internacional de Ecolo-gia (IIE), o autor enfoca temas ambientais, emgeral, e de recursos hídricos, em particular, ressal-tando a necessidade de gerenciamento integradoe dinâmico das águas que fluem pelos rios (blue

94 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

Água no Século XXI _ water flow) , das águas queEnfrentando a Escassez infiltrarn nos terrenos da

bacia hidrográfica em apre-ço e dão suporte ao desen-volvimento da biomassanatural ou cultivada (gre-en water flow), das águassubterrâneas, as quais ali-mentam as descargas dosrios durante os períodossem chuvas (gray waterflow), e reúso de água. In-siste sobre a necessidade de

uma organização institucional e gerencial da ofertae do uso cada vez mais eficiente da gota d'águadisponível, tanto nas cidades quanto nas indús-trias e na agricultura, principalmente.

O texto apresentado permite, portanto, umavisão conjunta, atualizada e necessária da gestãointegrada e dinâmica das águas do mundo, emgeral, e do Brasil, em particular, constituindo, semdúvida, excelente contribuição ao conhecimentoatual sobre o assunto. No Brasil, em particular,este livro vem preencher uma grande lacuna naabordagem especializada sobre um assunto an-tigo, mas polêmico, que é a gestão integrada e di-nâmica das águas em prol do desenvolvimentosustentável. Esse desenvolvimento implica é,claro, limitações impostas pelo estágio atual datecnologia e da organização dos três setores prin-cipais considerados nas últimas décadas no mun-do, em geral: (i) o sistema político ou de governo,também dito de primeiro setor, (ii) as empresasou segundo setor e (iii) a sociedade civil organi-zada ou o terceiro setor.

É evidente, certamente, que um mundo ondea pobreza é endêmica estará sempre sujeito a ca-tástrofes ecológicas e crises de água ou de outranatureza. No Brasil, em particular, embora se os-tente a maior descarga do mundo de água docenos rios, lutar pelo uso cada vez mais eficiente dagota d'água disponível é lutar contra a pobreza,pela vida, pela saúde e pela comida para todos.

José Galizia Tundisi

Editora RiMa / I1E

256 páginasR$ 38,90

ALDODAC. REBOUÇASépesquisador da Área de Am-biente e Recursos Hídricos do Instituto de EstudosAvançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP)

o Tempo Vivo da Memória:Ensaios de Psicologia SocialEcléa BosiAteliê Editorial219 páginas I R$ 38,00

Autora do celebrado Memóriae Sociedade: Lembranças de Velhos,a pesquisadora volta ao temada memória, desta vez discutindo

o que nos liga às coisas, aos lugares, às pessoas.Para dissecar o tema, Ecléa Bosi revisita, com grandepertinácia, os grandes pensadores da memória,como Bergson, Benjamin, Asch e até Lukács, SimoneWeil e Gandhi. A memória aparece em suas váriasfacetas e caminhos.

Ateliê Editorial: (11) [email protected]

Leituras do Desejo:O Erotismo no RomanceNaturalista BrasileiroMarcelo BulhõesEdusp/FAPESP248 páginas I R$ 31,00

I I1m:uslODUql

Quando Bosch pintava as delíciasdo jardim, em boa parte reprovavatoda a luxúria que tão bem retratava.

O mesmo parece ter acontecido com a latente sexualidadedos escandalosos romances naturalistas, como A Carne,de Júlio Ribeiro. Segundo o autor, os críticose os personagens de ficção dessas obras compartilhariamos conflitos e culpas sobre a matéria erótica.

Edusp: (11) 3091-4150/[email protected]

O Complexo Industrialda Construção eHabitação EconômicaModerna 1930-1964Maria Lucia Caira Gitahye Paulo Xavier Pereira(orqanizadores)RiMa Editora IFAPESP169 páginas I R$ 32,00

Fala-se muito no impacto das inovações tecnológicasno setor norte-americano da construção nos anos 20, masnos esquecemos do impacto da revolução das pesquisasde novas técnicas de construção no Brasil. Tema destaobra que mostra a contribuição da indústria do cimentoe o desenvolvimento do concreto nessas três décadas.

RiMa Editorial: (16) [email protected] ou [email protected]

Retratos MachadianosAna Salles Mariano e Maria RosaDuartede Oliveira (orqanizadoras)Educ/FAPESP353 páginas I R$ 44,00

A idéia do livro, em si, daria umconto de Machado de Assis: umareunião dos grandes machadianos,cada um com sua especialidade para

um notável e brilhante entrecruzamento de informaçõessobre o grande escritor brasileiro. O resultado são váriosartigos que trazem subsídios fundamentais para um novoentendimento de Machado. Entre os textos: "Machadode Assis e a Filosofia", de Silvia Maria Azevedo; "O NarizMetafísico ou a Retórica Machadiana", de Ismael Cintra.

Educ: (11) [email protected]

João GuimarãesRosa e a SaudadeSusana Kampff LagesAteliê Editorial I FAPESP188 páginas I R$ 25,00

Susana Kampff Lages descobriu, noimenso sertão da obra de Guimarães,uma vereda pouco estudada e das maisinusitadas: a idéia de saudade presente

em suas obras, que, segundo a pesquisadora, consegue,mais uma vez, levar o mundo regional do escritor mineiropara o universal, para o real e o histórico. Para tanto,ela trabalha com um gap temporal, ou melhor, com umacuriosa -inter-relação entre presente, passado e futuro.

Ateliê Editorial: (11) [email protected]

O Ateu Virtuoso......_....... Materialismo e Moral

em DiderotPaulo Jonas de Lima PaivaDiscurso Editorial I FAPESP364 páginas I R$ 30,00

Diderot adoraria o dilema colocadopor Paulo lonas Paiva neste estudo:como é possível harmonizar uma

moral com o pleno materialismo e o ateísmo, tão caros aorevolucionário pensador francês? O princípio da discussãocoloca a própria filosofia em questão ao mostrar que elapode andar por entre hipóteses contraditórias sempre que,bem ao jeito de Diderot, há a "libertinagem do espírito':

Discurso Editorial: (11) [email protected]

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 95

CLASSIFICADOS PeiqeTeCniiisaFAPESP

~Instituto de Botânica

SECRETARIA DOMEIO AMBIENTE

~GO~lNO DO ESTADODE

SAO PAULO

PÓS-GRADUAÇÃOEM BOTÂNICA

o INSTITUTO DE BOTÂNICA, da Secretariade Estado do Meio Ambiente, única instituiçãonacional com especialistas em todos os gruposvegetais, inclusive fungos e cianobactérias, acabade ter o Programa de Pós-Graduação em Biodi-versidade Vegetal e Meio Ambiente, níveis mes-trado e doutorado, aprovado pela Capes para iní-cio em 2003. O objetivo do programa é formar eaperfeiçoar profissionais para interpretar as situ-ações de impacto ambiental que afetam a vegeta-ção, visando à sua preservação ou recuperação eenfrentando, para tanto, os desafios e avanços ci-entíficos e tecnológicos nas áreas de Botânica eMeio Ambiente. O mestrado terá duração de 24meses e o doutorado de 36 meses, ambos exigindoa participação em disciplinas na área, defesa dadissertação/tese, exame de qualificação e proficiên-cia na língua inglesa.

Áreas de Concentração:

• Plantas Avasculares e Fungos em AnálisesAmbientais;

• Plantas Vasculares em AnálisesAmbientais.

Os documentos necessários para as inscrições,os critérios para a seleção dos interessados, con-teúdo programático para a prova específica e ou-tras informações adicionais podem ser encontradosno site www.ibot.sp.gov.br, na Secretaria da Pós-Graduação do Instituto (Av. Miguel Stéfano,3031/3687 - Água Funda, SP), ou na Portaria IBt7, publicada no DOE em 14/09/2002. Dúvidaspodem ser tiradas pelo

e-mail [email protected] 5073 6300 - R.318.

96 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

• Anuncie você tambélT!.=.tel. (ll) 3838-4008 www.revistapesquisa.fapesp.br

UNICAMP

CONCURSO PARA DOCENTES

• Instituto de Geociências

o Instituto de Geociências (IG) realiza seleção públi-ca de provas e títulos, para preenchimento de umafunção docente, na parte especial do quadro docente,no nível MS-3, Regime de Tempo Parcial (RTP), peloperíodo de três anos.

Área: Geografia

Disciplinas: GF 802 - Planejamento Regional, GF 601- Geografia Regional (Teoria e Regionalização Mun-dial)

Inscrições: abertas até 17 de junho

Local: na Secretaria do IG, das 9 às 12 e das 14 às 17horas, de segunda a sexta-feira

Mais informações:http://www.sg.unicamp.br/concursos_ web/procsel!pdf/22P3 7582003. pdf

• Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

A Unicamp abriu concurso para o provimento de umcargo, em Regime de Tempo Parcial (RTP), de profes-sor titular.

Área: Movimentos Sociais e Sindicatos

Disciplina: HZ-844, do Departamento de Ciência Po-lítica do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Inscrições: até 11 de agosto

Local: Secretaria Geral da universidade, sala 14, nocampus de Barão Geraldo, das 9 às 12 horas e das 14às 17 horas

Mais informações:http://www.sg.unicamp.br/concursos_ web/procsel!pdf/OlP102882002.pdf

• Anuncie você também: tel. (11) 3838-4008 www.revistapesquisa.fapesp.br

OCIÊNCIAS-------------- ~

Processo Seletivo paraContratação de Docente

o Instituto de Geociências está recebendo,até 11/07/2003, inscrições ao processo seletivo

para contratação de dois professores,um na categoria de assistente

com salário inicial de R$ 2.983,64 (ref. abril)e outro na categoria de doutor

com salário inicial de R$ 4.173,14 (ref. abril),nas seguintes áreas:

Geologia do Petróleo e Sedimentologiae Geologia Geral - Sistema Terra,

Cristalografia Fundamental, Mineralogiae Mineralogia Industrial.

Informações na Seção PessoalTel.: (11) 3091.3968/4935 ou

http://www.igc.usp.br/htmlJeventos/editais.htm.

IPTInstituto de Pesquisas Tecnológicas

Oferece bolsas paramestrado, doutorado e pós-doutorado

o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ligado àSecretaria da Ciência, Tecnologia, DesenvolvimentoEconômico e Turismo do Estado de São .Paulo, lançadia 30 de maio o Programa IPT Novos Talentos. Se-rão anunciados 50 temas que o IPT considera impor-tantes dentro de seu planejamento estratégico, paraos quais busca parceiros acadêmicos interessados emorientar teses. O IPT oferecerá bolsas de mestrado,doutorado e pós-doutorado para 25 desses temas ebuscará recursos externos para bancar os demais.Os candidatos a uma das bolsas oferecidas poderãoinscrever-se a partir do dia de lançamento, selecio-nando um ou mais de um entre os 50 temas que es-tarão disponíveis no site do IPT (www.ipt.br). Infor-mações sobre o programa, como o valor das bolsas eo processo seletivo, podem ser obtidas através do en-dereço www.ipt.br/rh/talentos/ ou através do [email protected].

VAGA PARA PESQUISADOR

Posição para pós-doutoradoem projeto de

pesquisa na Amazônia Central

Projeto: Estamos selecionando um diretor de campo,pós-doutor, para o projeto da Parcela Dinâmica Flores-tal da Amazônia (PDFA). O PDFA é uma colaboraçãodo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa),do Center for Tropical Forest Science (CTFS), doSmithsonian Tropical Research Institute (STRI) , Louisi-ana State University (LSU) e da Universidade de SãoPaulo (USP), administrado pelo Projeto Dinâmica Bio-lógica de Fragmentos Florestais (PDBFF). O projetopretende estabelecer duas parcelas permanentes (25 ha)para estudo de dinâmica florestal na Amazônia Central.Serão priorizados os candidatos que tenham disponibi-lidade para iniciar os trabalhos antes de novembro de2003. As parcelas de Manaus seguirão a mesma meto-dologia já estabelecida em outras áreas pelo CTFS (veja:http://www.ctfs.si.edul). O diretor de campo será res-ponsável pela supervisão de todos os trabalhos de cam-po e pelos relatos das atividades aos coordenadores doprojeto. Os trabalhos de campo envolvem o levanta-mento topográfico, como também toda a fase de marca-ção, medição e identificação dos indivíduos lenhososcom mais de um centímetro de diâmetro dentro dasduas parcelas. Além disso, esperamos que o candidatoparticipe ativamente da análise dos dados gerados e daspublicações.

Perfil: Buscamos alguém com título de doutor em Botâ-nica, Ecologia ou disciplinas relacionadas, de preferên-cia experiência em Ecologia ou Botânica Tropical, quedomine inglês e português escrito e falado, com muitadisposição para trabalho de campo. É imprescindível adisponibilidade para morar em Manaus. O contrato ini-cial é para dois anos com possibilidade de prorrogação.

Inscrições: As inscrições devem ser enviadas por e-mailcontendo carta de apresentação e intenções (formatoPDF ou DOC), informações de contato de três pessoaspotenciais como referências e um currículo para RitaMesquita ([email protected]). Interessados devem en-viar suas inscrições até 25 de junho de 2003.

Coordenadores: Rita de Cássia Mesquita (Inpa); KyleHarms (LSU), Alexandre Adalardo de Oliveira (USP)and Liz Losos (CTFS)

Convênio: Inpa/USP/STRI/LSU/CTFS

Maiores informações: Alexandre Adalardo de Oliveirae-rnail: [email protected]

PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 97

98 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88

ir E F I N A L -'.~," ~,

CLAUDIUS

'"VOCE CONHECE

os tons de

Van Gogh,as harmonias de

Mozart,o lirismo de

Drummond,as formas de

Niemeyer.

'"VOCE DEVE CONHECER A CULT