COMENT RIOS AOS ARTS. 165 A 169 DO CTN...

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1 COMENTÁRIOS AOS ARTS. 165 A 169 DO CTN Igor Mauler Santiago * Art. 165. “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do art. 162, nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II – erro na edificação [rectius: identificação] do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento rela- tivo ao pagamento; III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão con- denatória.” BRANDÃO MACHADO 1 demonstra ser de Direito Público, e mais exatamente de Direito Tributário, a relação entre o Estado e o credor da repetição do indébito. Eis a sua lição: “Realmente, não é de hoje a controvérsia sobre se é de natureza tributária a relação entre o Estado e o credor da restituição do impos- to indevido. Já em 1924, na primeira edição de seu compêndio, Hen- sel chamava a atenção para o problema (...). Se o imposto não é de- vido, então o recolhimento do valor dele aos cofres do Estado não poderia significar o pagamento de uma dívida tributária. Constituiria apenas o recolhimento de dinheiro, cuja devolução poderia ser plei- teada por quem o tivesse feito, fundado numa relação de direito civil. Hensel concebeu, então, um critério, capaz de explicar a natureza tributária da relação (...). O que é decisivo para caracterizar a nature- za jurídica da relação é a causa em que se funda a prestação recebi- da pelo Estado. Se a prestação é recebida a título de imposto, inde- vido embora, a relação será de direito tributário. (...) Na verdade, a natureza jurídica da pretensão de quem repete imposto indevido é tributária, porque ontologicamente ligada à rela- ção de débito do tributo. Esta nasce da ocorrência in concreto do seu pressuposto, e a partir daí é que se realiza o recolhimento do seu quantum. O ato de pagar pressupõe uma obrigação que o Estado ou o credor da restituição, ou ambos, imaginam existente e, portanto, criada pela ocorrência do seu pressuposto. A pretensão do credor nasce, assim, in abstracto, no mesmo momento em que surge a o- brigação tributária, ainda que anômala (...). O recolhimento, ou já en- tão o pagamento indevido da obrigação legal, concretiza a pretensão do pagante de reaver o que pagou a título de tributo. São, portanto, pressupostos da pretensão, a preexistência de uma obrigação tribu- tária, obviamente ilegal, e o seu pagamento.” * Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela UFMG. Professor dos cursos de graduação e especialização em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos. Advogado. 1 Repetição do Indébito no Direito Tributário. In Direito Tributário: Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1994, p.63-64.

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COMENTÁRIOS AOS ARTS. 165 A 169 DO CTN Igor Mauler Santiago*

• Art. 165.

“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do art. 162, nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II – erro na edificação [rectius: identificação] do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento rela-tivo ao pagamento;

III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão con-denatória.”

BRANDÃO MACHADO1 demonstra ser de Direito Público, e mais exatamente de Direito Tributário, a relação entre o Estado e o credor da repetição do indébito. Eis a sua lição:

“Realmente, não é de hoje a controvérsia sobre se é de natureza tributária a relação entre o Estado e o credor da restituição do impos-to indevido. Já em 1924, na primeira edição de seu compêndio, Hen-sel chamava a atenção para o problema (...). Se o imposto não é de-vido, então o recolhimento do valor dele aos cofres do Estado não poderia significar o pagamento de uma dívida tributária. Constituiria apenas o recolhimento de dinheiro, cuja devolução poderia ser plei-teada por quem o tivesse feito, fundado numa relação de direito civil. Hensel concebeu, então, um critério, capaz de explicar a natureza tributária da relação (...). O que é decisivo para caracterizar a nature-za jurídica da relação é a causa em que se funda a prestação recebi-da pelo Estado. Se a prestação é recebida a título de imposto, inde-vido embora, a relação será de direito tributário. (...)

Na verdade, a natureza jurídica da pretensão de quem repete imposto indevido é tributária, porque ontologicamente ligada à rela-ção de débito do tributo. Esta nasce da ocorrência in concreto do seu pressuposto, e a partir daí é que se realiza o recolhimento do seu quantum. O ato de pagar pressupõe uma obrigação que o Estado ou o credor da restituição, ou ambos, imaginam existente e, portanto, criada pela ocorrência do seu pressuposto. A pretensão do credor nasce, assim, in abstracto, no mesmo momento em que surge a o-brigação tributária, ainda que anômala (...). O recolhimento, ou já en-tão o pagamento indevido da obrigação legal, concretiza a pretensão do pagante de reaver o que pagou a título de tributo. São, portanto, pressupostos da pretensão, a preexistência de uma obrigação tribu-tária, obviamente ilegal, e o seu pagamento.”

* Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela UFMG. Professor dos cursos de graduação e especialização em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos. Advogado. 1 Repetição do Indébito no Direito Tributário. In Direito Tributário: Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1994, p.63-64.

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Contra a crítica de que tributo indevido não é tributo, da qual decor-reria a impropriedade do tratamento da repetição do indébito no seio do Código Tributário Nacional (por não ser tema de Direito Tributário, mas de Direito Público em geral ou mesmo de Direito Privado), lembra ainda BRANDÃO MACHADO que o ato administrativo inexistente é tratado entre os atos administrativos2. Tanto isso é verdade que as causas e os efeitos de sua invalidade são reguladas pelo próprio Direito Administrativo, e não por outro ramo qualquer. Daí porque pensamos – a questão terá importância nos comentários ao art. 168 infra – que não há razão para excluir da cláusula “pagamento (...) de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável” a hipótese de inconstitucionalidade da lei instituidora3. De lembrar, a propósito, que o inciso I do art. 165 resulta da fusão, por redundância, de dois dispositivos cons-tantes do Anteprojeto RUBENS GOMES DE SOUSA: um com redação idêntica à do referido inciso, que já se refere, genericamente, a tributo indevido, e outro que previa a repetição de indébito no caso de “inconstitucionalidade da legislação tri-butária ou do ato administrativo em que se tenha fundado a cobrança, declarada por decisão judicial definitiva e passada em julgado, ainda que posterior ao paga-mento”4. Não há, assim, motivo para afastar do regime do Código a repetição dos tributos julgados inconstitucionais pelo STF, ao argumento de que – sendo inexis-tente a lei inconstitucional – de tributo não se trataria. O pagamento indevido, ou é tributo sempre, ou nunca o é. Vincada a natureza pública (e tributária) da relação entre o Estado e o credor da restituição, ficam afastados – sempre na lição de BRANDÃO MACHADO5 – os pressupostos privatísticos da condictio indebiti dos romanos, quais sejam: a necessidade de demonstração do erro do solvens e de prova do seu empobrecimento. Com efeito, a demonstração do erro e a sua justificação são irrele-vantes, tanto mais que o dispositivo, nos incisos I e II, dá idêntico tratamento aos erros de direito e de fato. Em suma, o erro do sujeito passivo pode ser de direito ou de fato, grosseiro ou justificável, e pode até mesmo não ter existido, que sem-pre haverá direito à restituição. A discussão simplesmente não tem cabida nos autos da ação de repetição. É o que leciona HUGO DE BRITO MACHADO6:

“O contribuinte pode ter pago voluntariamente, sabendo que o tributo era indevido, mesmo assim tem direito à restituição. Assim, pode o contribuinte pagar um tributo que entende indevido, para ob-ter uma certidão negativa de débito, ou mesmo para evitar uma ação penal, extinguindo a punibilidade do crime de sonegação fiscal. Mesmo nesses casos o contribuinte tem direito à restituição, desde que demonstre haver pago o que não devia.”

E mais: o pagamento indevido pode ter-se dado de forma voluntária, independentemente de prévia manifestação de descontentamento do contribuinte.

2 Op. cit., p. 75-76. 3 É o que também afirma, embora sem aplicar a conclusão ao problema do prazo de repetição dos tributos declarados inconstitucionais, CARLOS VALDER DO NASCIMENTO. Comentários ao Có-digo Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 439. 4 LEON FREDJA SKLAROWSKY, in Caderno de Pesquisas Tributárias n. 8 (Repetição de Indébi-to). São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 29 e 30. 5 Op. cit., p. 62, 66-67 e 76, dentre outras. 6 Temas de Direito Tributário II. São Paulo: RT, 1994, p. 195.

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Sobre a desnecessidade do protesto, consagrada no caput do dispositivo em tela, registra BRANDÃO MACHADO7:

“A referência do protesto prévio do sujeito passivo, por ocasião do pagamento do tributo indevido, é reminiscência do requisito de prova do seu próprio erro, como condição para repetir o indébito. Como alguns juízes poderiam exigir ainda a satisfação do requisito, a norma do Código teve de explicitar a sua desnecessidade. A falta de prévio protesto significava, para alguns julgadores brasileiros do pas-sado, que o contribuinte aceitava a imposição e, portanto, não tinha direito à restituição. Nesse sentido dispunha de modo expresso o Código Fiscal da Federação Mexicana na antiga redação de seu art. 26 (...).

(...) Na redação anterior do art. 26, o Código Mexicano estabelecia

uma restrição que contrariava um princípio adotado por todos os ou-tros sistemas jurídicos: concedia a devolução do imposto indevido, na hipótese de ter sido recolhido pelo solvens sem lançamento da autoridade fiscal, mas negava a restituição, se o imposto fora pago em razão de um ato do agente público, pois neste caso, por não ter sido impugnada a cobrança na oportunidade, a lei considerava que o contribuinte consentira na prática do ato ilegal (...).”

Com razão MISABEL DERZI, para quem é irrelevante até mesmo a confissão de dívida espontaneamente feita pelo sujeito passivo8:

“E se tiver havido confissão? Sabe-se que a obtenção de certos benefícios, como a moratória, a remissão parcial, etc., pode vir pre-cedida do reconhecimento da dívida. Nesse caso, que valor teria a confissão de dívida sem causa, feita pelo contribuinte, para obtenção de moratórias ou parcelamentos de dívida? Inviabilizaria ela o direito de repetir as quantias já pagas?

Evidentemente que não. (...) Quando um contribuinte, ignorando a correta interpretação da lei tributária, portanto supondo a existência de um dever jurídico, confessa a dívida, ele o faz apenas para obter o parcelamento. Se, posteriormente, o Poder Judiciário declara ilegal ou inconstitucional a cobrança daquele tributo, a confissão perde in-teiramente o seu objeto.

A confissão somente será fonte de dever tributário, se ela se re-ferir exclusivamente a fatos, de conhecimento do obrigado que, uma vez revelados, desencadeiam a incidência de norma tributária vigen-te e válida. A confissão jamais terá o condão de validar a cobrança de tributo sem suporte legal ou assentado em lei inconstitucional.”

A única exceção à regra da irrelevância do erro encontra-se no art. 162, § 4º, do CTN, referido no caput do dispositivo sob comento. É conferir:

“Art. 162, § 4º. A perda ou destruição da estampilha, ou o erro no pagamento por esta modalidade não dão direito à restituição, salvo nos casos expressamente previstos na legislação tributária, ou na-queles em que o erro seja imputável à autoridade administrativa.”

7 Op. cit., p. 76 e 67. 8 ALIOMAR BALEEIRO, Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. atualizada por MISABEL ABREU MACHADO DERZI. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 883.

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O pagamento com selo ou estampilha, de resto pouco utilizado nos dias correntes (exceção feita ao IPI sobre cigarros e bebidas), equivale juridica-mente a uma compensação. O contribuinte adquire títulos contra o Estado (os se-los) e com eles quita os seus débitos tributários, no momento em que se tornam devidos. A regra do art. 162, § 4º, é bem-vinda naquilo em que visa a evitar frau-des (a alegação de perda ou destruição para fim de pleitear a recuperação de es-tampilhas revendidas ou já usadas pelo contribuinte). Contudo, é excessiva ao punir o erro comprovado, que deveria dar ensejo à restituição. Para garantia do Fisco, bastaria a inversão do ônus da prova, adotando-se a não-restituição do selo como regra geral, mas permitindo-se ao contribuinte a prova cabal do erro (com afastamento de toda possibilidade de simulação). Tal como hoje redigida – em que se ressalva apenas o erro induzido pela Administração – a regra pode conduzir a situações injustas. Cabe ao prudente arbítrio dos juízes evitá-las ou repará-las, com apoio no princípio da razoabilidade. Se quanto ao erro o CTN foi quase totalmente coerente com a natu-reza pública da relação jurídica de repetição do indébito (optando pela irrelevância de sua demonstração e apenas o sancionando na hipótese pouco significativa do pagamento com estampilhas), o mesmo não se passa com o outro requisito da condictio indebiti do Direito Privado: a prova do empobrecimento do solvens, que, se não vale como regra geral, é na verdade exigida para toda uma categoria de tributos, aliás relevantíssimos do ponto de vista da arrecadação (aqueles que, por sua natureza, comportam transferência do respectivo encargo financeiro), sob pe-na de improcedência da restituição. Está-se a falar da regra do art. 166 do CTN, que será comentada oportunamente. A terceira causa de repetição, tratada no inciso III do art. 165, liga-se à superveniência do caráter indevido do pagamento, que era exigível quando foi realizado mas perdeu substrato jurídico com a reforma, anulação, revogação ou rescisão da decisão que o impusera. Tais modificações, lembra SACHA CALMON, podem versar sobre o an ou o quantum debeatur9. Tais alterações, no rigor do dispositivo, são aquelas provocadas pelo próprio contribuinte (que interpõe recur-so sem efeito suspensivo contra a decisão que determinara o pagamento, e sai a final vencedor na lide10; que pleiteia em juízo a anulação ou a revogação da deci-são administrativa que lhe determinara o recolhimento; ou que propõe e ganha ação rescisória contra a sentença ou o acórdão passado em julgado que dera ga-nho de causa à Fazenda Pública). SACHA CALMON11, numa leitura ampliativa, defende que “também as decisões administrativas finais com efeitos erga omnes (art. 100, II, do CTN) ensejam a restituição quando infirmam os critérios que foram utilizados para exigir o pagamento do tributo a posteriori declarado indevido pela própria Administração. Aliás, em rigor ético, a própria Administração deveria tomar a iniciativa, o que ra-ramente acontece, ao menos entre nós.” Para concluir, três observações sobre expressões constantes do ca-put do dispositivo: • ao mencionar a “restituição total ou parcial do tributo”, o legislador atenta para a circunstância de que o pagamento pode ser indevido no todo ou apenas em

9 Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 835. 10 Exemplo dessa situação é o absurdo art. 520, V, do CPC, que diz ter efeito somente devolutivo a apelação oposta contra sentença que rejeita liminarmente ou julga improcedentes os embargos à execução, aplicável ao executivo fiscal. 11 Op. cit., p. 835.

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parte, o que se dá, v.g., em caso de erro quanto à alíquota aplicável, de inconsti-tucionalidade de lei majoradora (mas de constitucionalidade da lei instituidora), de desconsideração de créditos que poderiam ter sido aproveitados, etc.; • o direito à restituição independe da modalidade de pagamento (em che-que, dinheiro ou vale postal – CTN, art. 162, I), exceção feita às estampilhas; • o direito é atribuído ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável), isto é, àquele que freqüenta a relação jurídica com o Estado, e não àquele que suporta o ônus respectivo. Pensamos, contudo, que a regra reclame temperamentos, para atender ao direito do substituído, no caso da substituição tributária para a frente no ICMS, de reaver o valor que o substituto pagou a maior em seu prol (com dinheiro por ele adiantado), em caso de venda da mercadoria por valor inferior à base de cálculo presumida12; ou do chamado contribuinte de fato do ICMS ou do IPI, para pleitear o reembolso do tributo indevidamente pago pelo contribuinte de direito que lhe foi repassado e que ele, por sua vez, não logrou trasladar adiante. Com efeito, é sempre dessas pessoas o legítimo interesse econômico (CPC, art. 3º) de estar em juízo, sendo o resultado da lide irrelevante para o solvens, que pagou mas se forrou previamente do ônus do tributo13 14. Sujeito passivo da ação de repetição do indébito será a pessoa jurídica detentora do poder de administrar o tributo (União, Estado, Distrito Federal, Município, INSS, etc.), mesmo que repasse uma parcela da arrecadação para outra ou outras15 (caso da União com o imposto de renda e o IPI, do Estado com o ICMS, etc.). Quando, contudo, o repasse se dá entre pesso-as jurídicas situadas no âmbito de um mesmo ente político, não é rara a propositu-ra da ação contra ambas as pessoas, em litisconsórcio passivo16. •••• Art. 166.

“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natu-reza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.

O dispositivo estriba-se na teoria que divide os tributos em diretos e indiretos. Estes últimos são suportados econômica e juridicamente pelos ditos contribuintes de facto, e não pelos contribuintes de jure, devendo, por expressa 12 Não ignoramos que o direito ao ajuste posterior da base de cálculo foi negado pelo STF na ADIn nº 1.851-5/AD (Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 23.10.98, p. 2), mas recordamos que a liminar fora deferida pela Corte, o que permitiu – pelo menos por um tempo – o exercício de tal direito, contra o qual opunham as Fazendas estaduais, entre outros argumentos, o da ilegitimidade ativa do substituído, para nós totalmente improcedente. 13 A esse mesmo respeito, BRANDÃO MACHADO (op. cit., p. 70) registra decisão, que critica, da Corte de Apelação do Rio de Janeiro, datada de 1907, confirmada em 1909, “na qual se admitiu que os locatários tinham legitimidade para repetir o imposto predial indevido, porque o contrato de locação lhes impunha a obrigação de pagá-lo”. Estamos em que a hipótese não contraria o art. 123 do CTN, que se aplica no momento da cobrança, e não da repetição do indébito. 14 Da nossa posição tampouco comunga TARCÍSIO NEVIANI, como se verifica em seu A Restitui-ção dos Tributos Indevidos, Seus Problemas, Suas Incertezas (São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 193-194), em que limita o direito de pleitear a restituição ao sujeito passivo. Concorda com ela, ao contrário, P. R. TAVARES PAES, Ações Fiscais (mandado de segurança, ação anula-tória de débitos fiscais e ação de repetição de indébito tributário). São Paulo: Saraiva, 1985, p. 26. No mesmo sentido, JOSÉ MORSCHBACKER, A Restituição dos Impostos Indiretos. Porto Alegre: Síntese, 1976, p. 80, e RICARDO LOBO TORRES, Restituição dos Tributos. Rio de Janeiro: Fo-rense, 1883, p. 17. 15 Nesse sentido, RICARDO LOBO TORRES, op. cit., p. 28. 16 Como se deu, por exemplo, nas ações que pleiteavam a restituição da contribuição social para o salário-educação, ao fundamento (rejeitado pelo STF) de sua inconstitucionalidade, as quais eram propostas contra o Instituto Nacional do Seguro Social, que a arrecada, e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, que se apropria do produto arrecadado.

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previsão legal e constitucional, ser destacados nas notas fiscais e ser submetidos ao princípio da não-cumulatividade. Encartam-se em tal categoria o ICMS e o IPI. Os primeiros, por repelirem a distinção jurídica entre contribuintes de fato e de direito, são suportados, do ponto de vista jurídico, por quem realiza o respectivo fato gerador (o contribuinte) ou pela pessoa posta pela lei na condição de responsável. Trata-se, como referido nos comentários ao art. 165, com apoio na doutrina de BRANDÃO MACHADO, da sobrevivência de um dos pressupostos das condictiones do Direito Romano: a necessidade de prova do empobrecimento do solvens, como condição para o deferimento da restituição do pagamento indevido. Em verdade, não se pode perder de vista que uma tal classificação só é aceitável do ponto de vista estritamente jurídico-formal, e mesmo assim para certos fins claramente determinados pelo Direito (por exemplo, para autorizar ou vedar a pretensão à repetição do indébito ou à compensação, nos termos do art. 166 do CTN). De fato, sob a óptica econômica, todo e qualquer tributo repercute no preço das mercadorias e dos serviços, pelo simples fato de ser considerado como custo na sua composição. Tal constatação econômica – de uma obviedade total – é moeda corrente na doutrina do Direito Tributário pátrio, como se pode ver dos testemunhos que se seguem. Para MISABEL DERZI17:

"Afirmar que tributos como o imposto de importação (II), o impos-to sobre operações de circulação de mercadorias e serviços de transporte e comunicação (ICMS), o imposto sobre produtos industri-alizados (IPI), o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) ou a contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins) são repassados ao consumidor final e não podem ser suportados pe-la empresa, porque independem dos resultados da pessoa e inte-gram o custo da atividade, é uma verdade econômica, que somente pode ser aferida segundo leis econômicas. O ordenamento jurídico, que não conflita com a realidade econômica, autoriza que tais tribu-tos sejam transferidos, pelo mecanismo dos preços das mercadorias e serviços, aos consumidores. Inexistisse a transferência, logo o en-dividamento e a insolvência comprometeriam a saúde financeira de toda a atividade econômica. Mas essa afirmação, que é simplesmen-te econômica para a maior parte dos tributos que oneram a pessoa independentemente do resultado da atividade, no caso do ICMS e do IPI, ao contrário, encontra apoio jurídico da Constituição brasileira."

No mesmo sentido, atesta JOSÉ MORSCHSBACKER18:

"A repercussão econômica, e nesse particular são unânimes to-dos os grandes mestre em economia financeira, como Pantaleoni, Seligman, Jèze, Hugon, Allix, Lindholm, Cosciani, Laufenburger, Recktenwald e outros, é propriedade comum, senão a todos, a quase todos os impostos, os quais, de uma forma ou outra, e dentro dos mais variados mecanismos oferecidos pela leis de mercado, repercu-tem economicamente.

17 Op. cit., p. 336. Grifo nosso. 18 Op. cit., p. 32-35.

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Essa presença generalizada da repercussão econômica, inclusi-ve nos impostos sobre o patrimônio e a renda, universalmente arro-lados entre os diretos, é fruto de uma atitude natural do contribuinte, colocado num sistema de economia liberal, ao promover o que se poderia denominar de auto-defesa: qualquer aumento de imposto traz, como conseqüência, uma correspondente acomodação da ativi-dade econômica do contribuinte, dispondo-a de forma a propiciar, na medida em que a lei da oferta e da procura o permite, a repercussão desse custo adicional.

(...) Mesmo num sistema de controle oficial de preços, o custo do im-

posto é normalmente considerado no preço de venda dos produtos, utilidades ou serviços vendidos."

Na mesma linha, ainda, SACHA CALMON19:

“É que a teoria da translação do ônus fiscal, bem estudada em seu aspecto econômico na Ciência das Finanças, é extremamente complexa. Os financistas são unânimes na assertiva de que todos os tributos incidentes sobre as organizações econômicas, inclusive o imposto de renda e os patrimoniais, são trasladáveis mediante o me-canismo dos preços e dos contratos. De igual modo, muita vez, as condições de mercado, estruturais ou conjunturais, forçam os agen-tes econômicos ao fenômeno da absorção dos custos fiscais.

(...) O erro está em afirmar que uns tributos comportam, e outros não

a possibilidade de transferência. Todos comportam! Veja-se o IPTU, que muitos, com erro, acham que é imposto real

(também não existe imposto real, todo imposto é pessoal). Não transfere o locador ao locatário, no contrato, o dever de pa-

gá-lo? Até o imposto de renda é transferível. As empresas, na contabilidade dos custos, incluem-no nos pre-

ços, se não pelo total, ao menos parcialmente. O imposto de renda das pessoas físicas, até ele, em certas cir-

cunstâncias, é transferível. Veja-se: os médicos não cobram mais ou menos conforme esteja ou não o imposto incluso no preço da consul-ta?”

Também TARCÍSIO NEVIANI demonstra a transferibilidade de todos os tributos, sejam diretos ou indiretos, para o preço dos produtos e serviços vendi-dos no mercado20:

"Basta fazer um simples exercício microeconômico de formação de preços para chegar à convicção de que também os tributos ditos diretos (como o Imposto sobre a Renda, o Imposto Territorial ou Pre-dial, o Imposto de Transmissão e Outros) podem ter o seu ônus inse-rido entre os custos de aquisição ou de produção do bem vendido ou do serviço prestado e, assim, terem os seus respectivos encargos fi-nanceiros transferidos a terceiros. Basta que uma atividade, em fun-

19 Op. cit., p. 835-837. 20 A Restituição dos Tributos Indevidos, Seus Problemas, Suas Incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 67-70.

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ção da qual se paguem tributos, seja lucrativa, para se perceber que o lucro é o que sobra após o pagamento de todos os custos e encar-gos, inclusive os tributos de qualquer natureza.

(...) A este respeito, cumpre lembrar a conclusão apresentada por

Krzyzaniak e Musgrave de que há substanciais evidências de um alto grau de translação de curto prazo do imposto sobre a renda das pes-soas jurídicas, o que retira toda validade científica à idéia de que os impostos diretos não se trasladam, idéia esta implícita a contrario sensu nas Súmulas nº 71 e nº 546 já mencionadas."

E essa irrefragável realidade econômica não poderia deixar de ter reflexos no campo do Direito. Assim é que o Direito Administrativo admite a varia-ção superveniente da carga tributária como motivo para revisão da tarifa do servi-ço público cuja execução tenha sido delegada a particulares, a fim de preservar a equação econômico-financeira do contrato. Leciona MARÇAL JUSTEN FILHO21:

“Ao elaborar sua proposta, o particular avaliará seus custos dire-tos e indiretos. Estarão abrangidos todos os encargos, inclusive os fiscais, desde que incidentes sobre as atividades referidas à execu-ção do objeto contratual. A dimensão da carga fiscal representa um dos elementos de avaliação de resultados a serem obtidos pelo par-ticular, pois produz elevação ou redução das vantagens e encargos assumidos pelo contratado. Logo, a variação dos deveres tributários não comporta tratamento jurídico específico distinto para exame do problema da equação econômico-financeira do contrato administrati-vo.

Obviamente, não seria cogitável o argumento de que a mudança das normas tributárias seria irrelevante por derivar de ato estatal. O conceito de ato do príncipe abrange inclusive as variações de ordem tributária. Aplicam-se as regras sobre restabelecimento da equação econômico-financeira a todas as hipóteses onde a elevação dos en-cargos do contratado for produzida inclusive por ato do Estado – in-dependentemente da natureza legislativa ou administrativa do ato es-tatal.

(...) Deverá reputar-se como relevante, para fins de equação econô-

mico-financeira do contrato administrativo, qualquer modificação da legislação tributária que afetar a carga fiscal relacionada com a exe-cução da prestação contratual.”

Evidentemente, não é apenas a majoração dos chamados tributos indiretos que justifica a revisão tarifária. Também a elevação da carga referente aos tributos diretos impõe o reajuste das tarifas, mecanismo de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, mesmo que estes devam em princípio (do ponto de vista jurídico, e não puramente econômico) ser suportados pelo con-tribuinte de direito. A lição de MARÇAL JUSTEN FILHO – que poderia ser confirmada pela lição da totalidade dos administrativistas pátrios e estrangeiros – comprova: a) a distinção entre os conceitos de tributo direto, que deve ser suportado pelo contribuinte de direito, e custo fiscal, correspondente ao ônus financeiro de

21 Concessões de Serviços Públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 147-148.

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todos os tributos – diretos e indiretos – incidentes sobre a atividade, levado em conta no momento da definição dos preços de mercado de produtos e serviços, sob pena de conduzir o agente econômico à bancarrota. b) o alcance limitado da teoria que reparte os tributos em diretos e indiretos, cuja aplicabilidade é restrita à interpretação do art. 166 do CTN22. É que os tributos tratados por esse dispositivo (art. 166 do CTN) – ao contrário de repercutirem difusamente do ponto de vista econômico, como se dá com os demais – têm a sua translação determinada pelo constituinte e pelo legis-lador, que contam com ela para estruturar o sistema da não-cumulatividade. Com efeito, como admitir que um contribuinte se credite do montante recolhido por ou-tro, a não ser admitindo e regulando detalhadamente o repasse, inclusive quanto ao seu montante? Outra prova do reconhecimento jurídico da translação dos tributos indiretos é o princípio da seletividade, que determina a variação da alíquota não segundo a capacidade econômica do contribuinte de direito, mas na proporção da riqueza do contribuinte de fato (quem consome produtos supérfluos mostra grande capacidade econômica, podendo arcar com imposto maior), na certeza de que o ônus tributário é repassado de forma nítida e identificável (e não de modo difuso, como nos tributos diretos) para este último. A possibilidade de o legislador autorizar ou até forçar a translação do imposto – que, de simplesmente econômica, passaria assim a ser jurídica – foi prevista já em 1897 por GRAZIANI, como informa TARCÍSIO NEVIANI23. É apenas a esses tributos – repita-se – que se refere o art. 166 do CTN. Não trata o dispositivo, pois, de simples transferência econômica, mas de verdadeiro repasse jurídico do ônus tributário, apenas possível, segundo JOSÉ CARLOS GRAÇA WAGNER24, nos "tributos por sua natureza não-cumulativos". Para MARCO AURÉLIO GRECO25:

"É forçoso concluir que o artigo 166 do CTN contempla hipóteses de tributos cujo fato gerador, pelas suas peculiaridades, vincula duas pessoas que nele encontram o elemento de aproximação."

Assim também pensa HUGO DE BRITO MACHADO26, para quem é necessária ainda a autorização legal da transferência feita pelo contribuinte à ou-tra pessoa envolvida. ZELMO DENARI, após classificar os fatos geradores dos

22 Da constatação de que todo tributo repercute, BRANDÃO MACHADO (op. cit., p. 81-101) extrai a conclusão da inconstitucionalidade, por arbitrário, do art. 166 do CTN, conclusão que sustenta em argumentos verdadeiramente fascinantes. Apesar disso, não entraremos na polêmica, por conside-rarmos irrealista a perspectiva de uma tal decisão por parte de nossos tribunais, especialmente porque o dispositivo é louvado por boa parte da doutrina nacional. Assim sendo, parece-nos mais útil, do ponto de vista puramente prático, concentrar os esforços na interpretação possível da regra, de resto freqüentemente invocada de forma indevida pelas Fazendas Públicas. Para o aprofunda-mento da discussão sobre a razoabilidade do art. 166 do CTN, sugerimos a leitura do artigo em comento. 23 Op. cit., p. 83. 24 Caderno de Pesquisas Tributárias nº 8 – Repetição de Indébito. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 95. 25 Caderno de Pesquisas Tributárias nº 8, cit., p. 282. 26 Caderno de Pesquisas Tributárias nº 8, cit., p. 246.

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tributos em pressupostos unilaterais e bilaterais, igualmente restringe a estes últi-mos o alcance da regra em questão27. Atento a essa realidade, já definiu o Superior Tribunal de Justiça a questão, sendo tradicional o seu entendimento no sentido de que28:

“Tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro são somente aqueles em relação aos quais a própria lei estabeleça dita transferência.

Somente em casos assim, aplica-se a regra do art. 166, do Có-digo Tributário Nacional, pois a natureza, a que se reporta tal disposi-tivo legal, só pode ser a natureza jurídica, que é determinada pela lei correspondente, e não por meras circunstâncias econômicas que po-dem estar, ou não, presentes, sem que se disponha de um critério seguro para saber quando se deu, e quando não se deu, aludida transferência.”

Nenhuma contradição há, portanto, em admitir o fato econômico da transferência do ônus financeiro dos tributos diretos para os preços dos produtos ou serviços comercializados pelo contribuinte e ainda assim reconhecer-lhe legiti-midade para pleitear a sua restituição em caso de pagamento indevido, limitando o alcance do art. 166 do CTN aos indiretos. Deveras, como leciona RICARDO LOBO TORRES29:

"Inclina-se o Supremo Tribunal Federal, por conseguinte, a rejei-

tar a repercussão indireta, absorvida nos custos empresariais, por entender que em tais hipóteses o tributo se dilui na margem de lucro e é suportado pelo solvens."

Mostra o Autor, forte no Direito Comparado, que a norma do art. 166 do CTN é criação da jurisprudência brasileira sem precedente em quase nenhum país do mundo30, havendo fortes razões a aconselhar a devolução do montante indevidamente pago a título de tributos diretos, mesmo em face da possibilidade (não certeza, como nos indiretos) de que o seu ônus tenha sido transferido pelo contribuinte ao consumidor final. Adverte, com apoio em GIULIANI FONROUGE, “que resulta sumamente perigoso relacionar o direito à restituição com o meca-nismo dos preços, tão flutuante e incerto, pois importaria em transformar cada demanda em um foco de problemas econômicos que conduziriam a situações da maior injustiça e também à impossibilidade de uma prova indiscutível"31. Questão instigante é a de saber se o PIS e COFINS não-cumulativos, regulados Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, sujeitam-se ou não ao art. 166 do CTN, em caso de pagamento indevido. Numa análise preliminar, sujei-ta a posterior aprofundamento, pensamos que não. Com efeito, no julgamento dos RREE n. 205.355-7/DF, 230.337-4/RN e 233.807-4/RN, todos relatados pelo Min. CARLOS VELLOSO (in DJ de 06.08.99), decidiu o Pleno do STF, contra o voto dos Min. MOREIRA ALVES, MARCO AURÉLIO E SYDNEY SANCHES, que a i-munidade do art. 155, § 3º, em sua redação original (que dizia que, além do ICMS e dos impostos aduaneiros nenhum outro tributo – e não nenhum outro imposto,

27 Caderno de Pesquisas Tributárias nº 8, cit., p. 145. 28 STJ, 1ª Turma, EAREsp. nº 189.618/SP, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 01.07.99, p. 130. 29 Op. cit., p. 20. 30 No mesmo sentido, BRANDÃO MACHADO (op. cit., p. 91-97), que faz menção expressa à juris-prudência alemã, italiana, espanhola, belga e suíça. 31 Op. cit., p. 25-26.

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como hoje – podia incidir sobre as operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País), não afastava a incidência de contribuições previdenciárias calculadas sobre o fatu-ramento ou a receita bruta das empresas, visto que o seu fato gerador não são as operações com as mencionadas mercadorias, individualizadamente consideradas (pressuposto bilateral), mas a totalidade da receita delas decorrente (pressuposto unilateral, ligado exclusivamente à economia interna de cada contribuinte). Tanto é assim que o PIS e a COFINS não-cumulativos não vêm destacados nas notas fis-cais de produtos e serviços, como o ICMS e o IPI, o que impede a prova do não-repasse a que alude o dispositivo em comento. Tenha ou não havido a translação, o contribuinte-adquirente calcula os seus créditos de forma indireta, multiplicando o preço que pagou pela alíquota definida na lei. • Art. 167.

“Art. 167. A restituição total ou parcial do tributo dá lugar à resti-tuição, na mesmo proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição.

Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar.”

A primeira parte do caput alarga o alcance excessivamente restrito do art. 165, que mencionava apenas a restituição do tributo. Com efeito, esclarece que a devolução do tributo indevido que foi pago com atraso, espontaneamente ou na esteira de autuação, abrange a dos consectários legais recolhidos junto com aquele (correção monetária, juros e multas de mora ou de lançamento de ofício). A regra é de uma lógica inatacável: se o tributo foi reconhecido como indevido, o seu não-pagamento não pode mais ser considerado ilícito, sendo descabidas as san-ções. Semelhante raciocínio aplica-se à correção monetária, não fazendo sentido falar-se em necessidade de preservação do valor real de uma dívida inexistente. A extensão é, todavia, ainda insuficiente, já que deixa de contemplar a restituição da multa indevidamente paga sem vinculação a qualquer pagamento indevido de tributo (pagamento de multa moratória em denúncia espontânea ou de multa isolada em virtude de infração formal na verdade não-verificada). A omissão é, sem embargo, tranqüilamente superada pela jurisprudência, que admite a repe-tição também nesses casos, com espeque nos princípios da legalidade e da tipici-dade das infrações. Para evitar todos esses questionamentos - e tornar mesmo desne-cessária a regra inscrita no caput do art. 167 - bastaria ao legislador complementar ter dito, no art. 165, que o sujeito passivo tem direito à restituição do crédito tribu-tário indevidamente pago, pois, como se sabe, o crédito tributário tem a mesma natureza da obrigação principal (CTN, art. 139), e esta inclui tributo e consectários (CTN, art. 113, § 3º). A única exceção à regra da repetibilidade dos consectários está na segunda parte do caput do art. 167, que põe a salvo a sanção pelo descumpri-mento de obrigação acessória não prejudicada pela causa da restituição. É que, como é cediço, para a obrigação tributária acessória não vale o aforisma de que acessorium sequitur principale. Dois exemplos auxiliam a compreensão: • um cidadão recebe no ano-base 2003 rendimentos tributáveis no valor de R$ 12.000,00 (abaixo, pois, do limite de isenção, de R$ 12.696,00). Recebe ainda

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R$ 30.000,00 por adesão a programa de demissão voluntária. Ignorando que tal verba é não-tributável, um fiscal da Receita Federal o autua em 2004 pelo não-pagamento do IRPF, aplicando-lhe ainda multa pela não-apresentação da decla-ração. Incorrendo no mesmo erro, a pessoa paga integralmente a dívida exigida. Nesse caso, a causa que determina a restituição do imposto (intributabilidade da indenização por adesão a PDV) acarreta também a descaracterização da infração formal, já que só está obrigado a apresentar declaração de rendimentos quem te-ve em 2003 rendimentos isentos, não-tributáveis ou tributáveis exclusivamente na fonte superiores a R$ 40.000,0032. • uma empresa omite parte de suas receitas, com o intuito de evadir, entre outros, o IRPJ. Descoberta, sofre autuação para exigência do imposto, juros e multa de mora, calculados com base nas receitas omitidas, consideradas em se-parado (na forma do já revogado art. 43, § 2º, da Lei nº 8.541/9233), bem como de multa pelo descumprimento da obrigação acessória de manter contabilidade fide-digna. Paga todas as exigências, mas depois se dá conta de que o imposto não era devido, já que no ano em questão tivera prejuízos capazes de absorver toda a receita omitida, e que a tributação desta em separado (isto é, sem recálculo da base tributável pela sua adição ao lucro real) é injurídica, já que tributo não é san-ção de ato ilícito (CTN, art. 3º). Nesse caso, terá direito à restituição do imposto, dos juros e da multa de mora, mas não daquela aplicada pela infração formal, que subsiste mesmo à falta de imposto a pagar (até porque a omissão de receitas gera evasão de outros tributos, como o PIS e a COFINS, v.g.). O parágrafo único determina a incidência de juros entre o trânsito em julgado da decisão que imponha a restituição e o seu efetivo cumprimento. Parte do princípio de que são juros de mora, e de que antes do trânsito em julgado da decisão condenatória não há falar em mora do Estado. BRANDÃO MACHADO34 noticia decisão da Corte de Cassação italiana, datada de 1963, determinando a incidência dos juros desde a data do pagamento indevido. O entendimento parece decorrer (o texto não desce ao detalhe) da atribuição de natureza compensatória a estes, apoiada na consideração de que, no pagamento indevido de tributos, o que se tem é a utilização temporária pelo Estado de dinheiro de terceiros. A solução é mais justa, e foi adotada pelo legislador federal no art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95, a saber:

“Art. 39, § 4º. A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títu-los federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensa-ção ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sen-do efetuada.” (grifo nosso)

A correção monetária, quando haja lei que a institua, incide desde a data do pagamento indevido, a teor da Súmula nº 162 do STJ. 32 Considerou-se, para simplificar o exemplo, que a pessoa em questão não incorreu em qualquer das demais hipóteses de obrigatoriedade de apresentação da declaração de rendimentos, como a participação em sociedades, a aquisição do status de residente no Brasil no ano anterior, etc. 33 Eis o seu texto: “Art. 43. Verificada omissão de receita, a autoridade tributária lançará o Imposto de Renda, à alíquota de 25%, de ofício, com os acréscimos e as penalidades de lei, considerando como base de cálculo o valor da receita omitida. (Artigo revogado pela Lei nº 9.249, de 26.12.1995) § 1°. O valor apurado nos termos deste artigo const ituirá base de cálculo para lançamento, quando for o caso, das contribuições para a seguridade social. § 2º O valor da receita omitida não comporá a determinação do lucro real e o imposto incidente sobre a omissão será definitivo.” 34 Op. cit., p. 93.

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• Art. 168.

“Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I – nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extin-ção do crédito tributário;

II – na hipótese do inciso III do art. 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a de-cisão condenatória.”

O artigo refere-se ao pedido administrativo ou judicial de restituição. O esgotamento da via administrativa não é condição de procedibilidade da ação judicial. O direito de acesso ao Judiciário é amplo (CF, art. 5º, XXXV). A primeira polêmica que suscita o dispositivo diz respeito à natureza do prazo fixado, se prescricional ou decadencial. O legislador parece tê-lo querido decadencial, ao falar em extinção do direito à restituição. As decisões judiciais, inclusive do STJ, referem-se aos dois institutos com freqüência praticamente igual. A doutrina também se divide. ALIOMAR BALEEIRO qualifica o prazo do art. 168 de decadencial35. RICARDO LOBO TORRES36 também o reputa decadencial (e prescricional o do art. 169). MARCO AURÉLIO GRECO e HELENILSON CUNHA PONTES37 qualificam-no de prescricional, afirmando que o pagamento indevido é lesão ao patrimônio do contribuinte, fazendo nascer para este ação reparadora (actio nata). No mesmo sentido vai BRANDÃO MACHADO, para quem a exigência ou o recebimento de tributo indevido é ato ilícito38. Eis a sua lição39:

“O art. 168 fixa prazo de decadência, quando na realidade se tra-ta de prazo de prescrição. Estabelece o artigo que ‘o direito de plei-tear a restituição se extingue com o decurso do prazo de cinco anos, contados da data da extinção do crédito tributário’. Esse defeito de linguagem ocorreu também, mas de modo inverso, na redação do Código Civil40, em que se diz, em vários lugares, prescrição em lugar de decadência: o que se extingue, com o decurso do tempo, não é a pretensão, mas o direito formativo. Na hipótese de restituição de im-posto indevido, o solvens adquire, no momento em que cumpre a o-brigação tributária ilegal, direito de crédito e pretensão, não direito formativo.”

Em conseqüência, o transcurso do prazo do art. 168 (e também do art. 169, que se refere de maneira precisa à prescrição) é matéria de defesa, não podendo ser declarado de ofício pelo juiz. Do mesmo modo, a eventual devolução espontânea de tributo indevido, em atendimento a requerimento formulado fora do prazo, é irreversível, por constituir obrigação natural, O inciso I do art. 168 fixa na data da extinção do crédito tributário o dies a quo do prazo prescricional. Para os tributos sujeitos a lançamento de ofício ou com base em declaração, a regra é clara: a extinção dá-se com o pagamento

35 Op. cit., p. 894. 36 Op. cit., p. 63. 37 Inconstitucionalidade da Lei Tributária – Repetição do Indébito. São Paulo: Dialética, 2002, p. 37 e 46-50. 38 Op. cit., p. 85. 39 Op. cit., p. 79. 40 O Autor refere-se ao Código Civil de 1916.

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(CTN, art. 156, I). Já quanto aos sujeitos a lançamento por homologação, dispõe o Código:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...) VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento41

nos termos do disposto no art. 150, §§ 1º e 4º.” (grifo nosso) “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto

aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de an-tecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conheci-mento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º. O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homolo-gação do lançamento42.

§ 2º. Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos an-teriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por tercei-ro, visando à extinção total ou parcial do crédito.

(...) § 4º. Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cin-

co) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse pra-zo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.” (grifos nossos)

Pelo amálgama dos arts. 168, I, 156, VII, e 150, §§ 1º, 2º e 4º, do CTN, tem-se que, decorridos cinco anos da data do fato gerador, tendo havido pagamento e à falta de homologação expressa, perfaz-se a condição resolutiva legal e extingue-se definitivamente o crédito tributário. O pagamento, se indevido, enseja restituição. E o indébito pode ser repetido nos próximos cinco anos, é dizer, em um prazo de dez anos, contado a partir da ocorrência do fato gerador. É claro que, dando-se conta de que pagou indevidamente, pode o contribuinte propor a repetitória antes da homologação tácita, isto é, antes do início da prescrição: esta corre contra o credor, e não em seu favor. O que se tem aqui é uma postergação do início do prazo, sem prejuízo do imediato exercício do direito de ação. Em síntese: o Fisco tem cinco anos para homologar, expressa ou tacitamente; o contribuinte tem mais cinco, contados da homologação, para pedir repetição. Tais razões, postas pelo legislador, vieram redundar na mansa jurispru-dência do STJ, de que é exemplar o acórdão que se segue:

“Tributário. Empréstimo compulsório. Consumo de comb us-

tível. Repetição de indébito. Decadência. Prescriçã o. Inocorrên-cia.

41 O correto teria sido dizer homologação do pagamento, e não do lançamento, que este é ato do Poder Público (e não do contribuinte) e se consubstancia na própria homologação. 42 SACHA CALMON (op. cit., p. 795-796) critica o emprego da expressão condição resolutória, afirmando que a homologação (ainda que tácita) é evento futuro e certo. Nem por isso se afasta da conclusão de que o pagamento só extingue o crédito, “só se torna eficaz, cinco anos após a sua realização (durante este tempo, a Fazenda Pública, gostosamente, tem o contribuinte à sua mer-cê)”.

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I - O tributo arrecadado a título de empréstimo compulsório sobre o consumo de combustíveis é daqueles sujeitos a lançamento por homologação. Em não havendo tal homologação, faz-se impossível cogitar em extinção do crédito tributário.

II - À falta de homologação, a decadência do direito de repetir o indébito tributário somente ocorre decorridos cinco anos, desde a o-corrência do fato gerador, acrescidos de outros cinco anos, contados do termo final do prazo deferido ao Fisco para apuração do tributo devido.

III - Estado e contribuinte são devedores de mútua lealdade. Não é lícito utilizarem-se os institutos da prescrição e da decadência co-mo armadilha e instrumento de calote.” (REsp. nº 65.277/95-PE, 1ª turma, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. em 07.08.95, in DJ de 18.09.95, p. 29.949, maioria)

Registre-se que a exegese, rigorosamente técnica, firmou-se quanto a todos os tributos sujeitos a lançamento por homologação. Seus efeitos práticos, porém, não são tão benéficos quanto se possa imaginar. É que a perspectiva de condenar o ente público a devolver a milhares (às vezes milhões) de contribuintes o valor pago nos últimos dez anos (ou mais de dez, já que a prescrição se conta da data do ajuizamento da ação, e esta costuma tramitar por cinco ou mais anos antes de passar em julgado) pesa negativamente no espírito dos julgadores, que acabam muita vez resvalando para soluções juridicamente imperfeitas, com vistas a evitar a propalada ruína do Estado. A raison d’État deveria escapar à cogitação dos juízes, mas a realidade é bem outra... Reiteramos, porém, nossa posição quanto ao acerto da interpretação em comento, mas vemos com bons olhos as propostas de alteração legislativa da matéria, como o Projeto de Lei Complementar nº 72/2003, oriundo da Câmara dos Deputados, onde já foi aprovado, e atualmente tramitando no Senado Federal. Eis o seu texto, no que interessa à matéria deste estudo:

“Art. 3º. Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por ho-mologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150.

Art. 4º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, ob-servado, quanto aos arts. 2º43 e 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional.”

O prazo de dez anos parece realmente exagerado, sobretudo diante do nível de informação dos contribuintes nos duas correntes, em que a advocacia constitui atividade extremamente organizada e bem-sucedida na difusão das no-vas teses entre os potenciais clientes. Inaceitável, entretanto, a referência do art. 4º ao art. 106, I, do CTN, que trata da eficácia retroativa das leis interpretativas. Tal lei, se aprovada, decer-to não será exclusivamente interpretativa (se é que essa categoria realmente exis-te), visto que modificará dispositivos do CTN que conduziam inevitavelmente à exegese consagrada no STJ. Assim, só poderá ter efeitos futuros, isto é, para pa- 43 O art. 2º do projeto – não transcrito porquanto alheio em tema em estudo – define como infração de lei, para efeito do art. 135 do CTN, o mero não-pagamento do tributo devido. Note-se de passa-gem que a aprovação da proposta eliminaria toda diferença entre os arts. 134 e 135 do CTN, tor-nando ainda mais confuso o plexo normativo que vai dos arts. 134 a 137 do estatuto.

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gamentos indevidos feitos após a sua entrada em vigor. Mesmo as ações posterio-res à nova lei, se fundadas em pagamentos anteriores, continuariam a atender ao prazo decenal. Nessa linha, a lição de LEO KRAKOWIAK44 sobre a compensação, plenamente aplicável à repetição do indébito:

“Com efeito, muito embora a jurisprudência de nossos Tribunais tenha oscilado quanto à determinação de qual a legislação aplicável em se tratando de compensação, se aquela em vigor quando do pa-gamento indevido ou aquela em vigor no momento da compensação, pacificou-se afinal adotando aquela primeira linha de raciocínio, co-mo se verifica do recente acórdão unânime da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

‘Tributário. Compensação tributaria. Limitação legal. Contribuição previdenciária.

1. As limitações das Leis nº 9.032/95 e 9.129/95 só incidem a partir da data de sua vigência.

2. Os recolhimentos indevidos efetuados até a data da publica-ção das leis em referência não sofrem limitações.

3. Embargos de divergência rejeitados.’ (Embargos de Divergên-cia em REsp. nº 164.739-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, DJ 1, 12.02.01)”

O inciso II do art. 168, em comento, remete ao inciso III do art. 165, que garante a repetição nos casos de reforma, anulação, revogação ou rescisão da decisão anterior que impusera o recolhimento. Nesses casos, sendo o caráter indevido do pagamento superveniente à sua realização, não pode a prescrição, é claro, iniciar-se no momento desta, devendo começar a correr somente quando do nascimento da pretensão à recuperação, isto é, no trânsito em julgado da decisão modificadora. Deveras, o pagamento não fizera nascer nenhuma ação (actio nata) para o solvens, pois não era àquela altura ilícito, mas, ao contrário, lícito e obriga-tório, por força de decisão administrativa ou judicial em vigor. Muito diferente é a hipótese de pagamentos feitos com base em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo STF, em controle concentrado ou difuso (neste último caso, com suspensão de sua execução pelo Senado Federal, na forma do art. 52, X, da Constituição). Aqui, o caráter indevido dos pagamentos anteriormente feitos pela comunidade dos contribuintes não decorre da decisão, que apenas declara um vício preexistente, e muito menos da resolução senatorial, que se limita à revogação da lei com efeitos ex nunc. Sem embargo disso, vários autores têm defendido para a hipótese a aplicação de uma prescrição especial, diferente daquela do CTN: direito de propor a ação em até cinco anos do trânsito em julgado da decisão em ADIn ou da data de publicação da resolução do Senado, para reclamar todos os pagamentos preté-ritos do tributo em questão, independentemente de quantos anos tenham passado (quinze, vinte, trinta, cinqüenta...). O abalo à segurança jurídica, à estabilidade das relações de há muito passadas e – é preciso dizê-lo – aos cofres públicos é insu-portável.

44 A Compensação e a Correta Aplicação do art. 170-A do CTN. In Revista Dialética de Direito Tri-butário vol. 68. São Paulo: Dialética, p. 82.

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Malgrado isso, a tese prosperou no STJ, onde ganhou foros de juris-prudência pacífica. Veja-se, à guisa de exemplo, a ementa do AgRg no Agravo de Instrumento nº 404.938/GO, elaborada pelo Min. FRANCIULLI NETTO (de notar que se trata de decisão da 2ª Turma, mas fundada em precedente da 1ª Seção daquela Corte45; o tema em voga é a compensação, mas o raciocínio tem sido aplicado também nos casos de repetição do indébito):

“Agravo regimental. Agravo de instrumento. Compensaç ão. Finsocial. Prescrição. Decadência. Inocorrência. Co ntagem a partir do trânsito em julgado da decisão do Supremo Tribunal Federal. Provimento negado.

A declaração de inconstitucionalidade da lei instituidora de um tributo altera a natureza jurídica dessa prestação pecuniária, que, re-tirada do âmbito tributário, passa a ser de indébito para com o Poder Público, e não de indébito tributário. Com efeito, a lei declarada in-constitucional desaparece do mundo jurídico, como se nunca tivesse existido.

Afastada a contagem do prazo prescricional/decadencial para repetição do indébito tributário previsto no Código Tributário Nacio-nal, tendo em vista que a prestação pecuniária exigida por lei incons-titucional não é tributo, mas um indébito genérico contra a Fazenda Pública, aplica-se a regra geral de prescrição de indébito contra a Fazenda Pública, prevista no artigo 1º do Decreto 20.910/32.

A declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal não elide a presunção de constitucionalidade das normas, razão pela qual não estava o contribuinte obrigado a suscitar a sua inconstitucionalidade sem o pronunciamento da Excelsa Corte, ca-bendo-lhe, pelo contrário, o dever de cumprir a determinação nela contida.

A tese que fixa como termo a quo para a repetição do indébito o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei que instituiu o tributo deverá prevalecer, pois não é justo ou razoável permitir que o contri-buinte, até então desconhecedor da inconstitucionalidade da exação recolhida, seja lesado pelo Fisco.

Ainda que não previsto expressamente em lei que o prazo pres-cricional/decadencial para restituição de tributos declarados inconsti-tucionais pelo Supremo Tribunal Federal é contado após cinco anos do trânsito em julgado daquela decisão, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio leva a essa conclusão.

Cabível a restituição do indébito contra a Fazenda, sendo o pra-zo de decadência/prescrição de cinco anos para pleitear a devolu-ção, contado do trânsito em julgado da decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional o suposto tributo.

Agravo regimental a que se nega provimento.” (DJ 07.04.2003)

A hipótese era de controle direto de constitucionalidade. Aplicando o mesmo princípio ao controle difuso, a seguinte decisão, também da 2ª Turma, sob a relatoria do Min. CASTRO MEIRA:

“Tributário. PIS. Decretos-leis nº 2.445/88 e 2.449/ 88. Decla-ração de inconstitucionalidade incidental. STF. Efe itos inter par-tes . Resolução do Senado Federal. Extensão erga omnes . Repe-tição do indébito. Prescrição. Termo inicial.

45 EREsp. nº 42.720-5/RS, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 14.04.95.

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1. A declaração de inconstitucionalidade proferida incidentalmen-te pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 148.754/RJ somente passou a ter eficácia erga omnes com a publicação da Resolução do Senado Federal nº 49/95, quando foram tornados sem efeito os De-cretos-leis nº 2.445/88 e 2.449/88.

2. O prazo prescricional para a propositura da ação de repetição de indébito do PIS cobrado com base nos dois decretos-leis iniciou-se, portanto, em 10 de outubro de 1995, data em que publicada a Resolução nº 49/95 do Senado Federal, findando em 09 de outubro de 2000. Precedentes.

3. No caso em questão, a ação foi proposta em 05 de julho de 2001, estando, portanto, fulminada pela prescrição.

4. Recurso especial provido.” (REsp. nº 528.023/RS, j. em 04.09.2003)

No momento oportuno, voltaremos a este último julgado, para discutir a possibilidade de a nova exegese prejudicar o contribuinte cuja ação não estaria prescrita segundo o critério decenal. Cuidemos por ora de ouvir os defensores da orientação consagrada no STJ. Assim fala HUGO DE BRITO MACHADO (ao tempo Juiz do TRF da 5ª Região):

“Ocorre que a presunção de constitucionalidade das leis não permite que se afirme a existência do direito à restituição do indébito, antes de declarada a inconstitucionalidade da lei em que seu fundou a cobrança do tributo.

É certo que o contribuinte pode promover a ação de restituição, pedindo seja incidentalmente declarada a inconstitucionalidade. Tal ação, todavia, é diversa daquela que tem o contribuinte, diante da declaração, pelo Supremo Tribunal Federal, da inconstitucionalidade da lei em que se fundou a cobrança do tributo. Na primeira, o contri-buinte enfrenta, como questão prejudicial, a questão da constitucio-nalidade. Na segunda, essa questão encontra-se previamente resol-vida.

Não é razoável considerar-se que ocorreu inércia do contribuinte que não quis enfrentar a questão de constitucionalidade. Ele aceitou a lei, fundado na presunção de constitucionalidade desta.

Uma vez declarada a inconstitucionalidade, surge, então, para o contribuinte, o direito à repetição, afastada que fica aquela presun-ção.” (AC nº 44.403/PE, DJ de 24.06.94)

O Desembargador Federal PLAUTO RIBEIRO, do TRF da 1ª Região, assevera que “embora lhe seja facultado, não se pode exigir do contribuinte que venha, a cada edição de norma legal instituidora de tributo, detentora de presun-ção de constitucionalidade, questionar sua validade junto ao Poder Judiciário (...), para evitar que, futuramente, na eventualidade de declaração de inconstitucionali-dade pelo Supremo Tribunal Federal, (...) não disponha mais de ação para reaver o que pagou indevidamente, por força de lei, como se disse, presumidamente constitucional, que estava em pleno vigor” (AC nº 1999.01.00.080612-4/MG, DJ de 17.05.2002).

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MARCO AURÉLIO GRECO e HELENILSON CUNHA PONTES dedi-caram todo um livro ao tema, onde registram46:

“Tratando-se de hipótese em que o núcleo da questão é a in-constitucionalidade da lei ou ato normativo em que se apóia a exi-gência e em função da qual o pagamento foi realizado, a situação adquire maior complexidade, pois não se trata apenas de aferir a a-dequação do fato à qualificação jurídica que resulta da lei ou do ato normativo, mas é preciso considerar mais dois elementos:

a) a mudança da qualificação jurídica do fato (pagamento) oriun-da de um pronunciamento judicial que afirma a incompatibilidade da lei ou ato normativo – com base no qual o fato foi realizado – à Cons-tituição; e

b) o momento em que esta mudança de qualificação jurídica o-corre, tendo em conta o momento em que o pagamento se deu.

Aos dois elementos anteriores (fato + qualificação jurídica) deve-se acrescentar um terceiro elemento que é o momento em que se realiza o juízo de adequação/inadequação da lei ou ato normativo à Constituição (juízo de validade). Vale dizer, o elemento tempo passa a assumir importância capital, em razão do perfil que resulta do juízo de inconstitucionalidade que atinge a norma jurídica (...).

Olhando dessa perspectiva, e tendo em conta o momento em que se dá o cotejo entre o fato e o ordenamento positivo, para fins de reconhecer a qualificação jurídica que daí advém, à vista do paga-mento feito, dois momentos devem ser identificados:

a) momento do pagamento; e b) momento do julgamento da questão constitucional (pronunci-

amento quanto à validade). Examinemos estes dois momentos. Momento 1: o pagamento foi efetuado sob a vigência de uma lei

ou de um ato normativo que o exigia. Estes, naquela data, estavam revestidos de presunção de constitucionalidade e o contribuinte cum-priu a norma vigente à época.

Portanto, no Momento 1 a qualificação jurídica de que está re-vestido o pagamento feito é de um pagamento devido, posto que cor-responde, com exatidão, às previsões que o ordenamento positivo determinava à época e a norma estava cercada de presunção de constitucionalidade.

Na medida em que o pagamento é devido, não há por que falar em fluência de prazo prescricional, pois não existe actio nata, uma vez que não estão reunidos os elementos que a configuram.

Momento 2: num momento subseqüente, sobrevém decisão judi-cial que declara a inconstitucionalidade da lei. Esta decisão altera a qualificação jurídica do pagamento feito, pois retira um de seus fun-damentos de validade, de modo que o pagamento deixa de estar em sintonia com o ordenamento, para se tornar dele discrepante.

Neste momento, ele torna-se indevido, não porque assim sempre tenha sido, mas porque passou a receber esta nova qualificação em decorrência da decisão judicial. Se nos perguntarmos, no momento imediatamente anterior à declaração de inconstitucionalidade, se os pagamentos são devidos ou indevidos, a resposta só pode ser que mantêm a qualidade de devidos, pois até aquele momento não há pronunciamento que tenha alterado tal qualificação.”

46 Op. cit., p. 51-52.

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Para o Min. PÁDUA RIBEIRO, do STJ, por derradeiro, a tese estaria estribada em precedente do STF. Veja-se o seu voto no REsp. nº 44.221/PR, DJ de 23.05.94:

“A tese de que, declarada a inconstitucionalidade da restituição da exação [sic], segue-se o direito do contribuinte à repetição do in-débito independente do exercício em que se deu o pagamento, po-dendo, pois, ser exercitado no prazo de cinco anos, a contar da deci-são plenária declaratória da inconstitucionalidade, ao que saiba, não foi ainda expressamente apreciada pela Corte Maior. Todavia, creio que se ajusta ao julgado no RE 136.883/RJ, Relator o eminente Mi-nistro Sepúlveda Pertence, assim ementado (RTJ 137/936):

‘Empréstimo compulsório (Decreto-lei nº 2.288/86, art. 10): inci-dência na aquisição de automóveis, com resgate em quotas do Fun-do Nacional de Desenvolvimento: inconstitucionalidade não apenas da sua cobrança no ano da lei que o criou, mas também da sua pró-pria instituição, já declarada pelo Supremo Tribunal Federal (RE 121.336, Plen., 11.10.90, Pertence): direito do contribuinte à repeti-ção do indébito, independentemente do exercício em que se deu o pagamento indevido.’”

Despiciendo continuar com as citações. O importante era repertoriar os argumentos em prol da prescrição especial em caso de decisão de inconstitu-cionalidade pelo STF, a saber: • impossibilidade de aplicação do CTN, por não ter o valor indevidamente pago natureza de tributo; • indução do contribuinte ao erro, pela presunção de constitucionalidade das leis; • lesão ao contribuinte que não questionou individualmente a norma, o qual não teria, após a declaração de sua inconstitucionalidade pelo STF, como reaver os valores indevidamente pagos; • superveniência do caráter indevido do pagamento somente após a decla-ração de inconstitucionalidade, mantendo este a qualidade de devido até então; • suposto apoio na jurisprudência da Suprema Corte. Estamos em que nenhuma das alegações procede. Quanto ao primeiro fundamento, remetemos o leitor aos comentários ao art. 165, especialmente à interessante analogia de BRANDÃO MACHADO com o ato administrativo inexistente. Ora, se o termo tributo pudesse designar somente as quantias devidamente pagas, nenhum pagamento indevido, qualquer que fosse a causa do indébito, seria de tributo, o que redundaria na total inaplicabilidade dos dispositivos do CTN sobre a matéria. O absurdo da conclusão comprova a erronia do pressuposto. A presunção de constitucionalidade (segundo argumento) não induz a insindicabilidade da norma perante o Judiciário. O raciocínio infantiliza o contri-buinte, tomando-o – e a seus assessores – por incapaz de diagnosticar a inconsti-tucionalidade da norma e, por outro lado, de avaliar o risco da decisão de não a questionar. Lesão ao contribuinte inerte (terceiro argumento) as mais das vezes não há. A uma porque a decisão na ADIn ou a resolução senatorial (os dois mar-

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cos propostos para o início da prescrição) o beneficia pro futuro, autorizando-o a suspender os pagamentos. A duas porque, após a decisão ou a resolução, pode ele ainda propor ação individual de repetição, pleiteando os últimos cinco ou dez anos de pagamento, segundo a modalidade de lançamento do tributo em questão. A superveniência do caráter indevido do pagamento somente após a decisão de inconstitucionalidade (quarto argumento) é uma impossibilidade lógica. Deveras, se assim fosse, o que autorizaria o STF a num certo momento declarar indevido o pagamento, se até o último instante antes de seu pronunciamento o caráter devido subsistiria? Qual seria o fundamento da decisão? Reiteramos aqui o que dissemos linhas atrás: a decisão de inconstitucionalidade limita-se a reco-nhecer vício preexistente, congênito à lei. Não transforma pagamento devido em indevido, mas apenas declara que o tributo sempre foi indevido (ainda que os seus efeitos retroativos possam ser mitigados pela Corte, coisa muito diversa). Suporte na jurisprudência do STF (quinto argumento) não há mesmo. O que há é um mal-entendido sobre o aresto referido pelo Min. PÁDUA RIBEIRO. A leitura atenta do relatório e do voto do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE deixam claro que a cláusula “direito do contribuinte à repetição do indébito independente-mente do exercício em que se deu o pagamento indevido” não tem a amplitude pretendida, querendo significar apenas que o caso não era de invalidade do tributo em tela somente no ano da edição da lei que o instituiu (por suposta ofensa ao princípio da anterioridade), mas de sua inconstitucionalidade material definitiva. É conferir: • do relatório:

“Trata-se de ação de repetição de indébito proposta por adqui-rente de veículo automotor contra a União, visando à restituição de importância recolhida em 1987, a título de empréstimo compulsório, por força do Decreto-lei 2.288/86.

Em primeira instância, a ação foi julgada procedente (f. 31); mas o Tribunal Regional Federal da 2ª Região deu provimento à remessa de ofício, para ‘reconhecer cabível a cobrança do encargo financeiro instituído pelo Decreto-lei 2.288/86, a partir do exercício de 1987’.

O acórdão ficou resumido nesta ementa (f. 45): ‘Constitucional. Tributário. Empréstimo compulsório sobre aquisi-

ção de veículos. Dec.-lei nº 2.288/86. Inconstitucionalidade por infrin-gência ao princípio da anterioridade – artigo 153, parágrafo 29, da Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. Remessa provi-da por se tratar de cobrança do encargo a partir do exercício de 1987.’ ”

• do voto do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

“No leading case referido na admissão do recurso – RE 121.336, Plen., 11.10.90, de que fui relator –, não se limitou a Corte a declarar inexigível a exação do DL 2.288/86 no ano de sua criação, por força do princípio da anterioridade, que, de resto, ainda sob o regime da Carta de 69, tem reputado inaplicável ao empréstimo compulsório (...): o que se declarou inconstitucional foi, no que lhe dizia respeito, o próprio decreto-lei que o instituía.

(...) Declarada, assim, pelo Plenário, a inconstitucionalidade material

das normas legais em que fundada a exigência de natureza tributá-

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ria, porque feita a título de cobrança de empréstimo compulsório, se-gue-se o direito do contribuinte à repetição do que pagou (C. Trib. Nac., art. 165), independentemente do exercício financeiro em que tenha ocorrido o pagamento indevido.

Correta, pois, a sentença de primeiro grau, que condenou a Uni-ão à repetição do indébito, com correção monetária, juros e honorá-rios de sucumbência: portanto, conheço do RE e lhe dou provimento para restabelecê-la.”

A transcrição não é importante apenas para esclarecer o equívoco a respeito do alcance da decisão, mas também porque o voto contém manifestação expressa quanto à aplicabilidade do art. 165 do CTN aos casos de inconstituciona-lidade da lei tributária. Ao cabo, parece-nos que a prescrição especial seria recomendável, e mesmo necessária, se o Brasil adotasse apenas o sistema concentrado de controle da constitucionalidade das leis, que veda ao cidadão a argüição da invalidade da norma e deixa-o à mercê da boa-vontade dos legitimados à propositura da ação direta. Nessa situação, nenhuma inércia poderia ser-lhe atribuída. Ocorre que adotamos também o controle difuso, que atribui a todo cidadão o direito de suscitar, e a todo juiz o poder de declarar, a qualquer tempo e independentemente de formalidade especial (exceto nos tribunais – CF, art. 97), a inconstitucionalidade das leis. Num tal contexto, a inércia po-de e deve ser punida com a prescrição, a bem da estabilidade das relações jurídicas. “Dormientibus non succurrit jus.” Malgrado o seu equívoco, o entendimento criticado – já se disse – consagrou-se no STJ. Pois bem, o incrível é que a tese, declaradamente protetiva do contribuinte, tem servido de fundamento para decisões do próprio STJ que o prejudicam, entendendo prescritas ações de repetição ajuizadas mais de cinco anos após a decisão em ADIn ou a resolução do Senado, ainda que o pagamento que se quer reaver (tratando-se de tributo sujeito a lançamento por homologação) tenha sido feito menos de dez anos antes da propositura. Exemplo disso é o acór-dão lavrado no REsp. 528.023/RS (Min. CASTRO MEIRA), já transcrito acima. A situação é aberrante, pois o tribunal da legalidade abandona a lei escrita (arts. 168, I, 156, VII, e 150, §§ 1º, 2º e 4º, do CTN) em favor de solução inovadora e tecnicamente questionável, com prejuízo para o cidadão. Em conclusão, o novo critério, a ser aceito, só tem cabimento quando reabre prazo prescricional doutra forma já extinto; nunca quando restringe o prazo de que dispõe o contribuinte para pleitear a restituição. “Odiosa restringenda, favorabilia amplianda.”

• Art. 169.

“Art. 169. Prescreve em 2 (dois) anos a ação anulatória da deci-são administrativa que denegar a restituição.

Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fa-zenda Pública interessada.”

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Nos comentários ao art. 168, deixamos registrado que a prescrição quinqüenal refere-se tanto ao pleito administrativo quanto ao judicial de repetição. Optando o interessado diretamente pela via judicial, é claro que não se cogitará de processo administrativo. Decidindo, contudo, tentar a restituição primeiramente na via administrativa, e não obtendo sucesso, pode reiterar a sua pretensão em juízo (CF, art. 5º, XXXV)47. Mas agora deverá fazê-lo em até dois anos do indeferimento final do pleito administrativo, sob pena de prescrição. Sobre o parágrafo único, nada temos a acrescentar ao magistério de SACHA CALMON48:

“O parágrafo único do art. 169 é de uma desfaçatez sem tama-nho. É modalidade de prescrição intercorrente, já não mais da ação, mas do processo, em inteiro descompasso com a realidade. Trata-se, em verdade, de absurdo privilégio processual em prol da Fazen-da Pública, contra o princípio da isonomia.

Correndo por metade a prescrição, mesmo após a intimação (rectius: citação) do representante judicial da Fazenda Pública, tem-se que prescreveria o direito do autor em um ano, na melhor das hi-póteses, após a citação, à falta de sentença.

Em rigor, o autor só poderia ser responsabilizado pelas delongas processuais a seu cargo. A inércia ou a morosidade do Judiciário não podem ser a ele debitadas.

Ruborizados, com louvável pudor, os representantes judiciais da Fazenda não fazem uso do deslavadamente iníquo parágrafo único do art. 169, salvo raríssimas exceções, invariavelmente repelidas pe-los juízes.”

A inconstitucionalidade do parágrafo único é mesmo clara, por ofen-sa ao direito de acesso ao Judiciário (que inclui o de ver solucionada a lide pro-posta) e ao princípio da razoabilidade (não sendo razoável punir o contribuinte pela natural demora dos processos judiciais).

47 Pode também desistir do processo administrativo antes de seu encerramento e propor desde logo ação judicial, desde que o faça em até cinco anos da extinção do crédito. Do contrário, seu pedido de restituição será obstado pela prescrição do art. 168, e não se lhe terá aberto a possibili-dade da ação anulatória do art. 169. 48 Op. cit., p. 840.